sábado, 17 de setembro de 2011

Época entrevista Andrés Oppenheimer.


Nestes tempos onde falta tempo, ler qualquer texto que tenha mais de 200 palavras é um grande sacrifício. Porém, existem situações onde devemos ler senão 200 palavras, que tal 2.000? É o que gostei lendo a entrevista de Andrés Oppenheimer - comentarista da CNN -  à ÉPOCA. Leiam e entendam um pouco mais com profundidade a nossa vida latino americana. E como estamos num final de semana, tempo não vai faltar.  

ÉPOCA – Que obsessão é essa pelo passado que existe na América Latina?
Andrés Oppenheimer – Os países da América Latina vivem numa revisão de suas histórias. Vamos pegar a Venezuela como exemplo. Lá, o presidente Hugo Chávez mudou o nome do país para um ridículo “República Bolivariana da Venezuela”. Ele fala ao país quase que diariamente em frente a uma imagem de Simon Bolívar. E diz que toda sua política é baseada no que Bolívar disse. Usa o passado para dar legitimidade histórica a suas ações. Mas Bolívar viveu há quase dois séculos. Ele morreu 150 anos antes da invenção da internet e 40 antes do telefone. Ele pode ter sido um grande herói do seu tempo, mas vivemos num mundo novo.
ÉPOCA – Ele não pode nos ajudar nos desafios atuais.
Oppenheimer – Claro que não. Ele não é a resposta para os desafios de um mundo globalizado. Estive em países como a Índia e China, que têm história milenar e não vi ninguém ficar falando no passado. Mas Chávez insiste nessa postura. Ano passado quis exumar o cadáver de Bolívar. A mesma coisa aconteceu no México e Equador e países da América Central. No livro, eu falo sobre minha surpresa quando cheguei a Cingapura, um dos países com maior renda per capta do mundo. Um exemplo simbólico é a moeda local. No dinheiro deles há imagem de uma universidade com o professor e os alunos e, abaixo, uma palavra: Educação. Na América Latina, como nos EUA, temos nossos heróis da independência. Nós olhamos para trás. Eles olham para frente.
ÉPOCA – Por que isso ocorre?
Oppenheimer – Talvez porque os países latino americanos sejam relativamente jovens, idolatrar o passado é uma forma de criar um senso de coesão ou identidade nacional. Mas não haveria problema se fosse só isso. O problema é que nós exageramos. Hoje ficou uma obsessão. Se você for a uma livraria em Buenos Aires, Cidade do México ou Lima vai ver que os best sellers são romances históricos, biografias de heróis do passado ou ensaios de história. Não vi isso na Ásia. Lá, vemos livros sobre o futuro. Não estou dizendo que devemos esquecer nossa história. Eu gosto de história. O que digo é que essa obsessão, esse exagero nos distrai de tarefas mais relevantes e urgentes como investir em educação, ciência, tecnologia, que são os assuntos do futuro.
ÉPOCA – O senhor diz que a educação é a chave para nosso futuro. Mas esse pensamento não existe desde o século 20?
Oppenheimer – Não era importante. Nós sempre medimos nosso sucesso pelo nosso crescimento econômico. E descobrimos que, sem uma boa educação, o crescimento da economia não reduz a pobreza nem a desigualdade, pelo menos tão rápido quando vem acompanhado de crescimento educacional. Os dois devem caminhar juntos. Caso contrário, não vamos nos desenvolver tão rápido quanto os asiáticos. A razão é simples. Quando a economia cresce, as pessoas que se beneficiam são pessoas como você e eu, que tiveram boa educação formal, que têm empregos formais. A mulher que vende limão na rua, que vive numa favela e não teve boa educação não vai conseguir um emprego tão bom. Se quisermos que essa senhora ascenda socialmente, precisamos dar a ela – e ao filho dela – uma boa educação. Senão, nunca fará parte da economia formal. Uma das coisas que proponho no livro é medir nosso sucesso pela educação, como um PIB para a educação, o Produto Educacional Bruto. Um, sem a outra, não nos ajudará a reduzir a pobreza
ÉPOCA – E como vai o nosso PEB?
Oppenheimer – Terrível. Posso te dar exemplos. Não temos uma única universidade da América do Sul entre as 200 melhores do mundo, segundo ranking feito pelo Times, de Londres. Somente a Universidade Autônoma do México (Unam) aparece na 190ª posição do ranking inglês. Isso é um escândalo. O Brasil está entre as 12 maiores economias do mundo. No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), dos 65 países que participaram no ranking, os países latino americanos estão na parte de baixo. O Brasil está na 53ª posição em matemática. Outro exemplo: temos férias muito longas. No Japão, o ano letivo tem 243 dias. Na Coreia do Sul, é de 220. E no Brasil, 200. Se contarmos as greves, o ano letivo é ainda menor. Não estou nem falando das horas de estudo por dia. Uma criança chinesa estuda 12 horas por dia, muito mais do que uma criança brasileira ou de outro país da América Latina. E o mais crítico exemplo: nós, na América Latina, não registramos patentes, não inventamos nada. A Coreia do Sul, um pequeno país asiático, que há 40 anos era mais pobre que o Brasil, no ano passado registrou 8.800 patentes nos Estados Unidos. Enquanto o Brasil, muito maior que a Coreia do Sul, registrou 100 patentes. Não é coincidência que a renda per capta lá seja maior que no Brasil.
ÉPOCA – Não faz sentido o argumento de que nossas universidades não estão no ranking por preconceito e porque o inglês não é nossa língua nativa?
Oppenheimer – A última vez que fui à China o inglês não era a língua nativa por lá (risos). E esses países têm mais universidades no ranking do que nós. O que essas pessoas dizem sobre isso? É ridículo. E um ranking chinês com as 500 melhores universidades mostrou resultados parecidos que o ranking inglês. A Universidade de São Paulo (USP) ficou no grupo identificado como “entre a 100ª e 151ª posições”. A Unam e a Universidade de Buenos Aires estão entre a 152ª e 200ª posições.
ÉPOCA – Dentro da América Latina, qual país está melhor?
Oppenheimer – Brasil e Chile vão melhor na educação superior, não há a menor dúvida disso. E Brasil lidera nesse quesito. Produz 10 mil doutores por ano, tem indústrias de alta tecnologia como a Embraer. E o país anunciou recentemente que vai pagar por 100 mil bolsas de estudo para alunos estudarem fora. O Brasil está indo muito melhor do que outros países da América Latina. Mas está muito pior do que outros países com quem quer competir, como Índia ou China. Há muito a ser feito. Digo que é um “gigante com pés de barro”: tem boas universidades e péssimas escolas. E mesmo no sistema universitário, é preciso fazer mais para se destacar.
ÉPOCA – O que precisamos fazer?
Oppenheimer – Primeiro, criar uma cultura de inovação, que resulte em invenções e registro de mais patentes. Estamos no começo de uma era da Economia do Conhecimento. Se o Brasil quer se destacar nesse cenário, tem de produzir muito mais produtos de alta tecnologia do que hoje. O Brasil nunca vai ser tornar um poder mundial se registrar apenas cem patentes por ano nos Estados Unidos. No livro, cito como exemplo uma xícara de café brasileiro vendido no Starbucks nos Estados Unidos. Só 3% do que se paga pela xícara vai para os agricultores brasileiros. E 97% do preço vai para quem processou o café, para o marketing etc. O mesmo vale para uma camisa da Ralph Lauren vendida nos EUA. A fábrica peruana que entrega a camisa pronta fica com, no máximo, 13% do valor. Quem leva o resto? Quem criou o “estilo de vida Ralph Lauren” – o marketing, o design, a publicidade. Isso é um produto da Economia do Conhecimento. De qual lado da equação o Brasil quer estar? Do lado dos 3% ou dos 97%?
ÉPOCA – Mas como podemos investir em tecnologia se, como o senhor diz no livro, os estudantes brasileiros, como os latino americanos em geral, preferem Ciências Sociais e Humanas do que as Exatas?
Oppenheimer – Eu iria mencionar isso. Precisamos encorajar os estudantes a estudar mais engenharia e um pouco menos de Sociologia, Psicologia ou História.
ÉPOCA – Como explicar essa preferência?
Oppenheimer – Pode ser cultural, pode ser pelo fato de que engenharia é mais difícil e as pessoas escolhem o caminho mais tranquilo. Talvez porque muitos pensem que não vão conseguir empregos. Mas os governos não encorajam os alunos para áreas de Exatas. Na Ásia os governos encorajam.
ÉPOCA – O que esses países fazem?
Oppenheimer – Durante a pesquisa do livro eu estive em países como China, Índia, Cingapura, Israel ou Finlândia, que estão fazendo coisas muito interessantes nessa área. Na Índia, por exemplo, há muitos anos, começaram a produzir engenheiros. O governo deu bolsas de estudo, encorajou as universidades a aumentar seus programas de engenharia. Com tantos engenheiros, empresas multinacionais viram a grande quantidade de engenheiros e se instalaram lá. A Índia não esperou pela demanda de engenheiros. Criou a oferta e as multinacionais foram atrás.
ÉPOCA – Mesmo com os problemas educacionais, o Brasil cresce, a pobreza diminui e as classes média e alta estão maiores do que nunca.
Oppenheimer – Devemos celebrar isso, mas não podemos ignorar que esse crescimento não é sustentável. O crescimento está baseado na alta do preço das commodities e no bom momento da economia mundial. E quando o preço das matérias primas cair? E quando a China parar de comprar a soja e o aço produzidos aí? Se o Brasil quiser ter um crescimento sustentável, precisa melhorar sua educação e tecnologia. Repito: o Brasil nunca vai ser uma potência mundial se registrar apenas cem patentes por ano.
ÉPOCA –  Em suas visitas a universidades latinas, você notou se há preocupação em melhorar?
Oppenheimer – Não. Vi mais essa preocupação no Brasil do que em outros países. Na Argentina é patético. Quando o resultado do Pisa saiu e Argentina ficou nas últimas posições, o ministro da Educação argentino preferiu jogar a culpa no teste. Disse que o teste é quem estava errado. O Brasil está mais maduro e consciente. Mas precisa mais do que eu chamo de “paranoia construtiva”. Os países que se desenvolveram são paranoicos. Precisa olhar para Índia, China, Coreia.
ÉPOCA – O que é essa paranoia construtiva?
Oppenheimer – Países que pensam que não estão bem quando se comparam com outros países geralmente se empenham mais em melhorar. Enquanto que países que acreditam estar numa boa posição se tornam complacentes e acabam ficando para trás. China e Índia têm essa paranoia construtiva: eles acham que todos estão melhor do que eles. Na América Latina, muitos países acreditam que estão muito bem, apesar das evidências que mostram o contrário.
ÉPOCA – Como podemos pensar em tecnologias se vamos mal no ensino primário e não valorizamos o professor?
Oppenheimer – É algo pendente. Quando conversei com a presidente da Finlândia e perguntei por que o país vai tão bem, ela me respondeu: “Professores, professores e professores”. Para um aluno ser um professor na Finlândia, é preciso estar entre os 10% com melhor desempenho escolar. Se não está nesse grupo quando sai da escola, não pode se tornar um professor. Lá, se uma pessoa estuda para se tornar professor, você logo imagina que deve ser uma pessoa muito inteligente. Nos nossos países, pensamos: “Coitado, quis ser advogado e não conseguiu”. Precisamos formar bons professores, dar status à profissão, avaliar seus desempenhos e pagar bons salários aos bons profissionais.
ÉPOCA – O senhor acha que criar cotas para alunos negros ou de escolas públicas é benéfico?
Oppenheimer – De modo geral, sim. Mas a saída é melhorar qualidade das escolas. O nível hoje é muito baixo.
ÉPOCA – Por que não vemos revoluções na educação na América Latina como houve na Finlândia ou países asiáticos?
Oppenheimer – Porque confiamos demais na exportação de matérias primas. Fomos amaldiçoados com abundância de matérias primas. Não é coincidência que os países com maior renda per capta do mundo, como Luxemburgo, Liechtenstein ou Cingapura não têm recursos naturais. Por outro lado, países ricos em recursos naturais, como Nigéria ou Venezuela, estão entre os mais pobres. Não estou dizendo para pararmos de produzir recursos naturais. Digo que deveríamos fazer como a Noruega, que coloca o dinheiro obtido com a venda de recursos naturais num fundo que, no caso da América Latina, poderia ser usado para melhorar a educação e tecnologia.
ÉPOCA – O senhor cita no livro exemplos como Cingapura e China, onde as crianças e jovens estudam 12 ou mais horas por dia, são constantemente avaliadas em ranking de desempenho. Isso resulta em cidadãos felizes? Não é cruel?
Oppenheimer – Acho que muito mais cruel seria deixar nosso povo sem educação e sem as ferramentas para melhorar sua qualidade de vida. Não acredito no pensamento “eles são pobres, mas felizes” porque ninguém é feliz se passa a vida na pobreza. As pessoas devem ter o direito de sonhar e educar as crianças é a melhor forma de melhorar a vida delas. Nós somos guiados por ideologias e obcecados pelo passado. Os asiáticos são guiados por pragmatismo e obcecados com o futuro. Nós podemos aprender algo com eles.
ÉPOCA – Como está a democracia na América Latina?
Oppenheimer – Diria que muito melhor do que há 30 anos, mas pior do que há 10. Temos muitas democracias híbridas, como Venezuela, Bolívia ou Equador, que mantêm formalidades democráticas, mas, uma vez que o presidente assume o poder, adquire poderes absolutos e acaba com a separação dos poderes. Esses países criaram uma espécie de “clube”. Uns defendem os outros. E o Brasil teve muito a ver com isso.
ÉPOCA – De que forma?
Oppenheimer – Não sou entusiasta da política externa do Brasil, especialmente nos últimos anos do governo Lula.
ÉPOCA – Por quê?
Oppenheimer – Porque o Brasil parecia cair em amores por qualquer ditador do mundo.
ÉPOCA – A queda de influência de Hugo Chávez não seria prenúncio de que a situação está mudando?
Oppenheimer – Sim. A influência de Chávez na América Latina é diretamente proporcional ao preço do petróleo. Com o preço do óleo a US$ 150, Chávez era como Napoleão. Com o petróleo a US$ 90, Chávez já não tem tanto poder de influência.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Revista Exame.


