terça-feira, 20 de setembro de 2011

Nessun dorma...


Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO.

É um fato conhecido que os competentes economistas alemães representam a fina flor do mais extremo monetarismo ao qual somam uma boa dose de conservadorismo. Foram ferozmente contra as concessões (com implicações econômicas) feitas por Helmut Kohl, quando aproveitou uma janela semiaberta e teve a coragem de reunificar a Alemanha, objetivo político de longo prazo absolutamente desdenhado pelos "puristas econômicos".

Quando a Alemanha decidiu participar do euro, 150 dos seus mais reconhecidos acadêmicos publicaram um célebre manifesto contra, com bons argumentos, mas que de novo ignorava solenemente o objetivo político de longo prazo, que era a pacificação de um continente que durante os últimos mil anos foi atormentado por guerras.

Os argumentos eram respeitáveis e mostravam que o sucesso do euro dependia de um rigoroso controle da situação fiscal de cada país, preliminar para a construção de uma área monetária ótima: absoluto controle fiscal, liberdade de movimentos da mão de obra e de capitais e a cessão da emissão das moedas nacionais a um banco central autônomo, com uma nova unidade monetária, com relação à qual as taxas de câmbio de cada país seriam irrevogavelmente fixadas.

Eram contra, porque não acreditavam que os países se submeteriam a tal disciplina. Para impô-la, foi formalmente estabelecido e aprovado no acordo de Maastricht, que precedeu a introdução do euro, que: 1) nenhum país poderia ter déficit nominal superior a 3% do PIB; e 2) uma relação dívida/PIB maior do que 60%.

Por que não funcionou? Porque os governos de vários países (em particular da Grécia) mentiram, como suspeitavam os economistas alemães! Ilidiram aquelas condições com a conivência do sistema financeiro internacional e das agências de risco. Tudo veio à tona depois da "quebra" do Lehman Brothers, quando a "rede de patifarias" escondida nos derivativos tóxicos explodiu na cara dos bancos centrais, sob o nariz dos quais ela se realizara. É cada vez mais evidente que esses não se recuperaram do choque: nem o Federal Reserve dos EUA, nem o BCE da Eurolândia sabem, até agora, o que fazer.

Nos EUA, parece que começa a haver uma mudança. Mais de uma dezena de instituições financeiras, que ativamente (com a conivência das agências de risco) assaltaram os incautos aplicadores, começam a ser investigadas e, seguramente, algumas serão responsabilizadas criminalmente. Trata-se de um problema moral, que não pode mais ser escondido pelo governo Obama como foi até agora.

Tardiamente, ele propõe ao Congresso um novo pacote de estímulos para diminuir o sofrimento de 25 milhões de honestos trabalhadores (15 milhões com desemprego aberto e 10 milhões semiempregados), que acabaram desempregados com a política econômica (inspirada por distintos acadêmicos comprometidos com o sistema financeiro) que "salvou" os desonestos administradores.

Até agora, o presidente do Fed, Ben Bernanke, não disse a que veio: apenas repete, repete e repete o velho refrão, "farei o que tenho de fazer". Continua indeciso sobre como atender ao seu duplo mandato: manter alto o nível de emprego e manter baixa a taxa de inflação.

O sinal de que ainda resta vida inteligente nos EUA veio num artigo no "Financial Times", do secretário do Tesouro, Tim Geithner, onde afirmou que é hora dos governos deixarem de lado a paralisia política e esquecerem os medos infundados com a inflação.

No fundo, ele está transmitindo aos bancos centrais, que continuam mesmerizados pelos seus modelitos, que a taxa de juros nominal já é nula e que a taxa de inflação está na "meta", mas a taxa de desemprego é quase o dobro da famosa Nairu (a taxa de desemprego que não acelera a inflação). Logo, é uma eficaz política fiscal que deve ser ativada.

É por isso que ele afirma que os EUA resistirão a um rápido ajuste fiscal em 2012 e recomenda a todos os países em dificuldades que façam o mesmo. Essa coordenação, se realizada, tornará mais potente e mais veloz os resultados.

No Banco Central Europeu (BCE), a situação se agrava. Enquanto Trichet aguarda sua substituição formal por Mario Draghi, os representantes alemães (diante do iminente desastre político da chanceler Merkel) abandonam o barco, alegando "razões pessoais". Primeiro foi Alex Weber (presidente do Bundesbank). Agora foi Juergen Stark, o que aperta ainda mais a "saia justa" de Merkel.

Se não bastassem esses problemas, o ministro das Finanças da Holanda, Jan Kees de Jager, sugere claramente a expulsão da Grécia, a pedido: "Quando não conseguimos respeitar as regras do jogo, devemos deixá-lo". O FMI, por sua inexperiente diretora-gerente, Christine Lagarde, lança dúvidas sobre a higidez dos bancos europeus que têm em carteira títulos gregos. Como todos sabem que ela conhece apenas os bancos franceses, produziu uma corrida sobre eles.

Parece óbvio que ninguém se entende. Tem razão o dr. Tombini. Vamos pôr nossas barbas de molho e nos proteger da provável desintegração da economia mundial.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Entre Pangloss e Cassandra.


Marcelo de Paiva Abreu, escreve hoje no ESTADÃO sobre “Entre Pangloss e Cassandra

Há alguns meses o espírito de Pangloss, o personagem de Voltaire que só era capaz de ver razões para continuar otimista, dominava a maioria das avaliações sobre a economia do Brasil - avaliações reforçadas por diagnósticos internacionais que pareciam querer compensar o excesso de pessimismo no passado com excesso de otimismo em relação ao futuro. A capa da The Economist com o Cristo Redentor envolto em nuvens cinzentas no início de 1999 (Storm clouds from Brazil), em meio à crise cambial, custou a ser substituída por visão menos catastrófica. E, certamente, a capa do final de 2009, com o Cristo sendo propelido por um foguete (Brazil takes off) parece agora bem exagerada, subestimando os inúmeros obstáculos à retomada do crescimento econômico acelerado e sustentado.
Menos Pangloss e mais Cassandra - figura mitológica hoje associada ao pessimismo - é o que parece sugerir a disseminação de iniciativas recentes nos Três Poderes da República.
Iniciativas do Poder Judiciário indicam percepção inadequada de restrições orçamentárias e falta de sensibilidade quanto aos anseios da sociedade civil e à capacidade institucional de fazer justiça de forma equilibrada e expedita. É preocupante que as postulações salariais sejam acompanhadas por esforços de preservação de regalias quanto a direitos trabalhistas e que tenham como pano de fundo a constatação de que há ações judiciais pendentes de decisão que estão comemorando o 50.º aniversário. E que, no contexto de negociações salariais do Judiciário, sejam invocadas razões ancoradas na independência de Poderes. Com o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) definindo o teto salarial do funcionalismo público nos Três Poderes, o impacto sobre as contas públicas seria desastroso.
Quanto ao Poder Legislativo, pouco há a acrescentar a um diagnóstico que sublinhe o colapso de aderência mínima a princípios éticos que se constata com base nas práticas fisiológicas de políticos na administração pública e pelo esprit de corps maligno, evidenciado em votação secreta sobre a cassação de deputada acusada de corrupção. O único consolo é que tal diagnóstico da sociedade civil quanto ao modus operandi do grosso da classe política não configura novidade, especialmente desde que o PT dominou a tecnologia de administração de coalizões fisiológicas no início do governo Lula.
Iniciativas do Poder Executivo estimularam mais ainda a crescente desconfiança quanto às bases concretas que poderiam justificar a persistência de otimismo com a economia do País. A decisão do Banco Central (BC) de reduzir a taxa Selic, alegadamente lastreada em diagnóstico pessimista sobre a evolução da economia mundial, preocupa menos do que as reações que suscitou. Diversos ex-ministros da área econômica, com ampla experiência em épocas em que decididamente não se podia falar de autonomia do BC, manifestaram seu regozijo com a decisão, pois configuraria a reestatização do BC e teria sacramentado o fim da crença em modelos monetários. Nesse coro de congratulações, não faltou quem sublinhasse que decisões de política monetária envolvem mais "arte" que ciência, ao contrário do que defendem "sacerdotes" indevidamente comprometidos com o setor financeiro.
Há pelo menos dois problemas com tais análises. O primeiro é que foram exatamente ministros que no passado promoveram a aceleração inflacionária ou fracassaram em tentativa de estabilização - nos dois casos, com crescimento medíocre - que demonstraram mais entusiasmo com a audácia da política econômica atual de privilegiar o crescimento em detrimento do regime de metas.
Terá faltado "arte"? É oportuno lembrar Laurence Peter, do Peter Principle: "Só há uma coisa mais penosa do que aprender com a experiência: é não aprender com a experiência". Tudo o mais constante, acho que, às opiniões de sacerdotes enfáticos da hiperinflação com estagnação, prefiro o que Pedro Malan, Gustavo Franco, Ilan Goldfajn, Afonso Bevilaqua, Alexandre Schwartzman, Eduardo Loyo e Mário Mesquita, entre outros, têm a dizer sobre o assunto. Afinal, tiveram sucesso no controle da inflação, com algum crescimento.
O segundo problema são as alegações de que a Selic tem sido mantida em níveis elevados porque isso interessa ao setor financeiro. Trata-se de questão empírica sobre a qual não há evidência clara. Mas, em qualquer caso, a ninguém ocorreria sugerir que o setor financeiro deixa de tratar da melhor maneira possível a defesa dos seus interesses. Mas isso não é sua característica exclusiva. Da mesma forma agem os industriais ou seus áulicos que defendem sistematicamente proteção alta, ou generosos créditos públicos subsidiados, ou Selic reduzida, ou câmbio desvalorizado. É um mundo sem anjos.
A notória deterioração da governança mundial e o aumento da probabilidade de recrudescimento da crise mundial - na esteira da nova recessão nos EUA, das tensões da zona do euro e do arrefecimento do crescimento chinês - deveriam servir de estímulo para que o Brasil evitasse a adoção de políticas imprudentes ou simplesmente equivocadas. Os custos dos erros estão em alta.

