No VALOR ECONÔMICO entrevista com ILAN GOLDFAJN, ex-diretor do Banco Central, sobre o atual momento econômico e a possibilidade de uma severa crise mundial.
O mundo caminha de um cenário de desaceleração para um quadro de crise, com
possibilidade concreta de um default da dívida da Grécia, acredita Ilan
Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central (BC).
Tudo indica, portanto, que o mundo se aproxima de fato do quadro mais difícil
traçado pelo BC na ata da última reunião do Comitê de Política Monetário
(Copom).
Nesse cenário mais duro, Goldfajn
acredita em desaceleração da economia brasileira, mas o recuo será minimizado
pela atuação do BC, que iniciou um ciclo de corte de juros em agosto. "A
economia brasileira vai crescer 3,7% no próximo ano. Se fosse só pela
desaceleração mundial, [o crescimento do PIB] poderia cair um pouco abaixo de
3%", diz.
Outros efeitos da crise poderão
ser sentidos, como a escassez de linha externa. Ele pondera, no entanto, que a
reação do governo deveria ficar concentrada nos juros, não no aumento dos
gastos. "Nessa linha, podemos mudar a qualidade da política econômica
brasileira". A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: A economia mundial caminha para um crise mais
séria?
Ilan Goldfajn O caminho ainda não está totalmente definido, mas estamos
indo de um cenário de desaceleração para um cenário de uma crise mesmo. Vemos
nos Estados Unidos e na Europa a falta de coordenação para resolver os
problemas da Grécia. E os mercados estão muito indóceis, com uma velocidade de
reação muito maior que a dos governos. Cada país diz uma coisa e não chegam a
um acordo para aumentar o fundo de estabilização da Europa, para poder
financiar os problemas que podem surgir.
"O cenário internacional
está mais ou menos em linha com o que o BC expressou na última ata do
Copom"
Valor: Há risco de default grego?
Goldfajn O cenário de default está cada vez mais provável.
Valor: É o seu cenário base?
Goldfajn Nosso cenário base é de desaceleração forte, mas não temos
colocado ainda um cenário de crise. Esse é um cenário que ainda estamos
chamando de alternativo, de crise financeira ao estilo Lehman Brothers. Mas
está caminhando para isso.
Valor: Qual o impacto para o Brasil? O real continua em
queda?
Goldfajn Num cenário de médio prazo, o câmbio real continua forte.
Isso no médio prazo, digamos, dois anos. No fim do ano já pode voltar um pouco
e fechar em R$ 1,75. É um 'overshooting'. Pode até ir mais longe [subir mais],
mas acho que volta depois.
Valor: Essa cotação de R$ 1,75 seria um novo patamar?
Goldfajn Sim.
Valor: O qual o impacto da crise para a inflação
doméstica?
Goldfajn Neste ano, a inflação deve ficar em torno de 6,5%. Para o
próximo ano, há polos opostos para a inflação. Primeiro você tem uma queda da
atividade mundial, que segura o crescimento [no Brasil]. Você tem também alguma
queda das commodities, que reduz a inflação e contrabalança um pouco a taxa de
câmbio que subiu recentemente. Em termos de inflação, vamos provavelmente para
baixo do teto da meta, em um cenário ruim [para a economia mundial]. Não que
isso seja alguma virtude, porque a desaceleração global faz com que a inflação
recue.
Valor: Qual seria o polo oposto?
Goldfajn As commodities não vão cair tanto assim. Há algumas
questões que dão algum suporte, como problemas de oferta. Então mesmo que a
inflação recue, não achamos que ela volte para a meta [em 2012]. Até porque o
BC está reduzindo os juros. A inflação deve ficar em torno de 5,5%.
Valor: Há algum risco para o déficit em conta corrente?
Goldfajn O câmbio ajuda as exportações e segura [o déficit]. Algumas
linhas externas podem secar, no momento da crise. Mas acredito que será algo
como em 2008, com uma ida e uma volta rápida [dos fluxos]. Haverá uma tensão e
o Brasil vai exportar menos. Mas o câmbio vai ajudar. No âmbito doméstico,
vamos desacelerar e importar um pouco menos. Portanto, no geral, uma coisa
compensa a outra.
Valor: Os impactos para o Brasil serão prolongados?
Goldfajn Estou vendo um cenário parecido com 2008, quando houve um
momento de pico, mas depois voltou ao normal.
Valor: Tem algum prazo para essa volta ao normal?
Goldfajn É muito difícil saber, porque a crise está começando. A
Grécia ainda não quebrou. Não sabemos as consequências. Vai depende de como as
coisas vão se desenrolar. Mas é uma questão de meses [a volta], não de anos.
Valor: A economia brasileira pode apresentar um maior vigor
já em 2012?
Goldfajn Com a queda de juros que o BC está promovendo, a atividade
econômica segura um pouco. Acho que a economia brasileira vai crescer 3,7% no
próximo ano. Se fosse só pela desaceleração mundial, [o crescimento do PIB]
poderia cair um pouco abaixo de 3%. Talvez 2,9%. Mas com o BC reduzindo os
juros, [o PIB] volta para 3,7%. Agora, se vier uma ruptura, uma crise muita
séria, uma quebradeira, aí é outra questão e a economia cairá mais.
Valor: O cenário que o BC traçou para o mundo na última
ata do Copom está se confirmando?
Goldfajn Acho que sim. O cenário internacional está indo mais ou
menos em linha com o cenário que eles estavam tentando se precaver.
Valor: Essa antecipação se mostrou positiva?
Goldfajn É positivo que o BC tenha se antecipado à crise. Mas será
ainda mais positivo se vier uma reação à crise via juros e não via gastos.
Porque aí a queda de juros pode ser muito maior. Se ele de fato for nessa
linha, podemos mudar a qualidade da política econômica brasileira.
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