Parabéns a revista EXAME pela sua 1.000ª edição. Leitura de cabeceira. E que venham mais 1000.

Dicas de leitura.

Recebo uma lista dos livros mais vendidos no mercado na área de Teoria e Análise. Para minha grata surpresa "A Saga Brasileira" de Miriam Leitão continua em 1º lugar. Realmente é um livro para ser lido com prazer, recordando momentos importantes da nossa história. Em 2º lugar esta "Crash - Uma Breve história da Economia", do Alexandre Versignassi. Esse ainda estou lendo, mas o autor mistura muita coisa e consegue ser feliz em suas conclusões. Em 3º temos o "Fundamentos de Economia" do Marco Antonio Sandoval Vasconcellos e Manuel E. Garcia, nosso velho conhecido. Em 4º temos o "Axiomas de Zurique" do Max Gunther. Todas as vezes que pensei em comprar esse livro, sempre mudo de opinião. Para finalizar, em 5º lugar o nosso super conhecido "Introdução à Economia" do colega blogueiro N. Gregory Mankiw. Esse não pode faltar na nossa mesa.
Boa leitura e um ótimo final de semana para os meus quase dois (milhões) de leitores.         

Pensar o impensável na Europa.


George Soros é presidente da Soros Fund Management. Copyright: Project Syndicate, 2011, hoje no VALOR ECONÔMICO.

Para resolver uma crise em que o impossível tornou-se possível, é necessário pensar o impensável. Assim, para resolver a crise da dívida soberana na Europa, é agora imperativo uma preparação para a possibilidade de inadimplência e de saída da Grécia, Portugal e, talvez, da Irlanda da zona do euro.

Em tal cenário, medidas terão de ser tomadas para evitar um colapso financeiro da zona do euro como um todo. Primeiro, os depósitos bancários precisam ser protegidos. Se um euro depositado num banco grego fosse perdido devido a um calote e saída da zona, um euro depositado num banco italiano passaria imediatamente a valer menos do que um euro em um banco alemão ou holandês, resultando em uma corrida aos bancos dos países deficitários.

Além disso, alguns bancos nos países inadimplentes teriam de ser mantidos em funcionamento para evitar um colapso econômico. Ao mesmo tempo, o sistema bancário europeu teria de ser recapitalizado e colocado sob supervisão europeia, em vez de fiscalização nacional. Finalmente, os títulos governamentais emitidos por outros países deficitários na zona do euro teriam de ser protegidos de contágio. (Os dois últimos requisitos seriam aplicáveis mesmo que nenhum país resultasse inadimplente).

Tudo isso custaria dinheiro, mas, nos termos do regime existente acordado pelos líderes nacionais da zona do euro, não há mais dinheiro mobilizável. Portanto, não há alternativa: é preciso criar o componente que falta: um Tesouro europeu com poder de tributar e, portanto, de captar empréstimos. Isso exigiria um novo tratado, transformando o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, em inglês) em um Tesouro propriamente dito.

Mas isso pressupõe uma admissão de que circunstâncias radicalmente distintas exigem mudanças de posicionamento, particularmente na Alemanha. A opinião pública alemã continua acreditando que pode optar por dar ou não seu apoio ao euro. Esse é um erro grave. O euro existe, e os ativos e passivos do sistema financeiro mundial estão tão mesclados em função da moeda comum que seu colapso poderia causar uma implosão além da capacidade das autoridades alemãs - ou de qualquer outra - de contê-la. Quanto mais tempo levar para que os alemães percebam esse fato nu e cru, maior o preço que eles, e o resto do mundo, terão que pagar.

