Abaixo recente entrevista de Antonio
Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento à FOLHA/UOL.
Folha - O endividamento no Brasil está muito alto? A inadimplência no
financiamento de automóveis está batendo recordes...
Antonio Delfim Netto - O crédito no
Brasil era e ainda é muito baixo. O crédito imobiliário por exemplo, ainda é
ridiculamente baixo. Essa ideia dos economistas de que você não deve comprar
carro porque é pobre não vale. O sujeito sabe que só vai viver uma vez. Se você
for a Cotia, vai ver um sujeito que conserva seu DKW produzido em 1947, 1950.
Para quê? Para no domingo chegar à missa, ele, a mulher e os dois filhinhos,
com seu DKW. É o status. É claro que o brasileiro gosta de consumir. Quem não
gosta?
Mas o sr. não acha o nível de poupança muito baixo?
Com o vento da China e a expansão do mundo, nos transformamos num país credor. Hoje temos cerca de US$ 370 bilhões de reservas. Então durante algum tempo você pode deixar abrir a boca entre consumo e produção.
Com o vento da China e a expansão do mundo, nos transformamos num país credor. Hoje temos cerca de US$ 370 bilhões de reservas. Então durante algum tempo você pode deixar abrir a boca entre consumo e produção.
Ainda dá?
Acho que já abriu demais. Estamos destruindo o setor industrial brasileiro, que era extremamente sofisticado.
Acho que já abriu demais. Estamos destruindo o setor industrial brasileiro, que era extremamente sofisticado.
Acha preocupante a deterioração nas contas externas?
Ela é produto da própria política que nós adotamos. Com uma taxa de juros interna muito superior à externa, a taxa de câmbio deixa de ser um preço relativo e passa a ser um ativo financeiro. Sempre brinco e é verdade -nos últimos 10 ou 12 anos, o Brasil foi o último peru com farofa disponível na mesa do mercado internacional fora do Dia de Ação de Graças.
Ela é produto da própria política que nós adotamos. Com uma taxa de juros interna muito superior à externa, a taxa de câmbio deixa de ser um preço relativo e passa a ser um ativo financeiro. Sempre brinco e é verdade -nos últimos 10 ou 12 anos, o Brasil foi o último peru com farofa disponível na mesa do mercado internacional fora do Dia de Ação de Graças.
O Brasil continua sendo o último peru com farofa?
Agora está diminuindo. Os riscos cresceram, houve correção. Mas o governo produziu a maior supervalorização do real durante 12, 15 anos. Isso tem um efeito devastador. E só pôde ser feito porque estamos montados em reservas e na ideia de que temos um câmbio flexível, e, eventualmente, se houver um problema, o câmbio vai para cima e corrige tudo. E também porque os credores ainda acreditam na gente.
Agora está diminuindo. Os riscos cresceram, houve correção. Mas o governo produziu a maior supervalorização do real durante 12, 15 anos. Isso tem um efeito devastador. E só pôde ser feito porque estamos montados em reservas e na ideia de que temos um câmbio flexível, e, eventualmente, se houver um problema, o câmbio vai para cima e corrige tudo. E também porque os credores ainda acreditam na gente.
Por que ficamos tão abaixo de outros países, como Chile, México, Peru...
O Brasil cresceu durante 30 anos 7,5% ao ano. Depois veio a do petróleo. Agora está se recuperando lentamente. Todo mundo sabe que o setor privado é mais eficiente que o público. Quando o Brasil crescia 7,5%, a carga tributária bruta era 24% e o governo investia 4,5% do PIB. Hoje a carga é 35% e o governo não investe nem 2% do PIB. É uma questão de aritmética. Eu tiro recursos do setor privado e transfiro para o setor público, de menor produtividade. A taxa de crescimento vai cair.
O Brasil cresceu durante 30 anos 7,5% ao ano. Depois veio a do petróleo. Agora está se recuperando lentamente. Todo mundo sabe que o setor privado é mais eficiente que o público. Quando o Brasil crescia 7,5%, a carga tributária bruta era 24% e o governo investia 4,5% do PIB. Hoje a carga é 35% e o governo não investe nem 2% do PIB. É uma questão de aritmética. Eu tiro recursos do setor privado e transfiro para o setor público, de menor produtividade. A taxa de crescimento vai cair.
O senhor concorda que a taxa de investimento deveria chegar a 25%?
Para em 2030 a gente ter uma renda per capita em paridade de poder de compra parecida com a de Portugal, nenhuma grande ambição, precisa crescer 5% ao ano. Em 2030, vamos ter que dar empregos de boa qualidade para a população entre 15 e 64 anos, que será 150 milhões. Será que este modelo que está aí é capaz de produzir isso? Nosso setor agroindustrial é ultrassofisticado, mas poupador de mão de obra. O de extração mineral -incluindo petróleo-, também é muito produtivo e eficiente, mas poupador de mão de obra. Só podemos ter essa sociedade que queremos desenvolvendo indústria e serviços. Serviços vão se desenvolver naturalmente no processo civilizatório. A atividade industrial é fundamental para gerar esses empregos.
