No VALOR de hoje, o retrato de Stanley Fischer pela lente de Delfim Netto.
Stanley Fischer , que parece será nomeado para a vice-presidência
do Fed, é um dos mais bem apetrechados economistas teóricos aos quais foram
dadas oportunidades para usar seu conhecimento no exercício da política
econômica. Recebeu o PhD no MIT em 1969 e rapidamente se notabilizou.
Que economista ficou indiferente em 1977 diante da sua inovadora
combinação da teoria das "expectativas racionais", com hipóteses
keynesianas? Qual não se entusiasmou em 1978, com a síntese magistral do
"Macroeconomics" (em colaboração com Rudiger Dornbusch)? E não se
maravilhou e sofreu, em 1989, com o seu "Lectures in Macroeconomics"
(em colaboração com Olivier Blanchard)?
Em 1984, assessorou o governo de Israel no bem-sucedido programa
de estabilização, inaugurando sua vida prática. Depois ocupou o cargo de
economista-chefe do Banco Mundial, no período de 1988-1990. Em 1994, foi
nomeado economista-chefe do FMI, cargo que ocupou até 2001 e no qual enfrentou
várias crises, inclusive a brasileira. Em 2001, ao deixar o FMI, foi assessorar
o Citigroup e meteu a mão na massa no lado privado do sistema financeiro.
Voltou à vida pública em 2005, nomeado presidente do Banco Central
de Israel, cargo que ocupou até 30 de junho último. Mostrou o seu virtuosismo
na grande recessão de 2008. Antecipou um afrouxamento monetário (antes do Fed)
e combateu a apreciação da moeda israelense, o shekel, para proteger o nível de
atividade do país, onde as exportações são próximas de 40% do PIB.
Ainda em 2008, instituiu um programa de compra diária de US$ 100
milhões, exatamente o oposto do que fazia o Banco Central do Brasil, que
estimulava a valorização do real como fator coadjuvante para o combate à
inflação à custa da destruição do nosso setor industrial.
A competência e a sensibilidade de Fischer são confirmadas por seu
pragmatismo. Não hesita em relativizar sua "ciência" diante da
realidade fática que a nega. É o caso, por exemplo, de sua mudança de atitude
diante da ampla liberdade de movimento de capitais e do regime de câmbio
livremente flutuante, que defendeu ardorosamente enquanto no FMI.
Toda a longa experiência de Fischer está destilada e amadurecida
na imperdível introdução à conferência "Lessons from the World Financial
Crisis", realizada em Israel em 2011, agora publicada no livro ("The
Great Recession" - Lessons for Central Bankers", MIT Press, 2013).
Ele aponta as dez lições que colheu até agora. Particularmente interessante é a
lição nº 6: "A importância da taxa de câmbio nas pequenas economias
abertas".
Nela, Fischer nos ensina que "a taxa de câmbio real é uma das
duas mais importantes variáveis macroeconômicas nas pequenas economias abertas.
A outra é a taxa de juros real. "Nenhum banqueiro central em tais
economias pode ser indiferente quanto ao nível da taxa de câmbio, mas
infelizmente não há escolhas fáceis na sua administração".
E Fischer continua: "Primeiro, há a escolha do sistema
cambial, que está intimamente ligado à questão do controle de capitais. Se os
fluxos de capitais podem ser controlados, pode haver alguma vantagem na escolha
de uma taxa de câmbio nominal fixa. Entretanto, e sem entrar no longo e
irresoluto debate sobre o sistema cambial, acredito (sic) que é melhor operar
com um sistema cambial mais flexível e com um movimento de capitais mais
aberto. Mas "flexível" não significa, aqui, que um país não possa
intervir no mercado cambial, ou que o movimento de capitais seja completamente
aberto... Nenhum país pode comprometer-se a defender uma particular taxa de câmbio.
Os participantes do mercado costumam dizer que o banco central não pode
colocar-se contra sua força. Entretanto, é preciso reconhecer a assimetria
existente entre defender-se de pressões para valorizar ou desvalorizar a moeda.
No caso da depreciação, o mercado quer mais moeda estrangeira das quais o banco
central dispõe de quantidade limitada e não pode resistir indefinidamente. Os
eventos recentes mostraram que grandes reservas podem ajudá-lo a resistir às
pressões do mercado... No caso da valorização, os mercados querem mais moeda
local, que o banco central pode produzir para comprar o fluxo de moeda
estrangeira que está entrando. Evidentemente, para prevenir um processo
inflacionário é preciso esterilizar os seus efeitos, como se fez em Israel e em
outros países".
Fischer reconhece que, em certas circunstâncias, os países
introduzem algum atrito no movimento dos capitais. Para ele, "tais
controles são raramente elegantes, de administração difícil e permanentemente
erodidos pela capacidade do setor privado de encontrar meio de ilidi-los. Mas,
às vezes, necessários, quando o país é confrontado com um importante movimento
de entrada de capitais".
A 10ª lição de Fischer é definitiva e moralmente tranquilizadora
para os sacerdotes do método do "suponhamos que", que se pensam
portadores da "verdadeira" ciência econômica. "Numa crise"
- diz ele - "os banqueiros centrais (e sem dúvida outros 'policy makers')
vão encontrar-se tendo que decidir por políticas que eles nunca pensaram em
aplicar e, frequentemente, que eles nunca prefeririam aplicar. Portanto, uma
palavra final para os banqueiros centrais: nunca digam nunca". O conselho
pode estender-se aos críticos que, sem saber, serão um dia "policy
makers".
Este "suelto" foi publicado nesta coluna em 17/09/2013,
quando eu esperava que ele fosse o "chairman" do Fed.