quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A luta continua.


MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO de hoje. 

A trégua será passageira; no início do ano os governos da Europa voltarão aos mercados para rolar dívidas

De certa forma, 2011 chega ao fim parecendo 2001: naquela época, ninguém no mercado, ou no público em geral, tinha mais paciência com a crise argentina; agora, o fastio refere-se à trama europeia.

Como o risco sistêmico e os recursos envolvidos são incomparavelmente maiores, a tendência é que a crise europeia dure mais tempo do que a argentina. Além do que, gerações de administradores públicos europeus construíram suas carreiras sobre o projeto da união monetária -logo, uma capitulação seria muito custosa.

Os eventos recentes representam uma tentativa de recolocar o problema em um estágio crônico, visto que a fase aguda, se prolongada, tende a levar a um desenlace desordenado.

No que tange ao sistema bancário, foi notável a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de realizar operações de suprimento de liquidez de três anos, reduzir o recolhimento compulsório e, importante, relaxar os critérios para aceitação de garantias bancárias -que podem chegar a incluir empréstimos, em vez de apenas títulos de alta liquidez e de baixo risco.

Tais medidas devem reduzir, ainda que sem eliminar por completo, o risco de um "momento Lehman" europeu. Mas o progresso na direção do reforço das políticas fiscais foi bem mais limitado.

O resultado da cúpula de 8 e 9 deste mês mostrou avanços parciais na questão do aumento da disciplina fiscal, mas não logrou convencer os mercados, em parte porque a estrutura de monitoramento e sanções pode padecer de vulnerabilidades políticas similares às que viciaram a implementação do Pacto de Estabilidade desenhado nos anos 1990.

Mas, em parte, o desapontamento com essa última reunião de cúpula reflete dúvidas mais fundamentais sobre a solvência de diversos países do continente a médio prazo, que estão relacionadas às perspectivas de crescimento muito ruins.

Simplificando: a sustentabilidade da dívida depende da comparação entre a taxa de crescimento do produto nominal (que determina o ritmo de crescimento das receitas) e a taxa de juros cobrada sobre a dívida. Quanto maior for o crescimento do produto e menor for o encargo de juros, mais fácil será estabilizar ou reduzir a dívida.

Comparado com o caso brasileiro, salta aos olhos que o custo do financiamento da dívida de países como Espanha e Itália ainda é relativamente baixo, inferior a 10% ao ano. Ocorre que as perspectivas de crescimento dessas economias são desalentadoras.

A taxa média de crescimento da Espanha foi de 2,4% entre 2000 e 2010, com desempenho bastante expressivo, expansão média de 3,5%, durante o boom imobiliário de 2003 a 2007. Esse é precisamente o problema: os mercados questionam a dependência do crescimento espanhol em relação ao setor de construção.

A situação italiana é mais dramática. A taxa de crescimento média entre 2000 e 2010 foi de meros 0,6% ao ano -ou 1,5%, se quisermos excluir o período da crise. Com isso, não é necessária uma taxa de juros muito elevada para colocar a dívida em uma trajetória insustentável.

Ainda assim, com o BCE atuando como bombeiro, mirando os focos de incêndio mais graves, e tendo a maioria dos países da região já completado seus planos de financiamento para o ano, um período de trégua pode ocorrer.

Mas a trégua pode ser passageira. Já na segunda metade de janeiro, e em especial a partir de fevereiro, os governos da Europa terão de voltar aos mercados. A Itália, por sinal, terá de fazer a rolagem de € 53 bilhões (e a Espanha, de € 14 bilhões) no mês.

Até lá, ou os governos do continente avançam convincentemente em uma agenda de reformas pró-crescimento (leia-se liberalização de mercados de trabalho e produtos, que ferem interesses politicamente poderosos) ou o bombeiro terá de atuar de forma muito mais intensa -a expansão monetária quantitativa europeia pode vir para evitar uma crise maior, e não como fruto de uma estratégia deliberada das autoridades.

Em outras palavras, para o BCE, a escolha pode vir a ser monetizar para não quebrar.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

VALOR entrevista presidente da AKB.


Mudar a periodicidade de cálculo da inflação anual acumulada para efeito de cumprimento da meta oficial, preferencialmente para 24 meses, dando tempo para absorção de choques de oferta imprevisíveis e passageiros, é uma das receitas do economista Luiz Fernando de Paula, 52 anos, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), entidade que congrega seguidores do pensamento do economista inglês John Mainard Keynes (1883-1946).

"Eu diria que se no próximo ano tivermos uma inflação acima do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que eu acho que vale a pena correr", disse. Para ele, o cenário externo adverso abre espaço para uma política econômica com juro menor e real menos valorizado.

Na entrevista que deu ao Valor ele defendeu também a mudança da remuneração da Caderneta de Poupança (TR mais 6% ao ano) como forma de não atrapalhar a queda dos juros e disse que, embora a presidente Dilma Rousseff tenha recebido uma "herança maldita", representada pela crise internacional, a política monetária está no rumo certo. Também elogiou a condução da atual diretoria do Banco Central (BC) e afirmou que o país ainda pode crescer em meio à crise, baseado no mercado interno, desde que a crise não se aprofunde ainda mais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Recentemente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira disse que agora temos um Banco Central nacional. As mudanças no BC marcam uma diferenciação clara da política econômica de Dilma em relação à de Lula? Que outras características marcam as diferenças entre as duas políticas econômicas?

