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sábado, 4 de agosto de 2012

É possível um Estado ativo?



Neste sábado de olimpíadas e mensalões, é tempo também de pensar no que a foto acima ainda representa para este século XXI.

E, como exemplo, vou direto a um assunto recente: as penalidades que o governo impôs a diversas empresas da área de telecomunicações. Afinal, se o telefone não funciona ou se a conexão na internet é lenta e, mesmo reclamando da companhia telefônica, o serviço continua deficiente, a quem devo reclamar? Ao Bispo?

Se fosse na Idade Média até que seria possível o Bispo resolver. Porém, já que hoje não tenho contato com o Bispo Macedo, alguém, neste mundo, tem que fazer algo. E foi feito: o governo fez a maior interferência no mercado brasileiro da telefonia móvel demonstrando o seu poder punitivo.

É por esse tipo de exemplo que entre discutir um Estado máximo ou um Estado mínimo, por que não existir um Estado ativo? Entre a liberdade de mercado de Milton Friedman e o intervencionista Estado de John Maynard Keynes, porque não um Estado capaz de prestar aos seus cidadãos os serviços básicos essenciais, deixando à iniciativa privada trabalhar com total liberdade, porém, acompanhando o dia a dia de maneira que, antecipadamente, possa agir em benefício da coletividade?

Capitalismo e liberdade são duas palavras próximas e o Estado não é inimigo de ambas. O que deve existir é o bem estar da sociedade. Afinal, até Friedman, dizem alguns, foi um admirador secreto de Keynes. Se isso foi ou não verdade, o fato é que eles foram relevantes para o pensamento econômico no século XX e continuam importantes neste século XXI.

Isso posto, embora com atraso, registro os 100 anos de nascimento de Milton Friedman que ocorreu em 31.07.2012 e torço para que o estudo das duas diferentes teorias possa trazer ao mundo a prosperidade econômica que todos desejam.

Pelo fim da recessão, independente da ortodoxia ou heterodoxia dos meus quase, ainda espero, dois (milhões de) leitores. Até porque, Dilma e Serra, que não são, digamos assim, tão próximos, acreditam no poder do Estado ativo.    

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Economia com Samuelson e Nordhaus - 19ª edição.


Sempre que posso procuro acompanhar os lançamentos na área de Economia. Como aqui no Pará a logística é complexa, normalmente os lançamentos demoram a chegar. Porém, hoje, para minha surpresa neste início do final de semana, localizei na Saraiva a 19º edição do clássico ECONOMIA do Paul Samuelson e do William Nordhaus, sem que tivesse lido qualquer notícia sobre esse lançamento que ocorreu em 11.06.2012. 

Uma excelente notícia e uma boa indicação de leitura ou releitura de peso, nestes tempos nos quais em diversos governos pelo mundo, existe uma disparada de gasto público. Inclusive para melhor entender se o recomendável hoje é a mão pesada do estado ou a mão invisível do mercado. A reavaliar com atenção.

A propósito, Samuelson foi o principal seguidor de Keynes nos Estados Unidos e atualmente não sai da cabeça do Obama e, por que não, da presidente Dilma.  

segunda-feira, 26 de março de 2012

Keynes e Hayek em dose dupla.


Recebi do grupo de Economia Política links para dois ótimos vídeos sobre os conhecidos e discordantes Keynes e Hayek. Como disse o Daniel, são vídeos  humorísticos, porém com muito conteúdo.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Keynes e os juros.


José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) e escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO de hoje.

Recentemente o Banco Central (BC) solicitou às instituições financeiras estimativas a respeito do valor da taxa de juros neutra para a economia brasileira, ou seja, o valor da taxa real de juros para o qual a demanda agregada é igual ao produto potencial de forma que a inflação seja mantida constante ao longo do tempo. Essas estimativas apontam para uma taxa neutra em torno de 5,5% ao ano, o que significa uma redução de 1,25 ponto percentual desde novembro de 2010, quando uma consulta indicou a taxa neutra em torno de 6,75%. A redução observada na taxa neutra seria o resultado de "mudanças estruturais significativas na economia brasileira", segundo a ata do Copom, não tendo nenhuma relação com a condução da política monetária.

Uma reflexão um pouco mais aprofundada sobre quais seriam essas mudanças estruturais significativas, contudo, não aponta para nenhuma mudança em particular. De fato, a condução da política fiscal continua basicamente a mesma do segundo mandato do presidente Lula, a poupança pública não apresentou nenhuma melhoria significativa, o crédito doméstico continua se expandindo a taxas elevadas, o grau de indexação formal da economia brasileira ainda é alto e os títulos pós-fixados mantêm uma participação expressiva na dívida pública. Daqui se segue que não há nenhuma razão concreta para se acreditar que tenha ocorrido nos últimos anos um aumento da eficácia da política monetária e/ou uma redução da taxa de juros de "equilíbrio". Sendo assim, como explicar a mudança nas expectativas do mercado a respeito da taxa de juros neutra?

Na sua Teoria Geral do Emprego, Keynes criou o conceito de taxa de juros segura, ou seja, o valor da taxa de juros que o público acredita que irá prevalecer no longo prazo. A taxa de juros segura nada mais é do que uma convenção social, ou seja, uma crença compartilhada entre os agentes econômicos a respeito do valor em torno do qual a taxa de juros flutua ao longo do tempo. Essa convenção não está baseada em "fatores objetivos" como pensa a teoria neoclássica. Em particular, a taxa de juros segura não é equivalente ao conceito de taxa natural de juros dos modelos Dynamic Stochastic General Equilibrium (DSGE) tão em voga atualmente. A taxa natural de juros é tida, nesses modelos, como independente da política monetária, sendo determinada pela produtividade do capital e pelas preferências intertemporais das famílias.

Do ponto de vista keynesiano, o conceito de taxa natural de juros é um completo nonsense porque pressupõe a independência entre o produto potencial e a demanda agregada. Isso porque, em função da existência generalizada de economias de escala e de equilíbrios múltiplos gerados a partir de efeitos de histerese no mercado de trabalho, o produto potencial não é uma variável exógena, mas é dependente da trajetória seguida pelo produto efetivo (e, portanto, pela demanda agregada) ao longo do tempo.

