Eduardo Campos, em matéria no Valor Econômico, relata o desabafo de um colega sobre a última decisão do Comitê de Política Monetária. Cada uma que faça a sua análise e entenda como deve ser. Mistérios políticos e complexos econômicos.
Nesta semana, como já é de notório saber,
o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) surpreendeu a
todos com uma redução de meio ponto percentual na taxa básica de juros. A Selic
caiu de 12,50% para 12%, contrariando a previsão dos economistas, que apontavam
para estabilidade do juro, e até mesmo de parcela do mercado, que vinha
embutindo na curva futura a chance de corte, mas de 0,25 ponto percentual.
De fato, nunca na história o BC fez tal
guinada de rumo, saindo de alta em uma reunião para queda na seguinte. Os
economistas não compraram a explicação dada pelo BC para tal ação extrema. A
piora de cenário externo pegando inflação ainda não parece fato, bem como o
aceno de maior austeridade do governo.
Abaixo a íntegra de uma carta enviada à
redação pelo economista Henrique de La Rocque, atualmente gestor da Brasif
Gestão, mas com passagem pelo banco BVA, mesa de operações da Petros e gestor
de renda fixa da Meta Asset:
O Fim da Credibilidade
"Trabalho no mercado há
aproximadamente quinze anos, a maioria deles focado no mercado de juros.
Reuniões do Copom sempre foram um evento importantíssimo na minha vida. Minha
esposa, às quartas-feiras, sempre pergunta: hoje tem reunião do Copom ou
podemos marcar algo à noite?
Peguei os governos de FHC e Lula e os
bancos centrais de Armínio Fraga e Henrique Meirelles. Sempre fui um defensor
assíduo do BC e, muitas vezes, fui taxado até de inocente por acreditar na
independência do mesmo. Não tenho dúvidas de que vi muito mais acertos do que
erros, daí vem meu respeito e admiração aos dois comandantes acima citados.
A decisão tomada pelo Copom na noite de
ontem veio como um banho de água fria nessa minha crença. Antes de mais nada
quero deixar claro que, apesar de julgar muito difícil, o BC pode até sair como
vitorioso nessa história, caso a crise realmente venha a piorar muito e, de
fato, tornar essa queda nos juros correta. Mas, pelos dados e pelo cenário que
temos hoje, a queda foi, no mínimo, sem juízo! Além disso, quero deixar claro
também que não mais trabalho com o mercado de juros e não tinha nenhuma aposta
para esse Copom. O desabafo aqui é imparcial, apenas filosófico.
O cenário mundial mudou nos últimos 45
dias, quando o BC ainda estava subindo os juros? Sim, claro. A piora da crise
europeia e o rebaixamento dos EUA trouxeram à tona o risco real de um mundo de
crescimento baixo (não acredito em recessão) por 3 ou 4 anos. O Fed disse (como
nunca tinha feito antes) que os juros ficarão perto de zero até 2013 e os
títulos da dívida americana estão e ficarão em mínimas históricas por muito
tempo.
Mas, e o Brasil nessa história?
Sofreremos com a crise com certeza. Entretanto, a função do Banco Central é
trabalhar para que a meta de inflação seja cumprida (ou será que isso já ficou
para trás?). Não sou especialista em inflação, mas todos os dados que temos à
disposição nos mostram que teremos uma inflação muito perto da banda superior
da meta em 2011 e uma séria ameaça a essa banda em 2012. Todos sabemos das
pressões que teremos na inflação no fim do ano, principalmente com o forte
reajuste do salário mínimo. Os principais índices de ações já devolveram mais
de metade das fortes quedas que tivemos em agosto. As commodities também.
Nos dias anteriores à reunião, tivemos o
anúncio do aumento do superávit fiscal (na prática, nada demais) e um discurso
onde a presidente Dilma pediu juros menores. Além disso, os contratos futuros
de juros entraram em uma queda vertiginosa. Todos ficamos nos perguntando o que
estaria acontecendo, qual o motivo da queda, dado que qualquer análise fria e
correta (seja por parte de operadores ou economistas) mostrava que a queda de
juros por parte do Copom era praticamente descartável.
O parágrafo acima me faz perder a
credibilidade no BC: a decisão foi claramente política! Descobrimos que, pelo
menos esse Banco Central, mudou de função: a meta agora é de crescimento, não
mais de inflação, e que quem estabelece essa meta são a Fazenda e o Planalto.
Sinceramente espero que o mercado olhe
para essa decisão de uma forma menos crítica e preocupada que a minha, e que
continue vendo com muitos bons olhos o Brasil. E que todo o bom trabalho que
temos feito no governo, inclusive de limpeza na corrupção, não seja
desperdiçado. E mais, que a credibilidade lentamente conquistada na última
década não se vá em uma reunião."
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