sábado, 17 de setembro de 2011

Livre para morrer.


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO, está "livre para morrer". Na realidade, ele escreveu mesmo foi "livre para escolher". 

EM 1980, justamente quando os Estados Unidos estavam descrevendo uma virada política para a direita, Milton Friedman defendeu a mudança com a famosa série de TV "Free to Choose". Em um episódio após outro, o simpático economista identificou a economia do laissez-faire com a escolha e o empoderamento pessoais -uma visão otimista que seria ecoada e ampliada por Ronald Reagan.
Mas, hoje, "livre para escolher" virou "livre para morrer".
No debate dos pré-candidatos republicanos na última segunda-feira, Wolf Blitzer, da CNN, perguntou ao deputado Ron Paul o que deveríamos fazer se um homem de 30 anos que optou por não ter convênio médico precisasse de seis meses de atendimento em UTI.
Paul respondeu: "A liberdade implica nisso -assumir seus próprios riscos". Blitzer o pressionou outra vez, perguntando se "a sociedade deveria simplesmente deixá-lo morrer". A plateia explodiu com aplausos e gritos de "sim, sim!".
O incidente destacou algo que a maioria dos comentaristas políticos ainda não absorveu: hoje, a política americana envolve visões morais fundamentalmente distintas.
Poucas das pessoas que morrem por falta de atendimento médico se parecem com o indivíduo hipotético postulado por Blitzer, que poderia ter pagado seguro médico.
A maioria dos americanos sem seguro médico ou tem renda baixa e não pode pagar, ou é rejeitada pelos convênios porque sofre de problemas médicos crônicos.
Então pessoas da direita estariam dispostas a permitir que as pessoas que não têm seguro médico, sem serem culpadas por isso, morram por falta de atendimento? Com base na história recente, a resposta é um "sim!" retumbante.
No dia seguinte ao debate, o Birô do Censo divulgou suas estimativas mais recentes. O quadro geral é lamentável, mas um ponto relativamente positivo foi o atendimento médico a crianças. A porcentagem de crianças sem cobertura foi mais baixa em 2010 que antes da recessão, graças à ampliação em 2009 do Programa de Seguro-Saúde Infantil do Estado, ou SCHIP.
O ex-presidente George W. Bush tinha bloqueado tentativas anteriores de proporcionar cobertura a mais crianças -sob aplausos de muitos da direita.
Logo, a liberdade de morrer se estende não apenas aos imprevidentes, mas também às crianças e às pessoas sem sorte. E a adesão da direita a essa noção assinala um deslocamento importante na natureza da política americana.
Agora, a compaixão está fora de moda -na realidade, a falta de compaixão tornou-se uma questão de princípio, pelo menos na base republicana.
O conservadorismo moderno é, na realidade, um movimento profundamente radical, hostil ao tipo de sociedade que temos há três gerações -que, agindo por meio do governo, procura mitigar alguns dos "perigos comuns da vida" por meio de programas como a Previdência Social, seguro-desemprego, Medicare e Medicaid.
Os eleitores estão preparados para aderir a uma rejeição tão radical do tipo de América em que todos nós crescemos? Vamos descobrir em 2012.

Época entrevista Andrés Oppenheimer.


Nestes tempos onde falta tempo, ler qualquer texto que tenha mais de 200 palavras é um grande sacrifício. Porém, existem situações onde devemos ler senão 200 palavras, que tal 2.000? É o que gostei lendo a entrevista de Andrés Oppenheimer - comentarista da CNN -  à ÉPOCA. Leiam e entendam um pouco mais com profundidade a nossa vida latino americana. E como estamos num final de semana, tempo não vai faltar.  