Voltando à taxa de juros segura, Keynes afirma na sua Teoria Geral que: "A autoridade monetária controla, com facilidade, a taxa de juros a curto prazo, não só pelo fato de não ser difícil criar a convicção de que sua política não mudará sensivelmente em um futuro muito próximo, como também em virtude de a possível perda ser pequena, quando comparada com o rendimento corrente (a não ser que este chegue a ponto de ser quase nulo). Mas a taxa a longo prazo pode mostrar-se mais recalcitrante no momento em que caia a um nível que, com base na experiência passada e nas expectativas correntes da política monetária futura, a opinião abalizada considera "inseguro".

Isso não quer dizer, obviamente, que o Banco Central não seja capaz de influenciar a taxa de juros de longo prazo. Ele poderá fazê-lo desde que consiga induzir uma mudança nas expectativas que os agentes econômicos formulam a respeito da taxa segura de juros. Em outras palavras, uma redução da taxa de juros de longo prazo envolve necessariamente a mudança da convenção prevalecente no mercado financeiro sobre o valor da taxa segura. Se o BC não for capaz de produzir uma mudança nas convenções sobre a taxa de juros segura, então a redução da taxa de juros de longo prazo resultante da redução do valor corrente da taxa de juros de curto prazo irá induzir uma expectativa de elevação da taxa longa no futuro próximo. Em função disso, as expectativas a respeito dos valores futuros da taxa de juros serão reajustadas para cima, produzindo o realinhamento do valor corrente da taxa longa na direção da taxa de juros segura.

Daqui se segue que uma condição fundamental para que o BC seja capaz de influenciar a taxa de juros de longo prazo é que a política monetária tenha credibilidade. Credibilidade não significa o compromisso único e exclusivo da autoridade monetária com uma taxa de inflação baixa, como entendem os economistas neoclássicos; mas deriva-se do entendimento por parte dos agentes econômicos de que a política monetária é compatível com o interesse público, sendo conduzida com convicção por parte de uma autoridade monetária, que não corra o risco de ser suplantada. Sendo assim, "uma política monetária que a opinião pública considere experimental em sua natureza e facilmente sujeita a mudanças pode falhar no seu objetivo de reduzir consideravelmente a taxa de juros a longo prazo".

Nesse contexto, as convenções prevalecentes a respeito do valor da taxa de juros segura podem ser alteradas se o público perceber que a política monetária é conduzida de maneira lógica e firme por parte do BC. Via de regra, isso exige mudanças moderadas e graduais na taxa de juros de curto prazo, dando tempo para que o público se acostume com patamares mais baixos de taxas de juros.

Com base nesse arrazoado, uma explicação possível para a redução observada das estimativas da taxa neutra é que nos últimos anos o BC tem sinalizado de forma clara e consistente seu desejo de reduzir gradualmente o patamar dos juros. Como essa sinalização é vista pelo mercado como baseada no julgamento técnico da autoridade monetária, e não como resultado de ingerência política no BC, segue-se que a mesma é vista como compatível com o interesse público e, portanto, crível. Mantidas essas condições, o BC poderá obter uma redução ainda maior da taxa de juros se persistir com sua política gradualista.

sábado, 31 de dezembro de 2011

Keynes estava certo.


PAUL KRUGMAN, em sua coluna no The New York Times, aqui publicado pela Folha de S. Paulo, neste 31.12.2011. 

O teste tem vindo de países europeus como Grécia e Irlanda, que tiveram que impor austeridade fiscal

"O momento de expansão, e não de retração, é a hora certa para o Tesouro Nacional ser austero."

Foi o que disse John Maynard Keynes em 1937, quando o BC americano estava a ponto de provar que Keynes estava certo ao tentar equilibrar o orçamento cedo demais, fazendo a economia americana entrar em profunda recessão.

Um governo que adota política de cortes numa economia em depressão faz a queda ser pior; a austeridade deve esperar até que a recuperação esteja bem encaminhada.

Infelizmente, no fim de 2010 e início de 2011, políticos e governantes em muitas partes do ocidente acreditavam que sabiam mais, e que nós deveríamos focar em deficits e não em empregos, ainda que nossas economias tivessem acabado de se recuperar da depressão pós-crise financeira. Agindo de forma anti-keynesiana, acabaram provando que Keynes estava certo mais uma vez.

Ao declarar que a economia keynesiana foi vingada, estou indo contra o saber convencional. Especialmente em Washington, a incapacidade do pacote de estímulos de Obama de gerar grande número de empregos é geralmente vista como prova de que gastos governamentais não conseguem produzir empregos.

Mas aqueles de nós que fizeram as contas corretamente perceberam desde o início que a Lei de Recuperação e Reinvestimento de 2009 era restrita demais, dada a profundidade da queda. E também previmos o consequente retrocesso político.

Portanto, o verdadeiro teste para a economia keynesiana não veio dos tépidos esforços do governo americano para impulsionar a economia, que foram largamente contrabalançados por cortes em níveis estaduais e municipais.

O teste tem vindo de países europeus como a Grécia e a Irlanda, que tiveram que impor severa austeridade fiscal como condição para receber empréstimos de emergência -e têm sofrido perdas econômicas do mesmo nível da Grande Depressão. Isso não deveria acontecer, segundo a ideologia que domina grande parte do nosso discurso político.

Em março passado, a parte republicana do Comitê Econômico Conjunto do Congresso divulgou relatório que ridicularizava as preocupações de que cortes em um momento de queda poderiam piorar a situação, argumentando que os cortes aumentariam a confiança de consumidores e de mercados, e isso sim poderia levar a um crescimento mais rápido, não mais lento.

A insistência em cortes imediatos continuou dominando o cenário político, com efeitos maléficos sobre a economia. É verdade que não houve novas grandes medidas de austeridade do governo federal, mas vimos muita austeridade "passiva" à medida que o pacote de estímulos de Obama saiu de cena e governos estaduais e municipais sem liquidez continuaram fazendo cortes.

Você poderia argumentar que Irlanda e Grécia não tinham escolha quanto à imposição de austeridade a não ser fazê-lo ou declararem-se inadimplentes e deixar o euro.

Mas outra lição de 2011 foi que os EUA tinham e têm uma escolha; Washington pode estar obcecado com a questão do deficit, mas os mercados financeiros estão, sim, sinalizando que nós deveríamos tomar mais empréstimos.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

VALOR entrevista presidente da AKB.