Luiz Fernando de Paula: Sem dúvida, o BC passou a ter uma atuação mais técnica e mais independente do mercado financeiro, o que deve ser saudado. O que o BC, na gestão de Alexandre Tombini, está fazendo é não ficar olhando a economia apenas pelo retrovisor, mas também passando a olhar o que poderá acontecer com a economia para a frente. Isso faz sentido porque no regime de metas de inflação a previsão da inflação é um elemento fundamental, já que a taxa de juros tem efeito cerca de seis meses para frente. Contudo, é importante destacar que não há uma mudança no regime de política econômica, em que pese a grita geral dos "falcões do mercado" quando o BC reduziu no fim de agosto a taxa de juros. Há alguma diferenciação na condução da política econômica dentro do marco do regime vigente. Procura-se resgatar o sentido de uma maior coordenação entre política monetária e política fiscal, com vista à redução na taxa de juros básica da economia, que é a grande "jabuticaba" brasileira. A piora no cenário internacional abre uma janela de oportunidade para uma mudança no mix "juros altos-câmbio apreciado", que deve ser aproveitada.

Valor: Como o sr. analisa a economia neste primeiro ano de mandato da presidente? A crise econômica restringiu a gestão a ações reativas ou é possível enxergar uma gestão propositiva mesmo durante a crise?

Paula: Dilma recebeu uma "herança maldita", mas o mesmo pode-se dizer de quando Fernando Henrique Cardoso e Lula iniciaram seus governos. No caso da Dilma, ela herdou uma piora crescente no cenário internacional, como o aumento nos preços de commodities, com impactos sobre a inflação doméstica, e sobretudo os desdobramentos da crise nos EUA e na zona do euro que já começam a ter impacto sobre o crescimento da economia chinesa, nossa grande importadora de commodities. A China, por conta das pressões inflacionárias, não poderá dar a virada que fez em 2009, quando redinamizou a economia doméstica com forte crescimento dos investimentos públicos em infraestrutura. Tudo isso, obviamente, vai ter impacto negativo sobre a economia brasileira. Contudo, como dizem os orientais "crise é oportunidade", e o Brasil pode aproveitar a ocasião para fazer uma espécie de "virada", crescendo para o mercado interno, sem se descuidar do problema da restrição externa ao crescimento, isto é, evitando déficits crescentes em transações correntes. Assim, acredito que é possível fazer uma gestão propositiva mesmo durante a crise.

Valor: Entramos em nova fase de estímulo ao crescimento. Como evitar a recessão sem realimentar a inflação?

Paula: Olha, qualquer prognóstico sobre 2012 é complicado. Há variáveis aí que você não domina. A não retomada do crescimento americano - não é que os Estados Unidos vão entrar em recessão -, que efeitos terá sobre a China e, consequentemente, sobre as exportações brasileiras? O Brasil já vem com uma desaceleração endógena, independente da crise. Essa desaceleração tem um caráter conjuntural e um estrutural. Conjuntural é que, do ponto de vista dos componentes da demanda, todos contribuíram para a desaceleração. O investimento se desacelerou, o consumo privado se desacelerou e também as exportações líquidas e o gasto do governo por conta da manutenção do superávit primário. A economia patinou. A questão do câmbio teve impacto forte do ponto de vista de uma possibilidade de crescimento pelo lado das exportações. E tem o lado estrutural que é a questão que você tem uma tendência à apreciação da taxa de câmbio que vem ali desde 2005 muito forte. A indústria vinha dando alguns sinais de um processo de desindustrialização que não se fazia sentir porque o mercado interno estava crescendo de forma muito acelerada. Compensava-se parcialmente o desestímulo que vinha pelo lado do câmbio. Agora, o que se está observando desde 2010, e mais agudamente em 2011, é que o movimento defensivo da indústria foi no sentido de importar, ou seja, teve um crescimento das importações que entra pelo lado dos bens de consumo, dos bens de capital e dos insumos básicos. Isso me parece que chegou no osso da indústria. Eu acho que chegamos nesse ponto de preocupação, mas eu vejo que, por outro lado, você tem alguns elementos interessantes do ponto de vista da política econômica, uma tentativa de mudança do mix de política e eu acho que nós podemos tentar dar uma virada para o mercado interno. É difícil fazer comparações históricas, mas acho que a gente está em uma situação um tanto semelhante à da década de 30, quando tivemos a crise do modelo agroexportador e a economia voltou-se para o mercado interno, com um processo de substituição de importações, e teve um crescimento vigoroso em meio a uma crise mundial. A partir de 1932 o Brasil já estava voltando a crescer. Evidentemente que a situação é diferente. Nós temos uma indústria hoje. Mas uma indústria que está sendo castigada pela política de câmbio e política monetária. Eu acho que se o governo conseguir dar essa virada, fazendo uma política bem pragmática, mas firme, acho, quem sabe, que a gente possa aproveitar a ocasião para crescer de forma vigorosa.

Valor: Essa guinada pode ser feita com a economia relativamente aberta, como hoje, ou é preciso algum esforço de proteção à indústria? E, novamente, pisar no acelerador para dentro não pode desencadear novo surto inflacionário?

Paula: Olha, economia sempre tem riscos. De qualquer forma, de 2000 a 2011 vários países tiveram uma aceleração da taxa de inflação. Foi o caso da China, da Índia. Claro, inflação é sempre preocupante. Mas não é o pior dos mundos. Eu diria que se no próximo ano a gente tiver uma inflação acima do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que eu acho que vale a pena correr. Agora, tudo depende dos desdobramentos da crise mundial. Pode ser que os efeitos se configurem mais graves e, além dos efeitos mais imediatos. Você tem o efeito expectacional que é importante, mas que é subjetivo, difícil de mensurar. Perante a crise é natural que as pessoas ponham o pé no freio porque não sabem qual o tamanho do tombo que vem pela frente. Então, os consumidores vão poupar mais e gastar menos, os empresários vão querer investir menos, os banco vão querer emprestar menos...

Valor: Quando começou a fazer a redução da taxa de juros, o BC foi criticado pelo mercado como subordinado à vontade política da presidente, que pediu a redução dias antes. Agora, se fala que o BC demorou a agir diante da crise, como ocorreu em 2008/09, resultando daí a desaceleração excessiva do PIB e, particularmente, do consumo das famílias. Quem está com a razão?