ÉPOCA – Que obsessão é essa pelo passado que existe na América Latina?
Andrés Oppenheimer – Os países da América Latina vivem numa revisão de suas histórias. Vamos pegar a Venezuela como exemplo. Lá, o presidente Hugo Chávez mudou o nome do país para um ridículo “República Bolivariana da Venezuela”. Ele fala ao país quase que diariamente em frente a uma imagem de Simon Bolívar. E diz que toda sua política é baseada no que Bolívar disse. Usa o passado para dar legitimidade histórica a suas ações. Mas Bolívar viveu há quase dois séculos. Ele morreu 150 anos antes da invenção da internet e 40 antes do telefone. Ele pode ter sido um grande herói do seu tempo, mas vivemos num mundo novo.
ÉPOCA – Ele não pode nos ajudar nos desafios atuais.
Oppenheimer – Claro que não. Ele não é a resposta para os desafios de um mundo globalizado. Estive em países como a Índia e China, que têm história milenar e não vi ninguém ficar falando no passado. Mas Chávez insiste nessa postura. Ano passado quis exumar o cadáver de Bolívar. A mesma coisa aconteceu no México e Equador e países da América Central. No livro, eu falo sobre minha surpresa quando cheguei a Cingapura, um dos países com maior renda per capta do mundo. Um exemplo simbólico é a moeda local. No dinheiro deles há imagem de uma universidade com o professor e os alunos e, abaixo, uma palavra: Educação. Na América Latina, como nos EUA, temos nossos heróis da independência. Nós olhamos para trás. Eles olham para frente.
ÉPOCA – Por que isso ocorre?
Oppenheimer – Talvez porque os países latino americanos sejam relativamente jovens, idolatrar o passado é uma forma de criar um senso de coesão ou identidade nacional. Mas não haveria problema se fosse só isso. O problema é que nós exageramos. Hoje ficou uma obsessão. Se você for a uma livraria em Buenos Aires, Cidade do México ou Lima vai ver que os best sellers são romances históricos, biografias de heróis do passado ou ensaios de história. Não vi isso na Ásia. Lá, vemos livros sobre o futuro. Não estou dizendo que devemos esquecer nossa história. Eu gosto de história. O que digo é que essa obsessão, esse exagero nos distrai de tarefas mais relevantes e urgentes como investir em educação, ciência, tecnologia, que são os assuntos do futuro.
ÉPOCA – O senhor diz que a educação é a chave para nosso futuro. Mas esse pensamento não existe desde o século 20?
Oppenheimer – Não era importante. Nós sempre medimos nosso sucesso pelo nosso crescimento econômico. E descobrimos que, sem uma boa educação, o crescimento da economia não reduz a pobreza nem a desigualdade, pelo menos tão rápido quando vem acompanhado de crescimento educacional. Os dois devem caminhar juntos. Caso contrário, não vamos nos desenvolver tão rápido quanto os asiáticos. A razão é simples. Quando a economia cresce, as pessoas que se beneficiam são pessoas como você e eu, que tiveram boa educação formal, que têm empregos formais. A mulher que vende limão na rua, que vive numa favela e não teve boa educação não vai conseguir um emprego tão bom. Se quisermos que essa senhora ascenda socialmente, precisamos dar a ela – e ao filho dela – uma boa educação. Senão, nunca fará parte da economia formal. Uma das coisas que proponho no livro é medir nosso sucesso pela educação, como um PIB para a educação, o Produto Educacional Bruto. Um, sem a outra, não nos ajudará a reduzir a pobreza
ÉPOCA – E como vai o nosso PEB?
Oppenheimer – Terrível. Posso te dar exemplos. Não temos uma única universidade da América do Sul entre as 200 melhores do mundo, segundo ranking feito pelo Times, de Londres. Somente a Universidade Autônoma do México (Unam) aparece na 190ª posição do ranking inglês. Isso é um escândalo. O Brasil está entre as 12 maiores economias do mundo. No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), dos 65 países que participaram no ranking, os países latino americanos estão na parte de baixo. O Brasil está na 53ª posição em matemática. Outro exemplo: temos férias muito longas. No Japão, o ano letivo tem 243 dias. Na Coreia do Sul, é de 220. E no Brasil, 200. Se contarmos as greves, o ano letivo é ainda menor. Não estou nem falando das horas de estudo por dia. Uma criança chinesa estuda 12 horas por dia, muito mais do que uma criança brasileira ou de outro país da América Latina. E o mais crítico exemplo: nós, na América Latina, não registramos patentes, não inventamos nada. A Coreia do Sul, um pequeno país asiático, que há 40 anos era mais pobre que o Brasil, no ano passado registrou 8.800 patentes nos Estados Unidos. Enquanto o Brasil, muito maior que a Coreia do Sul, registrou 100 patentes. Não é coincidência que a renda per capta lá seja maior que no Brasil.
ÉPOCA – Não faz sentido o argumento de que nossas universidades não estão no ranking por preconceito e porque o inglês não é nossa língua nativa?
Oppenheimer – A última vez que fui à China o inglês não era a língua nativa por lá (risos). E esses países têm mais universidades no ranking do que nós. O que essas pessoas dizem sobre isso? É ridículo. E um ranking chinês com as 500 melhores universidades mostrou resultados parecidos que o ranking inglês. A Universidade de São Paulo (USP) ficou no grupo identificado como “entre a 100ª e 151ª posições”. A Unam e a Universidade de Buenos Aires estão entre a 152ª e 200ª posições.
ÉPOCA – Dentro da América Latina, qual país está melhor?
Oppenheimer – Brasil e Chile vão melhor na educação superior, não há a menor dúvida disso. E Brasil lidera nesse quesito. Produz 10 mil doutores por ano, tem indústrias de alta tecnologia como a Embraer. E o país anunciou recentemente que vai pagar por 100 mil bolsas de estudo para alunos estudarem fora. O Brasil está indo muito melhor do que outros países da América Latina. Mas está muito pior do que outros países com quem quer competir, como Índia ou China. Há muito a ser feito. Digo que é um “gigante com pés de barro”: tem boas universidades e péssimas escolas. E mesmo no sistema universitário, é preciso fazer mais para se destacar.
ÉPOCA – O que precisamos fazer?
Oppenheimer – Primeiro, criar uma cultura de inovação, que resulte em invenções e registro de mais patentes. Estamos no começo de uma era da Economia do Conhecimento. Se o Brasil quer se destacar nesse cenário, tem de produzir muito mais produtos de alta tecnologia do que hoje. O Brasil nunca vai ser tornar um poder mundial se registrar apenas cem patentes por ano nos Estados Unidos. No livro, cito como exemplo uma xícara de café brasileiro vendido no Starbucks nos Estados Unidos. Só 3% do que se paga pela xícara vai para os agricultores brasileiros. E 97% do preço vai para quem processou o café, para o marketing etc. O mesmo vale para uma camisa da Ralph Lauren vendida nos EUA. A fábrica peruana que entrega a camisa pronta fica com, no máximo, 13% do valor. Quem leva o resto? Quem criou o “estilo de vida Ralph Lauren” – o marketing, o design, a publicidade. Isso é um produto da Economia do Conhecimento. De qual lado da equação o Brasil quer estar? Do lado dos 3% ou dos 97%?
ÉPOCA – Mas como podemos investir em tecnologia se, como o senhor diz no livro, os estudantes brasileiros, como os latino americanos em geral, preferem Ciências Sociais e Humanas do que as Exatas?
Oppenheimer – Eu iria mencionar isso. Precisamos encorajar os estudantes a estudar mais engenharia e um pouco menos de Sociologia, Psicologia ou História.
ÉPOCA – Como explicar essa preferência?
Oppenheimer – Pode ser cultural, pode ser pelo fato de que engenharia é mais difícil e as pessoas escolhem o caminho mais tranquilo. Talvez porque muitos pensem que não vão conseguir empregos. Mas os governos não encorajam os alunos para áreas de Exatas. Na Ásia os governos encorajam.
ÉPOCA – O que esses países fazem?
Oppenheimer – Durante a pesquisa do livro eu estive em países como China, Índia, Cingapura, Israel ou Finlândia, que estão fazendo coisas muito interessantes nessa área. Na Índia, por exemplo, há muitos anos, começaram a produzir engenheiros. O governo deu bolsas de estudo, encorajou as universidades a aumentar seus programas de engenharia. Com tantos engenheiros, empresas multinacionais viram a grande quantidade de engenheiros e se instalaram lá. A Índia não esperou pela demanda de engenheiros. Criou a oferta e as multinacionais foram atrás.
ÉPOCA – Mesmo com os problemas educacionais, o Brasil cresce, a pobreza diminui e as classes média e alta estão maiores do que nunca.
Oppenheimer – Devemos celebrar isso, mas não podemos ignorar que esse crescimento não é sustentável. O crescimento está baseado na alta do preço das commodities e no bom momento da economia mundial. E quando o preço das matérias primas cair? E quando a China parar de comprar a soja e o aço produzidos aí? Se o Brasil quiser ter um crescimento sustentável, precisa melhorar sua educação e tecnologia. Repito: o Brasil nunca vai ser uma potência mundial se registrar apenas cem patentes por ano.
ÉPOCA –  Em suas visitas a universidades latinas, você notou se há preocupação em melhorar?
Oppenheimer – Não. Vi mais essa preocupação no Brasil do que em outros países. Na Argentina é patético. Quando o resultado do Pisa saiu e Argentina ficou nas últimas posições, o ministro da Educação argentino preferiu jogar a culpa no teste. Disse que o teste é quem estava errado. O Brasil está mais maduro e consciente. Mas precisa mais do que eu chamo de “paranoia construtiva”. Os países que se desenvolveram são paranoicos. Precisa olhar para Índia, China, Coreia.
ÉPOCA – O que é essa paranoia construtiva?
Oppenheimer – Países que pensam que não estão bem quando se comparam com outros países geralmente se empenham mais em melhorar. Enquanto que países que acreditam estar numa boa posição se tornam complacentes e acabam ficando para trás. China e Índia têm essa paranoia construtiva: eles acham que todos estão melhor do que eles. Na América Latina, muitos países acreditam que estão muito bem, apesar das evidências que mostram o contrário.
ÉPOCA – Como podemos pensar em tecnologias se vamos mal no ensino primário e não valorizamos o professor?
Oppenheimer – É algo pendente. Quando conversei com a presidente da Finlândia e perguntei por que o país vai tão bem, ela me respondeu: “Professores, professores e professores”. Para um aluno ser um professor na Finlândia, é preciso estar entre os 10% com melhor desempenho escolar. Se não está nesse grupo quando sai da escola, não pode se tornar um professor. Lá, se uma pessoa estuda para se tornar professor, você logo imagina que deve ser uma pessoa muito inteligente. Nos nossos países, pensamos: “Coitado, quis ser advogado e não conseguiu”. Precisamos formar bons professores, dar status à profissão, avaliar seus desempenhos e pagar bons salários aos bons profissionais.
ÉPOCA – O senhor acha que criar cotas para alunos negros ou de escolas públicas é benéfico?
Oppenheimer – De modo geral, sim. Mas a saída é melhorar qualidade das escolas. O nível hoje é muito baixo.
ÉPOCA – Por que não vemos revoluções na educação na América Latina como houve na Finlândia ou países asiáticos?
Oppenheimer – Porque confiamos demais na exportação de matérias primas. Fomos amaldiçoados com abundância de matérias primas. Não é coincidência que os países com maior renda per capta do mundo, como Luxemburgo, Liechtenstein ou Cingapura não têm recursos naturais. Por outro lado, países ricos em recursos naturais, como Nigéria ou Venezuela, estão entre os mais pobres. Não estou dizendo para pararmos de produzir recursos naturais. Digo que deveríamos fazer como a Noruega, que coloca o dinheiro obtido com a venda de recursos naturais num fundo que, no caso da América Latina, poderia ser usado para melhorar a educação e tecnologia.
ÉPOCA – O senhor cita no livro exemplos como Cingapura e China, onde as crianças e jovens estudam 12 ou mais horas por dia, são constantemente avaliadas em ranking de desempenho. Isso resulta em cidadãos felizes? Não é cruel?
Oppenheimer – Acho que muito mais cruel seria deixar nosso povo sem educação e sem as ferramentas para melhorar sua qualidade de vida. Não acredito no pensamento “eles são pobres, mas felizes” porque ninguém é feliz se passa a vida na pobreza. As pessoas devem ter o direito de sonhar e educar as crianças é a melhor forma de melhorar a vida delas. Nós somos guiados por ideologias e obcecados pelo passado. Os asiáticos são guiados por pragmatismo e obcecados com o futuro. Nós podemos aprender algo com eles.
ÉPOCA – Como está a democracia na América Latina?
Oppenheimer – Diria que muito melhor do que há 30 anos, mas pior do que há 10. Temos muitas democracias híbridas, como Venezuela, Bolívia ou Equador, que mantêm formalidades democráticas, mas, uma vez que o presidente assume o poder, adquire poderes absolutos e acaba com a separação dos poderes. Esses países criaram uma espécie de “clube”. Uns defendem os outros. E o Brasil teve muito a ver com isso.
ÉPOCA – De que forma?
Oppenheimer – Não sou entusiasta da política externa do Brasil, especialmente nos últimos anos do governo Lula.
ÉPOCA – Por quê?
Oppenheimer – Porque o Brasil parecia cair em amores por qualquer ditador do mundo.
ÉPOCA – A queda de influência de Hugo Chávez não seria prenúncio de que a situação está mudando?
Oppenheimer – Sim. A influência de Chávez na América Latina é diretamente proporcional ao preço do petróleo. Com o preço do óleo a US$ 150, Chávez era como Napoleão. Com o petróleo a US$ 90, Chávez já não tem tanto poder de influência.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Revista Exame.


