sábado, 17 de setembro de 2011

Época entrevista Andrés Oppenheimer.


Nestes tempos onde falta tempo, ler qualquer texto que tenha mais de 200 palavras é um grande sacrifício. Porém, existem situações onde devemos ler senão 200 palavras, que tal 2.000? É o que gostei lendo a entrevista de Andrés Oppenheimer - comentarista da CNN -  à ÉPOCA. Leiam e entendam um pouco mais com profundidade a nossa vida latino americana. E como estamos num final de semana, tempo não vai faltar.  

ÉPOCA – Que obsessão é essa pelo passado que existe na América Latina?
Andrés Oppenheimer – Os países da América Latina vivem numa revisão de suas histórias. Vamos pegar a Venezuela como exemplo. Lá, o presidente Hugo Chávez mudou o nome do país para um ridículo “República Bolivariana da Venezuela”. Ele fala ao país quase que diariamente em frente a uma imagem de Simon Bolívar. E diz que toda sua política é baseada no que Bolívar disse. Usa o passado para dar legitimidade histórica a suas ações. Mas Bolívar viveu há quase dois séculos. Ele morreu 150 anos antes da invenção da internet e 40 antes do telefone. Ele pode ter sido um grande herói do seu tempo, mas vivemos num mundo novo.
ÉPOCA – Ele não pode nos ajudar nos desafios atuais.
Oppenheimer – Claro que não. Ele não é a resposta para os desafios de um mundo globalizado. Estive em países como a Índia e China, que têm história milenar e não vi ninguém ficar falando no passado. Mas Chávez insiste nessa postura. Ano passado quis exumar o cadáver de Bolívar. A mesma coisa aconteceu no México e Equador e países da América Central. No livro, eu falo sobre minha surpresa quando cheguei a Cingapura, um dos países com maior renda per capta do mundo. Um exemplo simbólico é a moeda local. No dinheiro deles há imagem de uma universidade com o professor e os alunos e, abaixo, uma palavra: Educação. Na América Latina, como nos EUA, temos nossos heróis da independência. Nós olhamos para trás. Eles olham para frente.
ÉPOCA – Por que isso ocorre?
Oppenheimer – Talvez porque os países latino americanos sejam relativamente jovens, idolatrar o passado é uma forma de criar um senso de coesão ou identidade nacional. Mas não haveria problema se fosse só isso. O problema é que nós exageramos. Hoje ficou uma obsessão. Se você for a uma livraria em Buenos Aires, Cidade do México ou Lima vai ver que os best sellers são romances históricos, biografias de heróis do passado ou ensaios de história. Não vi isso na Ásia. Lá, vemos livros sobre o futuro. Não estou dizendo que devemos esquecer nossa história. Eu gosto de história. O que digo é que essa obsessão, esse exagero nos distrai de tarefas mais relevantes e urgentes como investir em educação, ciência, tecnologia, que são os assuntos do futuro.
ÉPOCA – O senhor diz que a educação é a chave para nosso futuro. Mas esse pensamento não existe desde o século 20?
Oppenheimer – Não era importante. Nós sempre medimos nosso sucesso pelo nosso crescimento econômico. E descobrimos que, sem uma boa educação, o crescimento da economia não reduz a pobreza nem a desigualdade, pelo menos tão rápido quando vem acompanhado de crescimento educacional. Os dois devem caminhar juntos. Caso contrário, não vamos nos desenvolver tão rápido quanto os asiáticos. A razão é simples. Quando a economia cresce, as pessoas que se beneficiam são pessoas como você e eu, que tiveram boa educação formal, que têm empregos formais. A mulher que vende limão na rua, que vive numa favela e não teve boa educação não vai conseguir um emprego tão bom. Se quisermos que essa senhora ascenda socialmente, precisamos dar a ela – e ao filho dela – uma boa educação. Senão, nunca fará parte da economia formal. Uma das coisas que proponho no livro é medir nosso sucesso pela educação, como um PIB para a educação, o Produto Educacional Bruto. Um, sem a outra, não nos ajudará a reduzir a pobreza
ÉPOCA – E como vai o nosso PEB?
Oppenheimer – Terrível. Posso te dar exemplos. Não temos uma única universidade da América do Sul entre as 200 melhores do mundo, segundo ranking feito pelo Times, de Londres. Somente a Universidade Autônoma do México (Unam) aparece na 190ª posição do ranking inglês. Isso é um escândalo. O Brasil está entre as 12 maiores economias do mundo. No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), dos 65 países que participaram no ranking, os países latino americanos estão na parte de baixo. O Brasil está na 53ª posição em matemática. Outro exemplo: temos férias muito longas. No Japão, o ano letivo tem 243 dias. Na Coreia do Sul, é de 220. E no Brasil, 200. Se contarmos as greves, o ano letivo é ainda menor. Não estou nem falando das horas de estudo por dia. Uma criança chinesa estuda 12 horas por dia, muito mais do que uma criança brasileira ou de outro país da América Latina. E o mais crítico exemplo: nós, na América Latina, não registramos patentes, não inventamos nada. A Coreia do Sul, um pequeno país asiático, que há 40 anos era mais pobre que o Brasil, no ano passado registrou 8.800 patentes nos Estados Unidos. Enquanto o Brasil, muito maior que a Coreia do Sul, registrou 100 patentes. Não é coincidência que a renda per capta lá seja maior que no Brasil.
