Recente editorial do ESTADÃO e a vida na economia como ela é.
Fatos da vida podem ser
chocantes, mas, com algum cuidado, alguém deveria contar à presidente da
República a verdade sobre a meta da inflação: ela é 4,5%, nunca foi alcançada
no atual governo e dificilmente será nos próximos dois anos. Sendo uma pessoa
forte, a presidente poderia assimilar o choque rapidamente e em seguida
repassar a informação a seu ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ambos continuam
falando - e isso ocorreu, de novo, no Encontro Nacional da Indústria -
como se o alvo oficial fosse qualquer número até 6,5%, limite superior da
escandalosa margem de tolerância adotada no País. Os dois apresentaram aos
empresários, ao Brasil e ao mundo, como de costume, um país cor-de-rosa, com
inflação controlada, contas públicas em ordem, economia saudável e puxada por
investimentos e indústria fortalecida por um eficaz programa de desonerações.
Se esse país brilha menos
do que poderia, é só por causa da crise internacional e da escassez do crédito
ao consumo, as "duas pernas mancas" da economia brasileira, segundo o
ministro Mantega. O ministro e sua chefe insistem no esforço de atribuir os
problemas brasileiros principalmente a causas externas, como o baixo
crescimento do mercado global e a alta de preços das commodities agrícolas,
consequência de uma seca nos Estados Unidos. Mas as cotações agrícolas já se
acomodaram e o nível geral de preços no País continua a subir. Outros países
emergentes têm crescido bem mais que o Brasil, apesar da crise externa, mas o
ministro continua discursando como se essa diferença inexistisse.
Além de cor-de-rosa, esse
mundo é muito estranho. A produção teria avançado mais, se o crédito ao consumo
tivesse crescido, nos últimos meses, tanto quanto vinha crescendo? Acreditar
nessa tese é insistir em viver no mundo da fantasia. Em outubro a produção
industrial foi 0,6% maior que em setembro, mas a expansão ainda ficou em 1,6%
no ano e em 1% em 12 meses. Não há como atribuir esses números a uma
desaceleração do consumo. Da mesma forma, é preciso buscar em outros fatores a
explicação dos maus resultados da indústria no comércio exterior. A questão
relevante é: por que a produção industrial brasileira perde espaço dentro e
fora do País?
A resposta é conhecida
até em Brasília, mas, segundo a presidente e seus ministros, tudo está sendo
feito para elevar a produtividade e melhorar o desempenho do setor. De alguma
forma, apesar do discurso tortuoso, a necessidade de mais investimentos é
reconhecida pelas autoridades. A presidente mencionou aos industriais o
programa de ampliação e modernização da infraestrutura, além da oferta de
recursos para o investimento empresarial. Mas deixou de mencionar o enorme
atraso na implementação do plano de logística, os erros de concepção das
licitações e os fracassos na tentativa de elevar a taxa de investimentos.
No ano passado o País
investiu 4% menos que em 2011. O aumento esperado para este ano será, na melhor
hipótese, pouco mais que suficiente para neutralizar a queda de 2012. O total
investido continuará, quase certamente, inferior a 20% do Produto Interno Bruto
(PIB), uma proporção pífia. Nem as estatais, subordinadas à autoridade
presidencial, cumprem seu papel. Até outubro, o Grupo Eletrobrás desembolsou
apenas 43% do previsto para o ano. Em conjunto, as estatais investiram 75% dos
R$ 111 bilhões programados. Desde 2006, a média, em dez meses, era de 82,3% da
meta do ano.
Confortável em seu mundo
de fantasia, o governo tem errado e continua errando em seu diagnóstico dos
problemas econômicos. Insiste em estimular o consumo quando os entraves estão
do lado da oferta interna. Reconhece um tanto obscuramente a necessidade de
mais investimento para mais produtividade, mas é incapaz de apontar um rumo aos
empresários e de oferecer segurança aos investidores. No ano passado os juros
foram baixos, pelos padrões históricos, mas o investimento caiu. Impossível,
para quem tem alguma percepção, desconhecer a inflação elevada, a piora das contas
públicas e a maquiagem como instrumento de política. Nenhum discurso
cor-de-rosa anula esses dados.