ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 51, é doutor em economia
pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de Assuntos
Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor da Schwartsman &
Associados Consultoria Econômica e professor do Insper.
Não tenho, é claro, a menor ilusão de que a
presidente da República leia minhas colunas. Aliás, considerados seus
maus-tratos à língua, não tenho a menor ilusão que leia qualquer coisa.
Ainda assim continua a ser surpreendente (ou
seria "estarrecedor"?) sua insistência em temas há muito demonstrados
equivocados, em particular a suposta oposição entre inflação e desemprego, como
explorado neste espaço em meados do ano.
À época ela alegou que a fixação da meta de
inflação em 3% levaria o desemprego "lá pelos 8,5%, 9%, 10%, 11%, 12%. Por
aí". Como se depreende da afirmação acima, precisão não parece ser
exatamente o forte da presidente, mas, mais recentemente, voltou à carga, agora
argumentando que o desemprego chegaria a 15%, aumentando assim o intervalo de
confiança de suas "projeções" de 3,5 para inimagináveis 6,5 pontos
percentuais, uma margem de erro de fazer corar qualquer pesquisa eleitoral.
As implicações da peculiar matemática
presidencial podem não ter ficado claras à primeira vista, mas são
contundentes.
Como o IPCA deve fechar o ano na casa de 6,5%,
buscar uma meta de 3% corresponderia a uma redução de 3,5 pontos percentuais da
inflação. Por outro lado, dado que o desemprego se encontra na faixa de 5%, sua
elevação para 8,5% corresponderia também a 3,5 pontos percentuais, ou seja, na
"estimativa" mais otimista, cada ponto percentual a menos de inflação
"custaria" um ponto percentual a mais de desemprego.
Já no caso mais pessimista, a elevação do
desemprego atingiria dez pontos percentuais (de 5% para 15%) para a mesma
redução (de 6,5% para 3%) da inflação, ou seja, cada ponto percentual a menos
de inflação "custaria" 2,9 pontos percentuais a mais de desemprego!
Em outras palavras, o coeficiente que captura a
presumida troca entre inflação e desemprego implícita na curva de Rousseff
varia de 1 a 2,9, uma diferença abissal (alguns diriam
"estarrecedora").
À parte o erro conceitual primário (não há
troca persistente entre inflação e desemprego, conforme estabelecido por mais
de 40 anos de pesquisa na área), as afirmações presidenciais transparecem um
descaso desumano ("estarrecedor", talvez) com os números.
Fosse eu um diplomata, diria que as estimativas
poderiam ser melhoradas; como não sou, posso afirmar: trata-se de números
chutados (isso mesmo, c-h-u-t-a-d-o-s!), sem a menor preocupação com qualquer
referência à realidade, sem base estatística e, portanto, desprovidos da mínima
relevância.
Mesmo com o devido desconto que se dá à verdade
no período eleitoral (coisa triste de se dizer), essa posição é reveladora. A
atual administração demonstra o mais profundo desprezo para com os números.
Estatísticas só valem se corroborarem a visão preexistente, jamais como forma
de testá-la e assim permitir, caso necessário, correção dos rumos.
Insistimos há anos que o atual arranjo de
política econômica (a tal "nova matriz macroeconômica", algo sumida
de retórica governamental recente) redundaria apenas em menos crescimento,
inflação mais alta e desequilíbrios externos crescentes.
As evidências a esse respeito eram visíveis
desde 2012, ao menos, expressas no então "pibinho" de 1% (que hoje
seria motivo de comemoração) e na inflação que já então teimava em não retornar
à meta. Mesmo assim, foram ignoradas.
Dados ruins das contas fiscais têm sido
escamoteados e agora até mesmo os números de distribuição de renda se tornaram
sujeitos a interesses políticos de curto prazo, culminando com a postergação da
divulgação de pesquisas do Ipea sob o ridículo argumento de que violariam as
leis eleitorais.
O resultado é que, cada vez mais, temos que
navegar sem instrumentos, enquanto se nega à população a possibilidade de
avaliar os rumos do país. Nesse sentido, as "estimativas" dos
parâmetros da "curva de Rousseff" não são a exceção, mas a regra no
modelo de condução desastrada de política econômica no Brasil.