Mudar a periodicidade de cálculo da inflação anual acumulada para efeito de cumprimento da meta oficial, preferencialmente para 24 meses, dando tempo para absorção de choques de oferta imprevisíveis e passageiros, é uma das receitas do economista Luiz Fernando de Paula, 52 anos, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), entidade que congrega seguidores do pensamento do economista inglês John Mainard Keynes (1883-1946).

"Eu diria que se no próximo ano tivermos uma inflação acima do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que eu acho que vale a pena correr", disse. Para ele, o cenário externo adverso abre espaço para uma política econômica com juro menor e real menos valorizado.

Na entrevista que deu ao Valor ele defendeu também a mudança da remuneração da Caderneta de Poupança (TR mais 6% ao ano) como forma de não atrapalhar a queda dos juros e disse que, embora a presidente Dilma Rousseff tenha recebido uma "herança maldita", representada pela crise internacional, a política monetária está no rumo certo. Também elogiou a condução da atual diretoria do Banco Central (BC) e afirmou que o país ainda pode crescer em meio à crise, baseado no mercado interno, desde que a crise não se aprofunde ainda mais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Recentemente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira disse que agora temos um Banco Central nacional. As mudanças no BC marcam uma diferenciação clara da política econômica de Dilma em relação à de Lula? Que outras características marcam as diferenças entre as duas políticas econômicas?

Luiz Fernando de Paula: Sem dúvida, o BC passou a ter uma atuação mais técnica e mais independente do mercado financeiro, o que deve ser saudado. O que o BC, na gestão de Alexandre Tombini, está fazendo é não ficar olhando a economia apenas pelo retrovisor, mas também passando a olhar o que poderá acontecer com a economia para a frente. Isso faz sentido porque no regime de metas de inflação a previsão da inflação é um elemento fundamental, já que a taxa de juros tem efeito cerca de seis meses para frente. Contudo, é importante destacar que não há uma mudança no regime de política econômica, em que pese a grita geral dos "falcões do mercado" quando o BC reduziu no fim de agosto a taxa de juros. Há alguma diferenciação na condução da política econômica dentro do marco do regime vigente. Procura-se resgatar o sentido de uma maior coordenação entre política monetária e política fiscal, com vista à redução na taxa de juros básica da economia, que é a grande "jabuticaba" brasileira. A piora no cenário internacional abre uma janela de oportunidade para uma mudança no mix "juros altos-câmbio apreciado", que deve ser aproveitada.

Valor: Como o sr. analisa a economia neste primeiro ano de mandato da presidente? A crise econômica restringiu a gestão a ações reativas ou é possível enxergar uma gestão propositiva mesmo durante a crise?

Paula: Dilma recebeu uma "herança maldita", mas o mesmo pode-se dizer de quando Fernando Henrique Cardoso e Lula iniciaram seus governos. No caso da Dilma, ela herdou uma piora crescente no cenário internacional, como o aumento nos preços de commodities, com impactos sobre a inflação doméstica, e sobretudo os desdobramentos da crise nos EUA e na zona do euro que já começam a ter impacto sobre o crescimento da economia chinesa, nossa grande importadora de commodities. A China, por conta das pressões inflacionárias, não poderá dar a virada que fez em 2009, quando redinamizou a economia doméstica com forte crescimento dos investimentos públicos em infraestrutura. Tudo isso, obviamente, vai ter impacto negativo sobre a economia brasileira. Contudo, como dizem os orientais "crise é oportunidade", e o Brasil pode aproveitar a ocasião para fazer uma espécie de "virada", crescendo para o mercado interno, sem se descuidar do problema da restrição externa ao crescimento, isto é, evitando déficits crescentes em transações correntes. Assim, acredito que é possível fazer uma gestão propositiva mesmo durante a crise.

Valor: Entramos em nova fase de estímulo ao crescimento. Como evitar a recessão sem realimentar a inflação?

Paula: Olha, qualquer prognóstico sobre 2012 é complicado. Há variáveis aí que você não domina. A não retomada do crescimento americano - não é que os Estados Unidos vão entrar em recessão -, que efeitos terá sobre a China e, consequentemente, sobre as exportações brasileiras? O Brasil já vem com uma desaceleração endógena, independente da crise. Essa desaceleração tem um caráter conjuntural e um estrutural. Conjuntural é que, do ponto de vista dos componentes da demanda, todos contribuíram para a desaceleração. O investimento se desacelerou, o consumo privado se desacelerou e também as exportações líquidas e o gasto do governo por conta da manutenção do superávit primário. A economia patinou. A questão do câmbio teve impacto forte do ponto de vista de uma possibilidade de crescimento pelo lado das exportações. E tem o lado estrutural que é a questão que você tem uma tendência à apreciação da taxa de câmbio que vem ali desde 2005 muito forte. A indústria vinha dando alguns sinais de um processo de desindustrialização que não se fazia sentir porque o mercado interno estava crescendo de forma muito acelerada. Compensava-se parcialmente o desestímulo que vinha pelo lado do câmbio. Agora, o que se está observando desde 2010, e mais agudamente em 2011, é que o movimento defensivo da indústria foi no sentido de importar, ou seja, teve um crescimento das importações que entra pelo lado dos bens de consumo, dos bens de capital e dos insumos básicos. Isso me parece que chegou no osso da indústria. Eu acho que chegamos nesse ponto de preocupação, mas eu vejo que, por outro lado, você tem alguns elementos interessantes do ponto de vista da política econômica, uma tentativa de mudança do mix de política e eu acho que nós podemos tentar dar uma virada para o mercado interno. É difícil fazer comparações históricas, mas acho que a gente está em uma situação um tanto semelhante à da década de 30, quando tivemos a crise do modelo agroexportador e a economia voltou-se para o mercado interno, com um processo de substituição de importações, e teve um crescimento vigoroso em meio a uma crise mundial. A partir de 1932 o Brasil já estava voltando a crescer. Evidentemente que a situação é diferente. Nós temos uma indústria hoje. Mas uma indústria que está sendo castigada pela política de câmbio e política monetária. Eu acho que se o governo conseguir dar essa virada, fazendo uma política bem pragmática, mas firme, acho, quem sabe, que a gente possa aproveitar a ocasião para crescer de forma vigorosa.