ÉPOCA – Não faz sentido o argumento de que nossas universidades não estão no ranking por preconceito e porque o inglês não é nossa língua nativa?
Oppenheimer – A última vez que fui à China o inglês não era a língua nativa por lá (risos). E esses países têm mais universidades no ranking do que nós. O que essas pessoas dizem sobre isso? É ridículo. E um ranking chinês com as 500 melhores universidades mostrou resultados parecidos que o ranking inglês. A Universidade de São Paulo (USP) ficou no grupo identificado como “entre a 100ª e 151ª posições”. A Unam e a Universidade de Buenos Aires estão entre a 152ª e 200ª posições.
ÉPOCA – Dentro da América Latina, qual país está melhor?
Oppenheimer – Brasil e Chile vão melhor na educação superior, não há a menor dúvida disso. E Brasil lidera nesse quesito. Produz 10 mil doutores por ano, tem indústrias de alta tecnologia como a Embraer. E o país anunciou recentemente que vai pagar por 100 mil bolsas de estudo para alunos estudarem fora. O Brasil está indo muito melhor do que outros países da América Latina. Mas está muito pior do que outros países com quem quer competir, como Índia ou China. Há muito a ser feito. Digo que é um “gigante com pés de barro”: tem boas universidades e péssimas escolas. E mesmo no sistema universitário, é preciso fazer mais para se destacar.
ÉPOCA – O que precisamos fazer?
Oppenheimer – Primeiro, criar uma cultura de inovação, que resulte em invenções e registro de mais patentes. Estamos no começo de uma era da Economia do Conhecimento. Se o Brasil quer se destacar nesse cenário, tem de produzir muito mais produtos de alta tecnologia do que hoje. O Brasil nunca vai ser tornar um poder mundial se registrar apenas cem patentes por ano nos Estados Unidos. No livro, cito como exemplo uma xícara de café brasileiro vendido no Starbucks nos Estados Unidos. Só 3% do que se paga pela xícara vai para os agricultores brasileiros. E 97% do preço vai para quem processou o café, para o marketing etc. O mesmo vale para uma camisa da Ralph Lauren vendida nos EUA. A fábrica peruana que entrega a camisa pronta fica com, no máximo, 13% do valor. Quem leva o resto? Quem criou o “estilo de vida Ralph Lauren” – o marketing, o design, a publicidade. Isso é um produto da Economia do Conhecimento. De qual lado da equação o Brasil quer estar? Do lado dos 3% ou dos 97%?
ÉPOCA – Mas como podemos investir em tecnologia se, como o senhor diz no livro, os estudantes brasileiros, como os latino americanos em geral, preferem Ciências Sociais e Humanas do que as Exatas?
Oppenheimer – Eu iria mencionar isso. Precisamos encorajar os estudantes a estudar mais engenharia e um pouco menos de Sociologia, Psicologia ou História.
ÉPOCA – Como explicar essa preferência?
Oppenheimer – Pode ser cultural, pode ser pelo fato de que engenharia é mais difícil e as pessoas escolhem o caminho mais tranquilo. Talvez porque muitos pensem que não vão conseguir empregos. Mas os governos não encorajam os alunos para áreas de Exatas. Na Ásia os governos encorajam.
ÉPOCA – O que esses países fazem?
Oppenheimer – Durante a pesquisa do livro eu estive em países como China, Índia, Cingapura, Israel ou Finlândia, que estão fazendo coisas muito interessantes nessa área. Na Índia, por exemplo, há muitos anos, começaram a produzir engenheiros. O governo deu bolsas de estudo, encorajou as universidades a aumentar seus programas de engenharia. Com tantos engenheiros, empresas multinacionais viram a grande quantidade de engenheiros e se instalaram lá. A Índia não esperou pela demanda de engenheiros. Criou a oferta e as multinacionais foram atrás.
ÉPOCA – Mesmo com os problemas educacionais, o Brasil cresce, a pobreza diminui e as classes média e alta estão maiores do que nunca.
Oppenheimer – Devemos celebrar isso, mas não podemos ignorar que esse crescimento não é sustentável. O crescimento está baseado na alta do preço das commodities e no bom momento da economia mundial. E quando o preço das matérias primas cair? E quando a China parar de comprar a soja e o aço produzidos aí? Se o Brasil quiser ter um crescimento sustentável, precisa melhorar sua educação e tecnologia. Repito: o Brasil nunca vai ser uma potência mundial se registrar apenas cem patentes por ano.
