ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 47, economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, também escreveu na FOLHA sobre o PIB brasileiro. Para quem deseja a leitura completa vide abaixo. Outros textos do autor estão no excelente www.maovisivel.blogspot.com.
Os números do PIB divulgados ontem são impressionantes sob qualquer ótica. Descontada a sazonalidade do período, o crescimento anualizado sobre o trimestre anterior atingiu quase 11,5%. Mesmo se usarmos a média dos últimos dois trimestres (10,4% ao ano) ou dos últimos três trimestres (10% ao ano), é inevitável concluir que o país cresce a um ritmo fortíssimo. E, note-se, nesse critério de avaliação, a velocidade de crescimento não resulta da fraca base de comparação do começo de 2009; é mesmo extraordinário.
Obviamente, ninguém com mais de cinco neurônios acha ruim que a economia cresça vigorosamente. A questão é saber se esse ritmo de expansão é sustentável, isto é, se pode ser mantido por longo período, ou se, pelo contrário, ocasionará desequilíbrios graves que, mais à frente, cobrarão preço elevado em termo de redução do crescimento futuro. A alternativa correta é a segunda.
Pudemos manter essa taxa de crescimento por algum tempo, da mesma forma que uma caixa de água pode receber mais líquido que sua capacidade de vazão desde que esteja suficiente vazia no começo. Contudo, assim como a caixa se encherá, levando ao fatal transbordamento à medida que o espaço vago for preenchido, também os desequilíbrios surgirão quando a capacidade ociosa se esgotar. O desafio é elevar o crescimento sustentável, ou, nos termos do nosso exemplo, a capacidade de vazão.
Embora não falte quem sugira que basta um ato de vontade, tanto a teoria econômica como a experiência de inúmeros países indicam que o crescimento de longo prazo depende essencialmente de quatro fatores.
Em primeiro lugar, a demografia, por exemplo, o tamanho da força de trabalho relativamente à população total. Quanto maior essa relação, tanto mais rápido deverá ser o crescimento.
Em segundo lugar, a qualificação dessa força de trabalho, tipicamente medida pelos anos de educação, devidamente ponderados pela qualidade dessa educação, como aferida em exames internacionais. Provavelmente relacionado à educação, mas afetado também por outras variáveis, há também o crescimento da produtividade da economia, geralmente associada ao ambiente de negócios, a arranjos institucionais (como direitos de propriedade bem definidos) e à abertura comercial, entre outros.
Esses três fatores têm em comum o fato de serem pouco passíveis de alteração por políticas governamentais, exceto em prazos muito longos (basta pensar que é necessária uma geração para alterar substancialmente a qualificação da força de trabalho). O que pode ser afetado num prazo mais curto é apenas o quarto fator: o volume de investimento.
Há desenvolvimentos positivos: o ritmo de expansão do investimento tem se acelerado, atingindo mais de 30% ao ano na média dos três últimos trimestres. No entanto, mesmo depois desse crescimento vertiginoso, a formação de capital representava apenas 18% do PIB no primeiro trimestre de 2010, insuficiente para fazer o estoque de capital aumentar o bastante para acomodar uma expansão do produto superior a 4%, 4,5% ao ano.
Estimamos que, para manter o crescimento na faixa de 5% a 5,5% ao ano, o investimento deveria atingir valor em torno de 22% do PIB, ainda bem superior ao observado.
Note-se, ademais, que a poupança bruta tem girado ao redor de 15% do PIB, apesar da crença de alguns de que o investimento geraria sua própria poupança. Isso reflete em larga medida o nível elevado do gasto público, ainda na casa de 20% do PIB (ante, por exemplo, 13% do PIB em nossos pares latino-americanos).
Vale dizer, não basta querer aumentar a taxa de investimento; é imperativo que o país eleve também sua poupança, de preferência por meio da redução do consumo público. Na ausência desse ajuste, será a poupança externa, mais uma vez, que financiará o crescimento, gostem disso ou não nossos keynesianos de quermesse.