Paula: Certamente, não tem razão quem criticou a política de redução de juros. O BC, como assinalado, teve um comportamento "forward-looking" (de olhar para a frente). O que se espera de um bom banqueiro central é justamente alguma capacidade de discernimento perante cenários nebulosos. Em dezembro de 2010 ele adotou um conjunto de medidas macroprudenciais, parcialmente relaxadas recentemente, visando a redução dos prazos e desaceleração do crédito ao consumidor (veículos e pessoal), que teve um efeito importante de evitar uma bolha de crédito, mas que acabou afetando negativamente os gastos das famílias. O BC não sabia ao certo quais seriam os efeitos de tais medidas. Junto com isso, há uma desaceleração na taxa de investimento em curso, em função de uma combinação entre efeitos da longa apreciação cambial sobre desempenho das exportações líquidas, arrefecimento do consumo das famílias e política de contenção dos gastos públicos. Há um processo de desaceleração endógeno do setor industrial no Brasil, que poderá ser agravado pela piora no cenário externo. Por isso a economia estagnou no segundo semestre de 2011.

Valor: Diante do quadro doméstico e internacional, o que esperar de 2012?

Paula: É difícil fazer prognósticos em função de um cenário internacional bastante problemático, cujos desdobramentos são muito incertos. Curiosamente, o aumento no salário mínimo, que seria uma espécie de "bomba relógio" em 2012 em função de seus efeitos fortemente expansionistas sobre as transferências previdenciárias e sobre e renda agregada da economia, servirá para evitar uma desaceleração maior no gasto doméstico. O governo terá que acompanhar com lupa o comportamento da economia brasileira, mantendo sua política de redução de juros e, se for necessário, adotando algumas medidas adicionais de estímulo, como redução no compulsório dos bancos e estímulos fiscais pontuais ao consumo. Um esforço de crescimento nos investimentos públicos em infraestrutura poderá contribuir para usar o investimento autônomo de forma contracíclica, já que alguns dos instrumentos usados em 2008-09 não estarão disponíveis, como a expansão do crédito dos bancos públicos. Enfim, se conseguirmos crescer em torno de 4% em 2012, mantendo a taxa de inflação próximo ao centro da meta, ainda que um pouco maior, será uma vitória.

Valor: Em recente seminário de partidos de esquerda vários economistas pediram a desvalorização do real como saída para conter a perda de competitividade da indústria doméstica. É possível o país abandonar o câmbio flutuante e manter o regime de metas de inflação?

Paula: Sem dúvida, há fortes indícios de que a economia brasileira passa por um processo de desindustrialização precoce, isto é, uma desindustrialização que se inicia com um nível de renda per capita menor ao observado nos países desenvolvidos e sem atingir uma certa homogeneidade nos níveis de produtividade entre diferentes setores. O valor adicionado da indústria de transformação no valor agregado total caiu de 17,1% no segundo trimestre de 2007 para 15,3% no segundo trimestre de 2011, segundo dados da professora Carmem Feijó, da Universidade Federal Fluminense. Por outro lado, o coeficiente de penetração das importações, medido pela Confederação Nacional da Indústria e correspondente à participação dos produtos importados no consumo domésticos dos bens industriais, cresceu de 12,1% em 2003 para 21,5% em 2011, sendo que a balança comercial brasileira é estruturalmente deficitário em bens de maior intensidade tecnológica. Há ainda uma desindustrialização relativa em curso também, pois o crescimento do setor industrial dos outros países emergentes tem sido bem acima do crescimento brasileiro. Acredito que a redução na taxa real de juros, somada aos controles de capitais, poderá contribuir para termos uma taxa de câmbio mais competitiva, sem inviabilizar o regime de metas de inflação. Eu avaliaria seriamente a possibilidade de se introduzir um imposto sobre as exportações de algumas commodities, em caso de termos um câmbio mais depreciado.

Valor: O regime de metas de inflação ainda é o meio mais eficiente de controle dos agregados monetários para manutenção da estabilidade macroeconômica?

Paula: Depende do que se entende por estabilidade macroeconômica. Meu entendimento é que estabilidade macroeconômica significa criar condições para compatibilizar crescimento econômico sustentado, estabilidade financeira e estabilidade de preços. Países que adotaram regime de metas de inflação em geral já vinham de uma tendência de redução na taxa de inflação. Países como China e Índia, com crescimento vigoroso nos últimos 20 anos e sem descontrole inflacionário, utilizam outro regime de política macroeconômica, com conversibilidade restrita na conta capital, câmbio administrado, semifixo no caso da China e flutuante administrado no caso da Índia, e sem uso de um regime de metas de inflação. No caso do Brasil, no momento atual, eu sugeriria algumas mudanças no regime de metas de inflação, como o caso de uma mudança no período de convergência da inflação corrente para a meta, passando do ano calendário para, por exemplo, "inflação acumulada em 12 meses" ou para 24 meses. A ideia subjacente é que choques não previsíveis têm efeitos defasados na economia, de modo que o cumprimento da meta em apenas um ano - se possível - é mais custosa em termos de crescimento do produto e do emprego. Para períodos mais longos ou móveis, seria possível atenuar esses efeitos, sem necessidade de uma resposta mais abrupta da taxa de juros.

Valor: Realisticamente, qual o mix de política econômica a se esperar para 2012?

