Roberto Giannetti da Fonseca é
economista e empresário, presidente da Kaduna Consultoria, e diretor titular de
Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo.
Dias atrás em reunião do Conselho
Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)
realizamos uma discussão extremamente esclarecedora acerca do mercado de
derivativos cambiais. Muitos leitores talvez não compreendam a importância
ímpar deste tema para o país e para suas próprias vidas, uma vez que a
indústria brasileira há tempos sofre os efeitos deletérios de um câmbio
sobrevalorizado, tendo os derivativos cambiais um papel predominante na
formação da taxa de câmbio do real.
Por conta dessa situação, mercados
para produtos brasileiros foram perdidos, muitas fábricas foram fechadas e
milhões de empregos desapareceram. A atual conjuntura econômica é propícia para
discutir o papel dos derivativos cambiais na economia, de forma a entender a
formação da taxa de câmbio brasileira, mas também para evitar que novas rodadas
de apreciação da moeda brasileira prejudiquem ainda mais os setores industriais
e a geração de empregos.
Primeiramente, o tema dos derivativos
de câmbio não deve ser tratado de forma estigmatizada. Esses instrumentos
financeiros não são de natureza inerentemente especulativa, muito pelo
contrário, eles são fundamentais para a atividade econômica na medida em que
reduzem incertezas associadas ao processo produtivo. Tampouco se deve minorar a
importância da BM&F como principal centro de negociação de derivativos e de
oferta de hedge para os agentes econômicos no Brasil. Essa instituição é
símbolo da sofisticação do sistema financeiro brasileiro e faz do mercado de
derivativos no Brasil um dos mais transparentes do mundo.
Contudo, deve-se reconhecer o caráter
dual e muitas vezes ambíguo do mercado de derivativos; ao mesmo tempo em que
ele reduz incertezas microeconômicas dos agentes que buscam hedge, ele
potencialmente aumenta as instabilidades macroeconômicas. Nos derivativos de
câmbio, esse problema ocorre quando um excesso de posições especulativas formam
tendências na taxa de câmbio e uma excessiva volatilidade da moeda. Quando a
especulação é dominante e, sobretudo, quando as apostas são feitas todas na
mesma direção, abre-se espaço para distorções da taxa de câmbio e para uma
arbitragem de agentes que ganham sempre, sem correr riscos. Dessa forma, pode
haver mercados de derivativos, onde a participação dos agentes de hedge seja
muito pequena e as transações sejam dominadas por agentes que tem como
propósito apenas a especulação e a arbitragem.
No Brasil, o processo de apreciação
cambial recente foi em parte conduzido por uma especulação sistemática,
conhecida como "carry trade", que no mercado de derivativos se
expressa na venda de contratos futuros de dólar para auferir o diferencial de
juros e apostar na apreciação do câmbio. A pressão vendedora dos especuladores
abre espaço para oportunidades de arbitragem contínuas de agentes que compram
dólar futuro para arbitrar entre as taxa de juros externas e o cupom cambial.
Com isso, os arbitradores são responsáveis por transmitir as tendências do
mercado futuro para o mercado à vista. Nesse contexto, diferentemente da máxima
que estabelece que "especulação boa é aquela que se anula por ser
bidirecional, e a arbitragem boa é aquela que termina no tempo como
consequência do próprio processo de arbitragem", no Brasil há longos
períodos de especulação unidirecional e arbitragem ininterrupta no tempo, por
conta da rigidez de suas variáveis, no caso, a elevada taxa de juros reais.
Essa forma de especulação e arbitragem permanente é anômala e insustentável a
médio e longo prazo
Nesses termos, a nova regulamentação
sobre o mercado de derivativos de câmbio tem a difícil tarefa de corrigir os
excessos e desvios do mercado, atentando para seu caráter desestabilizador. Ao
taxar os aumentos de posições vendidas dos agentes, o governo acertou em cheio
a engrenagem especulativa que influi na dinâmica da apreciação cambial. No
entanto, essas medidas devem ser aperfeiçoadas de forma a preservar ao máximo
as características benignas do mercado de derivativos de câmbio, quais sejam:
de oferta de hedge para o setor produtivo e para atividades financeiras.
Para tal, é preciso criar instrumentos
para identificar os diferentes agentes no mercado de derivativos, de forma a
segregar os agentes que fazem hedge daqueles que especulam. Uma vez identificados,
a intervenção do governo no mercado de derivativos de câmbio deve isentar do
pagamento do tributo os agentes que utilizam o mercado para operações de hedge.
Em especial, as empresas não financeiras que fazem cobertura de suas atividades
comerciais e produtivas. Além disso, deve-se atentar para o papel dos bancos
comerciais no mercado de derivativos que, por muitas vezes, operam para fazer
hedge de suas operações de crédito, como por exemplo, ao fazer cobertura
cambial das operações de ACC, ou de passivos em moeda estrangeira junto a seus
clientes.
No decorrer do processo de
implementação das novas regras sobre os derivativos de câmbio, é natural que
haja reações contrárias de alguns setores da sociedade, afinal, há agentes
financeiros que são diretamente prejudicados. Da mesma forma, se o objetivo for
de reduzir a especulação com o câmbio, é inevitável que haja uma redução do
volume financeiro da BM&F. Porém, o benefício de uma taxa de câmbio isenta
de distorções financeiras supera os pontuais efeitos negativos das medidas.
Ademais, o debate acerca do tema deve superar velhos dogmas, como a visão de um
mercado financeiro harmônico onde a especulação é estabilizadora, cenário este
que há tempos já foi abandonado por economistas de diversas escolas de
pensamento e que hoje reconhecem o potencial desestabilizador de mercados
excessivamente desregulados e especulativos.
Recentemente afirmei num outro artigo
que o especulador é um covarde, e que ao pressentir um aumento de risco, desfaz
sua aposta e sai do mercado. Neste caso dos derivativos cambiais, bastou o
anúncio das medidas de intervenção e de regulação no mercado em fins de julho
passado, para que as operações de "carry trade" fossem drasticamente
reduzidas e a tendência de desvalorização do real se acentuasse a partir da
segunda quinzena de agosto. Podemos concluir que a covardia superou a ganância,
e que a indústria brasileira respira aliviada pela mudança de ventos na
tendência da taxa de câmbio e de juros praticados na economia brasileira.
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