Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO.
É um fato conhecido que os competentes
economistas alemães representam a fina flor do mais extremo monetarismo ao qual
somam uma boa dose de conservadorismo. Foram ferozmente contra as concessões
(com implicações econômicas) feitas por Helmut Kohl, quando aproveitou uma
janela semiaberta e teve a coragem de reunificar a Alemanha, objetivo político
de longo prazo absolutamente desdenhado pelos "puristas econômicos".
Quando a Alemanha decidiu participar do
euro, 150 dos seus mais reconhecidos acadêmicos publicaram um célebre manifesto
contra, com bons argumentos, mas que de novo ignorava solenemente o objetivo
político de longo prazo, que era a pacificação de um continente que durante os
últimos mil anos foi atormentado por guerras.
Os argumentos eram respeitáveis e
mostravam que o sucesso do euro dependia de um rigoroso controle da situação
fiscal de cada país, preliminar para a construção de uma área monetária ótima:
absoluto controle fiscal, liberdade de movimentos da mão de obra e de capitais
e a cessão da emissão das moedas nacionais a um banco central autônomo, com uma
nova unidade monetária, com relação à qual as taxas de câmbio de cada país
seriam irrevogavelmente fixadas.
Eram contra, porque não acreditavam que
os países se submeteriam a tal disciplina. Para impô-la, foi formalmente
estabelecido e aprovado no acordo de Maastricht, que precedeu a introdução do
euro, que: 1) nenhum país poderia ter déficit nominal superior a 3% do PIB; e
2) uma relação dívida/PIB maior do que 60%.
Por que não funcionou? Porque os
governos de vários países (em particular da Grécia) mentiram, como suspeitavam
os economistas alemães! Ilidiram aquelas condições com a conivência do sistema
financeiro internacional e das agências de risco. Tudo veio à tona depois da
"quebra" do Lehman Brothers, quando a "rede de patifarias"
escondida nos derivativos tóxicos explodiu na cara dos bancos centrais, sob o
nariz dos quais ela se realizara. É cada vez mais evidente que esses não se
recuperaram do choque: nem o Federal Reserve dos EUA, nem o BCE da Eurolândia
sabem, até agora, o que fazer.
Nos EUA, parece que começa a haver uma
mudança. Mais de uma dezena de instituições financeiras, que ativamente (com a
conivência das agências de risco) assaltaram os incautos aplicadores, começam a
ser investigadas e, seguramente, algumas serão responsabilizadas criminalmente.
Trata-se de um problema moral, que não pode mais ser escondido pelo governo
Obama como foi até agora.
Tardiamente, ele propõe ao Congresso um
novo pacote de estímulos para diminuir o sofrimento de 25 milhões de honestos
trabalhadores (15 milhões com desemprego aberto e 10 milhões semiempregados),
que acabaram desempregados com a política econômica (inspirada por distintos
acadêmicos comprometidos com o sistema financeiro) que "salvou" os
desonestos administradores.
Até agora, o presidente do Fed, Ben
Bernanke, não disse a que veio: apenas repete, repete e repete o velho refrão,
"farei o que tenho de fazer". Continua indeciso sobre como atender ao
seu duplo mandato: manter alto o nível de emprego e manter baixa a taxa de
inflação.
O sinal de que ainda resta vida
inteligente nos EUA veio num artigo no "Financial Times", do
secretário do Tesouro, Tim Geithner, onde afirmou que é hora dos governos
deixarem de lado a paralisia política e esquecerem os medos infundados com a
inflação.
No fundo, ele está transmitindo aos
bancos centrais, que continuam mesmerizados pelos seus modelitos, que a taxa de
juros nominal já é nula e que a taxa de inflação está na "meta", mas
a taxa de desemprego é quase o dobro da famosa Nairu (a taxa de desemprego que
não acelera a inflação). Logo, é uma eficaz política fiscal que deve ser
ativada.
É por isso que ele afirma que os EUA
resistirão a um rápido ajuste fiscal em 2012 e recomenda a todos os países em
dificuldades que façam o mesmo. Essa coordenação, se realizada, tornará mais
potente e mais veloz os resultados.
No Banco Central Europeu (BCE), a
situação se agrava. Enquanto Trichet aguarda sua substituição formal por Mario
Draghi, os representantes alemães (diante do iminente desastre político da
chanceler Merkel) abandonam o barco, alegando "razões pessoais".
Primeiro foi Alex Weber (presidente do Bundesbank). Agora foi Juergen Stark, o
que aperta ainda mais a "saia justa" de Merkel.
Se não bastassem esses problemas, o
ministro das Finanças da Holanda, Jan Kees de Jager, sugere claramente a
expulsão da Grécia, a pedido: "Quando não conseguimos respeitar as regras
do jogo, devemos deixá-lo". O FMI, por sua inexperiente diretora-gerente,
Christine Lagarde, lança dúvidas sobre a higidez dos bancos europeus que têm em
carteira títulos gregos. Como todos sabem que ela conhece apenas os bancos
franceses, produziu uma corrida sobre eles.
Parece óbvio que ninguém se entende. Tem
razão o dr. Tombini. Vamos pôr nossas barbas de molho e nos proteger da
provável desintegração da economia mundial.
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