Valor: Essa guinada pode ser feita com a economia relativamente aberta, como hoje, ou é preciso algum esforço de proteção à indústria? E, novamente, pisar no acelerador para dentro não pode desencadear novo surto inflacionário?

Paula: Olha, economia sempre tem riscos. De qualquer forma, de 2000 a 2011 vários países tiveram uma aceleração da taxa de inflação. Foi o caso da China, da Índia. Claro, inflação é sempre preocupante. Mas não é o pior dos mundos. Eu diria que se no próximo ano a gente tiver uma inflação acima do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que eu acho que vale a pena correr. Agora, tudo depende dos desdobramentos da crise mundial. Pode ser que os efeitos se configurem mais graves e, além dos efeitos mais imediatos. Você tem o efeito expectacional que é importante, mas que é subjetivo, difícil de mensurar. Perante a crise é natural que as pessoas ponham o pé no freio porque não sabem qual o tamanho do tombo que vem pela frente. Então, os consumidores vão poupar mais e gastar menos, os empresários vão querer investir menos, os banco vão querer emprestar menos...

Valor: Quando começou a fazer a redução da taxa de juros, o BC foi criticado pelo mercado como subordinado à vontade política da presidente, que pediu a redução dias antes. Agora, se fala que o BC demorou a agir diante da crise, como ocorreu em 2008/09, resultando daí a desaceleração excessiva do PIB e, particularmente, do consumo das famílias. Quem está com a razão?

Paula: Certamente, não tem razão quem criticou a política de redução de juros. O BC, como assinalado, teve um comportamento "forward-looking" (de olhar para a frente). O que se espera de um bom banqueiro central é justamente alguma capacidade de discernimento perante cenários nebulosos. Em dezembro de 2010 ele adotou um conjunto de medidas macroprudenciais, parcialmente relaxadas recentemente, visando a redução dos prazos e desaceleração do crédito ao consumidor (veículos e pessoal), que teve um efeito importante de evitar uma bolha de crédito, mas que acabou afetando negativamente os gastos das famílias. O BC não sabia ao certo quais seriam os efeitos de tais medidas. Junto com isso, há uma desaceleração na taxa de investimento em curso, em função de uma combinação entre efeitos da longa apreciação cambial sobre desempenho das exportações líquidas, arrefecimento do consumo das famílias e política de contenção dos gastos públicos. Há um processo de desaceleração endógeno do setor industrial no Brasil, que poderá ser agravado pela piora no cenário externo. Por isso a economia estagnou no segundo semestre de 2011.

Valor: Diante do quadro doméstico e internacional, o que esperar de 2012?

Paula: É difícil fazer prognósticos em função de um cenário internacional bastante problemático, cujos desdobramentos são muito incertos. Curiosamente, o aumento no salário mínimo, que seria uma espécie de "bomba relógio" em 2012 em função de seus efeitos fortemente expansionistas sobre as transferências previdenciárias e sobre e renda agregada da economia, servirá para evitar uma desaceleração maior no gasto doméstico. O governo terá que acompanhar com lupa o comportamento da economia brasileira, mantendo sua política de redução de juros e, se for necessário, adotando algumas medidas adicionais de estímulo, como redução no compulsório dos bancos e estímulos fiscais pontuais ao consumo. Um esforço de crescimento nos investimentos públicos em infraestrutura poderá contribuir para usar o investimento autônomo de forma contracíclica, já que alguns dos instrumentos usados em 2008-09 não estarão disponíveis, como a expansão do crédito dos bancos públicos. Enfim, se conseguirmos crescer em torno de 4% em 2012, mantendo a taxa de inflação próximo ao centro da meta, ainda que um pouco maior, será uma vitória.

Valor: Em recente seminário de partidos de esquerda vários economistas pediram a desvalorização do real como saída para conter a perda de competitividade da indústria doméstica. É possível o país abandonar o câmbio flutuante e manter o regime de metas de inflação?

Paula: Sem dúvida, há fortes indícios de que a economia brasileira passa por um processo de desindustrialização precoce, isto é, uma desindustrialização que se inicia com um nível de renda per capita menor ao observado nos países desenvolvidos e sem atingir uma certa homogeneidade nos níveis de produtividade entre diferentes setores. O valor adicionado da indústria de transformação no valor agregado total caiu de 17,1% no segundo trimestre de 2007 para 15,3% no segundo trimestre de 2011, segundo dados da professora Carmem Feijó, da Universidade Federal Fluminense. Por outro lado, o coeficiente de penetração das importações, medido pela Confederação Nacional da Indústria e correspondente à participação dos produtos importados no consumo domésticos dos bens industriais, cresceu de 12,1% em 2003 para 21,5% em 2011, sendo que a balança comercial brasileira é estruturalmente deficitário em bens de maior intensidade tecnológica. Há ainda uma desindustrialização relativa em curso também, pois o crescimento do setor industrial dos outros países emergentes tem sido bem acima do crescimento brasileiro. Acredito que a redução na taxa real de juros, somada aos controles de capitais, poderá contribuir para termos uma taxa de câmbio mais competitiva, sem inviabilizar o regime de metas de inflação. Eu avaliaria seriamente a possibilidade de se introduzir um imposto sobre as exportações de algumas commodities, em caso de termos um câmbio mais depreciado.

Valor: O regime de metas de inflação ainda é o meio mais eficiente de controle dos agregados monetários para manutenção da estabilidade macroeconômica?

Paula: Depende do que se entende por estabilidade macroeconômica. Meu entendimento é que estabilidade macroeconômica significa criar condições para compatibilizar crescimento econômico sustentado, estabilidade financeira e estabilidade de preços. Países que adotaram regime de metas de inflação em geral já vinham de uma tendência de redução na taxa de inflação. Países como China e Índia, com crescimento vigoroso nos últimos 20 anos e sem descontrole inflacionário, utilizam outro regime de política macroeconômica, com conversibilidade restrita na conta capital, câmbio administrado, semifixo no caso da China e flutuante administrado no caso da Índia, e sem uso de um regime de metas de inflação. No caso do Brasil, no momento atual, eu sugeriria algumas mudanças no regime de metas de inflação, como o caso de uma mudança no período de convergência da inflação corrente para a meta, passando do ano calendário para, por exemplo, "inflação acumulada em 12 meses" ou para 24 meses. A ideia subjacente é que choques não previsíveis têm efeitos defasados na economia, de modo que o cumprimento da meta em apenas um ano - se possível - é mais custosa em termos de crescimento do produto e do emprego. Para períodos mais longos ou móveis, seria possível atenuar esses efeitos, sem necessidade de uma resposta mais abrupta da taxa de juros.

