Pedro Sampaio Malan, economista, hoje no O Estado de S.Paulo. Leitura recomendável.
"Nunca a conjuntura foi tão pouco
conjuntural", diz André Lara Resende. De fato, os Estados Unidos, a Europa
e o Japão, por exemplo, não retornaram ainda, passados quatro anos, ao nível de
renda real por habitante que haviam alcançado em 2007. E terão, no futuro
próximo, um crescimento ainda mais baixo do que o projetado até há pouco, dadas
as consequências tanto da crise de 2007-2008 como das respostas a ela, que
levaram à expansão vertiginosa de suas dívidas públicas.
A crise nos países desenvolvidos não era
- como foi dito por aqui - uma "marolinha" para o resto do mundo.
Sempre me pareceu equivocada a ideia de que os países emergentes houvessem
adquirido uma dinâmica própria, que lhes asseguraria a capacidade de seguir
crescendo de forma sustentada, o que quer que acontecesse no mundo
desenvolvido.
Acredito que não só nos Estados Unidos,
na Europa e no Japão, mas também em vários outros países, dentre os quais o
Brasil, como poucas vezes na História, a resolução dos problemas mais urgentes
nunca esteve tão dependente da perspectiva de equacionamento de problemas e
desafios estruturais, de médio e longo prazos. E quero ilustrar a observação
acima com um comentário sobre a recente decisão do nosso Banco Central (BC) de
reduzir os juros. Decisão que teria sido baseada em quatro hipóteses básicas.
Primeiro, a possibilidade de
deterioração adicional das expectativas quanto à evolução da economia mundial e
maiores riscos e incertezas quanto ao comércio internacional, e aos mercados de
capitais, de dívida soberana e de intermediação financeira.
Segundo, em parte por conta disso, a
possibilidade de uma desaceleração da economia brasileira mais acentuada do que
aquela que já vinha ocorrendo - e que já era maior do que a antes prevista pelo
governo para 2011-2012.
Terceiro, a hipótese de que, apesar de a
inflação brasileira acumulada nos últimos 12 meses se encontrar acima de 7%,
esta, a partir do último trimestre de 2011, entraria numa trajetória declinante
(em grande parte devida aos efeitos combinados das duas hipóteses anteriores),
o que permitiria uma gradual convergência para o centro da meta de inflação
(4,5%) ao final de 2012.
Quarto e último, mas não menos
importante, uma avaliação positiva do BC sobre a firmeza do compromisso da
presidente e do Ministério da Fazenda com maior controle fiscal não só em 2011,
como em 2012 e 2013. Compromissos que seriam expressos em metas críveis (que o
BC teria incorporado), e não em declarações de intenções.
As duas primeiras hipóteses das quatro
acima não devem ser descartadas e podem exigir, dentre outras respostas,
redução de juros que, diga-se de passagem, muitos no mercado já antecipavam,
embora a maioria para outubro. A terceira envolve percepções sobre o grau de
compromisso do BC e do governo com o regime de metas de inflação e com a
convergência para o centro da meta estabelecida pelo governo. Se ensaios de
antecipação pública, pelo governo, do que deveriam ser as decisões futuras do
BC se tornarem rotina, não há dúvida de que a credibilidade do Banco Central -
que existe - será erodida. E com isso também se esvairá a credibilidade do
regime de metas como mecanismo de formação de expectativas quanto ao curso
futuro da inflação.
Mas é a quarta das hipóteses acima que é
a mais fundamental das apostas do BC. E a mais problemática, a mais difícil de
ser alcançada e a mais controvertida, como sabem os que se deram ao trabalho de
procurar entender a questão. A propósito, há um trabalho imperdível do ilustre
ex-ministro Delfim Netto intitulado A Agenda Fiscal, no belo livro organizado
por Fabio Giambiagi e Octavio de Barros O Brasil Pós-Crise: Agenda para a
Próxima Década. Esse artigo deveria ser de leitura quase obrigatória para
aqueles que, no governo ou fora dele, acham que a resolução do problema dos
juros no Brasil depende da "estatização do Banco Central".
Aliás, desculpe-me o ilustre
ex-ministro, mas, com todo o respeito, considerei uma enorme injustiça, para
dizer o mínimo, a afirmação de que, "pela primeira vez em duas décadas, o
BC é efetivamente um órgão de Estado...". Uma enorme injustiça para com
servidores públicos exemplares da instituição e para com pessoas decentes e de
espírito público que lá trabalharam e não viam a instituição como outra coisa
que não um órgão de Estado.
E, como disse muito corretamente o
ex-ministro no mesmo artigo, referindo-se à política monetária, "ela é uma
arte que comporta visões alternativas diante dos problemas do futuro. Como os
efeitos monetários se fazem sentir ao longo do tempo, só este é capaz de dizer
a posteriori se a perspectiva escolhida foi certa ou errada".
Mas uma coisa é apoiar a decisão recente
do BC. Outra, diferente, é saudar sua pretensa "estatização" (sem a
qual a decisão não teria sido tomada?). E outra, ainda mais controvertida, é
afirmar desde agora que há uma definida política fiscal de longo prazo do
governo Dilma Rousseff. Pode ser que haja. Esperemos que sim. O tempo dirá. Em
breve. Mas sem responsável ousadia nessa área não será possível assegurar o
desejado declínio, sustentado ao longo do tempo, das taxas de juros na economia
brasileira, por mais "estatizado" que seja o Banco Central.
Vale concluir com o ex-ministro Delfim
Netto no artigo do livro citado: "A única forma possível para que a agenda
fiscal dê uma contribuição decisiva para a política econômica (...) será o
compromisso do poder incumbente eleito em 2010 de realizar um longo, paciente,
responsável e cuidadoso programa de controle do aumento das despesas de seu
custeio...". As sugestões do ex-ministro para uma nova política
previdenciária e orçamentária, bem como uma nova política de pessoal, estão
reunidas em apenas duas páginas ao final de seu artigo.
Vale lê-las. Ou relê-las.
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