Felipe Salto é economista pela EESP/FGV-SP, mestrando em administração pública e governo pela EAESP/FGV-SP, cofundador do Instituto Tellus e especialista em finanças públicas da Tendências Consultoria. E tem um excelente blog: blogdosalto.blogspot.com. Hoje no VALOR ECONÔMICO.
O
cumprimento da meta de superávit primário em 2011 não é uma surpresa, mas uma
confirmação de expectativas formadas há algum tempo. O desafio do governo é
outro. As autoridades precisam mostrar de que forma se dará o enfrentamento das
pressões contratadas para 2012. Até agora, a única estratégia oficial foi o
ajuste fiscal de curto prazo, que deu fôlego ao governo para ostentar
importante austeridade, ao longo do ano corrente, refletida em um superávit
primário robusto, como se tem observado até agosto. Contudo, este tempo não foi
utilizado para a concepção de novas regras para o comportamento da despesa no
médio prazo.
Como
se sabe, não há ajuste por "geração espontânea", tampouco há
disposição política, neste momento, para mais um ano de forte contingenciamento
de gastos, com queda real de investimentos, como vem ocorrendo até agosto
(queda de 5,9% ante o acumulado no ano até agosto de 2010). Sendo assim,
dificilmente o governo cumprirá a meta fiscal de 2012. Um cenário de recriação
de tributos e outras surpresas nas receitas poderiam alterar esta percepção,
mas seria um ajuste de qualidade ruim, com nova redução da renda disponível da
sociedade e aumento da carga tributária.
É
verdade que o cumprimento da meta, neste ano, após o uso indiscriminado de
mecanismos contábeis para contornar o sistema de metas fiscais (2009 e 2010),
será muito importante. E este ajuste traz consigo um custo político, uma vez
que no curto prazo as despesas que mais costumam sofrer são os investimentos,
pela natureza rígida do orçamento, e os gastos sociais ou previdenciários (o
caso do mínimo é emblemático), em que é possível postergar reajustes.
Limitar
aumento real do gasto no máximo em 50% da elevação prevista do PIB seria uma
medida concreta
É
aceitável que, em um ano, que os investimentos e as postergações de toda ordem
paguem a conta do ajuste. No médio prazo, por outro lado, espera-se que medidas
mais estruturais passem a balizar uma política menos emergencial. Para isso, no
entanto, precisariam ter sido concebidas justamente no período em que o governo
ganhou fôlego para fazer isso.
Essa
ausência de uma estratégia para equacionar as pressões fiscais esperadas para o
próximo ano (legítimas, isto é, frutos de decisões de governo) torna razoável
nossa estimativa de 2,2% do PIB para o superávit primário do setor público em
2012 (abaixo da meta de 3,1% do PIB). Os gastos previstos no orçamento federal
não são compatíveis com o crescimento estimado para a receita líquida do
governo, que tende a desacelerar, em relação a 2011, movimento a ser
impulsionado pelas renúncias fiscais de cerca de R$ 27,3 bilhões do programa
"Brasil Maior".
Mesmo
nesse cenário, o Banco Central segue usando como premissa para suas análises o
cumprimento da meta de 3,1% do PIB no ano que vem. Isso só poderia se
concretizar com a obtenção de novas receitas, via aumento de impostos e/ou
recriação de tributos. Vale mencionar que a saída de recriar a CPMF, por
exemplo, sob o nome de Contribuição Social para a Saúde (CSS), só traria uma
receita elevada para o governo se ressurgisse já com uma alíquota elevada, de
pelo menos 0,38%.
Assim,
só haverá cumprimento de metas, em 2012, com um aumento importante de receitas.
A estratégia ideal, que mais uma vez foi negligenciada pelo governo, seria
aprimorar a qualidade do gasto público. Na prática, fixar um limite para o
crescimento real do gasto corrente (em especial, do gasto com pessoal) que
ficasse limitado a um crescimento de no máximo 50% do crescimento previsto para
o PIB seria uma medida concreta. O projeto de lei do Senado nº 611, de 2007,
trata deste assunto e, apesar de ter sido aprovado e seguido à Câmara,
encontra-se fora do regime de urgência.
Como,
então, o governo pode garantir o cumprimento da meta, como vem sinalizando?
Recriará a CPMF? A hipótese de contenção de gastos parece pouco provável, pelos
custos que uma estratégia de contenção brusca de dispêndios poderia acarretar,
dado que não houve planejamento. Resta saber se a hipótese de expandir a carga
tributária será levada adiante. As declarações da presidente, que chegou a
sugerir que a própria sociedade perceberá a necessidade de novas receitas para
a saúde, levam a crer que este é um cenário com probabilidade não desprezível.
Contudo, acreditamos que o ajuste no esforço primário seja a hipótese mais
provável.
O
relevante é que as condições fiscais atuais não permitem o cumprimento da meta
fiscal cheia, como é chamada a meta sem abatimentos dos gastos do PAC (0,6% do
PIB, desta vez, segundo Projeto de Lei Orçamentária Anual - PLOA 2012),
tampouco da meta "descontada".
O
mais provável, depois do ajuste de curto prazo promovido em 2011, é a volta da
política fiscal expansionista, pautada no avanço de despesas sem priorização e
controle, em prejuízo do avanço dos investimentos. Não se trata, como no
passado, de um problema de solvência fiscal, mas, sim, de qualidade da despesa
pública. De que maneira um país pode avançar sem fomentar os investimentos e
expandir sua poupança? É razoável seguir com um nível de 18% a 19% de formação
bruta de capital fixo e uma carga tributária de 33% a 34% do PIB?
O
pano de fundo é exatamente o mesmo: a resistência da política fiscal capenga,
que sustenta um padrão necessariamente elevado de juros e de baixo
investimento.