Paula: Uma busca de mudar o mix de política econômica para uma taxa de juros mais baixa e um câmbio mais depreciado. O governo poderia aproveitar a ocasião de tendência à redução na taxa de juros para fazer uma alteração maior no perfil da dívida pública, diminuindo significativamente a participação de títulos indexados à Selic (LFTs) no total da dívida pública mobiliário, hoje na casa dos 30%. Isso melhoria o funcionamento dos canais de transmissão da política monetária e contribuiria sobremaneira para o desenvolvimento do mercado de títulos corporativos privados. Eu defendo que o governo utilize uma política de Imposto de Renda mais agressiva para desestimular as aplicações de curto prazo. Outro elemento da indexação financeira que o governo Lula tentou mexer, mas acabou que não precisando, mas que a Dilma vai ter que mudar, é algo extremamente popular: a remuneração da poupança. Você não pode manter a TR (Taxa Referencial) mais 6%. O que vai acontecer? Em algum momento, quando a taxa de juros cair as pessoas vão correr para as aplicações de poupança. Quando começar a chegar perto disso o governo vai ter que mexer. Ou vai ter que manter a taxa de juros para não provocar essa corrida de recursos. Vai ter que mexer nisso e colocar remuneração em termos de mercado. É um negócio extremamente complicado, é uma coisa sagrada, vem desde os anos 1970, mas vai ter que se mexer nisso.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

China se transforma em mais um foco de perigo para economia mundial.


Paul Krugman, direto no UOL, seu artigo publicado no The New York Times.

Analisemos o seguinte quadro: o crescimento recente dependeu de um grande boom no setor de construção, alimentado pela disparada dos preços reais dos imóveis, e que exibia todos os sinais clássicos de uma bolha. Houve uma rápida expansão do crédito. Grande parte do crescimento não se deu por meio do sistema bancário tradicional, mas sim através do não regulado sistema de "shadow banking", que não está sujeito à supervisão governamental e não é lastreado por garantias do governo. Agora a bolha está estourando, e existem motivos concretos para que se tema uma crise financeira e econômica.

Estaria eu a descrever o Japão no final da década de oitenta? Ou os Estados Unidos em 2007? Poderia ser. Mas neste momento eu estou me referindo à China, que está se transformando em mais um foco de perigo em uma economia mundial que neste momento precisa de tudo, menos disso.

Eu tenho relutado em opinar sobre a situação chinesa, em parte porque é muito difícil saber o que está de fato ocorrendo lá. Todas as estatísticas econômicas são consideradas, na melhor das hipóteses, uma modalidade de ficção científica especialmente maçante. Mas os números referentes à China são mais fictícios do que os da maioria dos outros países. Eu recorreria a especialistas na China real para entender o que ocorre, mas é impossível encontrar dois especialistas que compartilhem o mesmo ponto de vista em relação àquele país.

Porém, mesmo os dados oficiais são preocupantes – e as notícias recentes são suficientemente dramáticas para fazer soar os alarmes.

O fato mais notável a respeito da economia chinesa nos últimos dez anos tem sido a maneira como o consumo domiciliar, embora ascendente, ficou bem para trás do crescimento geral da economia. Atualmente os consumidores chineses estão gastando apenas 35% do produto interno bruto, o que é cerca da metade do índice dos Estados Unidos.

Sendo assim, quem está comprando os bens e serviços produzidos pela China? Em parte, nós. À medida que a parcela da economia referente ao consumidor chinês foi declinando, a China passou a se basear cada vez mais nos superávits comerciais para manter o seu setor industrial à tona. Mas a questão mais importante sob o ponto de vista da China diz respeito aos gastos com investimentos, que dispararam para quase a metade do produto interno bruto.

A questão óbvia é: se a demanda por parte dos consumidores encontra-se relativamente fraca, o que motivou todo esse surto de investimento? A resposta, em grande parte, é que isso foi provocado por uma bolha imobiliária em constante expansão. O investimento imobiliário praticamente dobrou como parcela do produto interno bruto da China a partir de 2000, respondendo diretamente por mais da metade do crescimento geral dos investimentos. E sem dúvida o restante desse aumento diz respeito a firmas que se expandiram a fim de vender seus produtos para a aquecida indústria da construção.

E como é que nós sabemos de fato que essa expansão do setor imobiliário chinês se constitui em uma bolha? Ele manifesta todos os sinais: não apenas os preços crescentes, mas também aquele tipo de febre especulativa bastante familiar devido às nossas experiências de apenas alguns anos atrás – basta pensar na área litorânea da Flórida.

E existe outro paralelo com a experiência dos Estados Unidos: à medida que o crédito se expandiu, grande parte dele não foi derivada dos bancos tradicionais, mas sim do não supervisionado e desprotegido sistema de "shadow banking". Existem grandes diferenças quanto aos detalhes: o estilo norte-americano de "shadow banking" costumava envolver firmas famosas de Wall Street e instrumentos financeiros complexos, enquanto que a versão chinesa tende a ocorrer por meio de bancos clandestinos e até mesmo casas de penhora. Mas as consequências são semelhantes: na China, assim como nos Estados Unidos alguns anos atrás, o sistema financeiro pode estar muito mais vulnerável do que sugerem os dados sobre o sistema bancário convencional.

Agora essa bolha está visivelmente estourando. Qual será o estrago que ela provocará na economia chinesa e mundial?

Alguns analistas afirmam que não existe motivo para preocupação, que a China possui líderes fortes e inteligentes que farão tudo o que for necessário para enfrentar uma crise. Embora raramente se diga isso, o fato é que esses analistas acreditam que a China possa fazer o que bem quiser já que ela não tem que se preocupar com sutilezas democráticas.

Na minha opinião, no entanto, isso soa como as famosas últimas palavras antes do desastre. Afinal, eu me recordo muito bem de ter escutado palavras tranquilizadoras em relação ao Japão na década de oitenta, onde os brilhantes burocratas do Ministério das Finanças teriam tudo sob controle. E, mais tarde, ouvimos as garantias de que os Estados Unidos jamais repetiriam os erros que levaram à década perdida do Japão – quando na verdade nós estamos em uma situação ainda pior do que a do Japão dos anos oitenta.