Parabéns a revista EXAME pela sua 1.000ª edição. Leitura de cabeceira. E que venham mais 1000.

Dicas de leitura.

Recebo uma lista dos livros mais vendidos no mercado na área de Teoria e Análise. Para minha grata surpresa "A Saga Brasileira" de Miriam Leitão continua em 1º lugar. Realmente é um livro para ser lido com prazer, recordando momentos importantes da nossa história. Em 2º lugar esta "Crash - Uma Breve história da Economia", do Alexandre Versignassi. Esse ainda estou lendo, mas o autor mistura muita coisa e consegue ser feliz em suas conclusões. Em 3º temos o "Fundamentos de Economia" do Marco Antonio Sandoval Vasconcellos e Manuel E. Garcia, nosso velho conhecido. Em 4º temos o "Axiomas de Zurique" do Max Gunther. Todas as vezes que pensei em comprar esse livro, sempre mudo de opinião. Para finalizar, em 5º lugar o nosso super conhecido "Introdução à Economia" do colega blogueiro N. Gregory Mankiw. Esse não pode faltar na nossa mesa.
Boa leitura e um ótimo final de semana para os meus quase dois (milhões) de leitores.         

Pensar o impensável na Europa.


George Soros é presidente da Soros Fund Management. Copyright: Project Syndicate, 2011, hoje no VALOR ECONÔMICO.

Para resolver uma crise em que o impossível tornou-se possível, é necessário pensar o impensável. Assim, para resolver a crise da dívida soberana na Europa, é agora imperativo uma preparação para a possibilidade de inadimplência e de saída da Grécia, Portugal e, talvez, da Irlanda da zona do euro.

Em tal cenário, medidas terão de ser tomadas para evitar um colapso financeiro da zona do euro como um todo. Primeiro, os depósitos bancários precisam ser protegidos. Se um euro depositado num banco grego fosse perdido devido a um calote e saída da zona, um euro depositado num banco italiano passaria imediatamente a valer menos do que um euro em um banco alemão ou holandês, resultando em uma corrida aos bancos dos países deficitários.

Além disso, alguns bancos nos países inadimplentes teriam de ser mantidos em funcionamento para evitar um colapso econômico. Ao mesmo tempo, o sistema bancário europeu teria de ser recapitalizado e colocado sob supervisão europeia, em vez de fiscalização nacional. Finalmente, os títulos governamentais emitidos por outros países deficitários na zona do euro teriam de ser protegidos de contágio. (Os dois últimos requisitos seriam aplicáveis mesmo que nenhum país resultasse inadimplente).

Tudo isso custaria dinheiro, mas, nos termos do regime existente acordado pelos líderes nacionais da zona do euro, não há mais dinheiro mobilizável. Portanto, não há alternativa: é preciso criar o componente que falta: um Tesouro europeu com poder de tributar e, portanto, de captar empréstimos. Isso exigiria um novo tratado, transformando o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, em inglês) em um Tesouro propriamente dito.

Mas isso pressupõe uma admissão de que circunstâncias radicalmente distintas exigem mudanças de posicionamento, particularmente na Alemanha. A opinião pública alemã continua acreditando que pode optar por dar ou não seu apoio ao euro. Esse é um erro grave. O euro existe, e os ativos e passivos do sistema financeiro mundial estão tão mesclados em função da moeda comum que seu colapso poderia causar uma implosão além da capacidade das autoridades alemãs - ou de qualquer outra - de contê-la. Quanto mais tempo levar para que os alemães percebam esse fato nu e cru, maior o preço que eles, e o resto do mundo, terão que pagar.

