Antonio Delfim Netto,
professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e
Planejamento, escreve hoje no VALOR ECONÔMICO, sua forte defesa na redução da
taxa de juros: um viva para o Copom.
A indignada e quase raivosa
reação de alguns analistas, que se supõem portadores da "verdadeira"
ciência monetária, à recente decisão do Copom, de baixar 50 pontos na Selic,
revela que, para eles, a sacrossanta "independência" do Banco Central
só é reconhecida quando esse decide de acordo com os conselhos que eles,
paciente, gratuita e patrioticamente, lhe dão todos os dias, através da mídia
escrita, radiofônica e televisiva.
Qualquer desvio só pode
ser atribuído e explicado pela "pecaminosa" intervenção do governo
que teria jogado a toalha: abandonou a "meta de inflação" e colocou
em seu lugar a "meta de crescimento do PIB", não importa a que
"custo inflacionário"...
Trata-se, obviamente,
de uma acusação irresponsável, injusta e arrogante. Irresponsável, porque colhida
furtivamente de "fontes preservadas", que podem não passar de pura e
conveniente imaginação, desmentida, aliás, pelos votos divergentes. Injusta,
porque pela primeira vez, em quase duas décadas, o Banco Central mostrou que é,
efetivamente, um órgão de Estado com menor influência do setor financeiro
privado. Arrogante, porque supõe que nenhuma outra visão e interpretação
alternativa da realidade diferente da sua possa existir.
O mundo está literalmente
vindo abaixo e sugere-se que o Copom deveria repetir o dramático erro de 2008:
"Esperar para ver"! Vacilamos quando podíamos ter reduzido a taxa de
juro real. Tínhamos um pouco menos de musculatura do que agora, mas poderíamos
ter assegurado uma redução muito menor e uma recuperação mais rápida do
financiamento do "circuito econômico". Na minha opinião (que é apenas
uma opinião impressionista), poderíamos ter crescido qualquer coisa como 2% ou
3% em 2009, em lugar de registrar queda do PIB de 0,6% e, ao mesmo tempo, ter
reduzido dramaticamente a taxa de juros real.
As medidas fiscais e
monetárias tomadas recentemente pelo governo (nas quais, aliás, tais analistas
não acreditavam) estão reduzindo a taxa de crescimento a uma velocidade maior
do que se esperava. Com o crescimento do PIB dessazonalizado de 0,8%, do
segundo trimestre sobre o primeiro, e a enorme redução da expansão da
indústria, é muito pouco provável que o PIB do ano cresça fora do intervalo de
3% (se o crescimento nos terceiro e quarto trimestres for zero) a 3,6% (na hipótese
pouco provável de que cresçam também 0,8%).
Mas afinal o que se
espera, ainda, das taxas de juros? Que controlem a inflação ou derrubem mais o
crescimento? Todos os
bancos centrais (mesmo os que não têm isso nos seus estatutos) olham para o
nível de atividade e sabem que a política monetária tem efeitos com defasagens
variáveis. Devem olhar não apenas a taxa de inflação futura, mas também para
o ritmo de crescimento futuro. E devem ser realistas quanto às condições
físicas objetivas que levam ao altíssimo custo social de tentar corrigir
desajustes estruturais (como é o caso do ajuste qualitativo entre a oferta e a
demanda no mercado de trabalho) reduzindo o crescimento do PIB à custa do
aumento da taxa de juros real, com o que se destrói, colateralmente, o
equilíbrio fiscal.
Os números externos
pioram a cada dia. Na
última semana de agosto: 1) no teatro de Jackson Hole, o Fed, o BCE e o Banco
da Inglaterra mostraram as suas perplexidades. O mundo tomou conhecimento da
receita acaciana de Bernanke: "Farei o que tenho que fazer", sem
especificar do que se trata. Remeteu a incerteza para 21 e 22 de setembro, na
nova reunião do Fomc; 2) as perspectivas de crescimento mundial caíram para
2,5% (com viés de baixa, contra 3,9% em 2010); 3) o crescimento dos EUA foi
reduzido a 1,4% (contra 3%); 4) a Eurolândia, com a redução do crescimento da
Alemanha, talvez para 2%; e 5) a China estima crescer 8,7% (contra 10,3% em
2010).
É hora do Brasil pôr as
suas barbas de molho:
1) reforçar, como está fazendo, o equilíbrio fiscal de longo prazo e aprovar as
medidas que estão no Congresso com o mesmo objetivo; 2) manter sob controle as
despesas de custeio e melhorar a qualidade do financiamento da dívida interna;
e 3) adotar medidas microeconômicas para corrigir os desequilíbrios do mercado
de trabalho, o que, obviamente, não pode ser feito com manobra da taxa de
juros.
Isso possibilitará ao
Banco Central, diante do complicado quadro interno e externo, prosseguir, com
cuidado, mas persistência, a necessária redução da nossa taxa de juros real,
abrindo espaço para o investimento público.
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