Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, doutor em direito econômico (USP) e professor de direito do Insper., escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO.
Frank
Tamagna, economista italiano, funcionário do Federal Reserve System e radicado
em Washington, escreveu, nos idos de 1950, um livro denominado Central banking
in Latin America, que teve grande repercussão.
Nesse
livro, o autor dedicou um capítulo inteiro à função de agente de fomento dos
bancos centrais e recomendava que a autoridade monetária fosse também meio de
realizações econômicas, de agente de fomento e fiadora do desenvolvimento
nacional. (Capítulo VI - "Central banks and economic development",
op. cit. Centro de Estudos Monetarios Latinoamericanos, p. 195-231)
Com
o surgimento da inflação galopante nos anos 1970-80, a ideia foi simplesmente
considerada absurda. O Banco Central deveria ter a única e muito definida
função de zelar pela moeda e usar seu poder monetário para preservar seu valor.
No entanto, com as crises mais recentes (e, curiosamente, com o recrudescimento
da inflação), o assunto voltou à tona e granjeando simpatia. A revista The
Economist, por exemplo, citou o atual trabalho do economista Scott Sumner, da
Bentley University, que, revivendo a velha ideia de Tamanga e dos chamados
desenvolvimentistas, clamou por inverter o papel dos bancos centrais. Segundo
Sumner, em vez de os bancos centrais se valerem do seu arsenal para controlar a
política monetária e as metas de inflação, como vêm fazendo desde seus
primórdios, deveriam passar a considerar o produto nacional doméstico bruto, na
sua expressão nominal.
A
ideia de Scott Sumner é adotar uma "meta de desenvolvimento do
produto", pela qual os banqueiros centrais deveriam receber como objetivo
uma taxa nominal de crescimento, e a política monetária deveria afrouxar ou
endurecer de acordo com as reações do produto doméstico.
Primeiro,
é necessário alargar o entendimento sobre o que é a política monetária exercida
por um banco central. A política monetária precisa ser definida como a
atividade ligada ao controle da moeda e de sua oferta, visando determinados
objetivos, como aqueles definidos pela política econômica. Um banco central
regula a expansão dos meios de pagamento, elabora o orçamento monetário e
utiliza todos os instrumentos de política monetária ao seu alcance (taxa de
juros, recolhimento compulsório, taxas de redesconto e operações de compra e
venda de títulos públicos no mercado aberto), além de ser também o guardião e
administrador das reservas estrangeiras e, no nosso caso, o centralizador do
câmbio.
Pois
bem: mudar a meta dos bancos centrais não fará mudar também os instrumentos de
política monetária de que essas instituições dispõem. Mesmo que o Federal
Reserve continue aplicando algumas medidas, de certo modo, de maneira pouco
convencional, como vem fazendo ("quantitative easing", ou seja,
comprando ativos reais e afrouxando ainda mais a liquidez, enquanto mantém as
taxas de juros próximas a zero), uma mudança de meta de inflação para meta de
desenvolvimento apenas aceleraria o aquecimento da economia, se fossem mantidas
as premissas de ampla liquidez. Caso contrário, haveria uma enorme e perigosa,
perda de credibilidade.
Outro
argumento proposto por Sumner trata da flexibilidade da atuação do banco
central em épocas de crise. Para ele, mudar a meta implica obter maior
estabilidade macroeconômica quando uma recessão se instala. Enquanto o produto
doméstico cai mais dramaticamente, os preços relativos se ajustam com mais vagar.
Isto significa que o banco central poderia manipular tais flutuações de forma
mais eficiente, mesmo que isso possa acarretar maior volatilidade da inflação.
Ainda,
outro argumento se refere ao potencial de redução de desemprego, política
pública essencial em épocas de crise, e fundamental para reaquecer a economia.
Mudar a meta, alega, é trazer o banco central para o time dos que apoiam a
recuperação, e se ele estiver devidamente coordenado, a contribuição à economia
é valiosa.
Aos
problemas: primeiro, implícita está a tolerância com um pouco mais de
inflação, debate antigo e pernicioso. Segundo, o que não faltou na crise de
2008-9 foi o ativismo dos bancos centrais em busca de manter a economia
funcionando. Depois, os mecanismos de centrar a política na meta de inflação
são conhecidos, os do desenvolvimento, não. Por exemplo, como ancorar as
expectativas dos agentes quanto ao comportamento dos preços se não há
parâmetros nem objetivos? Potencialmente, é muito mais difícil tratar de
expectativas de crescimento do produto, além de ser igualmente complexo
compreendê-las mais objetivamente (e medi-las), dependendo de muitas outras
variáveis exógenas à moeda. Portanto, essa não é uma boa saída e, como todas
as ideias simpáticas e simplistas, pode acabar com a reputação de banqueiros
centrais, homens prudentes e conservadores que aprenderam ao longo dos séculos
que preservar o valor da moeda é um bem maior a ser defendido.
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