As declarações das autoridades chinesas sobre a política econômica não me parecem ser nem um pouco sensatas. Em particular, a maneira como a China está agindo em relação aos automóveis estrangeiros – entre outras coisas, impondo uma tarifa punitiva sobre as importações dos Estados Unidos –, que em nada contribuirá para ajudar a economia do país, mas que envenenará as relações comerciais, não transmite a impressão de que aquele seja um governo maduro que saiba o que está fazendo.

E certos fatos sugerem que, embora o governo chinês possa não ser governado pelo estado de direito, ele tem o seu poder reduzido pela corrupção generalizada, o que significa que aquilo que ocorre de fato no nível local pode ter pouca semelhança com o que é ordenado em Pequim.
Eu espero não estar sendo necessariamente alarmista. Mas é impossível não se preocupar. A história da China parece-se muito com outras que temos presenciado em outros países. E a última coisa da qual precisamos em uma economia mundial que já está sofrendo com a bagunça na Europa é um novo epicentro de crise.

Brasil: 6ª economia mundial.


Notícia divulgada em vários jornais, (abaixo no britânico "Daily Mail"), mostra o resultado de um trabalho realizado por uma conceituada consultoria britânica, onde mostra o Brasil agora como a 6ª maior economia mundial. E o que muda para nós? Pelo menos 20 anos para que tenhamos o mesmo padrão de vida europeu, é o que dizem. Realmente, não me ufano com certas notícias... Qual a posição da educação?...
     
Brazil overtakes UK as sixth biggest economy as Britain falls behind a South American nation for the first time. China, Japan, Germany, France and the U.S. occupy the top five places.
Britain has been deposed by Brazil as the sixth largest economy in the world, latest figures show.
In a dramatic illustration of changing global economic fortunes, the UK has fallen behind a South American nation for the first time.
The figures, from the Centre for Economic and Business Research’s annual world economic league table, show Britain is now the seventh richest country in the world.
More often associated with football and dirt-poor shanty towns known as favelas, Brazil is fast becoming one of the powerhouses of the global economy.
The largest country in Latin America, its economy has surged because of vast reserves of natural resources and a rapidly growing, and cash-rich, middle class.


2012: Feliz Ano Novo!



Hoje,

Acreditando que um mundo com mais de sete bilhões de habitantes ainda possa ser autossustentável, desejo-lhe Boas Festas e um 2012 da maneira que você espera.

Saudações acadêmicas e econômicas!
João Melo
E-mail:    jmelo@uol.com.br
Twitter: @JOAOMELOCE
Skype:    jmelo2011
Website:           http://economiaecapitalismo.blogspot.com/

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

2012: a análise do relatório do Bacen.


Editorial do Valor Econômico de hoje e a análise do Relatório Trimestral de Inflação divulgado pelo Bacen. 

As previsões do mercado financeiro para o comportamento da economia, mais pessimistas do que as que o governo vinha apresentando, encontraram um respaldo de peso no Relatório Trimestral de Inflação de dezembro, divulgado ontem pelo Banco Central (BC). O Relatório Trimestral de Inflação reduziu em meio ponto a expectativa de crescimento da economia neste ano, de 3,5% para 3%, e, além disso, cravou para 2012 um crescimento de 3,5%. Outros setores do governo vinham propagando recentemente a previsão de que o Produto Interno Bruto (PIB) poderia crescer mais no próximo ano - a própria presidente Dilma Rousseff falou em 5%. Mas esse era apenas um arroubo de otimismo injustificado, um desejo de ano novo.

Uma previsão dessa magnitude não tem fundamento para se sustentar, inclusive tendo em conta o instável cenário internacional. O BC mantém a expectativa de que a crise internacional terá um impacto na economia brasileira equivalente a um quarto do ocorrido em 2008 e 2009, sem eventos extremos, com viés desinflacionário em vista da perspectiva de atividade mais moderada e do risco de recessão em alguns países.

O relatório explica que levou em conta na redução da previsão do PIB deste ano também as medidas tomadas entre o fim de 2010 e meados deste ano para desacelerar a economia, cujo impacto é defasado no tempo. O mercado financeiro trabalha com a expectativa de que o PIB vai crescer pouco menos de 3% neste ano. O número do último relatório Focus é de 2,92%.

Para o BC, o nível de atividades melhora ligeiramente no próximo ano e os 3,5% previstos de expansão do PIB não estão muito distantes dos 3,4% estampados na mais recente pesquisa Focus. O aumento do emprego, da massa salarial, da confiança do consumidor e da oferta de crédito vão contribuir para o crescimento maior da economia em 2012. A indústria e os serviços, que desaceleraram no segundo semestre deste ano, devem recuperar o ritmo em 2012.

Ao informar que o crescimento econômico acumulado em 12 meses recuou de 4,9% para 3,7% entre o segundo e o terceiro trimestre, o relatório avalia que a economia está agora em um "ciclo de crescimento em ritmo mais condizente com as taxas avaliadas como sustentáveis em longo prazo".

No cenário que o Comitê de Política Monetária (Copom) vai levar em conta em suas decisões, o nível de atividades vai crescer em um ambiente de inflação mais baixa. Apesar de manter a expectativa de que a inflação vai convergir para o centro da meta no próximo ano, a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 12 meses projetada para 2012 é de 4,7%, a mesma já prevista no relatório de setembro, e de 4,7% também para 2013. Ou seja, haverá uma significativa desaceleração de preços porque, em 2011, a inflação, que já está praticamente dada, chegará a 6,5%, conforme as projeções do BC. Houve ligeira revisão do número, pois no relatório anterior a expectativa era que o IPCA subisse 6,4% neste ano. Essas projeções levam em conta o que o Copom chama de cenário de referência, que pressupõe juros básicos e taxa de câmbio constantes até o fim de 2012. No cenário de mercado, que considera projeções de juros e câmbio capturadas pela pesquisa Focus junto a bancos e empresas, a inflação chega a 4,8% em 2012 e a 5,3% em 2013. Já o mercado financeiro prevê para 2012 inflação de 5,39%.