A questão é se o público alemão pode ser convencido desse argumento. A chanceler Angela Merkel pode não ser capaz de persuadir sua coalizão inteira dos méritos do argumento, mas poderia apoiar-se na oposição para construir uma nova maioria que defenda o que é necessário para preservar o euro. Tendo resolvido a crise do euro, ela teria menos a temer da próxima eleição.

Preparar-se para o possível calote ou a deserção de três pequenos países do euro não significa que esses países seriam, necessariamente, abandonados. Ao contrário, a possibilidade de um default coordenado - financiado pelos países da zona do euro e pelo Fundo Monetário Internacional - proporcionaria à Grécia e Portugal opções de política de governo. Adicionalmente, isso poria fim ao ciclo vicioso - que agora ameaça todos os países deficitários na zona do euro - em que a austeridade enfraquece suas perspectivas de crescimento, levando investidores a cobrar taxas de juros proibitivas e, portanto, obrigando seus governos a reduzir ainda mais seus gastos.

Sair da zona do euro facilitaria, para os países em dificuldades mais graves, recuperar sua competitividade. Mas, caso se disponham a assumir os sacrifícios necessários, poderiam também permanecer: o EFSF protegeria os depósitos em seus bancos domésticos e o FMI ajudaria a recapitalizar seus sistemas bancários, o que ajudaria esses países a escapar da armadilha atual. Seja qual for o caso, não é de interesse da União Europeia permitir que esses países entrem em colapso e arrastem consigo todo o sistema bancário mundial.

Os países membros da UE, e não apenas os pertencentes à zona do euro, precisam aceitar que é necessário um novo tratado para salvar o euro. Essa lógica é clara. Assim, as discussões sobre o que incluir em tal novo tratado deveria começar imediatamente, porque mesmo com os líderes europeus sob extrema pressão para chegarem rapidamente a um consenso, as negociações serão, necessariamente, um processo prolongado. Depois que houver um acordo em torno do princípio fundamental, porém, o Conselho Europeu poderia autorizar o BCE a preencher o vácuo, protegendo-o preventivametne contra riscos de solvência.

A perspectiva de uma solução para a crise da dívida soberana na zona do euro seria uma fonte de alívio para os mercados financeiros. Mesmo assim, uma vez que os termos de um novo tratado seriam, inevitavelmente, ditados pela Alemanha, seria quase certa uma grave desaceleração da atividade económica. Isso poderia induzir uma mudança de atitude adicional na Alemanha, o que, por sua vez, permitiria a adoção de políticas anticíclicas. Nesse ponto, o crescimento em grande parte da zona do euro poderia recomeçar.

A hora da virada cambial.


Roberto Giannetti da Fonseca é economista e empresário, presidente da Kaduna Consultoria, e diretor titular de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

Dias atrás em reunião do Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) realizamos uma discussão extremamente esclarecedora acerca do mercado de derivativos cambiais. Muitos leitores talvez não compreendam a importância ímpar deste tema para o país e para suas próprias vidas, uma vez que a indústria brasileira há tempos sofre os efeitos deletérios de um câmbio sobrevalorizado, tendo os derivativos cambiais um papel predominante na formação da taxa de câmbio do real.

Por conta dessa situação, mercados para produtos brasileiros foram perdidos, muitas fábricas foram fechadas e milhões de empregos desapareceram. A atual conjuntura econômica é propícia para discutir o papel dos derivativos cambiais na economia, de forma a entender a formação da taxa de câmbio brasileira, mas também para evitar que novas rodadas de apreciação da moeda brasileira prejudiquem ainda mais os setores industriais e a geração de empregos.

Primeiramente, o tema dos derivativos de câmbio não deve ser tratado de forma estigmatizada. Esses instrumentos financeiros não são de natureza inerentemente especulativa, muito pelo contrário, eles são fundamentais para a atividade econômica na medida em que reduzem incertezas associadas ao processo produtivo. Tampouco se deve minorar a importância da BM&F como principal centro de negociação de derivativos e de oferta de hedge para os agentes econômicos no Brasil. Essa instituição é símbolo da sofisticação do sistema financeiro brasileiro e faz do mercado de derivativos no Brasil um dos mais transparentes do mundo.

Contudo, deve-se reconhecer o caráter dual e muitas vezes ambíguo do mercado de derivativos; ao mesmo tempo em que ele reduz incertezas microeconômicas dos agentes que buscam hedge, ele potencialmente aumenta as instabilidades macroeconômicas. Nos derivativos de câmbio, esse problema ocorre quando um excesso de posições especulativas formam tendências na taxa de câmbio e uma excessiva volatilidade da moeda. Quando a especulação é dominante e, sobretudo, quando as apostas são feitas todas na mesma direção, abre-se espaço para distorções da taxa de câmbio e para uma arbitragem de agentes que ganham sempre, sem correr riscos. Dessa forma, pode haver mercados de derivativos, onde a participação dos agentes de hedge seja muito pequena e as transações sejam dominadas por agentes que tem como propósito apenas a especulação e a arbitragem.

No Brasil, o processo de apreciação cambial recente foi em parte conduzido por uma especulação sistemática, conhecida como "carry trade", que no mercado de derivativos se expressa na venda de contratos futuros de dólar para auferir o diferencial de juros e apostar na apreciação do câmbio. A pressão vendedora dos especuladores abre espaço para oportunidades de arbitragem contínuas de agentes que compram dólar futuro para arbitrar entre as taxa de juros externas e o cupom cambial. Com isso, os arbitradores são responsáveis por transmitir as tendências do mercado futuro para o mercado à vista. Nesse contexto, diferentemente da máxima que estabelece que "especulação boa é aquela que se anula por ser bidirecional, e a arbitragem boa é aquela que termina no tempo como consequência do próprio processo de arbitragem", no Brasil há longos períodos de especulação unidirecional e arbitragem ininterrupta no tempo, por conta da rigidez de suas variáveis, no caso, a elevada taxa de juros reais. Essa forma de especulação e arbitragem permanente é anômala e insustentável a médio e longo prazo

Nesses termos, a nova regulamentação sobre o mercado de derivativos de câmbio tem a difícil tarefa de corrigir os excessos e desvios do mercado, atentando para seu caráter desestabilizador. Ao taxar os aumentos de posições vendidas dos agentes, o governo acertou em cheio a engrenagem especulativa que influi na dinâmica da apreciação cambial. No entanto, essas medidas devem ser aperfeiçoadas de forma a preservar ao máximo as características benignas do mercado de derivativos de câmbio, quais sejam: de oferta de hedge para o setor produtivo e para atividades financeiras.

Para tal, é preciso criar instrumentos para identificar os diferentes agentes no mercado de derivativos, de forma a segregar os agentes que fazem hedge daqueles que especulam. Uma vez identificados, a intervenção do governo no mercado de derivativos de câmbio deve isentar do pagamento do tributo os agentes que utilizam o mercado para operações de hedge. Em especial, as empresas não financeiras que fazem cobertura de suas atividades comerciais e produtivas. Além disso, deve-se atentar para o papel dos bancos comerciais no mercado de derivativos que, por muitas vezes, operam para fazer hedge de suas operações de crédito, como por exemplo, ao fazer cobertura cambial das operações de ACC, ou de passivos em moeda estrangeira junto a seus clientes.

No decorrer do processo de implementação das novas regras sobre os derivativos de câmbio, é natural que haja reações contrárias de alguns setores da sociedade, afinal, há agentes financeiros que são diretamente prejudicados. Da mesma forma, se o objetivo for de reduzir a especulação com o câmbio, é inevitável que haja uma redução do volume financeiro da BM&F. Porém, o benefício de uma taxa de câmbio isenta de distorções financeiras supera os pontuais efeitos negativos das medidas. Ademais, o debate acerca do tema deve superar velhos dogmas, como a visão de um mercado financeiro harmônico onde a especulação é estabilizadora, cenário este que há tempos já foi abandonado por economistas de diversas escolas de pensamento e que hoje reconhecem o potencial desestabilizador de mercados excessivamente desregulados e especulativos.

Recentemente afirmei num outro artigo que o especulador é um covarde, e que ao pressentir um aumento de risco, desfaz sua aposta e sai do mercado. Neste caso dos derivativos cambiais, bastou o anúncio das medidas de intervenção e de regulação no mercado em fins de julho passado, para que as operações de "carry trade" fossem drasticamente reduzidas e a tendência de desvalorização do real se acentuasse a partir da segunda quinzena de agosto. Podemos concluir que a covardia superou a ganância, e que a indústria brasileira respira aliviada pela mudança de ventos na tendência da taxa de câmbio e de juros praticados na economia brasileira.

Como sair desta enrascada?


MOISÉS NAÍM, hoje na FOLHA DE S. PAULO, pergunta e responde didaticamente “Como sair desta enrascada?

Ninguém sabe como vão evoluir as convulsões que estão transformando as economias europeias. Mas, num momento em que é tão difícil prever o que está por vir, é útil recorrer à história.