Valor: Realisticamente, qual o mix de política econômica a se esperar para 2012?

Paula: Uma busca de mudar o mix de política econômica para uma taxa de juros mais baixa e um câmbio mais depreciado. O governo poderia aproveitar a ocasião de tendência à redução na taxa de juros para fazer uma alteração maior no perfil da dívida pública, diminuindo significativamente a participação de títulos indexados à Selic (LFTs) no total da dívida pública mobiliário, hoje na casa dos 30%. Isso melhoria o funcionamento dos canais de transmissão da política monetária e contribuiria sobremaneira para o desenvolvimento do mercado de títulos corporativos privados. Eu defendo que o governo utilize uma política de Imposto de Renda mais agressiva para desestimular as aplicações de curto prazo. Outro elemento da indexação financeira que o governo Lula tentou mexer, mas acabou que não precisando, mas que a Dilma vai ter que mudar, é algo extremamente popular: a remuneração da poupança. Você não pode manter a TR (Taxa Referencial) mais 6%. O que vai acontecer? Em algum momento, quando a taxa de juros cair as pessoas vão correr para as aplicações de poupança. Quando começar a chegar perto disso o governo vai ter que mexer. Ou vai ter que manter a taxa de juros para não provocar essa corrida de recursos. Vai ter que mexer nisso e colocar remuneração em termos de mercado. É um negócio extremamente complicado, é uma coisa sagrada, vem desde os anos 1970, mas vai ter que se mexer nisso.

domingo, 25 de setembro de 2011

O mundo de ponta-cabeça.


Luiz Fernando de Paula, professor de economia da UERJ e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), escreveu no VALOR ECONÔMICO sobre “O mundo de ponta-cabeça”. 


Um dos aspectos fundamentais do pensamento de John Maynard Keynes é a assunção básica de que as principais decisões empresariais em uma economia monetária, sobretudo aquelas relacionadas a um horizonte temporal mais dilatado, como no caso das decisões de investimento, estão sujeitas a incerteza radical. Incerteza, neste caso, significa a impossibilidade de se determinar, a priori, o quadro relevante de influências que atuarão entre a decisão de se implementar um determinado plano e a obtenção efetiva de resultados, dificultando a previsão segura que serviria de base para uma decisão "racional".
No conceito de Keynes sobre incerteza, não somente algumas premissas podem não ser conhecidas no momento de decisão como elas também podem ser incapazes de serem conhecidas. Keynes distinguia incerteza de risco probabilístico: "Desejo explicar que por conhecimento "incerto" não pretendo apenas distinguir o que é conhecido como certo do que apenas é provável. Neste sentido, o jogo de roleta não está sujeito à incerteza; nem sequer a possibilidade de se ganhar na loteria (...). O sentido que estou dando ao termo é aquele segundo o qual a perspectiva de uma guerra europeia é incerta, o mesmo ocorrendo com o preço do cobre e da taxa de juros daqui a 20 anos, ou a obsolescência de uma nova invenção (...). Sobre estes problemas não existe qualquer base científica para um cálculo probabilístico. Simplesmente nada sabemos a respeito".
É a incerteza incontornável quanto ao futuro que justifica a preferência pela liquidez dos agentes, isto é, de querer manter a riqueza sob a forma de moeda e outros ativos líquidos. Isso porque em momentos de maior incerteza percebida pelos agentes, que causa uma forte deterioração em suas expectativas, estes passam a dar preferência a flexibilidade na composição de seu portfólio, preferindo liquidez a rentabilidade. Nesse contexto, é natural que empresas posterguem seus planos de investimento, os bancos racionem crédito e os indivíduos evitem comprometimento com dívidas.
Não há dúvida que, três anos após a crise deflagrada pela concordata do Lehman Brothers, o mundo atual vive um momento de grande incerteza quanto ao futuro, com forte impacto negativo nas expectativas dos agentes: simplesmente não se sabe o tamanho do tombo que virá à frente. Em que pese o fato dos efeitos da crise financeira terem sido contidos em função da adoção de políticas anticíclicas nos países desenvolvidos, evitando que a crise, ainda que aguda, resultasse em uma "grande depressão", tais políticas não foram suficientes para permitir uma retomada do crescimento do produto e do emprego, com sinais recentes de uma nova desaceleração. Tudo leva a crer que teremos uma recuperação em W, em função da crise da zona do euro, sem solução à vista, e do fato que os EUA se comprometeram em fazer um ajuste fiscal prematuro que retira a possibilidade de fazer uso da política fiscal anticíclica.
Parece que as lições de crise não foram aprendidas inteiramente pelos "policy-makers" e muitos acadêmicos: procura-se dar soluções de mercado para problemas que foram gerados justamente por um mercado excessivamente livre. O argumento liberal é que, no caso dos EUA, empresas e indivíduos não têm confiança em gastar em função da política fiscal excessivamente expansionista que leva a um crescimento da dívida publica insustentável a longo prazo: agentes dito racionais, sabendo que o governo terá que aumentar impostos no futuro, irão poupar mais no presente. Assim, somente uma desaceleração nos gastos do governo restauraria a confiança dos agentes.
Ora, como sugerido acima, é completamente ingênuo pensar que em situação de expectativas fortemente deterioradas os agentes vão ser estimulados a gastar mais com a redução dos gastos do governo (ou redução nos impostos). Como assinalou Paul Krugman, em recente artigo no "NY Times", pesquisas feitas com empresas americanas mostram que é a falta de demanda (exacerbada pela expectativa de cortes do governo), em vez de impostos e regulação, que inibe os negócios no país.
Por outro lado, assiste-se o lento aprofundamento da crise do euro, que resulta não só dos impactos da crise mundial como também de sérios problemas estruturais relacionados à implantação da moeda única (falta de mecanismos fiscais supranacionais, ausência de uma unidade política, diferenças de estrutura econômica e social entre países, etc.). Neste caso prevalece uma solução que procure dar conta do problema do "risco moral", gerado pelo elevado endividamento público ou privado nos países da periferia do euro - diga-se de passagem, fortemente estimulado pelos reduzidos juros na periferia que seguiu a introdução do euro. Tal como no caso da Argentina, países como Grécia parecem agonizar na espera de que algum milagre aconteça.
Enfim, está claro que, três anos após a crise do Lehman Brothers, dado que a China não terá força para se contrapor a uma desaceleração mundial, a superação da crise passou a ser um problema essencialmente político. Contudo, dada a miopia das lideranças políticas, o que se pode esperar é um "mundo de ponta-cabeça".