Como esclareceu o próprio diretor do Banco Central, Carlos Hamilton, isso se deve aos efeitos defasados do afrouxamento monetário que está sendo implementado e terá impacto no nível de atividades no segundo semestre de 2012, com prováveis reflexos na inflação no início do ano seguinte.

O relatório do Banco Central reforça a estratégia de ajustes moderados na política monetária, apesar de considerar a existência de pressões altistas da inflação no primeiro trimestre, derivadas de fatores sazonais como matrículas escolares e alimentos in natura.

Com uma frase já conhecida de cor e repetida praticamente com as mesmas palavras em outros relatórios, o de dezembro ressalta que "o Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, ajustes moderados no nível de taxa básica são consistentes com cenário de convergência da inflação para a meta em 2012".

2011,2012.


Diego Viana, no Valor Econômico de hoje, faz uma revisão do passado e a previsão do futuro.  

Poucos são os anos que ficam lembrados como ponto de mudança radical. Pode ser precipitação declarar que 2011 pertence a essa linhagem, mas é certo que o ano se apresenta como candidato. Os sete bilhões de humanos que agora caminham sobre o planeta enfrentam um cenário onde grandes mudanças geopolíticas, econômicas, climáticas e culturais são certas.

No ano em que morreram Osama bin Laden, Steve Jobs e Amy Winehouse não faltaram notícias. Para o cientista político francês Dominique Moïsi, autor de "A Geopolítica das Emoções", pelo menos no mundo árabe 2011 é comparável a 1989 (em que se derrubou o Muro de Berlim), 1968 (das manifestações de rua através do mundo) ou 1848 (ano de movimentos modernizadores na Europa). 

Os processos iniciados ou revelados nos últimos 12 meses ainda têm a render. As revoluções árabes estão em marcha. É difícil prever o que resultará da miríade de greves, protestos e movimentos de ocupação, em vários formatos - sindical no Reino Unido, inovador na Espanha e nos Estados Unidos, político-partidário na Rússia. Também é uma incógnita o mundo que pode emergir da ascensão de novas forças geopolíticas: China, Índia, Brasil, Turquia. "Acho que 2012 vai ser ainda mais animado que 2011", diz o cientista político Maurício Santoro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

No próximo ano, o Brasil vai receber a Rio+20, que debaterá o desenvolvimento sustentável, depois do quase naufrágio da Conferência de Durban sobre o clima

No Brasil, ainda que a posse de Dilma Rousseff represente a vitória eleitoral da situação, a primeira mulher a governar o país assumiu o cargo, em janeiro, com uma proposta que incluía a promessa de enfatizar os direitos humanos. Mas 2011 ficou marcado pelas sucessivas denúncias de corrupção, que derrubaram seis ministros (Antonio Palocci, Alfredo Nascimento, Pedro Novais, Wagner Rossi, Orlando Silva e Carlos Lupi). "A corrupção pautou o Congresso e a mídia. Mas surgiu um paradoxo. A corrupção é uma agenda negativa e o efeito sobre os governantes deveria ser negativo", afirma Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Dilma, porém, "talvez por ter mandado embora os ministros com relativa firmeza", terminou o ano com popularidade maior do que seus antecessores. Mesmo a oposição teve de se ver com acusações, com o lançamento, neste mês, do livro "A Privataria Tucana", de Amaury Ribeiro Júnior.

Na economia, o desafio era manter um bom ritmo de crescimento sem ceder à pressão inflacionária. A inflação veio, atingindo o teto da meta (6,5%). Mas a contenção do crédito (medidas macroprudenciais) e as ondas de choque da crise europeia desaceleraram a economia, cujo crescimento não deve passar de 3%. "O governo errou a mão nas medidas macroprudenciais", diz João Sicsú, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ele, a intenção era desacelerar o PIB para algo em torno de 4,5%. Ao longo do ano, o debate econômico oscilou em dois planos - a apreciação do câmbio (o dólar chegou a atingir R$ 1,537) e a inflação, que deve fechar o ano em 6,52% (IPCA). A valorização do real, que sufoca a exportação, também segura a alta dos preços, sugerindo que, em outro cenário, o risco inflacionário seria ainda maior.

Para o economista Fabio Kanczuk, da Universidade de São Paulo (USP), o estouro da meta de inflação era previsível. "Estive no Banco Central no começo do ano e a previsão era de 5,2%. Falei que estava mais para 6% e me chamaram de louco", diz. "Para 2012 o mais provável é continuar nesse nível. O BC está afrouxando de novo a política monetária, para estimular o consumo."

Obama é favorito para a reeleição à Presidência dos Estados Unidos menos por suas qualidades do que pelas dificuldades dos adversários republicanos

O governo persegue um crescimento acima de 4% no próximo ano, mas o número será difícil de alcançar. O elemento determinante é a crise irradiada por uma Europa incapaz de se coordenar. Nesse meio-tempo, gregos vão às ruas contra os cortes de gastos públicos; governantes são substituídos em série - na Grécia e na Itália, os novos primeiros-ministros são técnicos do mercado; a Alemanha de Angela Merkel não quer ouvir falar em medidas de estímulo; a crise das dívidas soberanas ameaça economias maiores, como a italiana e mesmo, a distância, a França, quinta maior economia do mundo. Os mercados voltam os olhos para os líderes europeus, porque a moratória italiana ou a saída de um país da zona do euro poderia desestruturar o sistema financeiro global, como aponta Kanczuk. Mas a solução que a cúpula europeia de dezembro ofereceu foi um tratado de maior união fiscal. Os países prometem manter os déficits abaixo de 3%. "Até hoje, os únicos países que conseguiram foram Alemanha, Finlândia e Suécia. Nem a França conseguiu!", comenta Santoro.