A análise de grande número de crises desse tipo em países diversos permitiu à economista Carmen Reinhart identificar as cinco táticas mais comuns que já foram usadas por países altamente endividados para reduzir suas dívidas.

1. Crescer. Trata-se de ir saindo do problema, ampliando a economia. À medida que esta cresce, aumentam as receitas fiscais e diminui a dívida como proporção do tamanho da economia. Muitos países já o tentaram; poucos conseguiram.

2. Deixar de pagar. Em linguagem mais técnica, é moratória, cessão de pagamentos, reestruturação da dívida, "default" ou "Plano Brady". Consiste, na prática, em que os países notifiquem a seus credores que lhes pagarão menos que o que lhes devem e que o farão em um prazo maior que com o qual se comprometeram inicialmente. Reinhart descobriu que, desde sua independência, em 1832, a Grécia esteve em moratória 48% do tempo. A Argentina é usuária frequente dessa tática.

3. Austeridade. Esse é um tema tão dolorosamente familiar para os europeus, hoje, quanto foi nos anos 1990 para latino-americanos, russos e asiáticos. Implica em draconianos cortes nos gastos públicos, tanto nos gastos supérfluos como nos que não o são tanto. Reduz a dívida, mas também leva manifestantes às ruas e, às vezes, derruba governos.

4. Inflação. Quando aumentam os preços, o valor da dívida nessa moeda diminui tanto quanto a taxa de inflação. A inflação é ruim para a economia, especialmente para os assalariados, e alivia o problema do endividamento de uma maneira menos politicamente estridente. Mas não resolve o problema do endividamento em outras moedas.

5. Repressão financeira. Acontece quando os governos tomam medidas que canalizam para eles recursos que, de outro modo, seriam destinados a outras finalidades ou sairiam da economia. O arsenal que inclui essas medidas é diversificado, tentador, perigoso e... frequentemente utilizado. Inclui a imposição de limites aos juros pagos pelo governo, a obrigação dos bancos usarem dívida pública como parte de suas reservas, a estatização do sistema bancário ou parte dele ou a imposição de controles ao livre fluxo internacional de capitais. Soa extremo, e é. Mas esteve na moda nos países menos desenvolvidos entre os anos 1960 e 1980. Carmen Reinhart, que suspeita que possa vir outro auge de medidas desse tipo, recorda que elas também foram comuns nos EUA e outros países desenvolvidos entre 1945 e 1980 e que foram críticas para ajudar a "liquidar" as dívidas acumuladas na 2ª Guerra Mundial.
É evidente que nenhuma destas cinco táticas exclui as demais; em especial, a inflação e a repressão financeira frequentemente se acompanham. Em meio à confusão, este esquema ajuda a entender muitas das notícias que nos estarão chegando da Europa.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Heterodoxos.


ANTONIO DELFIM NETTO escreveu hoje sobre os “Heterodoxos”. Neste caso, vale a minha pergunta: como ficamos os ortodoxos?

Entre outras vantagens, a recente decisão do Copom de reduzir -de surpresa e para espanto geral- 50 pontos na taxa Selic, teve a virtude de reabrir uma vexatória questão que cerca os economistas. Há, mesmo, duas teorias, uma ortodoxa e outra heterodoxa: a primeira professada pelos "bons e oniscientes" e a outra pelos "maus e mal informados" economistas?

O problema inicial é reconhecer que só existem "heterodoxos" se o instrumento de aferição for um "modelo" que resistiu, até o presente, a todos os desafios empíricos, o que não é o caso.

Por outro lado, por exemplo, temos a interpretação quântica da realidade física que ninguém sabe bem o que é, mas funciona maravilhosamente! Ora, com relação à macroeconomia é exatamente o contrário: todo mundo pensa que sabe o que é, mas não funciona! O problema da microeconomia é menos grave: com métodos estatísticos confiáveis é possível, em certas circunstâncias, fazer experimentos "críticos".

Alguém, em sã consciência, pode afirmar que antes de 2009 existia uma macroeconomia canônica que incorporava os efeitos "não intencionais" da auto-organização das redes estimuladas pelas inovações financeiras?

Na macroeconomia, a única "ortodoxia" reside nas identidades da Contabilidade Nacional porque elas são resultado de convenientes definições. Tentar violá-las é, sim, um ato de "heterodoxia", mas não se trata de uma "teoria", é apenas ignorância de um princípio lógico inexorável: a soma das partes não pode ser maior do que o todo!

Existe algo na famosa Teoria Monetária, da qual se acreditam portadores alguns brilhantes economistas, que se possa aceitar como o intransponível cânone da ortodoxia? Claramente, não!

O regime de "metas inflacionárias", indiscutivelmente útil para a boa gestão do processo econômico e para a redução dos atritos entre o capital e o trabalho na distribuição dos ganhos de produtividade, é apenas um expediente.

Controlado por três equações que exigem o conhecimento de dois parâmetros altamente ilusíveis (e, portanto, sujeitos a discussão): a taxa real de juro neutra e o produto potencial, que pode ser discutido sem que isso possa ser classificado como heresia.

Lembremo-nos, apenas, que os mesmos economistas, há pouco tempo, acreditavam na mágica das "expectativas racionais" como o "estado da arte" da ortodoxia!

Podemos e devemos divergir (porque é assim que aumenta nosso conhecimento), mas é ridículo dizer que a política do Banco Central namora a "heterodoxia". Por quê? Pela simples e boa razão religiosa que, infelizmente, a "ortodoxia" não existe...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ciência ou aumento da incerteza?


Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento e escreveu o artigo abaixo para o VALOR ECONÔMICO.

Um velho companheiro, tecnicamente muito bem apetrechado e experiência prática indiscutível (comprovada por seu patrimônio), pelo qual nutro uma amizade e respeito que vêm dos bancos da FEA-USP, desde 1946, observou que tenho exagerado quando afirmo que "a teoria monetária que utilizam alguns competentes economistas ainda não existe". Respondo que talvez, apenas talvez...
Quando olho para os últimos 60 anos, desde quando estudamos, eu e ele, sob a severa vigilância do ilustre professor Dorival Teixeira Vieira, o sólido "Money" (Robertson, D., 1948), da coleção dos Cambridge Economic Handbooks, editada por J. M. Keynes, até o último livro que tive a oportunidade de ler, o sofisticadíssimo "Monetary Theory and Policy" (Walsh, C.E. 3ª edição, 2010), vejo um enorme avanço de modelagem matemática e um tremendo acúmulo de pesquisas empíricas.
Superficialmente, pelo menos, isso deveria negar a minha afirmação. O problema é que, no fundo, o "progresso" teórico e empírico foi apenas a perda contínua da nossa ingenuidade: jogamos fora nossas certezas, construindo novas que foram cada vez mais rapidamente destruídas. Esse movimento, que tem a aparência de um avanço "científico", esconde o que ele realmente foi: apenas um processo de substituir incertezas menores por incertezas maiores.
Apenas um festival de imaginação expressa em linguagem matemática
A primeira ilusão destruída foi a de que podíamos controlar a oferta da moeda (mesmo quando havia dificuldade de saber a que seria funcional para o controle da inflação) através da manipulação dos famosos "multiplicadores". Esses dependiam da decisão da autoridade monetária (a fixação das reservas bancárias obrigatórias), do comportamento do sistema bancário (a escolha da reserva "excedente" que lhe dava conforto) e da disposição do público de dividir sua liquidez entre dinheiro no bolso e depósito bancário.
A primeira era uma ação discricionária da autoridade, tomada provavelmente como reação à forma que ela via a "conjuntura". As outras duas dependiam de como o sistema bancário e os outros agentes econômicos a interpretavam. Em poucas palavras, não era o estado da "conjuntura" que era influenciado pela oferta de moeda, mas essa era resultado daquele. Além do mais, havia uma dúvida razoável se a oferta e a demanda de moeda que estabelecem a taxa de juro eram, mesmo, independentes.
O alívio a essa incômoda situação veio de W. Poole (1970), quando perguntou ao modelo macroeconômico então vigente (IS-LM) o que seria melhor para a estabilização do PIB (com preços fixados): controlar a taxa de juros ou os meios de pagamentos? Comparando as variâncias do PIB sob os dois regimes, ele mostrou que a flutuação do PIB seria menor com o controle da taxa de juros, o que acabou mudando toda a política monetária.
Trabalhos posteriores foram refinando e tornando mais incerta a conclusão simplista, principalmente numa economia aberta com câmbio flexível. A verdade é que ainda não podemos distinguir, por exemplo, se diante de uma alta de juros, ela é produto de um deslocamento para cima da curva de oferta global, ou de um deslocamento para cima dos meios de pagamentos, ou, talvez, de uma combinação dos dois.
Antes da crise de 2007-09, depois de superar a mistificação do século - a teoria das "expectativas racionais" -, o limite superior dos sucessivos "aperfeiçoamentos" da ciência e da política monetárias foi o modelo estocástico dinâmico de equilíbrio geral (DSGE) matematicamente sofisticado, mas de duvidosa utilidade, pois não incorporava o crédito. Uma simplificação desse modelo acabou no regime de "metas inflacionárias" construído com três equações que, implicitamente, supõe que o Banco Central conhece, verdadeiramente, como funciona o circuito econômico e, na prática, exige o conhecimento de variáveis não observáveis.
Depois de 2009, houve uma nova corrida teórica e empírica para incorporar ao DSGE os mercados financeiros, da qual o BC do Brasil participa. Mas mesmo aqui, o processo continua ampliando o número de variáveis não observáveis e o conhecimento de suas variâncias, como se a "estrutura temporal" fosse invariante (ergodica) e as variâncias conhecidas e constantes.
No fundo não se aumentou o conhecimento, mas sim o fingimento escondido na construção imaginária de novos parâmetros com variância estimável para o passado, mas incapazes de extrapolação para o futuro.
Trata-se apenas de uma nova versão da piada dos três náufragos, um físico, um químico e um economista, que numa ilha deserta encontram uma lata de feijão e precisam abri-la. O físico propõe abri-la com um golpe de pedra; o químico propõe esquentá-la e fazê-la explodir sob a pressão interna, ambos com riscos de perder o conteúdo. O economista logo corrige os dois. É simples e seguro, suponham que temos um abridor de latas...
A "ciência" monetária ainda não é. Por enquanto, é apenas um festival de magnífica imaginação expressa em linguagem matemática. Isso implica que devemos tomá-la com cuidado e precaução para o exercício da política monetária, mesmo com o "dernier cri" modelo do nosso Banco Central.

