segunda-feira, 29 de maio de 2017

Financial Times: Mãos políticas limpas são necessárias para reformar o Brasil.

Quando o Congresso brasileiro votou pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff, no ano passado, os investidores acataram uma tese. As políticas populistas adotadas por ela haviam solapado a economia. A inflação estava em alta, assim como o desemprego; a dívida nacional estava crescendo, e a moeda não parava de cair. Remover Rousseff restauraria a confiança, reverteria a recessão que já durava dois anos e poria fim a uma longa baixa nos mercados. E os acontecimentos subsequentes provaram que a tese procedia - até este mês, quando o substituto de Rousseff, o presidente Michel Temer, se viu engolfado em um escândalo depois de ter gravada uma conversa na qual supostamente aprovava propinas.

Ninguém acreditava que Temer, 76, fosse santo. Antes mesmo de assumir, ele era visto como um operador de bastidores, maculado pela vasta investigação de corrupção da Operação Lava Jato. No início de sua presidência, três ministros foram forçados a renunciar. Ainda assim, mesmo que seu governo fosse não menos corrupto que o de Rousseff, era mais competente e desfrutava de apoio no Congresso. A ortodoxia econômica começou a retornar. Reformas difíceis mas necessárias nas leis trabalhistas, aposentadorias e previdência social estavam avançando no Congresso. A inflação caiu, permitindo que o Banco Central cortasse as taxas de juros. A despeito dos baixos índices de aprovação a Temer, a confiança dos empresários estava em alta. Agora, a possibilidade real de que Temer também seja forçado a deixar o posto colocou a tese inteira em dúvida.

Temer proclamou sua inocência. As provas contra ele não são conclusivas. Sua posição é melhor que a de Rousseff um ano atrás. A elite política e econômica que sustentou a recuperação depende de suas reformas. Sua coalizão está se desfazendo mas ainda não entrou em colapso; um motivo é que não há substituto claro para Temer. Rousseff pelo menos tinha um vice-presidente ávido por ocupar seu lugar.

Mesmo assim, Temer está perdendo apoio rapidamente - no Congresso, nas ruas e talvez no Judiciário. O "Temergate" travou suas reformas. O jornal "O Globo", que revelou o escândalo, o definiu como "descartável". Que ele continue na presidência pode se provar mais causa do que solução para a crise.

Pode ser que até Temer encare a situação do mesmo jeito. Há informações de que ele estaria em busca de um perdão, como o que Richard Nixon negociou com Gerald Ford, antes de renunciar. Outra alternativa é que Temer perca o posto caso o Tribunal Superior Eleitoral decida no mês que vem que, em companhia de Rousseff, ele aceitou contribuições ilegais para a campanha da chapa presidencial dos dois em 2014. Qualquer dos dois percursos envolveria a substituição de Temer por um presidente interino eleito pelo Congresso. O Brasil então cambalearia até as eleições presidenciais marcadas para 2018.

Dois presidentes derrubados em dois anos seria notável. Mas os mercados estão se segurando. Depois de uma onda inicial de vendas, a calma retornou. Na segunda-feira passada, a estatal brasileira de energia Petrobras emitiu US$ 4 bilhões em títulos, com a mais baixa taxa média oferecida pela empresa em quatro anos. O mercado de ações se estabilizou, assim como a moeda. O cálculo dos investidores é que quem quer que substitua Temer "não terá escolha" a não ser continuar com as reformas. Quanto mais cedo ele cair, melhor.


Essa pode ser uma visão otimista. O Brasil não está diante de uma crise financeira iminente. O investimento estrangeiro, exemplificado pela oferta da Glencore para a aquisição da trading de commodities Bunge, que tem forte presença no Brasil, continua a entrar em volume elevado. Mesmo assim, a probabilidade de uma recessão de duplo mergulho cresceu. Politicamente, o futuro está em aberto. O expurgo de políticos corruptos, de todo o espectro ideológico, é necessário. E os escândalos abalaram a reputação de todos os políticos. A percepção popular é a de uma elite mais interessada em escapar da cadeia do que em governar. É uma estrada perigosa que pode abrir caminho a oportunistas e populistas em 2018. Qualquer calma no mercado pode ser apenas temporária.

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