Para quem deseja conhecer como funciona o cérebro do Banco
Central, leia com atenção a longa entrevista que o presidente do Banco Central
Alexandre Tombini, concedeu com exclusividade a jornalista Claudia Safatle, do VALOR
ECONÔMICO.
O corte de
0,5 ponto percentual na taxa de juros, na reunião do Copom do dia 31, teve um
claro objetivo: "neutralizar a desaceleração da atividade econômica
decorrente da piora no quadro internacional". O Comitê de Política
Monetária calculou que se o rebaixamento geral do crescimento nas economias
centrais representar para a economia brasileira 25% dos efeitos da crise de
2008/2009, isso resultaria numa perda de 1,25 ponto percentual no PIB, disse o
presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ao Valor.
O
desaquecimento adicional, decorrente esperada redução nos próximos meses da
corrente de comércio, dos investimentos externos e do crédito, viria se
sobrepor à desaceleração em curso e que será sentida com maior intensidade no
segundo semestre. A inflação, que entre agosto e setembro bateu no teto da
meta, começa a ceder a partir de outubro. Ele explicou que no cenário
alternativo (que consta da ata do Copom), mesmo com os juros em queda e o
câmbio depreciando como nos últimos dias, a projeção de inflação é mais baixa
do que seria se os juros tivessem sido mantidos em 12,50%. "Não estamos
apostando em catástrofe. Apostamos numa desaceleração do crescimento mundial e
numa crise mais prolongada do que em 2008."
Em entrevista ao
Valor concedida na sexta-feira, pouco antes de embarcar para a reunião do
Comitê da Basileia, na Suíça, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini,
explicou as razões para o corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic: a
deterioração do quadro internacional, com um rebaixamento geral do crescimento
nas economias centrais, coincide com o processo de moderação do crescimento da
economia brasileira. Manter os juros inalterados representaria uma
"overdose" de desaceleração. Seguro da decisão tomada, a despeito das
críticas do mercado, ele negou que o Copom tenha sido pressionado pela
presidente Dilma Rousseff e que o BC tenha abandonado o regime de metas para a
inflação. A seguir, a entrevista:
Valor: Em
julho o Copom aumentou a Selic em 0,5 ponto percentual e em agosto cortou a
taxa em valor equivalente. Por que a mudança?
Alexandre
Tombini: Em julho já tínhamos em mente que se o cenário internacional
piorasse, teríamos que sentar e revisar a estratégia. E ele mudou. Primeiro,
houve a constatação de que a economia americana vai crescer muito menos do que
se esperava. No início do ano as projeções indicavam crescimento de 3,5% a 4%.
Em julho, as expectativas eram de um crescimento de 2,5% e hoje fala-se em
1,6%. No dia 9 de agosto, o Federal Reserve decidiu postergar por pelo menos um
ano o início do ajuste monetário, que passou do segundo semestre de 2012 para,
no mínimo, o segundo semestre de 2013. O Banco Central Europeu começou a
indicar que poderia mudar de estratégia. O presidente do BCE (Jean Claude
Trichet), anunciou, na semana passada, que não vai subir os juros.
Valor: Em
dois momentos o mercado ficou tenso com as decisões do Copom. Em março, quando
esperava alta de 0,75 na Selic e o comitê deu 0,5 ponto. E na última reunião,
quando reduziu o juro em 0,5 ponto percentual. O que leva o BC a estar tão
seguro das suas decisões?
Tombini: O BC
fez dois ajustes de 0,50 pontos em janeiro e março e depois mais três de 0,25,
elevando a taxa em 1,75 ponto para desacelerar o crescimento da economia,
alinhar oferta e a demanda e trazer a inflação de volta à meta. Nos primeiros
três meses, tínhamos uma inflação acumulada de 2,4% e, para conduzi-la para o
centro da meta de 4,5%, teríamos que ter um IPCA de 2% acumulado em nove meses.
Isso não fazia sentido. Demos um novo horizonte para o mercado, levando a meta
de 4,5% para 2012,, reduzimos o aperto de 0,50 para 0,25 e colocamos a ideia de
que faríamos isso por um período suficientemente prolongado para chegar à
convergência em 2012.
Valor: Já
havia, aí, o risco da crise externa?
Tombini: Durante
esse período enfatizamos a complexidade do cenário internacional, que exigia
esforço analítico redobrado. Havia um conjunto de choques extraordinário, mas
os mercados estavam descontando esses choques por causa da grande liquidez.