Finalmente a independência do BC.


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.


O Banco Central (BC) tomou a decisão de reduzir em 0,5 ponto percentual a sua taxa de juros, o que surpreendeu o mercado financeiro. Os seus "porta vozes", por meio da imprensa, falaram em quebra de "protocolo", da "liturgia" e na subversão aos "princípios mais valiosos" do sistema de metas de inflação. Isso teria deixado o mercado "perplexo" segundo a imprensa. Mas, afinal, qual era esse protocolo ou liturgia a que o mercado estava acostumado? Quais eram esses "princípios mais valiosos do sistema de metas de inflação" que o BC teria abandonado?
De fato, o BC, que não tem na sua diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores, surpreendeu os tesoureiros e economistas dos bancos privados, que estavam acostumados a uma relação, no mínimo, promíscua. Nessa relação, o Banco Central reagia às expectativas de inflação dos economistas dos bancos privados, materializadas na pesquisa Focus e nas taxas de juros futuras das operações efetuadas pelas tesourarias.
Na véspera das reuniões do Copom, a imprensa fazia a pesquisa informando o Banco Central, qual o aumento ou redução em que a maioria dos bancos e empresas de consultoria apostavam. Lógico que a maioria sempre acertava. Esse era o protocolo ou a liturgia seguidos pelas diretorias anteriores do Banco Central sempre ocupados por funcionários do sistema bancário. Na última reunião de agosto, esse protocolo foi de fato abandonado. Daí a grande surpresa e perplexidade do mercado financeiro. A rigor, o BC finalmente tornou-se independente do mercado.
Banco não tem na sua diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores
Nesse protocolo ou liturgia prevaleciam, evidentemente, os interesses dos mercados financeiros. Se as expectativas de inflação e de taxas de juros futuras do próprio mercado financeiro guiavam as decisões do Banco Central, os riscos de erros nas projeções eram minimizados e as possibilidades de ganho maximizadas. Vale lembrar que, no Brasil, o Banco Central fixa a taxa Selic, que é a mesma dos títulos públicos de longo prazo e, que serve de base (CDI) para a fixação das demais taxas de juros ativas e passivas. Assim, a indexação dos ativos financeiros à taxa diária Selic/DI elimina o risco da variação da taxa de juros e, tal "protocolo" entre o mercado e o Banco Central reduzia o risco de erros de expectativas. A dita "perplexidade" do mercado é compreensível, pois agora aumentam os riscos de serem surpreendidos se errarem nas as suas projeções.
Outro aspecto que merece atenção é que muitos economistas de bancos ou de consultorias ligadas ao mercado financeiro imputam a última decisão do Banco Central como subversão das regras ("princípios mais valiosos") da política monetária baseada em metas de inflação. Nada mais longe da verdade. A rigor, o sistema de metas que tínhamos no Brasil, era um arremedo do verdadeiro. Como a variação da taxa de juros tem uma defasagem longa, de seis a 12 meses, para ter efeitos mais relevantes sobre o lado real da economia (demanda agregada) e sobre a inflação, a taxa de inflação relevante, que tem que ser monitorada, é a taxa estimada para os próximos seis a 12 meses. Portanto, o sistema de metas pressupõe um bom sistema de previsão de inflação futura para compará-la com a meta e daí tomar a decisão de mudar a taxa de juros. No Brasil, além de considerarmos a inflação medida e acumulada de doze meses, portanto, referente ao passado, estamos presos à inflação calendário.
Além da inflação passada de 12 meses dificilmente ser uma projeção correta da inflação futura, a não ser por acaso, não consideramos nem mesmo a inflação contemporânea. Se esta for mais relevante para extrapolarmos para o futuro, a taxa de juros deverá ter um comportamento completamente diferente do nosso caso.
Por exemplo, a taxa de inflação de agosto foi de 0,37%, portanto, anualizando temos como taxa de inflação referência 4,5%, coincidindo com a meta. A taxa de juros deveria ser muito menor. Ao utilizarmos a inflação passada de 12 meses como referência, temos que manter a taxa de juros em níveis elevados mesmo que as pressões inflacionárias efetivas tenham desaparecido e a inflação contemporânea esteja dentro da meta. É compreensível que aqueles que ganham com juros elevados defendam os "princípios mais valiosos" da atual regra.
Outro aspecto que chamou a atenção dos "porta-vozes" do sistema financeiro é que o BC não está considerando só a taxa de inflação, mas o crescimento da economia, como se isso fosse um pecado mortal praticado pelo banco. Novamente, isso representa uma ignorância sobre o sistema de metas de inflação ou a defesa de interesses setoriais. O sistema de metas pressupõe que a taxa de juros afeta a inflação por diversos canais, entre eles o da demanda agregada ou o hiato do produto. A taxa de juros não afeta diretamente a inflação. Assim, ao elevar a taxa de juros, o Banco Central pretende eliminar o excesso de demanda ou atingir o hiato zero para assim controlar a inflação.
O Banco Central do Brasil agiu de forma correta se seus estudos técnicos e as projeções de seus modelos indicam tanto a desaceleração do nível de atividade econômica, como a queda nas pressões inflacionárias nos próximos 12 meses. Se isso for verdade, estamos mais próximos de um verdadeiro sistema de metas. Se acrescentarmos que o ministro da Fazenda anunciou um aperto fiscal maior para poder afrouxar a política monetária, estamos iniciando uma nova era e podemos caminhar para um novo regime de política macroeconômica compatível com crescimento acelerado e sustentado.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

John Nash é a entrevista da semana na Folha.


Nesta 2ª a FOLHA entrevistou o Nobel John Nash diretamente de Lindau - Alemanha, no 4º Encontro de Ciências Econômicas de Lindau. Recordo a todos os meus quase dois (milhões) de fiéis leitores que o filme "Uma Mente Brilhante", baseado na vida do matemático John Nash também merece ser visto.  


Aos 83 anos, John Nash, ganhador do Nobel de Economia em 1994, é simples e direto ao falar sobre dinheiro.
O matemático americano enxerga uma dependência tamanha do dinheiro que as pessoas "deixaram de raciocinar" sobre sua eficiência.
Contra esse processo, ele propõe a criação do "dinheiro ideal", conceito que tem divulgado com serenidade e que o destacou em evento que reuniu em Lindau, na Alemanha, outros 16 premiados com o Nobel de Economia.
Talvez por ter se tornado mais popular do que a maioria dos premiados após sua história ser retratada no filme "Uma Mente Brilhante" (Ron Howard, 2001), que mostrou sua luta contra a esquizofrenia, o matemático foi o mais assediado por jovens economistas. A eles o gênio da Teoria dos Jogos, que introduziu na economia a relevância da interação de dois ou mais indivíduos na tomada de decisões, exibe paciência ímpar para fotos, autógrafos e abraços.
À Folha, em entrevista exclusiva, ele explica seu conceito de "dinheiro ideal".


Folha - Em sua teoria do "dinheiro ideal", o senhor propõe uma moeda baseada em um índice composto por preços de commodities. Por quê?
John Nash - A ideia é ter como referência para o valor do dinheiro itens que sejam muito utilizados pela indústria. A primeira publicação dessa teoria foi em 2001. Inicialmente, eu havia pensado no ouro, que já foi referência de moedas no passado. Mas hoje seria mais difícil basear uma moeda em ouro porque sua extração é limitada e mais difícil. Assim, a melhor solução seria o ICPI (Índice de Preços do Consumo Industrial, na sigla em inglês), que poderia naturalmente ser calculado a partir dos preços do mercado global de itens como cobre e platina, e daria à moeda um valor mais real.

