Neste domingão de ansiedade econômica e especialmente para a leitura de meus três ou quatro leitores diários, compartilho a visão do inteligente Otavio Frias Frio, diretor de redação da FOLHA DE S. PAULO, sobre o atual e complexo momento político brasileiro.
Montaigne escreveu, citando Sêneca, que a natureza criou um só
meio de entrar na vida, mas cem de sair dela, omitindo que por nenhum deles é
fácil passar.
Algo parecido se aplica às saídas para a crise endêmica que
esgarça o país desde 2013 e que se tornou outra vez galopante com as revelações
de quarta-feira (17). Caso surjam evidências irrefutáveis de que o presidente
Michel Temer cometeu crime, o que era discutível quando se concluía esta seção,
haverá quatro opções no horizonte.
A primeira delas, a renúncia, foi rechaçada no breve e veemente
discurso de quinta-feira (18). Mas renunciar, na vida pública, não é exatamente
decisão de alçada pessoal; o incumbente é antes "renunciado" pelas
circunstâncias, conforme os próprios aliados o informam em dado momento de que
seu governo se esvaiu, como um piloto que é ejetado após perder controle do
aparelho. Ainda estamos longe disso, o palácio dispõe de recursos políticos
consideráveis, mas a crise se acelerou da noite para o dia.
Outras duas possibilidades constitucionais –impeachment e
aceitação, pelo Supremo Tribunal Federal, de denúncia a ser apresentada pelo
procurador-geral da República (o que inabilitaria o presidente, uma vez
convertido em réu)– dependem ambas de autorização por parte de 2/3 dos
deputados. Estes se movem pelos próprios interesses, muito bem incrustados no
governo semiparlamentarista de Temer. Que conveniência falaria mais alto entre
eles, o usufruto imediato do poder ou o medo de não se reeleger e ficar ao
relento, muitos à mercê dos azares da primeira instância do Judiciário?
A quarta via é a judicial, por meio de cassação da chapa Dilma
Rousseff/Michel Temer no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, previsto
para o início de junho e estribado em clamorosos indícios de financiamento
ilegal da campanha que elegeu essa malsinada dupla no já remoto outubro de
2014. Mas também aqui o caminho não deixaria de ser tortuoso: Temer recorreria
ao Supremo, que daria início a novo julgamento, durante o qual o presidente
permaneceria, ao que tudo indica, no posto.
Removido Temer, restaria o problema da eleição indireta do
sucessor. Como se sabe, é o que manda a Constituição: o Congresso escolhe o
novo presidente quando a vacância se der na segunda metade do mandato. No
entanto, depois de a sociedade haver engolido a ascensão de Temer e suas
impopularidades em nome do respeito à Constituição, parece inverossímil que
possa tolerar um presidente escolhido a dedo por 500 e tantos parlamentares
vilipendiados. Seria, como se diz em inglês, adicionar insulto à injúria.
Não é da boa doutrina mudar as regras do jogo em meio ao jogo; a
rigor, só um referendo popular poderia autorizá-lo. Mas uma emenda
constitucional, que requer aprovação de 60% dos parlamentares, talvez baste em
termos de legitimidade. Tramita proposta do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ)
que confina a eleição indireta aos casos de vacância presidencial no último
semestre do mandato; antes disso, Diretas-Já.
Claro que esses são formatos jurídicos vazios à espera de ser
movimentados pelo jogo das forças políticas reais. O combustível desta crise,
que é a monstruosa recessão econômica legada pela gestão de Dilma Rousseff,
continua a abastecer a insatisfação que grassa na sociedade e parece prestes a
se inflamar de novo em vigorosas manifestações de rua, pois os efeitos
saneadores da política econômica de Temer, a melhor parte de sua gestão, ainda
não se fazem sentir. Escala e intensidade dos protestos em praça pública nos
próximos meses deverão definir que desenlace institucional vai prevalecer.
Mesmo no campo predominante dos que desejam a saída de Temer,
começa a surgir uma dissidência indiretista disposta a resistir à campanha pela
emenda Miro Teixeira, em boa parte por recear que eleições diretas reconduzam
Lula à Presidência. As pesquisas indicam que o ex-presidente petista é favorito
no primeiro turno, ao mesmo tempo que sugerem expressiva probabilidade de que
venha a eleger seu antagonista em segundo turno. Agora ou em 2018, as eleições
parecem mais imprevisíveis que nunca.
Os alicerces do governo Temer, sempre frágeis, estão ainda mais
abalados. Mas é cedo para dizer que esta administração acabou. A economia, que
aos poucos sai do atoleiro, atua em seu favor. O relógio, que mostra as
eleições gerais de 2018 cada vez mais perto, também. Enquanto isso, um governo
cambaleante se encastela ao forcejar por reformas que preparam o ciclo de
expansão econômica apto a consagrar, talvez, seu sucessor.
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