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A atualidade de John Maynard Keynes.


No site da VEJA uma excelente entrevista com o principal biógrafo do genial JOHN MAYNARD KEYNES.

A solução para a crise que se iniciou em 2008 e ainda faz a economia dos países desenvolvidos patinar está na obra do economista John Maynard Keynes (1883-1946), afirma seu principal biógrafo, o inglês Robert Skidelsky, 72 anos. O historiador - que escreveu 1.790 páginas de história e ensinamentos do economista que aconselhou poderosos na época da Grande Depressão de 1929 - explica o que Keynes diria hoje a Barack Obama, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy.

Em sua opinião, a política americana de afrouxamento quantitativo - em que o governo antecipa o pagamento de títulos de longo prazo, despejando dólares na economia - peca ao não estimular corretamente a atividade. "Esse afrouxamento quantitativo não é, totalmente, uma proposta keynesiana", avalia Skidelsky. Ele explica que, para Keynes, a simples impressão de moeda não traz impulso ao consumo e ao investimento.

Em visita ao Brasil para o 5º Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais, realizado em Campos do Jordão (SP) pela BM&FBovespa, Robert Skidelsky falou ao site de VEJA e defendeu por que Keynes é mais atual do que nunca.

O senhor escreveu, na esteira da crise de 2008, um livro chamado "O retorno do mestre" (Ed. PublicAffairs, 256 páginas, sem tradução para o português) em que relembra a relevância de Keynes para o pensamento econômico, mesmo mais de 60 anos após sua morte. Por que as teorias desse economista são hoje mais relevantes que nunca?
Keynes é particularmente relevante porque entendeu como as crises acontecem e, sobretudo, porque se debruçou sobre uma verdadeira calamidade econômica: a Grande Depressão de 1929. Ele dizia que, quando uma crise começa, os governos devem responder a ela, impedindo-a, e não simplesmente deixar o sistema ruir. Esse é o ponto fundamental. Graças a Keynes, não tivemos outra Grande Depressão. Em 2008, quando os bancos, os preços das commodities e as bolsas começaram a entrar em colapso, nos deparamos com todos os contornos de outra depressão profunda, mas os governos conseguiram impedi-la em função das ideias de Keynes. Em todo o mundo, os governos adotaram estímulos para permitir a retomada da atividade.



Durante a Grande Depressão, Keynes propôs o estímulo contínuo ao investimento. Nos Estados Unidos, nos últimos anos, as políticas do banco central americano (Fed) não turbinaram exatamente o investimento. Na Europa, segue-se o caminho contrário ao do impulso à economia, com planos severos de austeridade. Os resultados claramente não têm sido satisfatórios. À luz da teoria keynesiana, o que está errado com as políticas atuais?

O erro do afrouxamento quantitativo [intervenção governamental para injetar dinheiro na economia -- como, por exemplo, a compra de títulos bancários], adotado nos últimos anos pelo governo americano, é que essa política significa imprimir moeda. Se você aumenta a quantidade de divisas em circulação, as pessoas vão gastar mais. Os juros caem, as bolsas sobem, há um pouco de inflação e o valor da moeda talvez caia um pouco. Tudo supostamente desenhado para estimular a atividade econômica. O problema é que, como ensina Keynes, o importante é saber como gastar esses dólares. Todo esse dinheiro não tem aportado na economia real, mas sim nos mercados de ações e nos títulos do Tesouro. Se a intenção é realmente estimular a economia, o jeito de fazer o afrouxamento monetário é dar um cheque para todo mundo e definir que o dinheiro só pode ser sacado em dois meses. Só então haverá algum efeito estimulante no consumo. Do contrário, há um buraco entre a impressão de moeda e o gasto. Esse afrouxamento quantitativo não é, totalmente, uma proposta keynesiana.

Agora, na Europa, o ponto central é que as políticas não produzem nenhum crescimento. Uma grande parte do déficit da Grécia vem de suas instituições financeiras. Esses bancos emprestaram muito de seus pares alemães e franceses. Assim, quando Atenas resgatou seus bancos, assumiu as dívidas. Então, toda essa movimentação para impedir um calote grego é, na verdade, uma tentativa de evitar enormes perdas para os bancos alemães e franceses. Esse esforço é totalmente compreensível. Mas eu pergunto: de onde virá o crescimento? Se o setor privado não está gastando e o governo está cortando despesas, a atividade vai cair. Nós temos uma possibilidade real de um duplo mergulho na Europa.



Keynes foi um conselheiro dos poderosos de seu tempo, sobretudo durante a Grande Depressão; muito embora nem sempre o que pregasse fosse seguido. O que ele provavelmente diria hoje, considerando o contexto, a Barack Obama, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy?

Para o presidente americano, ele diria que é preciso expandir a demanda agregada. Dada sua difícil situação política, uma saída seria criar um banco voltado à infraestrutura, como o próprio Obama propôs inúmeras vezes. Esta seria uma maneira de fazer as pessoas investirem nas partes da economia mais necessitadas. Mas isso se teria de ser feito fora do orçamento. O dinheiro seria concedido pelo banco central, mas seria captado no setor privado. Dessa forma, não aumentaria o déficit público.

Outra saída é tentar algum acordo com a China. É urgente. Os Estados Unidos precisam reduzir o volume de importações chinesas e aumentar suas próprias exportações. Essa correção ajudaria a indústria americana. Se esse acordo não funcionar, os americanos terão de se proteger com barreiras comerciais.

Para Merkel e Sarkozy, Keynes recomendaria estabelecer títulos de dívida europeus, garantidos coletivamente pelos membros da União Europeia, os eurobonds. Esses papeis iriam encampar grande parte da dívida grega, reduzindo os custos de financiamento da Grécia e de outros países em risco, como Portugal.