Descontou a primavera árabe, o terremoto, seguido do tsunami e do acidente
nuclear no Japão e a piora das dívidas soberanas na Europa.
Valor: Houve uma
trégua?
Tombini: Em
abril, as coisas melhoraram. Comunicamos que a inflação mensal cairia, pela
sazonalidade, para níveis compatíveis com o centro da meta. O mercado se
adiantou e passou a prever até uma deflação no IPCA. Nunca previmos deflação no
IPCA. Tínhamos em mente uma evolução de 0,10%, 0,20% e 0,30% entre junho e
agosto. Deu 0,15%, 0,16% e 0,37%. Ou seja, 0,7 a mais do que prevíamos no
início de junho. Comunicamos que o pico da taxa de inflação de 12 meses seria
em agosto/setembro e depois disso a taxa começaria a retroceder. O que se
espera é uma redução de 1,8 a 2 pontos percentuais entre outubro e abril/maio.
Valor: Por
que esse recuo?
Tombini: Não
esperamos a puxada nos preços das commodities como em 2010 e a economia
brasileira já está desacelerando. E há o efeito base, porque a inflação na
média, entre outubro e abril, foi de 0,8% ao mês e agora será menor.
Valor: Foram
as notícias do exterior, então, que pesaram no corte de 0,5 ponto em agosto?
Tombini: Mudou o
cenário. Houve revisão do crescimento na área do euro e nos Estados Unidos. No
Japão, espera-se uma contração maior. Julho explicitou, por um lado, a vontade
das lideranças europeias de resolver os problemas, mas, enfim, a implementação
é tudo. Tivemos uma conferência telefônica em meados de julho - dos presidentes
de bancos centrais - e finalmente houve aquela reunião de cúpula em que
acertaram a ampliação do escopo de atuação do fundo de estabilização europeu.
Ótimo, mas ficou claro que a implementação seria difícil. São 17 congressos...
E houve, ainda, toda a discussão interna sobre o teto da dívida nos Estados
Unidos, que também explicitou os problemas lá.
Valor:
Enquanto isso, a economia doméstica já estava desacelerando. Poderia haver uma
overdose no freio?
Tombini: Os
dados do segundo trimestre mostram que começamos a desacelerar. O PIB foi de
0,8%. O plano de voo era moderar o crescimento. Em cima disso, agora, você
adiciona a deterioração internacional.
Valor: Mas
até agora só a indústria desaqueceu. O setor de serviços e o mercado de
trabalham continuam bem aquecidos, não?
Tombini: Não é
só a indústria. Os serviços e o mercado de trabalho ainda estão dinâmicos mas,
na margem, está se criando menos empregos que no primeiro semestre de 2008 e de
2010. Esses são os últimos setores da economia a sentir o desaquecimento, mas o
setor de serviços não vai ficar sozinho. O crédito também desacelera. O estoque
ainda cresce 19%, mas as novas concessões têm retração.
Valor: As
medidas para conter a expansão de crédito tiveram algum efeito, mas depois ele
voltou a crescer. Não seria preciso adotar novas medidas?
Tombini: O BC
nunca abre mão das suas prerrogativas e medidas.
Valor: Os
bancos públicos não estão expandindo demais?
Tombini: O BNDES
tem dado uma moderada. A Caixa tem o crédito imobiliário que estamos olhando
com cuidado. Mas, concluindo, os índices de confiança tanto do consumidor
quanto do empresário têm caído. E o nível de utilização da capacidade ociosa na
indústria tem recuado de forma significativa. É um fenômeno mundial. Há uma
sincronização de queda da produção, numa virada recente.
Valor: O que
significa essa piora em números? A ata do Copom menciona que esta crise pode
corresponder, em seus efeitos sobre o país, a 25% do que ocorreu em 2008/2009.
Tombini: Em
2008/2009 houve uma contração de 5 pontos percentuais do PIB. Um quarto disso
daria 1,25 ponto percentual de perda de produto agora.
Valor: E na
inflação, qual seria o impacto de um menor crescimento?
Tombini: O que
sabemos é que já havíamos encomendado a desaceleração. Comunicamos que os
efeitos das políticas monetária e fiscal seriam mais sentidos no segundo
semestre. O crescimento no terceiro trimestre vai ser menor do que o 0,8% do
segundo trimestre e começaremos 2012 com um carregamento bem baixo. Junta-se a
isso uma virada no cenário internacional. O movimento do Copom foi para
neutralizar esse adicional de desaceleração.