ÉPOCA –  Em suas visitas a universidades latinas, você notou se há preocupação em melhorar?
Oppenheimer – Não. Vi mais essa preocupação no Brasil do que em outros países. Na Argentina é patético. Quando o resultado do Pisa saiu e Argentina ficou nas últimas posições, o ministro da Educação argentino preferiu jogar a culpa no teste. Disse que o teste é quem estava errado. O Brasil está mais maduro e consciente. Mas precisa mais do que eu chamo de “paranoia construtiva”. Os países que se desenvolveram são paranoicos. Precisa olhar para Índia, China, Coreia.
ÉPOCA – O que é essa paranoia construtiva?
Oppenheimer – Países que pensam que não estão bem quando se comparam com outros países geralmente se empenham mais em melhorar. Enquanto que países que acreditam estar numa boa posição se tornam complacentes e acabam ficando para trás. China e Índia têm essa paranoia construtiva: eles acham que todos estão melhor do que eles. Na América Latina, muitos países acreditam que estão muito bem, apesar das evidências que mostram o contrário.
ÉPOCA – Como podemos pensar em tecnologias se vamos mal no ensino primário e não valorizamos o professor?
Oppenheimer – É algo pendente. Quando conversei com a presidente da Finlândia e perguntei por que o país vai tão bem, ela me respondeu: “Professores, professores e professores”. Para um aluno ser um professor na Finlândia, é preciso estar entre os 10% com melhor desempenho escolar. Se não está nesse grupo quando sai da escola, não pode se tornar um professor. Lá, se uma pessoa estuda para se tornar professor, você logo imagina que deve ser uma pessoa muito inteligente. Nos nossos países, pensamos: “Coitado, quis ser advogado e não conseguiu”. Precisamos formar bons professores, dar status à profissão, avaliar seus desempenhos e pagar bons salários aos bons profissionais.
ÉPOCA – O senhor acha que criar cotas para alunos negros ou de escolas públicas é benéfico?
Oppenheimer – De modo geral, sim. Mas a saída é melhorar qualidade das escolas. O nível hoje é muito baixo.
ÉPOCA – Por que não vemos revoluções na educação na América Latina como houve na Finlândia ou países asiáticos?
Oppenheimer – Porque confiamos demais na exportação de matérias primas. Fomos amaldiçoados com abundância de matérias primas. Não é coincidência que os países com maior renda per capta do mundo, como Luxemburgo, Liechtenstein ou Cingapura não têm recursos naturais. Por outro lado, países ricos em recursos naturais, como Nigéria ou Venezuela, estão entre os mais pobres. Não estou dizendo para pararmos de produzir recursos naturais. Digo que deveríamos fazer como a Noruega, que coloca o dinheiro obtido com a venda de recursos naturais num fundo que, no caso da América Latina, poderia ser usado para melhorar a educação e tecnologia.
ÉPOCA – O senhor cita no livro exemplos como Cingapura e China, onde as crianças e jovens estudam 12 ou mais horas por dia, são constantemente avaliadas em ranking de desempenho. Isso resulta em cidadãos felizes? Não é cruel?
Oppenheimer – Acho que muito mais cruel seria deixar nosso povo sem educação e sem as ferramentas para melhorar sua qualidade de vida. Não acredito no pensamento “eles são pobres, mas felizes” porque ninguém é feliz se passa a vida na pobreza. As pessoas devem ter o direito de sonhar e educar as crianças é a melhor forma de melhorar a vida delas. Nós somos guiados por ideologias e obcecados pelo passado. Os asiáticos são guiados por pragmatismo e obcecados com o futuro. Nós podemos aprender algo com eles.
ÉPOCA – Como está a democracia na América Latina?
Oppenheimer – Diria que muito melhor do que há 30 anos, mas pior do que há 10. Temos muitas democracias híbridas, como Venezuela, Bolívia ou Equador, que mantêm formalidades democráticas, mas, uma vez que o presidente assume o poder, adquire poderes absolutos e acaba com a separação dos poderes. Esses países criaram uma espécie de “clube”. Uns defendem os outros. E o Brasil teve muito a ver com isso.
ÉPOCA – De que forma?
Oppenheimer – Não sou entusiasta da política externa do Brasil, especialmente nos últimos anos do governo Lula.
ÉPOCA – Por quê?
Oppenheimer – Porque o Brasil parecia cair em amores por qualquer ditador do mundo.
ÉPOCA – A queda de influência de Hugo Chávez não seria prenúncio de que a situação está mudando?
Oppenheimer – Sim. A influência de Chávez na América Latina é diretamente proporcional ao preço do petróleo. Com o preço do óleo a US$ 150, Chávez era como Napoleão. Com o petróleo a US$ 90, Chávez já não tem tanto poder de influência.

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