Luiz Fernando de Paula, professor de economia da UERJ e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), escreveu no VALOR ECONÔMICO sobre “O mundo de ponta-cabeça”.
Um
dos aspectos fundamentais do pensamento de John Maynard Keynes é a assunção
básica de que as principais decisões empresariais em uma economia monetária,
sobretudo aquelas relacionadas a um horizonte temporal mais dilatado, como no
caso das decisões de investimento, estão sujeitas a incerteza radical. Incerteza, neste caso, significa a
impossibilidade de se determinar, a priori, o quadro relevante de influências que
atuarão entre a decisão de se implementar um determinado plano e a obtenção
efetiva de resultados, dificultando a previsão segura que serviria de base para
uma decisão "racional".
No
conceito de Keynes sobre incerteza, não somente algumas premissas podem não ser
conhecidas no momento de decisão como elas também podem ser incapazes de serem
conhecidas. Keynes distinguia incerteza de risco probabilístico:
"Desejo explicar que por conhecimento "incerto" não pretendo
apenas distinguir o que é conhecido como certo do que apenas é provável. Neste
sentido, o jogo de roleta não está sujeito à incerteza; nem sequer a
possibilidade de se ganhar na loteria (...). O sentido que estou dando ao termo
é aquele segundo o qual a perspectiva de uma guerra europeia é incerta, o mesmo
ocorrendo com o preço do cobre e da taxa de juros daqui a 20 anos, ou a
obsolescência de uma nova invenção (...). Sobre estes problemas não existe
qualquer base científica para um cálculo probabilístico. Simplesmente nada
sabemos a respeito".
É
a incerteza incontornável quanto ao futuro que justifica a preferência pela
liquidez dos agentes, isto é, de querer manter a riqueza sob a forma de moeda e
outros ativos líquidos.
Isso porque em momentos de maior incerteza percebida pelos agentes, que causa
uma forte deterioração em suas expectativas, estes passam a dar preferência a
flexibilidade na composição de seu portfólio, preferindo liquidez a
rentabilidade. Nesse contexto, é natural que empresas posterguem seus planos
de investimento, os bancos racionem crédito e os indivíduos evitem
comprometimento com dívidas.
Não
há dúvida que, três anos após a crise deflagrada pela concordata do Lehman
Brothers, o mundo atual vive um momento de grande incerteza quanto ao futuro,
com forte impacto negativo nas expectativas dos agentes: simplesmente não se
sabe o tamanho do tombo que virá à frente. Em que pese o fato dos efeitos da crise financeira
terem sido contidos em função da adoção de políticas anticíclicas nos países
desenvolvidos, evitando que a crise, ainda que aguda, resultasse em uma
"grande depressão", tais políticas não foram suficientes para
permitir uma retomada do crescimento do produto e do emprego, com sinais
recentes de uma nova desaceleração. Tudo leva a crer que teremos uma recuperação
em W, em função da crise da zona do euro, sem solução à vista, e do fato
que os EUA se comprometeram em fazer um ajuste fiscal prematuro que retira a
possibilidade de fazer uso da política fiscal anticíclica.
Parece
que as lições de crise não foram aprendidas inteiramente pelos
"policy-makers" e muitos acadêmicos: procura-se dar soluções de
mercado para problemas que foram gerados justamente por um mercado
excessivamente livre. O argumento liberal é que, no caso dos EUA, empresas
e indivíduos não têm confiança em gastar em função da política fiscal
excessivamente expansionista que leva a um crescimento da dívida publica
insustentável a longo prazo: agentes dito racionais, sabendo que o governo terá
que aumentar impostos no futuro, irão poupar mais no presente. Assim, somente
uma desaceleração nos gastos do governo restauraria a confiança dos agentes.
Ora,
como sugerido acima, é completamente ingênuo pensar que em situação de
expectativas fortemente deterioradas os agentes vão ser estimulados a gastar
mais com a redução dos gastos do governo (ou redução nos impostos). Como
assinalou Paul Krugman, em recente artigo no "NY Times", pesquisas
feitas com empresas americanas mostram que é a falta de demanda (exacerbada
pela expectativa de cortes do governo), em vez de impostos e regulação, que
inibe os negócios no país.
Por
outro lado, assiste-se o lento aprofundamento da crise do euro, que resulta não
só dos impactos da crise mundial como também de sérios problemas estruturais
relacionados à implantação da moeda única (falta de mecanismos fiscais
supranacionais, ausência de uma unidade política, diferenças de estrutura
econômica e social entre países, etc.). Neste caso prevalece uma solução que
procure dar conta do problema do "risco moral", gerado pelo elevado
endividamento público ou privado nos países da periferia do euro - diga-se de
passagem, fortemente estimulado pelos reduzidos juros na periferia que seguiu a
introdução do euro. Tal como no caso da Argentina, países como Grécia parecem
agonizar na espera de que algum milagre aconteça.
Enfim,
está claro que, três anos após a crise do Lehman Brothers, dado que a China não
terá força para se contrapor a uma desaceleração mundial, a superação da
crise passou a ser um problema essencialmente político. Contudo, dada a miopia
das lideranças políticas, o que se pode esperar é um "mundo de
ponta-cabeça".
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