Valor: Pode
haver uma forte desvalorização do real ante o dólar?
Tombini: Após
reunião do Copom o real já se desvalorizou 4,19%. [Tombini pega uma tabela com
as principais moedas e mostra que o euro se desvalorizou mais, 4,52%, a lira
turca, 4,57% e o franco suíço, 8,74%].
Valor: Se
houver uma desvalorização importante da moeda, o quanto o repasse do câmbio
pode prejudicar a meta de inflação?
Tombini: O
repasse ("pass through") é muito menor do que já foi. Hoje é baixo, é
cerca de 3% no curto e de até 8% no longo prazo. Mas depende porque
desvalorizações bruscas, em geral, vêm acompanhadas de outras coisas.
Obviamente se houver um "overshooting", o mercado vai ficar
disfuncional. Em 2009 o câmbio foi de R$ 1,55 para R$ 2,50 e, ao mesmo tempo, a
inflação caiu de 5,90% para 4,30%. Nesse período, baixamos os juros e
expandimos o fiscal. Mas não vai haver overshooting no câmbio se não houver
outras condições que também afetem a inflação. Só estou lembrando que o efeito
líquido em 2009 foi desinflacionário porque o movimento foi acompanhado de uma
parada da produção industrial e de contração do PIB.
Valor: Isso
pode voltar a ocorrer?
Tombini: Não
estamos apostando em catástrofe. Estamos apostando numa desaceleração do
crescimento internacional e numa crise mais prolongada do que em 2008. Basta
olhar os governos ao redor do mundo. Está quase todo mundo com juros negativos
ou juro real muito pequeno. No Brasil, os juros são de 12% para uma inflação
que está no pico de 7,23%. Faz quem pode.
Valor: Mas a
inflação de serviços está alta, a renda cresce e o mercado de trabalho está
aquecido. Não é um risco para a meta em 2012?
Tombini: O
mercado de trabalho cresce menos. O crescimento da renda também tem a ver com o
fato de que tivemos inflação baixa em junho e julho e, portanto, ela foi
deflacionada por índices mais baixos.
Valor: Para
cumprir a meta de inflação seria suficiente um desaquecimento do mercado de
trabalho ou teria que haver desemprego?
Tombini: No
horizonte que estamos trabalhando, desaceleração é suficiente.
Valor: E
serviços será o último setor a sentir a desaceleração?
Tombini: A
desaceleração da indústria bate no chão de fábrica que é vinculado ao setor de
serviços. Ele vai sentir a desaceleração.
Valor: O BC
conta com uma queda nos preços das commodities?
Tombini: A conta
é que elas não sobem. Não contamos com queda de preços.
Valor: Os
críticos, sobretudo após a última reunião do Copom, dizem que o BC abandonou o
regime de metas para a inflação e agora persegue três objetivos - inflação,
crescimento e taxa de câmbio.
Tombini: Nossa
meta é uma só, de inflação. Em relação ao câmbio já falei várias vezes, desde
de janeiro, que o câmbio não refletia só os fundamentos, mas também a situação
extraordinária de liquidez no mundo. Então é valido o que fizemos, que foi
tirar a capacidade do mundo se alavancar contra o dólar no Brasil. Reduzimos as
posições vendidas que o mercado tinha de US$ 17 bilhões. Em julho baixamos o
limite para US$ 1 bilhão e hoje é menor. Se dá um choque, um evento
internacional, reverter uma posição de US$ 17 bilhões para um mercado que gira
em torno de US$ 2 bilhões ao dia, daria um estresse como quando a taxa de
câmbio passou de R$ 1,55 para R$ 2,50. Trabalhamos para reduzir a probabilidade
de que isso ocorra e acho que tivemos sucesso. Tivemos momentos de estresse e
nosso câmbio, agora, mexeu pouco. Se não tivéssemos adotado medidas quando a
posição vendida era de US$ 17 bilhões, hoje ela estaria em US$ 30 bilhões.
Valor: E os
reajustes salariais preocupam?
Tombini: O
governo tem segurado os aumentos no setor público e há uma moderação nos
dissídios do setor privado. De janeiro a julho, foram 398 convenções coletivas.
A média dos reajustes começou com 8,60% em janeiro e caiu para 7,14% em abril.
Em maio houve uma subida para 8,24% que depois caiu para 7,78% em junho e para
7,45% em julho. Não é um quadro de aceleração.
Valor: Outra
crítica que se faz é que o Copom, ao cortar a Selic se fiou numa política
fiscal que o governo ainda não definiu qual é. A única indicação para 2012, até
agora, foi a do projeto de lei do orçamento, que não deu um bom sinal.