A questão é se o público alemão pode ser convencido desse argumento. A chanceler Angela Merkel pode não ser capaz de persuadir sua coalizão inteira dos méritos do argumento, mas poderia apoiar-se na oposição para construir uma nova maioria que defenda o que é necessário para preservar o euro. Tendo resolvido a crise do euro, ela teria menos a temer da próxima eleição.

Preparar-se para o possível calote ou a deserção de três pequenos países do euro não significa que esses países seriam, necessariamente, abandonados. Ao contrário, a possibilidade de um default coordenado - financiado pelos países da zona do euro e pelo Fundo Monetário Internacional - proporcionaria à Grécia e Portugal opções de política de governo. Adicionalmente, isso poria fim ao ciclo vicioso - que agora ameaça todos os países deficitários na zona do euro - em que a austeridade enfraquece suas perspectivas de crescimento, levando investidores a cobrar taxas de juros proibitivas e, portanto, obrigando seus governos a reduzir ainda mais seus gastos.

Sair da zona do euro facilitaria, para os países em dificuldades mais graves, recuperar sua competitividade. Mas, caso se disponham a assumir os sacrifícios necessários, poderiam também permanecer: o EFSF protegeria os depósitos em seus bancos domésticos e o FMI ajudaria a recapitalizar seus sistemas bancários, o que ajudaria esses países a escapar da armadilha atual. Seja qual for o caso, não é de interesse da União Europeia permitir que esses países entrem em colapso e arrastem consigo todo o sistema bancário mundial.

Os países membros da UE, e não apenas os pertencentes à zona do euro, precisam aceitar que é necessário um novo tratado para salvar o euro. Essa lógica é clara. Assim, as discussões sobre o que incluir em tal novo tratado deveria começar imediatamente, porque mesmo com os líderes europeus sob extrema pressão para chegarem rapidamente a um consenso, as negociações serão, necessariamente, um processo prolongado. Depois que houver um acordo em torno do princípio fundamental, porém, o Conselho Europeu poderia autorizar o BCE a preencher o vácuo, protegendo-o preventivametne contra riscos de solvência.

A perspectiva de uma solução para a crise da dívida soberana na zona do euro seria uma fonte de alívio para os mercados financeiros. Mesmo assim, uma vez que os termos de um novo tratado seriam, inevitavelmente, ditados pela Alemanha, seria quase certa uma grave desaceleração da atividade económica. Isso poderia induzir uma mudança de atitude adicional na Alemanha, o que, por sua vez, permitiria a adoção de políticas anticíclicas. Nesse ponto, o crescimento em grande parte da zona do euro poderia recomeçar.

A hora da virada cambial.


Roberto Giannetti da Fonseca é economista e empresário, presidente da Kaduna Consultoria, e diretor titular de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

Dias atrás em reunião do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) realizamos uma discussão extremamente esclarecedora acerca do mercado de derivativos cambiais. Muitos leitores talvez não compreendam a importância ímpar deste tema para o país e para suas próprias vidas, uma vez que a indústria brasileira há tempos sofre os efeitos deletérios de um câmbio sobrevalorizado, tendo os derivativos cambiais um papel predominante na formação da taxa de câmbio do real.

Por conta dessa situação, mercados para produtos brasileiros foram perdidos, muitas fábricas foram fechadas e milhões de empregos desapareceram. A atual conjuntura econômica é propícia para discutir o papel dos derivativos cambiais na economia, de forma a entender a formação da taxa de câmbio brasileira, mas também para evitar que novas rodadas de apreciação da moeda brasileira prejudiquem ainda mais os setores industriais e a geração de empregos.

Primeiramente, o tema dos derivativos de câmbio não deve ser tratado de forma estigmatizada. Esses instrumentos financeiros não são de natureza inerentemente especulativa, muito pelo contrário, eles são fundamentais para a atividade econômica na medida em que reduzem incertezas associadas ao processo produtivo. Tampouco se deve minorar a importância da BM&F como principal centro de negociação de derivativos e de oferta de hedge para os agentes econômicos no Brasil. Essa instituição é símbolo da sofisticação do sistema financeiro brasileiro e faz do mercado de derivativos no Brasil um dos mais transparentes do mundo.

Contudo, deve-se reconhecer o caráter dual e muitas vezes ambíguo do mercado de derivativos; ao mesmo tempo em que ele reduz incertezas microeconômicas dos agentes que buscam hedge, ele potencialmente aumenta as instabilidades macroeconômicas. Nos derivativos de câmbio, esse problema ocorre quando um excesso de posições especulativas formam tendências na taxa de câmbio e uma excessiva volatilidade da moeda. Quando a especulação é dominante e, sobretudo, quando as apostas são feitas todas na mesma direção, abre-se espaço para distorções da taxa de câmbio e para uma arbitragem de agentes que ganham sempre, sem correr riscos. Dessa forma, pode haver mercados de derivativos, onde a participação dos agentes de hedge seja muito pequena e as transações sejam dominadas por agentes que tem como propósito apenas a especulação e a arbitragem.

No Brasil, o processo de apreciação cambial recente foi em parte conduzido por uma especulação sistemática, conhecida como "carry trade", que no mercado de derivativos se expressa na venda de contratos futuros de dólar para auferir o diferencial de juros e apostar na apreciação do câmbio. A pressão vendedora dos especuladores abre espaço para oportunidades de arbitragem contínuas de agentes que compram dólar futuro para arbitrar entre as taxa de juros externas e o cupom cambial. Com isso, os arbitradores são responsáveis por transmitir as tendências do mercado futuro para o mercado à vista. Nesse contexto, diferentemente da máxima que estabelece que "especulação boa é aquela que se anula por ser bidirecional, e a arbitragem boa é aquela que termina no tempo como consequência do próprio processo de arbitragem", no Brasil há longos períodos de especulação unidirecional e arbitragem ininterrupta no tempo, por conta da rigidez de suas variáveis, no caso, a elevada taxa de juros reais. Essa forma de especulação e arbitragem permanente é anômala e insustentável a médio e longo prazo

Nesses termos, a nova regulamentação sobre o mercado de derivativos de câmbio tem a difícil tarefa de corrigir os excessos e desvios do mercado, atentando para seu caráter desestabilizador. Ao taxar os aumentos de posições vendidas dos agentes, o governo acertou em cheio a engrenagem especulativa que influi na dinâmica da apreciação cambial. No entanto, essas medidas devem ser aperfeiçoadas de forma a preservar ao máximo as características benignas do mercado de derivativos de câmbio, quais sejam: de oferta de hedge para o setor produtivo e para atividades financeiras.

Para tal, é preciso criar instrumentos para identificar os diferentes agentes no mercado de derivativos, de forma a segregar os agentes que fazem hedge daqueles que especulam. Uma vez identificados, a intervenção do governo no mercado de derivativos de câmbio deve isentar do pagamento do tributo os agentes que utilizam o mercado para operações de hedge. Em especial, as empresas não financeiras que fazem cobertura de suas atividades comerciais e produtivas. Além disso, deve-se atentar para o papel dos bancos comerciais no mercado de derivativos que, por muitas vezes, operam para fazer hedge de suas operações de crédito, como por exemplo, ao fazer cobertura cambial das operações de ACC, ou de passivos em moeda estrangeira junto a seus clientes.

