Yoshiaki
Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e
diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas -
FGV/EESP, escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.
O Banco Central (BC) tomou a decisão
de reduzir em 0,5 ponto percentual a sua taxa de juros, o que surpreendeu o
mercado financeiro. Os seus "porta vozes", por meio da imprensa,
falaram em quebra de "protocolo", da "liturgia" e na
subversão aos "princípios mais valiosos" do sistema de metas de inflação.
Isso teria deixado o mercado "perplexo" segundo a imprensa. Mas,
afinal, qual era esse protocolo ou liturgia a que o mercado estava acostumado?
Quais eram esses "princípios mais valiosos do sistema de metas de
inflação" que o BC teria abandonado?
De fato, o BC, que não tem na sua
diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias
anteriores, surpreendeu os tesoureiros e economistas dos bancos privados, que
estavam acostumados a uma relação, no mínimo, promíscua. Nessa relação, o Banco
Central reagia às expectativas de inflação dos economistas dos bancos privados,
materializadas na pesquisa Focus e nas taxas de juros futuras das operações
efetuadas pelas tesourarias.
Na véspera das reuniões do Copom, a
imprensa fazia a pesquisa informando o Banco Central, qual o aumento ou redução
em que a maioria dos bancos e empresas de consultoria apostavam. Lógico que a
maioria sempre acertava. Esse era o protocolo ou a liturgia seguidos pelas
diretorias anteriores do Banco Central sempre ocupados por funcionários do
sistema bancário. Na última reunião de agosto, esse protocolo foi de fato
abandonado. Daí a grande surpresa e perplexidade do mercado financeiro. A
rigor, o BC finalmente tornou-se independente do mercado.
Banco não tem na sua diretoria atual
funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores
Nesse protocolo ou liturgia
prevaleciam, evidentemente, os interesses dos mercados financeiros. Se as
expectativas de inflação e de taxas de juros futuras do próprio mercado
financeiro guiavam as decisões do Banco Central, os riscos de erros nas
projeções eram minimizados e as possibilidades de ganho maximizadas. Vale
lembrar que, no Brasil, o Banco Central fixa a taxa Selic, que é a mesma dos
títulos públicos de longo prazo e, que serve de base (CDI) para a fixação das
demais taxas de juros ativas e passivas. Assim, a indexação dos ativos
financeiros à taxa diária Selic/DI elimina o risco da variação da taxa de juros
e, tal "protocolo" entre o mercado e o Banco Central reduzia o risco
de erros de expectativas. A dita "perplexidade" do mercado é
compreensível, pois agora aumentam os riscos de serem surpreendidos se errarem
nas as suas projeções.
Outro aspecto que merece atenção é que
muitos economistas de bancos ou de consultorias ligadas ao mercado financeiro
imputam a última decisão do Banco Central como subversão das regras
("princípios mais valiosos") da política monetária baseada em metas
de inflação. Nada mais longe da verdade. A rigor, o sistema de metas que
tínhamos no Brasil, era um arremedo do verdadeiro. Como a variação da taxa de
juros tem uma defasagem longa, de seis a 12 meses, para ter efeitos mais
relevantes sobre o lado real da economia (demanda agregada) e sobre a inflação,
a taxa de inflação relevante, que tem que ser monitorada, é a taxa estimada
para os próximos seis a 12 meses. Portanto, o sistema de metas pressupõe um bom
sistema de previsão de inflação futura para compará-la com a meta e daí tomar a
decisão de mudar a taxa de juros. No Brasil, além de considerarmos a inflação
medida e acumulada de doze meses, portanto, referente ao passado, estamos
presos à inflação calendário.
Além da inflação passada de 12 meses
dificilmente ser uma projeção correta da inflação futura, a não ser por acaso,
não consideramos nem mesmo a inflação contemporânea. Se esta for mais relevante
para extrapolarmos para o futuro, a taxa de juros deverá ter um comportamento
completamente diferente do nosso caso.
Por exemplo, a taxa de inflação de
agosto foi de 0,37%, portanto, anualizando temos como taxa de inflação
referência 4,5%, coincidindo com a meta. A taxa de juros deveria ser muito
menor. Ao utilizarmos a inflação passada de 12 meses como referência, temos que
manter a taxa de juros em níveis elevados mesmo que as pressões inflacionárias
efetivas tenham desaparecido e a inflação contemporânea esteja dentro da meta.
É compreensível que aqueles que ganham com juros elevados defendam os
"princípios mais valiosos" da atual regra.
Outro aspecto que chamou a atenção dos
"porta-vozes" do sistema financeiro é que o BC não está considerando
só a taxa de inflação, mas o crescimento da economia, como se isso fosse um
pecado mortal praticado pelo banco. Novamente, isso representa uma ignorância
sobre o sistema de metas de inflação ou a defesa de interesses setoriais. O
sistema de metas pressupõe que a taxa de juros afeta a inflação por diversos
canais, entre eles o da demanda agregada ou o hiato do produto. A taxa de juros
não afeta diretamente a inflação. Assim, ao elevar a taxa de juros, o Banco
Central pretende eliminar o excesso de demanda ou atingir o hiato zero para
assim controlar a inflação.
O Banco Central do Brasil agiu de
forma correta se seus estudos técnicos e as projeções de seus modelos indicam
tanto a desaceleração do nível de atividade econômica, como a queda nas
pressões inflacionárias nos próximos 12 meses. Se isso for verdade, estamos
mais próximos de um verdadeiro sistema de metas. Se acrescentarmos que o
ministro da Fazenda anunciou um aperto fiscal maior para poder afrouxar a
política monetária, estamos iniciando uma nova era e podemos caminhar para um
novo regime de política macroeconômica compatível com crescimento acelerado e
sustentado.
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