A UE precisa também de uma autoridade fiscal comum. Não é exatamente o que eles propuseram recentemente. Por último, os líderes do bloco deveriam criar uma ampla política europeia de investimento. Eles precisam usar o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento ou os fundos disponíveis. Só precisam colocar mais dinheiro nesses fundos. Do contrário, não crescerão.

Por fim, confiar na China para tirar o mundo da recessão não é o caminho certo.



Keynes defendia que a recuperação da economia deve preceder as reformas. Ele dizia: "Não assuste os investidores no momento em que você quer que eles invistam". O que estamos vendo agora é exatamente o contrário, não?

Exatamente. É até uma contradição elevar o compulsório dos bancos, por exemplo, ao mesmo tempo em que pede que emprestem mais. Para fazer com que concedam mais crédito, é preciso capitalizá-los. Você não deve impor tamanho sacrifício ao sistema financeiro até que a economia esteja crescendo novamente. O que está acontecendo agora é oposto. Os estados estão atacando os bancos. Não que eles não tenham culpa da crise. Contudo, ao mesmo tempo, os governos querem que eles emprestem mais e mais. Keynes estava certo quando disse, em carta, ao presidente Franklin Roosevelt: "Consiga primeiro a recuperação, depois implemente reformas". Ou então, nacionalize os bancos.



Keynes foi nomeado diretor do Fundo Monetário Internacional pouco depois de sua fundação, mas não chegou a assumir porque morreu vítima de um ataque do coração. Caso fosse nomeado hoje, quais seriam suas primeiras medidas?

Ele batalharia para transformar o FMI num banco central mundial, que ele propôs, mas não foi bem-sucedido. Esse BC global transformaria os superávits comerciais chineses, por exemplo, em contas e os déficits de outros países virariam dívidas. O plano de Keynes era taxar esses saldos excessivamente positivos para que nenhum país ficasse por muito tempo com superávits maiores que certo nível preestabelecido. Haveria, igualmente, penalidades para aquelas nações deficitárias. Haveria equilíbrio, enfim. Claro que, na época de Keynes, as moedas não flutuavam. Hoje, temos um sistema caótico em que algumas moedas flutuam, outras são fixas e outras são manipuladas. É uma bagunça. Os resultados da falta de um sistema monetário internacional apropriado é que alguns países, como o Brasil e o Chile, ao receberem enormes fluxos de capital, veem suas moedas valorizarem e precisam tentar, desesperadamente, parar esse movimento.



No pós-Guerra, Keynes propôs a criação de uma ordem monetária e financeira alternativa, com uma moeda única, de valor formulado em ouro. Hoje, num mundo que sofre com a dependência do dólar, viu-se o risco desta alternativa. Todos querem migrar para um sistema misto. Keynes teria errado neste ponto?

Não. Ele propôs, na verdade, uma âncora para ganhar estabilidade; e isso pode ser feito também com uma cesta de divisas.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

KEYNES E KEYNESIANOS.

Direto da FOLHA DE S. PAULO, os conselhos de Delfim Netto.

Os problemas fiscais dos EUA e da Eurolândia só podem ser resolvidos com a volta do crescimento. O fundamental é que este não se faça aprofundando-os ainda mais. Quando se recomenda que as medidas de estímulo temporárias que foram decisivas para paralisar o desastre sejam transformadas em permanentes, estamos diante de uma não solução.

Para entender isso consideremos que no curto prazo a oferta global física de bens e serviços produzidos no país é praticamente constante. O seu uso depende da demanda global física. Esta, por sua vez, é constituída pela soma da demanda pública e da demanda privada interna e externa.

Quando se reduz, por qualquer motivo, a demanda privada (crise de crédito, desastres naturais, ataque de pessimismo), a manutenção do nível de atividade depende de um aumento equivalente da demanda pública.

Enquanto a demanda privada não se recupera, a demanda pública deve continuar. Isto não se faz sem graves prejuízos para o equilíbrio fiscal, para o nível de inovação e a produtividade do sistema produtivo, porque a demanda estimulada pelo gasto público em transferência não produz incentivos adequados para o aumento da produtividade do trabalho.

O keynesianismo bastardo incorporado na síntese neoclássica dos livros-texto sugere que a retirada dos "estímulos" governamentais reduzirá necessariamente a demanda privada. Agravar-se-ia, portanto, a redução do nível do PIB e do emprego. Logo, não há solução para o problema. Mas será assim mesmo?

A resposta se resume na "expectativa" que se formará no setor privado como resposta ao programa de restabelecimento do equilíbrio fiscal (condição necessária para o crescimento robusto no longo prazo).

Keynes e Pigou (seu amigo e posterior vítima) intuíram em 1931 que, se o ajuste fosse feito de maneira segura e crível, o aumento da demanda privada (despertada pelas oportunidades vistas pelo "espírito animal" dos investidores) poderia suprir a deficiência da demanda pública.

Teríamos a volta do crescimento juntamente com a solução do problema fiscal, o que é hoje empiricamente reconhecido. A reforma crível inclui: 1) um ajuste pelo lado das despesas (nada de aumento de impostos); 2) incentivos ao uso do trabalho; 3) medidas de flexibilização dos mercados; 4) estímulo à concorrência e 5) uma desvalorização cambial.

A Alemanha acumula credibilidade e essas condições. Com a desvalorização do euro, seu programa levará, provavelmente, a um crescimento mais robusto. Será a melhor contribuição que pode dar à Eurolândia.

domingo, 25 de abril de 2010

JOHN MAYNARD KEYNES.

De um recente artigo de Marcelo de Paiva Abreu no ESTADÃO:

Lydia Lopokova, mulher de John Maynard Keynes, tinha razão quando dizia, com seu delicioso sotaque russo, objeto de chacota no círculo de Bloomsbury: "Maynard is more than an economist."
Na verdade, ele continua sendo em pleno século XXI um economista genial, com seus inúmeros admiradores e críticos nos quatro cantos do mundo!!!

domingo, 4 de abril de 2010

"O QUE MAYNARD DIRIA?"

Diretamente da FOLHA DE S. PAULO de hoje, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, professor titular de Economia da UNICAMP, pergunta “O QUE MAYNARD DIRIA?’