No decorrer do processo de implementação das novas regras sobre os derivativos de câmbio, é natural que haja reações contrárias de alguns setores da sociedade, afinal, há agentes financeiros que são diretamente prejudicados. Da mesma forma, se o objetivo for de reduzir a especulação com o câmbio, é inevitável que haja uma redução do volume financeiro da BM&F. Porém, o benefício de uma taxa de câmbio isenta de distorções financeiras supera os pontuais efeitos negativos das medidas. Ademais, o debate acerca do tema deve superar velhos dogmas, como a visão de um mercado financeiro harmônico onde a especulação é estabilizadora, cenário este que há tempos já foi abandonado por economistas de diversas escolas de pensamento e que hoje reconhecem o potencial desestabilizador de mercados excessivamente desregulados e especulativos.

Recentemente afirmei num outro artigo que o especulador é um covarde, e que ao pressentir um aumento de risco, desfaz sua aposta e sai do mercado. Neste caso dos derivativos cambiais, bastou o anúncio das medidas de intervenção e de regulação no mercado em fins de julho passado, para que as operações de "carry trade" fossem drasticamente reduzidas e a tendência de desvalorização do real se acentuasse a partir da segunda quinzena de agosto. Podemos concluir que a covardia superou a ganância, e que a indústria brasileira respira aliviada pela mudança de ventos na tendência da taxa de câmbio e de juros praticados na economia brasileira.

Como sair desta enrascada?


MOISÉS NAÍM, hoje na FOLHA DE S. PAULO, pergunta e responde didaticamente “Como sair desta enrascada?

Ninguém sabe como vão evoluir as convulsões que estão transformando as economias europeias. Mas, num momento em que é tão difícil prever o que está por vir, é útil recorrer à história.

A análise de grande número de crises desse tipo em países diversos permitiu à economista Carmen Reinhart identificar as cinco táticas mais comuns que já foram usadas por países altamente endividados para reduzir suas dívidas.

1. Crescer. Trata-se de ir saindo do problema, ampliando a economia. À medida que esta cresce, aumentam as receitas fiscais e diminui a dívida como proporção do tamanho da economia. Muitos países já o tentaram; poucos conseguiram.

2. Deixar de pagar. Em linguagem mais técnica, é moratória, cessão de pagamentos, reestruturação da dívida, "default" ou "Plano Brady". Consiste, na prática, em que os países notifiquem a seus credores que lhes pagarão menos que o que lhes devem e que o farão em um prazo maior que com o qual se comprometeram inicialmente. Reinhart descobriu que, desde sua independência, em 1832, a Grécia esteve em moratória 48% do tempo. A Argentina é usuária frequente dessa tática.

3. Austeridade. Esse é um tema tão dolorosamente familiar para os europeus, hoje, quanto foi nos anos 1990 para latino-americanos, russos e asiáticos. Implica em draconianos cortes nos gastos públicos, tanto nos gastos supérfluos como nos que não o são tanto. Reduz a dívida, mas também leva manifestantes às ruas e, às vezes, derruba governos.

4. Inflação. Quando aumentam os preços, o valor da dívida nessa moeda diminui tanto quanto a taxa de inflação. A inflação é ruim para a economia, especialmente para os assalariados, e alivia o problema do endividamento de uma maneira menos politicamente estridente. Mas não resolve o problema do endividamento em outras moedas.

5. Repressão financeira. Acontece quando os governos tomam medidas que canalizam para eles recursos que, de outro modo, seriam destinados a outras finalidades ou sairiam da economia. O arsenal que inclui essas medidas é diversificado, tentador, perigoso e... frequentemente utilizado. Inclui a imposição de limites aos juros pagos pelo governo, a obrigação dos bancos usarem dívida pública como parte de suas reservas, a estatização do sistema bancário ou parte dele ou a imposição de controles ao livre fluxo internacional de capitais. Soa extremo, e é. Mas esteve na moda nos países menos desenvolvidos entre os anos 1960 e 1980. Carmen Reinhart, que suspeita que possa vir outro auge de medidas desse tipo, recorda que elas também foram comuns nos EUA e outros países desenvolvidos entre 1945 e 1980 e que foram críticas para ajudar a "liquidar" as dívidas acumuladas na 2ª Guerra Mundial.
É evidente que nenhuma destas cinco táticas exclui as demais; em especial, a inflação e a repressão financeira frequentemente se acompanham. Em meio à confusão, este esquema ajuda a entender muitas das notícias que nos estarão chegando da Europa.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Heterodoxos.


ANTONIO DELFIM NETTO escreveu hoje sobre os “Heterodoxos”. Neste caso, vale a minha pergunta: como ficamos os ortodoxos?

Entre outras vantagens, a recente decisão do Copom de reduzir -de surpresa e para espanto geral- 50 pontos na taxa Selic, teve a virtude de reabrir uma vexatória questão que cerca os economistas. Há, mesmo, duas teorias, uma ortodoxa e outra heterodoxa: a primeira professada pelos "bons e oniscientes" e a outra pelos "maus e mal informados" economistas?

O problema inicial é reconhecer que só existem "heterodoxos" se o instrumento de aferição for um "modelo" que resistiu, até o presente, a todos os desafios empíricos, o que não é o caso.

Por outro lado, por exemplo, temos a interpretação quântica da realidade física que ninguém sabe bem o que é, mas funciona maravilhosamente! Ora, com relação à macroeconomia é exatamente o contrário: todo mundo pensa que sabe o que é, mas não funciona! O problema da microeconomia é menos grave: com métodos estatísticos confiáveis é possível, em certas circunstâncias, fazer experimentos "críticos".

Alguém, em sã consciência, pode afirmar que antes de 2009 existia uma macroeconomia canônica que incorporava os efeitos "não intencionais" da auto-organização das redes estimuladas pelas inovações financeiras?

Na macroeconomia, a única "ortodoxia" reside nas identidades da Contabilidade Nacional porque elas são resultado de convenientes definições. Tentar violá-las é, sim, um ato de "heterodoxia", mas não se trata de uma "teoria", é apenas ignorância de um princípio lógico inexorável: a soma das partes não pode ser maior do que o todo!

Existe algo na famosa Teoria Monetária, da qual se acreditam portadores alguns brilhantes economistas, que se possa aceitar como o intransponível cânone da ortodoxia? Claramente, não!

O regime de "metas inflacionárias", indiscutivelmente útil para a boa gestão do processo econômico e para a redução dos atritos entre o capital e o trabalho na distribuição dos ganhos de produtividade, é apenas um expediente.

Controlado por três equações que exigem o conhecimento de dois parâmetros altamente ilusíveis (e, portanto, sujeitos a discussão): a taxa real de juro neutra e o produto potencial, que pode ser discutido sem que isso possa ser classificado como heresia.

Lembremo-nos, apenas, que os mesmos economistas, há pouco tempo, acreditavam na mágica das "expectativas racionais" como o "estado da arte" da ortodoxia!

Podemos e devemos divergir (porque é assim que aumenta nosso conhecimento), mas é ridículo dizer que a política do Banco Central namora a "heterodoxia". Por quê? Pela simples e boa razão religiosa que, infelizmente, a "ortodoxia" não existe...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ciência ou aumento da incerteza?


Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento e escreveu o artigo abaixo para o VALOR ECONÔMICO.