Para em 2030 a gente ter uma renda per capita em paridade de poder de compra parecida com a de Portugal, nenhuma grande ambição, precisa crescer 5% ao ano. Em 2030, vamos ter que dar empregos de boa qualidade para a população entre 15 e 64 anos, que será 150 milhões. Será que este modelo que está aí é capaz de produzir isso? Nosso setor agroindustrial é ultrassofisticado, mas poupador de mão de obra. O de extração mineral -incluindo petróleo-, também é muito produtivo e eficiente, mas poupador de mão de obra. Só podemos ter essa sociedade que queremos desenvolvendo indústria e serviços. Serviços vão se desenvolver naturalmente no processo civilizatório. A atividade industrial é fundamental para gerar esses empregos.
Mas como se refortalece a indústria?
Precisamos fazer aqui uma plataforma exportadora que é também importadora. Você não precisa produzir a geladeira inteira, nem 70% da geladeira. Precisa ter sua geladeira inscrita dentro de uma estrutura produtiva eficiente. Em que ela não serve apenas um mercado que é um porcentual do nosso PIB. Ela vai servir o mercado mundial. Não há país nenhum do mundo onde o Estado não tenha sido fator fundamental no estímulo ao crescimento. Mas o que o Brasil fez nos últimos 25 anos? Aumentou todos os custos dos produtos básicos e liberou a importação dos produtos finais.
Precisamos fazer aqui uma plataforma exportadora que é também importadora. Você não precisa produzir a geladeira inteira, nem 70% da geladeira. Precisa ter sua geladeira inscrita dentro de uma estrutura produtiva eficiente. Em que ela não serve apenas um mercado que é um porcentual do nosso PIB. Ela vai servir o mercado mundial. Não há país nenhum do mundo onde o Estado não tenha sido fator fundamental no estímulo ao crescimento. Mas o que o Brasil fez nos últimos 25 anos? Aumentou todos os custos dos produtos básicos e liberou a importação dos produtos finais.
O programa de concessões anunciado pela presidente vai no caminho certo?
A mudança é muito mais profunda do que parece. É a superação na inegável desconfiança mútua entre o governo e o setor privado.
A mudança é muito mais profunda do que parece. É a superação na inegável desconfiança mútua entre o governo e o setor privado.
O que o sr. acha da proposta de a Infraero manter 51% dos aeroportos a
serem leiloados?
É um problema exagerado, como nós exageramos no petróleo. Não tem razão de a Petrobras correr todos os riscos. Isso vai ter que mudar.
É um problema exagerado, como nós exageramos no petróleo. Não tem razão de a Petrobras correr todos os riscos. Isso vai ter que mudar.
Muitos economistas que admiram o sr. dizem que talvez sua benevolência
com o governo federal seja porque o sr. odeia a unanimidade....
Não acredito no Nelson Rodrigues, a unanimidade não é necessariamente burra. Eu tenho um entusiasmo, porque estamos construindo uma nação decente. A inclusão social é uma revolução feita pela educação da mulher. Ela introjetou a ideia de que eu só posso subir, se eu me educar. E isso mudou a estrutura demográfica. Se alguém dissesse na época para mim e para o Campos [Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento] que a taxa de fecundidade iria ser 1,9 por mulher -era 6,4... A grande revolução brasileira foi a revolução das mulheres. Elas se educaram muito mais depressa e progrediram muito mais que os homens. Era uma senhora que prestava serviços domésticos, foi promovida a manicure, cabeleireira, preparou-se um pouco mais, foi pro call center, virou caixa do supermercado. Ela usava sabão de coco, agora usa Dove. Só um economista maluco acha que vai conseguir fazer ela voltar a usar sabão de coco aumentando a taxa de juros.
Não acredito no Nelson Rodrigues, a unanimidade não é necessariamente burra. Eu tenho um entusiasmo, porque estamos construindo uma nação decente. A inclusão social é uma revolução feita pela educação da mulher. Ela introjetou a ideia de que eu só posso subir, se eu me educar. E isso mudou a estrutura demográfica. Se alguém dissesse na época para mim e para o Campos [Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento] que a taxa de fecundidade iria ser 1,9 por mulher -era 6,4... A grande revolução brasileira foi a revolução das mulheres. Elas se educaram muito mais depressa e progrediram muito mais que os homens. Era uma senhora que prestava serviços domésticos, foi promovida a manicure, cabeleireira, preparou-se um pouco mais, foi pro call center, virou caixa do supermercado. Ela usava sabão de coco, agora usa Dove. Só um economista maluco acha que vai conseguir fazer ela voltar a usar sabão de coco aumentando a taxa de juros.