Petróleo e alimentos poderiam entrar nesse índice? E qual seria o peso de cada commodity?
Sim, a composição do índice poderia levar em conta as commodities mais estratégicas, inclusive as ligadas a energia, e o peso seria diferente, conforme a importância de cada uma delas. Amadurecendo a ideia, creio hoje que um tipo de autoridade ou agência poderia estabelecer qualquer versão do "dinheiro ideal". Uma possibilidade seria preparar uma agência, concebível como FMI (Fundo Monetário Internacional) ou o Banco Central Europeu, para essa finalidade.

Esse "dinheiro ideal" seria usado para negociação internacional?
Poderia ser usado como o euro. Estamos falando teoricamente, mas poderia ser uma moeda para negociação internacional, dependendo dos países que a adotassem. O importante é se levar em conta que, com uma referência, o valor da moeda é mais previsível ao longo do tempo, como foi com o dólar no passado, quando ele tinha equivalência com determinada quantidade de ouro. Essa noção de equivalência quantificável favorece contratos de longo prazo nas negociações internacionais, pois é mais fácil prever o valor da moeda no tempo. Se uma moeda não tem estabilidade e confiabilidade ao longo do tempo, isso afeta os negócios e perturba os contratos.

A estabilidade da moeda, então, seria a principal diferença entre o "dinheiro bom" e o "dinheiro ruim"?
Pensando em termos de propósito, a função do dinheiro -de facilitar a transferência de vantagens de um lugar para outro- poderia ser desempenhada tanto pela moeda da Tailândia quanto pela da Suíça. Mas há diferenças em razão da estabilidade de cada moeda, que ficam mais evidentes pensando em contratos de longo prazo. Considere uma sociedade na qual o dinheiro em uso está sujeito a uma rápida e imprevisível taxa de inflação, de modo que a unidade que hoje vale 100 possa cair para algo entre 50 e 10 em um período de um ano. Você iria querer empresar dinheiro por um prazo de um ano?
Assim, é possível ver como a qualidade do dinheiro influencia áreas da economia que envolvem financiamento com créditos de longo prazo.

Assim, qual sua crítica a economistas "keynesianos" [que defendem intervenção maior do Estado na economia]?
Vamos definir "keynesiano" como o termo para descrever uma escola de pensamento que se originou na época da desvalorização da libra e do dólar nos anos 30. O ponto é que a visão keynesiana favorece a existência de bancos centrais que manipulam por objetivos de "bem-estar econômico" e estão pouco preocupados com a reputação de longo prazo da moeda nacional, assim como com os efeitos disso na reputação das instituições financeiras domésticas.

O senhor fala em estabelecer a confiança como padrão de cultura de negociação. Como a moeda contribui para isso?
Na minha visão, se houver confiança em relação à previsão de valor de uma moeda, que é um meio de troca, isso favorecerá a formação de contratos de negócios. E um padrão geral, seja em um Estado ou em uma zona com regras estabelecidas, irá se tornar efetivamente parte da cultura de negócios, que fica mais favorável.

O senhor já imaginou um nome para a "moeda ideal" e acredita que ela se torne realidade?
Nunca pensei em nenhum nome; dependeria do contexto político de sua criação. É algo teórico. Creio que sua implementação seja de longo prazo, dependendo das autoridades monetárias. Historicamente, nos tornamos dependentes do dinheiro, controlados e motivados pelo desejo de termos cada vez mais e não perdermos o que temos. Perdemos a capacidade de raciocinar a respeito do dinheiro, como fazemos em relação a uma tecnologia, para avaliar como esse mecanismo é usado com maior ou menor eficiência. O dinheiro existe para transferir vantagens de um lugar para outro. E uma moeda com valor mais estável favorece essa transferência.

VALOR entrevista TOMBINI.


Para quem deseja conhecer como funciona o cérebro do Banco Central, leia com atenção a longa entrevista que o presidente do Banco Central Alexandre Tombini, concedeu com exclusividade a jornalista Claudia Safatle, do VALOR ECONÔMICO.

O corte de 0,5 ponto percentual na taxa de juros, na reunião do Copom do dia 31, teve um claro objetivo: "neutralizar a desaceleração da atividade econômica decorrente da piora no quadro internacional". O Comitê de Política Monetária calculou que se o rebaixamento geral do crescimento nas economias centrais representar para a economia brasileira 25% dos efeitos da crise de 2008/2009, isso resultaria numa perda de 1,25 ponto percentual no PIB, disse o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ao Valor.

O desaquecimento adicional, decorrente esperada redução nos próximos meses da corrente de comércio, dos investimentos externos e do crédito, viria se sobrepor à desaceleração em curso e que será sentida com maior intensidade no segundo semestre. A inflação, que entre agosto e setembro bateu no teto da meta, começa a ceder a partir de outubro. Ele explicou que no cenário alternativo (que consta da ata do Copom), mesmo com os juros em queda e o câmbio depreciando como nos últimos dias, a projeção de inflação é mais baixa do que seria se os juros tivessem sido mantidos em 12,50%. "Não estamos apostando em catástrofe. Apostamos numa desaceleração do crescimento mundial e numa crise mais prolongada do que em 2008."

Em entrevista ao Valor concedida na sexta-feira, pouco antes de embarcar para a reunião do Comitê da Basileia, na Suíça, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, explicou as razões para o corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic: a deterioração do quadro internacional, com um rebaixamento geral do crescimento nas economias centrais, coincide com o processo de moderação do crescimento da economia brasileira. Manter os juros inalterados representaria uma "overdose" de desaceleração. Seguro da decisão tomada, a despeito das críticas do mercado, ele negou que o Copom tenha sido pressionado pela presidente Dilma Rousseff e que o BC tenha abandonado o regime de metas para a inflação. A seguir, a entrevista:

Valor: Em julho o Copom aumentou a Selic em 0,5 ponto percentual e em agosto cortou a taxa em valor equivalente. Por que a mudança?
Alexandre Tombini: Em julho já tínhamos em mente que se o cenário internacional piorasse, teríamos que sentar e revisar a estratégia. E ele mudou. Primeiro, houve a constatação de que a economia americana vai crescer muito menos do que se esperava. No início do ano as projeções indicavam crescimento de 3,5% a 4%. Em julho, as expectativas eram de um crescimento de 2,5% e hoje fala-se em 1,6%. No dia 9 de agosto, o Federal Reserve decidiu postergar por pelo menos um ano o início do ajuste monetário, que passou do segundo semestre de 2012 para, no mínimo, o segundo semestre de 2013. O Banco Central Europeu começou a indicar que poderia mudar de estratégia. O presidente do BCE (Jean Claude Trichet), anunciou, na semana passada, que não vai subir os juros.

Valor: Em dois momentos o mercado ficou tenso com as decisões do Copom. Em março, quando esperava alta de 0,75 na Selic e o comitê deu 0,5 ponto. E na última reunião, quando reduziu o juro em 0,5 ponto percentual. O que leva o BC a estar tão seguro das suas decisões?
Tombini: O BC fez dois ajustes de 0,50 pontos em janeiro e março e depois mais três de 0,25, elevando a taxa em 1,75 ponto para desacelerar o crescimento da economia, alinhar oferta e a demanda e trazer a inflação de volta à meta. Nos primeiros três meses, tínhamos uma inflação acumulada de 2,4% e, para conduzi-la para o centro da meta de 4,5%, teríamos que ter um IPCA de 2% acumulado em nove meses. Isso não fazia sentido. Demos um novo horizonte para o mercado, levando a meta de 4,5% para 2012,, reduzimos o aperto de 0,50 para 0,25 e colocamos a ideia de que faríamos isso por um período suficientemente prolongado para chegar à convergência em 2012.

Valor: Já havia, aí, o risco da crise externa?
Tombini: Durante esse período enfatizamos a complexidade do cenário internacional, que exigia esforço analítico redobrado. Havia um conjunto de choques extraordinário, mas os mercados estavam descontando esses choques por causa da grande liquidez. Descontou a primavera árabe, o terremoto, seguido do tsunami e do acidente nuclear no Japão e a piora das dívidas soberanas na Europa.
Valor: Houve uma trégua?
Tombini: Em abril, as coisas melhoraram. Comunicamos que a inflação mensal cairia, pela sazonalidade, para níveis compatíveis com o centro da meta. O mercado se adiantou e passou a prever até uma deflação no IPCA. Nunca previmos deflação no IPCA. Tínhamos em mente uma evolução de 0,10%, 0,20% e 0,30% entre junho e agosto. Deu 0,15%, 0,16% e 0,37%. Ou seja, 0,7 a mais do que prevíamos no início de junho. Comunicamos que o pico da taxa de inflação de 12 meses seria em agosto/setembro e depois disso a taxa começaria a retroceder. O que se espera é uma redução de 1,8 a 2 pontos percentuais entre outubro e abril/maio.