Dizem os os frequentadores que, nas salas e corredores do King's College, em Cambridge, Inglaterra, ainda ressoa a indagação da professora Joan Robinson, uma das herdeiras intelectuais de Keynes: "O que Maynard diria?".
Maynard, o leitor já sabe, é John Maynard Keynes.
Maynard, imagino, estaria aflito com a mudança nas regras que definem o preço do minério de ferro. Os preços fixados nos contratos anuais de fornecimento deram lugar a um regime de revisão trimestral visando dar maior peso aos valores formados no mercado "spot". A finança global, ainda convalescente de suas façanhas e percalços, lambe os beiços diante da perspectiva de alta das operações de "swap". O mercado espera alcançar US$ 200 bilhões em 2020 (hoje, US$ 300 milhões).
O editorial de quinta feira do "Financial Times" reconhece que, "no novo regime é inevitável uma maior volatilidade do preço (...), o problema surgirá certamente quando um declínio na demanda chinesa ou um aumento da oferta provocarem uma queda no preço "spot". Nesse caso, novos contratos deverão ser adotados para encorajar um desenvolvimento consistente (?) do sistema".
Quanto ao mercado de "swaps", os acontecimentos recentes mostram que eles tendem a exasperar a volatilidade dos preços diante de possíveis desequilíbrios momentâneos entre oferta e procura. Esses derivativos ateiam gasolina ao fogo nos períodos de alta e, na baixa, jogam mais água do que o necessário na fervura.
Seja como for, Maynard ficaria chocado com uma mudança que poderá ampliar assustadoramente os intervalos de flutuação do preço de uma commodity importante como o minério de ferro. Pouca gente sabe, mas Keynes advogou, no espírito da Nova Ordem Econômica Internacional do pós-Guerra, a criação da Commod Control destinada a atenuar as excessivas flutuações de preços de commodities, lesivas aos países produtores e consumidores e danosas à estabilidade das economias.
Isso seria feito via uma política de gestão de estoques, coordenada por um comitê de especialistas com representantes dos países produtores e consumidores. "Uma agência internacional seria constituída, a Commod Control, com representantes dos governos dos principais países produtores e consumidores.
A Commod fixaria os preços em um nível mínimo razoável [garantindo a renda dos produtores e o conforto dos consumidores - LGB] e esses valores seriam modificados de tempos em tempos, com base na tendência observada na variação de estoques, para cima ou para baixo. Não seria tecnicamente difícil estabelecer uma relação entre os valores "básicos de sustentação" e o complexo de preços atuais, porquanto os movimentos de preços nos mercados futuros sinalizariam a atuação correta para o comitê de especialistas."
Keynes reconhece que a formação de preços deveria decorrer da interação entre as informações do mercado e a agência internacional incumbida de manejar os "estoques reguladores", com o propósito de aplainar as flutuações agudas e garantir a estabilidade das expectativas nos mercados de commodities.

sábado, 19 de dezembro de 2009

PAUL SAMUELSON E OS MAIORES.

Em entrevista na The New Yorker, PAUL SAMUELSON registra a sua opinião sobre os maiores economistas de todos os tempos:

Q: At this stage, how would you rank Keynes?

A: “I still think he was the greatest economist of the twentieth century and one of the three greatest of all time.”

Q: “Who are number one and number two?”

A: “Adam Smith and Leon Walras.”

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

KEYNES É POP EM 2009

Na EXAME que esta nas bancas, uma matéria sobre JOHN MAYNARD KEYNES com o título KEYNES É POP. Para nossa leitura, um pequeno trecho sobre esse genial economista. Há muitos anos, muitos anos mesmo, quer dizer, desde que a internet chegou ao BRASIL, eu tenho e tive somente dois e-mails: o jmelo@uol.com.br e o johnkeynesce@hotmail.com, minha homenagem a um dos maiores economistas de todos os tempos, indiferente se concordamos integralmente ou não com as suas ideias.
Escreve a EXAME que "No mundo das personalidades da economia, medalhões como Alan Greenspan e alguns dos banqueiros mais incensados dos últimos tempos saíram com a reputação em frangalhos - e hoje quem surfa a onda são profetas da crise, como Nouriel Roubini e Robert Shiller. Também na academia ocorre algo semelhante. Nos competitivos e frequentemente ácidos departamentos de economia das principais universidades, a hora é de questionar verdades estabelecidas, encostar antigas estrelas e promover um reordenamento no mundo das ideias. Nesse contexto, perdem espaço os principais defensores da corrente neoclássica, entre os quais se inclui a maioria dos vencedores do prêmio Nobel de Economia. Por sua vez, depois de anos hibernando, surge com renovado vigor a figura do inglês John Maynard Keynes para retomar o posto de maior pensador econômico dos séculos 20 e, pelo menos por enquanto, 21. Keynes voltou a ser pop -- tanto quanto é possível a um economista ser pop. O que não é pouco para alguém que escreveu seu principal livro em 1936 e morreu antes de conhecer a guerra fria, a TV em cores e o rock’n roll.

domingo, 1 de novembro de 2009

THE KEYNES COMEBACK - 2009?

From The Economist: The Keynes comeback

A trio of new books celebrate the man and declare victory for his ideas.

Keynes: The Twentieth Century’s Most Influential Economist. By Peter Clarke.Bloomsbury; 224 pages; £16.99. To be published in America in November. Buy from Amazon.co.uk

Keynes: The Return of the Master. By Robert Skidelsky. PublicAffairs; 240 pages; $25.95. Allen Lane; £20. Buy from Amazon.com, Amazon.co.uk

The Keynes Solution: The Path to Global Economic Prosperity. By Paul Davidson. Palgrave Macmillan; 208 pages; $21.95 and £14.99. Buy fromAmazon.com, Amazon.co.uk

Who has had the biggest influence on global economic policy over the past year? Plausible cases can be made for a handful of global bigwigs. But a moment’s reflection suggests the answer lies elsewhere, with an English economist who died in 1946. As policymakers have battled the biggest economic bust since the Depression, John Maynard Keynes has been their guide. Keynes’s intellectual framework — a world in which pervasive uncertainty leads to persistently inadequate demand — has seemed more relevant in recent months than at any time since the 1930s. And his solutions, particularly the use of fiscal stimulus, have been adopted on a dramatic worldwide scale.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...