Tombini: Nossa
hipótese de trabalho é de um superávit primário do setor público
"cheio" de 3,1% do PIB de 2012 a 2014. Isso é suficiente.
Valor: Há
quem diga, no mercado, que o BC está caminhando para o modelo turco - de menor
preocupação com a inflação. Há, ainda, muitas dúvidas sobre o compromisso do
BC. isso lhe incomoda?
Tombini: Para
aqueles que ainda não entenderam, vai haver um entendimento da estratégia.
Estamos num processo de moderação do crescimento, que já estava encomendado.
Adiciona-se a isso uma deterioração do cenário internacional de forma
importante nos últimos 40 dias. Isso nos leva a uma trajetória de inflação de
queda em busca da meta. Nós estamos, agora, exatamente na posição de março,
quando sinalizamos a meta de 4,5% para 2012. A Turquia está com taxa de juros
de 6,50% e inflação de 6,65%. Onde nós estamos? Com taxa de juros de 12% e
inflação de 7,23%, que é pico, tendendo a 5% nos próximos sete meses.
Valor: Há
interferência da presidente da República no BC?
Tombini: Não.
Com a presidenta discutimos cenários.
Valor: É
importante o presidente do Banco Central conversar com o ministro da Fazenda,
com o restante do governo?
Tombini: O
Brasil sempre foi criticado porque o "mix" da política econômica era
um pé no freio e outro no acelerador. O que você está vendo desde o agravamento
da crise externa? Que o desequilíbrio fiscal está na origem dessa crise. Essa é
a rebordosa, a ressaca fiscal de 2008/2009. As dívidas subiram de pouco mais de
60% do PIB para 100% do PIB só nos Estados Unidos.
Valor: E nos
outros países também.
Tombini: Tem o
trabalho do Kenneth Rogoff e da Carmen Reinhart sobre o crescimento da relação
dívida/PIB de, na média, mais de 100% nos países da OCDE. Se há uma coisa que
nos diferencia hoje é a nossa situação fiscal bem arrumada, da qual não podemos
abrir mão. Nós ajustamos a política de juros agora por que já vinhamos com uma
desaceleração que dava sinais de intensificação no segundo semestre. Aí vem o
agravamento da crise. O CDS (preço do seguro da dívida soberana) está indicando
90% de possibilidade de default da Grécia. Não estamos contando com isso.
Estamos contando com uma revisão do crescimento, com adiamento da normalização
das condições monetárias nos EUA e Europa, agora, se vem um troço desses....
Valor: Parece
que há dificuldade em concretizar o socorro à Grécia.
Tombini: A adesão
ao "swap" está aquém do que se esperava nesse momento. Está difícil.
A projeção de contração do PIB da Grécia foi revisada de menos 3% para menos 5%
do PIB. Há a percepção de que mesmo ajustando para uma contração maior o país
está entregando menos fiscal do que era exigido.
Valor: Em que
momento ficou claro para o governo que era preciso mudar o mix, o peso, na
política econômica do Brasil?
Tombini: As
discussões já vinham lá de trás. Se algum dia quisermos ter uma taxa de juros
mais próxima do mundo normal, o governo, através da política fiscal, tem que
abrir espaço para o resto da economia. Era uma discussão de mais longo prazo.
Por outro lado, há a percepção clara de que a nova onda da crise de 2008 tem
origem na deterioração do quadro fiscal nesses países. Então, se a crise piora
nós não vamos usar a alavanca fiscal (como foi feito em 2008/2009).
Valor: Dizem
que o senhor. combinou com o ministro Guido Mantega que se ele aumentasse o
esforço fiscal no ano em R$ 10 bilhões o Copom reduzira os juros. É assim que
funciona?
Tombini: Não é
assim que funciona. Uma política fiscal mais forte ajuda o nosso trabalho,
moderação no crédito também ajuda. Se há alguém no governo discutindo o aumento
da tarifa de importação de um preço que vai pressionar a inflação aqui, eu vou
conversar com o governo. A política monetária está vinculada a um objetivo de
governo, que é a meta de inflação. Então não é faz isso que eu faço aquilo,
porque a política do BC é levar a inflação para os objetivos do governo,
fixados pelo Conselho Monetário Nacional. Tudo o que eu vejo aqui que pode
bater na inflação, e que não está no meu alcance resolver, eu vou conversar com
o governo, como, aliás, sempre se fez.
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