A adoção da austeridade radical na Europa deverá ser recebida com forte resistência. Foi o que aconteceu na América Latina, lembra Santoro: "Só que as sociedades europeias são mais estruturadas e mobilizadas socialmente. As pessoas não vão ficar em casa vendo seus direitos serem riscados". Porém, a extrema direita, sempre crítica da cessão de soberania para instâncias supranacionais, tende a sair vencedora. Dominique Moïsi ressalta um ponto capital: nacionalismo e xenofobia são uma expressão de medo produzida, acima de tudo, pela falta de perspectivas. Essencialmente, o maior problema é o desemprego, com índices próximos aos que havia no norte da África ao eclodir a Primavera Árabe.

A avalanche de protestos irradiados da Tunísia é o eixo central de manifestações que se espalharam pelo mundo: protestos estudantis no Chile, acampamentos em Israel, ocupações na Espanha e nos EUA, confrontos na Grécia, levantes na Rússia. Na África subsaariana, movimentos democratizantes ganharam fôlego com o sucesso das revoluções ao Norte. Mas esses movimentos já existiam. "É como um bumerangue, lançado por Libéria, Quênia, Gana, Costa do Marfim", diz Santoro. "Para o tunisiano, que é árabe, mas também africano, ver esses países lutando por democracia provoca pelo menos um pouco."

Vitórias de partidos islâmicos na Tunísia, no Egito e no Marrocos suscitam especulações sobre um "inverno islamita". Mas também para esse cenário uma boa comparação pode ser com a América Latina, onde a democratização, após as ditaduras, foi gradual e negociada. "A Tunísia seria como o Uruguai; o Egito, como o Chile", compara Santoro. A sociedade tunisiana, de vasta classe média e sem conflitos étnicos, elegeu um partido islâmico moderado (Ennahda). O Egito, com a maior minoria cristã da região (os coptas, 5% da população) e um exército hipertrofiado política e economicamente, terá uma transição mais dura. Em outros países, a Primavera Árabe engatinha. Já a Síria flerta com a guerra civil. "Mas é uma guerra em que o governo tem a mão forte", diz Santoro. "Por enquanto, Bashar Assad matou 5 mil pessoas. Seu pai, Hafez Assad, matou 20 mil. Ele ainda está longe de ser derrubado."

O ambiente internacional menos propício a violações de direitos humanos pode ser uma pedra no sapato do ditador. E a relação com autocratas árabes pode ser a pedra no sapato da política externa brasileira. O Brasil recebeu a desconfiança das demais potências por sua cautela ao lidar com Síria e Irã, bem como pela abstenção na votação da Organização das Nações Unidas (ONU) que determinou a intervenção na Líbia. Outros temas sensíveis para um país que pretende aumentar sua participação nas decisões multilaterais e globais são a agenda ambiental e os direitos humanos, justamente a área que a presidente determinou como prioritária ao assumir o cargo.

A agenda ambiental ganha importância num ano que se abriu sob o signo dos desastres naturais. Entre eles, destacam-se os deslizamentos de terra na Serra Fluminense, que mataram mais de 900 pessoas. Em março, o tsunami do Japão deixou pelo menos 16 mil vítimas e atingiu a usina nuclear de Fukushima, a maior tragédia atômica desde Chernobyl, há 25 anos. Nesse contexto, o Brasil se destacou positiva e negativamente. Foi criticado pela iminente aprovação do novo código florestal, que, na prática, permite o aumento dos desmatamentos na Amazônia e nas encostas urbanas. Mas seus diplomatas receberam elogios por evitar o naufrágio da Conferência de Durban, que discutiu a mudança climática. "Havia o risco de enterrar de vez Protocolo de Kyoto. No contexto da crise, em que os países querem estimular as economias a qualquer custo, o pouco que se conseguiu foi uma grande vitória", sugere Santoro. No próximo ano, o Brasil receberá a conferência Rio+20, que debaterá o desenvolvimento sustentável.

Em 2012, também se espera do Brasil que dê uma satisfação a críticas quanto à tortura no regime militar. Condenado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) por não investigar o paradeiro dos mortos durante a guerrilha do Araguaia, e comparado a vizinhos como Argentina e Uruguai, que reviram suas leis de anistia para condenar os responsáveis por torturas, o Brasil instaurou a Comissão da Verdade. "É uma comissão sem poder de punição e com poucos membros, mas é melhor do que não ter comissão nenhuma", estima Santoro. "Pode incitar discussões sobre a tortura aos presos mesmo na democracia."

A exigência sobre o Brasil reflete a mudança de seu lugar no mundo e os fenômenos internos à sociedade. A classe média ganha novos membros e "as pessoas se satisfazem com o que têm dentro de casa, mas se irritam com o que está fora, como o transporte público e os equipamentos urbanos", assinala Sicsú. "Se a economia cresce, o país se depara com seus gargalos." O sistema energético, a formação de mão de obra e a infraestrutura do Brasil não aguentam uma taxa de crescimento como a de 2010 (7,7%). Para o economista da UFRJ, é possível enfrentar esses gargalos com um crescimento de 4,5%. O gargalo político está na exigência de moralidade, como diz Fornazieri. "A população tolera menos a corrupção, mas isso só terá efeito se for traduzido em leis e punição", diz. Ele não vê sinais de que o próximo passo esteja para ser dado.

No Brasil e no mundo, 2012 será ano eleitoral. A tendência nos EUA e na Europa é a mesma de 2011: quem está no poder perde, como na Espanha, onde a esquerda foi rechaçada, e na França, onde a direita perdeu as eleições legislativas de todas as regiões, exceto a Alsácia. Barack Obama é favorito para a reeleição menos por suas qualidades do que pelas dificuldades dos adversários republicanos, que não têm um nome convincente. Nicolas Sarkozy é um grande candidato a perder o emprego para François Hollande em Paris e mesmo o russo Vladimir Putin terá de fazer frente a uma oposição capaz de lhe causar dificuldades.