Um velho companheiro, tecnicamente muito bem apetrechado e experiência prática indiscutível (comprovada por seu patrimônio), pelo qual nutro uma amizade e respeito que vêm dos bancos da FEA-USP, desde 1946, observou que tenho exagerado quando afirmo que "a teoria monetária que utilizam alguns competentes economistas ainda não existe". Respondo que talvez, apenas talvez...
Quando olho para os últimos 60 anos, desde quando estudamos, eu e ele, sob a severa vigilância do ilustre professor Dorival Teixeira Vieira, o sólido "Money" (Robertson, D., 1948), da coleção dos Cambridge Economic Handbooks, editada por J. M. Keynes, até o último livro que tive a oportunidade de ler, o sofisticadíssimo "Monetary Theory and Policy" (Walsh, C.E. 3ª edição, 2010), vejo um enorme avanço de modelagem matemática e um tremendo acúmulo de pesquisas empíricas.
Superficialmente, pelo menos, isso deveria negar a minha afirmação. O problema é que, no fundo, o "progresso" teórico e empírico foi apenas a perda contínua da nossa ingenuidade: jogamos fora nossas certezas, construindo novas que foram cada vez mais rapidamente destruídas. Esse movimento, que tem a aparência de um avanço "científico", esconde o que ele realmente foi: apenas um processo de substituir incertezas menores por incertezas maiores.
Apenas um festival de imaginação expressa em linguagem matemática
A primeira ilusão destruída foi a de que podíamos controlar a oferta da moeda (mesmo quando havia dificuldade de saber a que seria funcional para o controle da inflação) através da manipulação dos famosos "multiplicadores". Esses dependiam da decisão da autoridade monetária (a fixação das reservas bancárias obrigatórias), do comportamento do sistema bancário (a escolha da reserva "excedente" que lhe dava conforto) e da disposição do público de dividir sua liquidez entre dinheiro no bolso e depósito bancário.
A primeira era uma ação discricionária da autoridade, tomada provavelmente como reação à forma que ela via a "conjuntura". As outras duas dependiam de como o sistema bancário e os outros agentes econômicos a interpretavam. Em poucas palavras, não era o estado da "conjuntura" que era influenciado pela oferta de moeda, mas essa era resultado daquele. Além do mais, havia uma dúvida razoável se a oferta e a demanda de moeda que estabelecem a taxa de juro eram, mesmo, independentes.
O alívio a essa incômoda situação veio de W. Poole (1970), quando perguntou ao modelo macroeconômico então vigente (IS-LM) o que seria melhor para a estabilização do PIB (com preços fixados): controlar a taxa de juros ou os meios de pagamentos? Comparando as variâncias do PIB sob os dois regimes, ele mostrou que a flutuação do PIB seria menor com o controle da taxa de juros, o que acabou mudando toda a política monetária.
Trabalhos posteriores foram refinando e tornando mais incerta a conclusão simplista, principalmente numa economia aberta com câmbio flexível. A verdade é que ainda não podemos distinguir, por exemplo, se diante de uma alta de juros, ela é produto de um deslocamento para cima da curva de oferta global, ou de um deslocamento para cima dos meios de pagamentos, ou, talvez, de uma combinação dos dois.
Antes da crise de 2007-09, depois de superar a mistificação do século - a teoria das "expectativas racionais" -, o limite superior dos sucessivos "aperfeiçoamentos" da ciência e da política monetárias foi o modelo estocástico dinâmico de equilíbrio geral (DSGE) matematicamente sofisticado, mas de duvidosa utilidade, pois não incorporava o crédito. Uma simplificação desse modelo acabou no regime de "metas inflacionárias" construído com três equações que, implicitamente, supõe que o Banco Central conhece, verdadeiramente, como funciona o circuito econômico e, na prática, exige o conhecimento de variáveis não observáveis.
Depois de 2009, houve uma nova corrida teórica e empírica para incorporar ao DSGE os mercados financeiros, da qual o BC do Brasil participa. Mas mesmo aqui, o processo continua ampliando o número de variáveis não observáveis e o conhecimento de suas variâncias, como se a "estrutura temporal" fosse invariante (ergodica) e as variâncias conhecidas e constantes.
No fundo não se aumentou o conhecimento, mas sim o fingimento escondido na construção imaginária de novos parâmetros com variância estimável para o passado, mas incapazes de extrapolação para o futuro.
Trata-se apenas de uma nova versão da piada dos três náufragos, um físico, um químico e um economista, que numa ilha deserta encontram uma lata de feijão e precisam abri-la. O físico propõe abri-la com um golpe de pedra; o químico propõe esquentá-la e fazê-la explodir sob a pressão interna, ambos com riscos de perder o conteúdo. O economista logo corrige os dois. É simples e seguro, suponham que temos um abridor de latas...
A "ciência" monetária ainda não é. Por enquanto, é apenas um festival de magnífica imaginação expressa em linguagem matemática. Isso implica que devemos tomá-la com cuidado e precaução para o exercício da política monetária, mesmo com o "dernier cri" modelo do nosso Banco Central.

Finalmente a independência do BC.


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.


O Banco Central (BC) tomou a decisão de reduzir em 0,5 ponto percentual a sua taxa de juros, o que surpreendeu o mercado financeiro. Os seus "porta vozes", por meio da imprensa, falaram em quebra de "protocolo", da "liturgia" e na subversão aos "princípios mais valiosos" do sistema de metas de inflação. Isso teria deixado o mercado "perplexo" segundo a imprensa. Mas, afinal, qual era esse protocolo ou liturgia a que o mercado estava acostumado? Quais eram esses "princípios mais valiosos do sistema de metas de inflação" que o BC teria abandonado?
De fato, o BC, que não tem na sua diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores, surpreendeu os tesoureiros e economistas dos bancos privados, que estavam acostumados a uma relação, no mínimo, promíscua. Nessa relação, o Banco Central reagia às expectativas de inflação dos economistas dos bancos privados, materializadas na pesquisa Focus e nas taxas de juros futuras das operações efetuadas pelas tesourarias.
Na véspera das reuniões do Copom, a imprensa fazia a pesquisa informando o Banco Central, qual o aumento ou redução em que a maioria dos bancos e empresas de consultoria apostavam. Lógico que a maioria sempre acertava. Esse era o protocolo ou a liturgia seguidos pelas diretorias anteriores do Banco Central sempre ocupados por funcionários do sistema bancário. Na última reunião de agosto, esse protocolo foi de fato abandonado. Daí a grande surpresa e perplexidade do mercado financeiro. A rigor, o BC finalmente tornou-se independente do mercado.
Banco não tem na sua diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores
Nesse protocolo ou liturgia prevaleciam, evidentemente, os interesses dos mercados financeiros. Se as expectativas de inflação e de taxas de juros futuras do próprio mercado financeiro guiavam as decisões do Banco Central, os riscos de erros nas projeções eram minimizados e as possibilidades de ganho maximizadas. Vale lembrar que, no Brasil, o Banco Central fixa a taxa Selic, que é a mesma dos títulos públicos de longo prazo e, que serve de base (CDI) para a fixação das demais taxas de juros ativas e passivas. Assim, a indexação dos ativos financeiros à taxa diária Selic/DI elimina o risco da variação da taxa de juros e, tal "protocolo" entre o mercado e o Banco Central reduzia o risco de erros de expectativas. A dita "perplexidade" do mercado é compreensível, pois agora aumentam os riscos de serem surpreendidos se errarem nas as suas projeções.
Outro aspecto que merece atenção é que muitos economistas de bancos ou de consultorias ligadas ao mercado financeiro imputam a última decisão do Banco Central como subversão das regras ("princípios mais valiosos") da política monetária baseada em metas de inflação. Nada mais longe da verdade. A rigor, o sistema de metas que tínhamos no Brasil, era um arremedo do verdadeiro. Como a variação da taxa de juros tem uma defasagem longa, de seis a 12 meses, para ter efeitos mais relevantes sobre o lado real da economia (demanda agregada) e sobre a inflação, a taxa de inflação relevante, que tem que ser monitorada, é a taxa estimada para os próximos seis a 12 meses. Portanto, o sistema de metas pressupõe um bom sistema de previsão de inflação futura para compará-la com a meta e daí tomar a decisão de mudar a taxa de juros. No Brasil, além de considerarmos a inflação medida e acumulada de doze meses, portanto, referente ao passado, estamos presos à inflação calendário.
Além da inflação passada de 12 meses dificilmente ser uma projeção correta da inflação futura, a não ser por acaso, não consideramos nem mesmo a inflação contemporânea. Se esta for mais relevante para extrapolarmos para o futuro, a taxa de juros deverá ter um comportamento completamente diferente do nosso caso.
Por exemplo, a taxa de inflação de agosto foi de 0,37%, portanto, anualizando temos como taxa de inflação referência 4,5%, coincidindo com a meta. A taxa de juros deveria ser muito menor. Ao utilizarmos a inflação passada de 12 meses como referência, temos que manter a taxa de juros em níveis elevados mesmo que as pressões inflacionárias efetivas tenham desaparecido e a inflação contemporânea esteja dentro da meta. É compreensível que aqueles que ganham com juros elevados defendam os "princípios mais valiosos" da atual regra.
Outro aspecto que chamou a atenção dos "porta-vozes" do sistema financeiro é que o BC não está considerando só a taxa de inflação, mas o crescimento da economia, como se isso fosse um pecado mortal praticado pelo banco. Novamente, isso representa uma ignorância sobre o sistema de metas de inflação ou a defesa de interesses setoriais. O sistema de metas pressupõe que a taxa de juros afeta a inflação por diversos canais, entre eles o da demanda agregada ou o hiato do produto. A taxa de juros não afeta diretamente a inflação. Assim, ao elevar a taxa de juros, o Banco Central pretende eliminar o excesso de demanda ou atingir o hiato zero para assim controlar a inflação.
O Banco Central do Brasil agiu de forma correta se seus estudos técnicos e as projeções de seus modelos indicam tanto a desaceleração do nível de atividade econômica, como a queda nas pressões inflacionárias nos próximos 12 meses. Se isso for verdade, estamos mais próximos de um verdadeiro sistema de metas. Se acrescentarmos que o ministro da Fazenda anunciou um aperto fiscal maior para poder afrouxar a política monetária, estamos iniciando uma nova era e podemos caminhar para um novo regime de política macroeconômica compatível com crescimento acelerado e sustentado.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

