domingo, 4 de setembro de 2011

O desabafo de um economista após o Copom.


Eduardo Campos, em matéria no Valor Econômico, relata o desabafo de um colega sobre a última decisão do Comitê de Política Monetária. Cada uma que faça a sua análise e entenda como deve ser. Mistérios políticos e complexos econômicos.

Nesta semana, como já é de notório saber, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) surpreendeu a todos com uma redução de meio ponto percentual na taxa básica de juros. A Selic caiu de 12,50% para 12%, contrariando a previsão dos economistas, que apontavam para estabilidade do juro, e até mesmo de parcela do mercado, que vinha embutindo na curva futura a chance de corte, mas de 0,25 ponto percentual.
De fato, nunca na história o BC fez tal guinada de rumo, saindo de alta em uma reunião para queda na seguinte. Os economistas não compraram a explicação dada pelo BC para tal ação extrema. A piora de cenário externo pegando inflação ainda não parece fato, bem como o aceno de maior austeridade do governo.

Abaixo a íntegra de uma carta enviada à redação pelo economista Henrique de La Rocque, atualmente gestor da Brasif Gestão, mas com passagem pelo banco BVA, mesa de operações da Petros e gestor de renda fixa da Meta Asset:

O Fim da Credibilidade
"Trabalho no mercado há aproximadamente quinze anos, a maioria deles focado no mercado de juros. Reuniões do Copom sempre foram um evento importantíssimo na minha vida. Minha esposa, às quartas-feiras, sempre pergunta: hoje tem reunião do Copom ou podemos marcar algo à noite?
Peguei os governos de FHC e Lula e os bancos centrais de Armínio Fraga e Henrique Meirelles. Sempre fui um defensor assíduo do BC e, muitas vezes, fui taxado até de inocente por acreditar na independência do mesmo. Não tenho dúvidas de que vi muito mais acertos do que erros, daí vem meu respeito e admiração aos dois comandantes acima citados.
A decisão tomada pelo Copom na noite de ontem veio como um banho de água fria nessa minha crença. Antes de mais nada quero deixar claro que, apesar de julgar muito difícil, o BC pode até sair como vitorioso nessa história, caso a crise realmente venha a piorar muito e, de fato, tornar essa queda nos juros correta. Mas, pelos dados e pelo cenário que temos hoje, a queda foi, no mínimo, sem juízo! Além disso, quero deixar claro também que não mais trabalho com o mercado de juros e não tinha nenhuma aposta para esse Copom. O desabafo aqui é imparcial, apenas filosófico.
O cenário mundial mudou nos últimos 45 dias, quando o BC ainda estava subindo os juros? Sim, claro. A piora da crise europeia e o rebaixamento dos EUA trouxeram à tona o risco real de um mundo de crescimento baixo (não acredito em recessão) por 3 ou 4 anos. O Fed disse (como nunca tinha feito antes) que os juros ficarão perto de zero até 2013 e os títulos da dívida americana estão e ficarão em mínimas históricas por muito tempo.
Mas, e o Brasil nessa história? Sofreremos com a crise com certeza. Entretanto, a função do Banco Central é trabalhar para que a meta de inflação seja cumprida (ou será que isso já ficou para trás?). Não sou especialista em inflação, mas todos os dados que temos à disposição nos mostram que teremos uma inflação muito perto da banda superior da meta em 2011 e uma séria ameaça a essa banda em 2012. Todos sabemos das pressões que teremos na inflação no fim do ano, principalmente com o forte reajuste do salário mínimo. Os principais índices de ações já devolveram mais de metade das fortes quedas que tivemos em agosto. As commodities também.
Nos dias anteriores à reunião, tivemos o anúncio do aumento do superávit fiscal (na prática, nada demais) e um discurso onde a presidente Dilma pediu juros menores. Além disso, os contratos futuros de juros entraram em uma queda vertiginosa. Todos ficamos nos perguntando o que estaria acontecendo, qual o motivo da queda, dado que qualquer análise fria e correta (seja por parte de operadores ou economistas) mostrava que a queda de juros por parte do Copom era praticamente descartável.
O parágrafo acima me faz perder a credibilidade no BC: a decisão foi claramente política! Descobrimos que, pelo menos esse Banco Central, mudou de função: a meta agora é de crescimento, não mais de inflação, e que quem estabelece essa meta são a Fazenda e o Planalto.
Sinceramente espero que o mercado olhe para essa decisão de uma forma menos crítica e preocupada que a minha, e que continue vendo com muitos bons olhos o Brasil. E que todo o bom trabalho que temos feito no governo, inclusive de limpeza na corrupção, não seja desperdiçado. E mais, que a credibilidade lentamente conquistada na última década não se vá em uma reunião."

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