As eleições municipais brasileiras prometem menos emoções, a não ser pela participação de um novo partido, o PSD. Quando Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, anunciou a fundação da sigla, o DEM quem mais lutou para evitar a sangria: suas hostes foram as mais desfalcadas. Segundo Fornazieri, "o surgimento da sigla só é possível no quadro de derrocada das oposições", mas o efeito sobre as eleições não deve ser significativo.

Fim da História, pelo menos por enquanto.




O conflito no Iraque foi desde o princípio uma guerra opcional. Como eu nunca acreditei no argumento de que Saddam Hussein possuía armas nucleares, para mim a decisão foi derivada de uma escolha diferente: poderiam os Estados Unidos colaborar com o povo iraquiano para modificar a trajetória política desse Estado estratégico situado no coração do mundo árabe e ajudar a inclinar a região na direção de uma trajetória democrática? Após o 11 de Setembro, a ideia de ajudar a modificar o contexto da política árabe e de atacar as causas fundamentais da falta de funcionalidade do Estado Árabe e do terrorismo muçulmano – causas que foram identificadas no Relatório de Desenvolvimento Humano Árabe de 2002 como sendo déficits de liberdade, de conhecimento e de poder da mulher – me pareceu ser uma escolha estratégica legítima. Mas teria sido ela uma escolha inteligente?

Eu tenho duas respostas: “Não” e “Talvez, mais ou menos, vamos ver”.

Eu digo “não” porque, não importa o que venha a acontecer no Iraque, ainda que o país se transforme em uma Suíça, nós pagamos caro demais pelo que foi feito. E, por isso, tudo o que eu sinto é arrependimento. Nós pagamos um preço demasiadamente elevado em vidas, em feridos, em valores maculados, em dólares e na falta de foco no desenvolvimento dos Estados Unidos. E é claro que os iraquianos também pagaram um preço altíssimo.

Um dos motivos pelos quais os custos foram tão elevados foi o fato de o projeto ter sido tão difícil. Outro motivo foi a incompetência da equipe de George W. Bush em conduzir a guerra. Outra razão, no entanto, foi a natureza do inimigo. O Irã, os ditadores árabes e, sobretudo, a Al-Qaeda não desejavam uma democracia no coração do mundo árabe, e eles procuraram fazer tudo o que estava ao seu alcance – no caso da Al-Qaeda, o uso de centenas de homens-bombas com o financiamento dos petrodólares árabes – no sentido de semear o medo e a discórdia sectarista a fim de fazer com que esse projeto de democracia fracassasse.

Portanto, não importa quais sejam as razões originais para a guerra, no fim das contas, tudo se resume a isto: os Estados Unidos e os seus aliados iraquianos derrotariam a Al-Qaeda e os seus aliados no coração do mundo árabe, ou a Al-Qaeda e os seus aliados derrotariam os norte-americanos? Graças ao movimento Despertar Sunita no Iraque, e ao aumento do número de tropas, os Estados Unidos e os seus aliados foram os vencedores e criaram as condições necessárias para o mais importante produto da Guerra do Iraque: o primeiro contrato social voluntário da história entre sunitas, curdos e xiitas para a divisão de poder e de recursos em um país árabe e para que eles governassem a si próprios de uma maneira democrática. Os Estados Unidos ajudaram a intermediar esse contrato no Iraque, e agora todos os movimentos democráticos árabes estão tentando replicá-lo – sem a intermediação dos Estados Unidos. Dá para ver como isso é difícil.

E isso nos conduz à outra resposta, “Talvez, mais ou menos, vamos ver”. É possível pagar demais por algo que, ainda assim, gere transformações. O Iraque obteve os seus benefícios estratégicos: a remoção de um ditador genocida; a derrota da Al Qaeda no país, o que reduziu a capacidade da organização de nos atacar; a intimidação da Líbia, o que fez com que o ditador daquele país desistisse do seu programa nuclear (e ajudou a expor a rede nuclear de Abdul Qadeer Khan); o nascimento do Curdistão como uma ilha de civilidade e de mercados livres e a criação no Iraque de uma imprensa livre e diversificada. Mas o Iraque só irá se transformar em um fator de transformações caso ele se torne um modelo no qual xiitas, sunitas e curdos, indivíduos seculares e religiosos, muçulmanos e não muçulmanos, possam viver juntos e compartilhar o poder.

Conforme podemos ver na Síria, no Iêmen, no Egito, na Líbia e no Bahrain, essa é a questão que determinará o destino de todas as rebeliões árabes. Poderá o mundo árabe desenvolver uma política pluralista e consensual, com rotatividade regular no poder, na qual os indivíduos possam viver como cidadãos, sem sentir que as suas tribos, seitas ou partidos só têm como opções governar ou morrer? Isso não acontecerá da noite para o dia no Iraque, mas se ocorrer daqui a algum tempo, será um processo gerador de transformações porque essa é uma condição necessária para que a democracia se firme na região. Sem isso, o mundo árabe continuará sendo uma perigosa panela de água fervente por muito, muito tempo.

O melhor cenário para o Iraque seria o país transformar-se em uma outra Rússia. Uma democracia imperfeita, corrupta e movida a petróleo que ainda se mantém coesa por tempo suficiente para que uma nova geração, o agente de mudanças, que demora nove meses e 21 anos para ser criada, possa chegar à idade adulta em uma sociedade mais aberta e pluralista. Os atuais líderes iraquianos são um resquício da era antiga, assim como ocorre com Vladimir Putin na Rússia. Eles sempre serão influenciados pelo passado. Mas, conforme Putin está descobrindo – cerca de 21 anos após o início do despertar democrático da Rússia –, essa nova geração pensa de forma diferente. Eu não sei se o Iraque conseguirá fazer isso. As chances são de fato precárias, mas a criação dessa oportunidade foi uma façanha importante, e eu só posso sentir respeito pelos norte-americanos, britânicos e iraquianos que pagaram o preço para tornar isso possível.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...