John Nash é a entrevista da semana na Folha.


Nesta 2ª a FOLHA entrevistou o Nobel John Nash diretamente de Lindau - Alemanha, no 4º Encontro de Ciências Econômicas de Lindau. Recordo a todos os meus quase dois (milhões) de fiéis leitores que o filme "Uma Mente Brilhante", baseado na vida do matemático John Nash também merece ser visto.  


Aos 83 anos, John Nash, ganhador do Nobel de Economia em 1994, é simples e direto ao falar sobre dinheiro.
O matemático americano enxerga uma dependência tamanha do dinheiro que as pessoas "deixaram de raciocinar" sobre sua eficiência.
Contra esse processo, ele propõe a criação do "dinheiro ideal", conceito que tem divulgado com serenidade e que o destacou em evento que reuniu em Lindau, na Alemanha, outros 16 premiados com o Nobel de Economia.
Talvez por ter se tornado mais popular do que a maioria dos premiados após sua história ser retratada no filme "Uma Mente Brilhante" (Ron Howard, 2001), que mostrou sua luta contra a esquizofrenia, o matemático foi o mais assediado por jovens economistas. A eles o gênio da Teoria dos Jogos, que introduziu na economia a relevância da interação de dois ou mais indivíduos na tomada de decisões, exibe paciência ímpar para fotos, autógrafos e abraços.
À Folha, em entrevista exclusiva, ele explica seu conceito de "dinheiro ideal".


Folha - Em sua teoria do "dinheiro ideal", o senhor propõe uma moeda baseada em um índice composto por preços de commodities. Por quê?
John Nash - A ideia é ter como referência para o valor do dinheiro itens que sejam muito utilizados pela indústria. A primeira publicação dessa teoria foi em 2001. Inicialmente, eu havia pensado no ouro, que já foi referência de moedas no passado. Mas hoje seria mais difícil basear uma moeda em ouro porque sua extração é limitada e mais difícil. Assim, a melhor solução seria o ICPI (Índice de Preços do Consumo Industrial, na sigla em inglês), que poderia naturalmente ser calculado a partir dos preços do mercado global de itens como cobre e platina, e daria à moeda um valor mais real.

Petróleo e alimentos poderiam entrar nesse índice? E qual seria o peso de cada commodity?
Sim, a composição do índice poderia levar em conta as commodities mais estratégicas, inclusive as ligadas a energia, e o peso seria diferente, conforme a importância de cada uma delas. Amadurecendo a ideia, creio hoje que um tipo de autoridade ou agência poderia estabelecer qualquer versão do "dinheiro ideal". Uma possibilidade seria preparar uma agência, concebível como FMI (Fundo Monetário Internacional) ou o Banco Central Europeu, para essa finalidade.

Esse "dinheiro ideal" seria usado para negociação internacional?
Poderia ser usado como o euro. Estamos falando teoricamente, mas poderia ser uma moeda para negociação internacional, dependendo dos países que a adotassem. O importante é se levar em conta que, com uma referência, o valor da moeda é mais previsível ao longo do tempo, como foi com o dólar no passado, quando ele tinha equivalência com determinada quantidade de ouro. Essa noção de equivalência quantificável favorece contratos de longo prazo nas negociações internacionais, pois é mais fácil prever o valor da moeda no tempo. Se uma moeda não tem estabilidade e confiabilidade ao longo do tempo, isso afeta os negócios e perturba os contratos.

A estabilidade da moeda, então, seria a principal diferença entre o "dinheiro bom" e o "dinheiro ruim"?
Pensando em termos de propósito, a função do dinheiro -de facilitar a transferência de vantagens de um lugar para outro- poderia ser desempenhada tanto pela moeda da Tailândia quanto pela da Suíça. Mas há diferenças em razão da estabilidade de cada moeda, que ficam mais evidentes pensando em contratos de longo prazo. Considere uma sociedade na qual o dinheiro em uso está sujeito a uma rápida e imprevisível taxa de inflação, de modo que a unidade que hoje vale 100 possa cair para algo entre 50 e 10 em um período de um ano. Você iria querer empresar dinheiro por um prazo de um ano?
Assim, é possível ver como a qualidade do dinheiro influencia áreas da economia que envolvem financiamento com créditos de longo prazo.

Assim, qual sua crítica a economistas "keynesianos" [que defendem intervenção maior do Estado na economia]?
Vamos definir "keynesiano" como o termo para descrever uma escola de pensamento que se originou na época da desvalorização da libra e do dólar nos anos 30. O ponto é que a visão keynesiana favorece a existência de bancos centrais que manipulam por objetivos de "bem-estar econômico" e estão pouco preocupados com a reputação de longo prazo da moeda nacional, assim como com os efeitos disso na reputação das instituições financeiras domésticas.

O senhor fala em estabelecer a confiança como padrão de cultura de negociação. Como a moeda contribui para isso?
Na minha visão, se houver confiança em relação à previsão de valor de uma moeda, que é um meio de troca, isso favorecerá a formação de contratos de negócios. E um padrão geral, seja em um Estado ou em uma zona com regras estabelecidas, irá se tornar efetivamente parte da cultura de negócios, que fica mais favorável.

O senhor já imaginou um nome para a "moeda ideal" e acredita que ela se torne realidade?
Nunca pensei em nenhum nome; dependeria do contexto político de sua criação. É algo teórico. Creio que sua implementação seja de longo prazo, dependendo das autoridades monetárias. Historicamente, nos tornamos dependentes do dinheiro, controlados e motivados pelo desejo de termos cada vez mais e não perdermos o que temos. Perdemos a capacidade de raciocinar a respeito do dinheiro, como fazemos em relação a uma tecnologia, para avaliar como esse mecanismo é usado com maior ou menor eficiência. O dinheiro existe para transferir vantagens de um lugar para outro. E uma moeda com valor mais estável favorece essa transferência.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...