Valor: Por que esse recuo?
Tombini: Não esperamos a puxada nos preços das commodities como em 2010 e a economia brasileira já está desacelerando. E há o efeito base, porque a inflação na média, entre outubro e abril, foi de 0,8% ao mês e agora será menor.

Valor: Foram as notícias do exterior, então, que pesaram no corte de 0,5 ponto em agosto?
Tombini: Mudou o cenário. Houve revisão do crescimento na área do euro e nos Estados Unidos. No Japão, espera-se uma contração maior. Julho explicitou, por um lado, a vontade das lideranças europeias de resolver os problemas, mas, enfim, a implementação é tudo. Tivemos uma conferência telefônica em meados de julho - dos presidentes de bancos centrais - e finalmente houve aquela reunião de cúpula em que acertaram a ampliação do escopo de atuação do fundo de estabilização europeu. Ótimo, mas ficou claro que a implementação seria difícil. São 17 congressos... E houve, ainda, toda a discussão interna sobre o teto da dívida nos Estados Unidos, que também explicitou os problemas lá.

Valor: Enquanto isso, a economia doméstica já estava desacelerando. Poderia haver uma overdose no freio?
Tombini: Os dados do segundo trimestre mostram que começamos a desacelerar. O PIB foi de 0,8%. O plano de voo era moderar o crescimento. Em cima disso, agora, você adiciona a deterioração internacional.

Valor: Mas até agora só a indústria desaqueceu. O setor de serviços e o mercado de trabalham continuam bem aquecidos, não?
Tombini: Não é só a indústria. Os serviços e o mercado de trabalho ainda estão dinâmicos mas, na margem, está se criando menos empregos que no primeiro semestre de 2008 e de 2010. Esses são os últimos setores da economia a sentir o desaquecimento, mas o setor de serviços não vai ficar sozinho. O crédito também desacelera. O estoque ainda cresce 19%, mas as novas concessões têm retração.

Valor: As medidas para conter a expansão de crédito tiveram algum efeito, mas depois ele voltou a crescer. Não seria preciso adotar novas medidas?
Tombini: O BC nunca abre mão das suas prerrogativas e medidas.

Valor: Os bancos públicos não estão expandindo demais?
Tombini: O BNDES tem dado uma moderada. A Caixa tem o crédito imobiliário que estamos olhando com cuidado. Mas, concluindo, os índices de confiança tanto do consumidor quanto do empresário têm caído. E o nível de utilização da capacidade ociosa na indústria tem recuado de forma significativa. É um fenômeno mundial. Há uma sincronização de queda da produção, numa virada recente.

Valor: O que significa essa piora em números? A ata do Copom menciona que esta crise pode corresponder, em seus efeitos sobre o país, a 25% do que ocorreu em 2008/2009.
Tombini: Em 2008/2009 houve uma contração de 5 pontos percentuais do PIB. Um quarto disso daria 1,25 ponto percentual de perda de produto agora.

Valor: E na inflação, qual seria o impacto de um menor crescimento?
Tombini: O que sabemos é que já havíamos encomendado a desaceleração. Comunicamos que os efeitos das políticas monetária e fiscal seriam mais sentidos no segundo semestre. O crescimento no terceiro trimestre vai ser menor do que o 0,8% do segundo trimestre e começaremos 2012 com um carregamento bem baixo. Junta-se a isso uma virada no cenário internacional. O movimento do Copom foi para neutralizar esse adicional de desaceleração.

Valor: Pode haver uma forte desvalorização do real ante o dólar?
Tombini: Após reunião do Copom o real já se desvalorizou 4,19%. [Tombini pega uma tabela com as principais moedas e mostra que o euro se desvalorizou mais, 4,52%, a lira turca, 4,57% e o franco suíço, 8,74%].

Valor: Se houver uma desvalorização importante da moeda, o quanto o repasse do câmbio pode prejudicar a meta de inflação?
Tombini: O repasse ("pass through") é muito menor do que já foi. Hoje é baixo, é cerca de 3% no curto e de até 8% no longo prazo. Mas depende porque desvalorizações bruscas, em geral, vêm acompanhadas de outras coisas. Obviamente se houver um "overshooting", o mercado vai ficar disfuncional. Em 2009 o câmbio foi de R$ 1,55 para R$ 2,50 e, ao mesmo tempo, a inflação caiu de 5,90% para 4,30%. Nesse período, baixamos os juros e expandimos o fiscal. Mas não vai haver overshooting no câmbio se não houver outras condições que também afetem a inflação. Só estou lembrando que o efeito líquido em 2009 foi desinflacionário porque o movimento foi acompanhado de uma parada da produção industrial e de contração do PIB.

Valor: Isso pode voltar a ocorrer?
Tombini: Não estamos apostando em catástrofe. Estamos apostando numa desaceleração do crescimento internacional e numa crise mais prolongada do que em 2008. Basta olhar os governos ao redor do mundo. Está quase todo mundo com juros negativos ou juro real muito pequeno. No Brasil, os juros são de 12% para uma inflação que está no pico de 7,23%. Faz quem pode.

Valor: Mas a inflação de serviços está alta, a renda cresce e o mercado de trabalho está aquecido. Não é um risco para a meta em 2012?
Tombini: O mercado de trabalho cresce menos. O crescimento da renda também tem a ver com o fato de que tivemos inflação baixa em junho e julho e, portanto, ela foi deflacionada por índices mais baixos.

Valor: Para cumprir a meta de inflação seria suficiente um desaquecimento do mercado de trabalho ou teria que haver desemprego?
Tombini: No horizonte que estamos trabalhando, desaceleração é suficiente.

Valor: E serviços será o último setor a sentir a desaceleração?
Tombini: A desaceleração da indústria bate no chão de fábrica que é vinculado ao setor de serviços. Ele vai sentir a desaceleração.

Valor: O BC conta com uma queda nos preços das commodities?
Tombini: A conta é que elas não sobem. Não contamos com queda de preços.

Valor: Os críticos, sobretudo após a última reunião do Copom, dizem que o BC abandonou o regime de metas para a inflação e agora persegue três objetivos - inflação, crescimento e taxa de câmbio.
Tombini: Nossa meta é uma só, de inflação. Em relação ao câmbio já falei várias vezes, desde de janeiro, que o câmbio não refletia só os fundamentos, mas também a situação extraordinária de liquidez no mundo. Então é valido o que fizemos, que foi tirar a capacidade do mundo se alavancar contra o dólar no Brasil. Reduzimos as posições vendidas que o mercado tinha de US$ 17 bilhões. Em julho baixamos o limite para US$ 1 bilhão e hoje é menor. Se dá um choque, um evento internacional, reverter uma posição de US$ 17 bilhões para um mercado que gira em torno de US$ 2 bilhões ao dia, daria um estresse como quando a taxa de câmbio passou de R$ 1,55 para R$ 2,50. Trabalhamos para reduzir a probabilidade de que isso ocorra e acho que tivemos sucesso. Tivemos momentos de estresse e nosso câmbio, agora, mexeu pouco. Se não tivéssemos adotado medidas quando a posição vendida era de US$ 17 bilhões, hoje ela estaria em US$ 30 bilhões.

Valor: E os reajustes salariais preocupam?
Tombini: O governo tem segurado os aumentos no setor público e há uma moderação nos dissídios do setor privado. De janeiro a julho, foram 398 convenções coletivas. A média dos reajustes começou com 8,60% em janeiro e caiu para 7,14% em abril. Em maio houve uma subida para 8,24% que depois caiu para 7,78% em junho e para 7,45% em julho. Não é um quadro de aceleração.

Valor: Outra crítica que se faz é que o Copom, ao cortar a Selic se fiou numa política fiscal que o governo ainda não definiu qual é. A única indicação para 2012, até agora, foi a do projeto de lei do orçamento, que não deu um bom sinal.
Tombini: Nossa hipótese de trabalho é de um superávit primário do setor público "cheio" de 3,1% do PIB de 2012 a 2014. Isso é suficiente.

Valor: Há quem diga, no mercado, que o BC está caminhando para o modelo turco - de menor preocupação com a inflação. Há, ainda, muitas dúvidas sobre o compromisso do BC. isso lhe incomoda?
Tombini: Para aqueles que ainda não entenderam, vai haver um entendimento da estratégia. Estamos num processo de moderação do crescimento, que já estava encomendado. Adiciona-se a isso uma deterioração do cenário internacional de forma importante nos últimos 40 dias. Isso nos leva a uma trajetória de inflação de queda em busca da meta. Nós estamos, agora, exatamente na posição de março, quando sinalizamos a meta de 4,5% para 2012. A Turquia está com taxa de juros de 6,50% e inflação de 6,65%. Onde nós estamos? Com taxa de juros de 12% e inflação de 7,23%, que é pico, tendendo a 5% nos próximos sete meses.

Valor: Há interferência da presidente da República no BC?
Tombini: Não. Com a presidenta discutimos cenários.

Valor: É importante o presidente do Banco Central conversar com o ministro da Fazenda, com o restante do governo?
Tombini: O Brasil sempre foi criticado porque o "mix" da política econômica era um pé no freio e outro no acelerador. O que você está vendo desde o agravamento da crise externa? Que o desequilíbrio fiscal está na origem dessa crise. Essa é a rebordosa, a ressaca fiscal de 2008/2009. As dívidas subiram de pouco mais de 60% do PIB para 100% do PIB só nos Estados Unidos.

Valor: E nos outros países também.
Tombini: Tem o trabalho do Kenneth Rogoff e da Carmen Reinhart sobre o crescimento da relação dívida/PIB de, na média, mais de 100% nos países da OCDE. Se há uma coisa que nos diferencia hoje é a nossa situação fiscal bem arrumada, da qual não podemos abrir mão. Nós ajustamos a política de juros agora por que já vinhamos com uma desaceleração que dava sinais de intensificação no segundo semestre. Aí vem o agravamento da crise. O CDS (preço do seguro da dívida soberana) está indicando 90% de possibilidade de default da Grécia. Não estamos contando com isso. Estamos contando com uma revisão do crescimento, com adiamento da normalização das condições monetárias nos EUA e Europa, agora, se vem um troço desses....

Valor: Parece que há dificuldade em concretizar o socorro à Grécia.
Tombini: A adesão ao "swap" está aquém do que se esperava nesse momento. Está difícil. A projeção de contração do PIB da Grécia foi revisada de menos 3% para menos 5% do PIB. Há a percepção de que mesmo ajustando para uma contração maior o país está entregando menos fiscal do que era exigido.

Valor: Em que momento ficou claro para o governo que era preciso mudar o mix, o peso, na política econômica do Brasil?
Tombini: As discussões já vinham lá de trás. Se algum dia quisermos ter uma taxa de juros mais próxima do mundo normal, o governo, através da política fiscal, tem que abrir espaço para o resto da economia. Era uma discussão de mais longo prazo. Por outro lado, há a percepção clara de que a nova onda da crise de 2008 tem origem na deterioração do quadro fiscal nesses países. Então, se a crise piora nós não vamos usar a alavanca fiscal (como foi feito em 2008/2009).

Valor: Dizem que o senhor. combinou com o ministro Guido Mantega que se ele aumentasse o esforço fiscal no ano em R$ 10 bilhões o Copom reduzira os juros. É assim que funciona?
Tombini: Não é assim que funciona. Uma política fiscal mais forte ajuda o nosso trabalho, moderação no crédito também ajuda. Se há alguém no governo discutindo o aumento da tarifa de importação de um preço que vai pressionar a inflação aqui, eu vou conversar com o governo. A política monetária está vinculada a um objetivo de governo, que é a meta de inflação. Então não é faz isso que eu faço aquilo, porque a política do BC é levar a inflação para os objetivos do governo, fixados pelo Conselho Monetário Nacional. Tudo o que eu vejo aqui que pode bater na inflação, e que não está no meu alcance resolver, eu vou conversar com o governo, como, aliás, sempre se fez.

domingo, 11 de setembro de 2011

Ousadia e responsabilidade.


Pedro Sampaio Malan, economista, hoje no O Estado de S.Paulo. Leitura recomendável.

"Nunca a conjuntura foi tão pouco conjuntural", diz André Lara Resende. De fato, os Estados Unidos, a Europa e o Japão, por exemplo, não retornaram ainda, passados quatro anos, ao nível de renda real por habitante que haviam alcançado em 2007. E terão, no futuro próximo, um crescimento ainda mais baixo do que o projetado até há pouco, dadas as consequências tanto da crise de 2007-2008 como das respostas a ela, que levaram à expansão vertiginosa de suas dívidas públicas.
A crise nos países desenvolvidos não era - como foi dito por aqui - uma "marolinha" para o resto do mundo. Sempre me pareceu equivocada a ideia de que os países emergentes houvessem adquirido uma dinâmica própria, que lhes asseguraria a capacidade de seguir crescendo de forma sustentada, o que quer que acontecesse no mundo desenvolvido.
Acredito que não só nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, mas também em vários outros países, dentre os quais o Brasil, como poucas vezes na História, a resolução dos problemas mais urgentes nunca esteve tão dependente da perspectiva de equacionamento de problemas e desafios estruturais, de médio e longo prazos. E quero ilustrar a observação acima com um comentário sobre a recente decisão do nosso Banco Central (BC) de reduzir os juros. Decisão que teria sido baseada em quatro hipóteses básicas.
Primeiro, a possibilidade de deterioração adicional das expectativas quanto à evolução da economia mundial e maiores riscos e incertezas quanto ao comércio internacional, e aos mercados de capitais, de dívida soberana e de intermediação financeira.
Segundo, em parte por conta disso, a possibilidade de uma desaceleração da economia brasileira mais acentuada do que aquela que já vinha ocorrendo - e que já era maior do que a antes prevista pelo governo para 2011-2012.
Terceiro, a hipótese de que, apesar de a inflação brasileira acumulada nos últimos 12 meses se encontrar acima de 7%, esta, a partir do último trimestre de 2011, entraria numa trajetória declinante (em grande parte devida aos efeitos combinados das duas hipóteses anteriores), o que permitiria uma gradual convergência para o centro da meta de inflação (4,5%) ao final de 2012.
Quarto e último, mas não menos importante, uma avaliação positiva do BC sobre a firmeza do compromisso da presidente e do Ministério da Fazenda com maior controle fiscal não só em 2011, como em 2012 e 2013. Compromissos que seriam expressos em metas críveis (que o BC teria incorporado), e não em declarações de intenções.
As duas primeiras hipóteses das quatro acima não devem ser descartadas e podem exigir, dentre outras respostas, redução de juros que, diga-se de passagem, muitos no mercado já antecipavam, embora a maioria para outubro. A terceira envolve percepções sobre o grau de compromisso do BC e do governo com o regime de metas de inflação e com a convergência para o centro da meta estabelecida pelo governo. Se ensaios de antecipação pública, pelo governo, do que deveriam ser as decisões futuras do BC se tornarem rotina, não há dúvida de que a credibilidade do Banco Central - que existe - será erodida. E com isso também se esvairá a credibilidade do regime de metas como mecanismo de formação de expectativas quanto ao curso futuro da inflação.
Mas é a quarta das hipóteses acima que é a mais fundamental das apostas do BC. E a mais problemática, a mais difícil de ser alcançada e a mais controvertida, como sabem os que se deram ao trabalho de procurar entender a questão. A propósito, há um trabalho imperdível do ilustre ex-ministro Delfim Netto intitulado A Agenda Fiscal, no belo livro organizado por Fabio Giambiagi e Octavio de Barros O Brasil Pós-Crise: Agenda para a Próxima Década. Esse artigo deveria ser de leitura quase obrigatória para aqueles que, no governo ou fora dele, acham que a resolução do problema dos juros no Brasil depende da "estatização do Banco Central".
Aliás, desculpe-me o ilustre ex-ministro, mas, com todo o respeito, considerei uma enorme injustiça, para dizer o mínimo, a afirmação de que, "pela primeira vez em duas décadas, o BC é efetivamente um órgão de Estado...". Uma enorme injustiça para com servidores públicos exemplares da instituição e para com pessoas decentes e de espírito público que lá trabalharam e não viam a instituição como outra coisa que não um órgão de Estado.
E, como disse muito corretamente o ex-ministro no mesmo artigo, referindo-se à política monetária, "ela é uma arte que comporta visões alternativas diante dos problemas do futuro. Como os efeitos monetários se fazem sentir ao longo do tempo, só este é capaz de dizer a posteriori se a perspectiva escolhida foi certa ou errada".
Mas uma coisa é apoiar a decisão recente do BC. Outra, diferente, é saudar sua pretensa "estatização" (sem a qual a decisão não teria sido tomada?). E outra, ainda mais controvertida, é afirmar desde agora que há uma definida política fiscal de longo prazo do governo Dilma Rousseff. Pode ser que haja. Esperemos que sim. O tempo dirá. Em breve. Mas sem responsável ousadia nessa área não será possível assegurar o desejado declínio, sustentado ao longo do tempo, das taxas de juros na economia brasileira, por mais "estatizado" que seja o Banco Central.
Vale concluir com o ex-ministro Delfim Netto no artigo do livro citado: "A única forma possível para que a agenda fiscal dê uma contribuição decisiva para a política econômica (...) será o compromisso do poder incumbente eleito em 2010 de realizar um longo, paciente, responsável e cuidadoso programa de controle do aumento das despesas de seu custeio...". As sugestões do ex-ministro para uma nova política previdenciária e orçamentária, bem como uma nova política de pessoal, estão reunidas em apenas duas páginas ao final de seu artigo.
Vale lê-las. Ou relê-las.

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