Editorial do Globo de hoje e o novo pacote de
estimulo à indústria.
Assim que as condições da economia mundial
começaram a se degradar, na explosão da bolha imobiliária americana, em fins de
2008, a competitividade de cada país passou a ser testada a fundo. A
crise americana, transmitida para a Europa pelos canais financeiros, com
impactos em todos os continentes, estreitou mercados e, com isso, gerou um tal
acirramento na competição global que dificuldades mascaradas na longa fase de
expansão começaram a surgir. "Só quando a água baixa a gente vê quem está
nadando nu" - a folclórica frase do bilionário americano Warren Buffett se
aplica à perfeição ao que aconteceu no Brasil. A maré dos bons tempos vazou, e
vários setores atolaram, sem conseguir competir com produtos importados - estes
também ajudados pelo câmbio -, tampouco exportar.
Mais um pacote de estímulo à indústria foi
desembrulhado em Brasília, para proteger o mais atingido dos setores pela maré
vazante. A série de medidas, algumas bem-vindas, outras discutíveis, demonstra
que nem sempre um conjunto de decisões compõe uma "política", no
sentido mais profundo da palavra. Ao ampliar de quatro para 15 o número de
setores beneficiados pela desoneração da folha de salários, em troca de uma
taxação sobre faturamento, Brasília faz o reconhecimento implícito de que a
necrose já vai longe na legislação trabalhista brasileira. Mas não consegue ir
adiante para moldar uma verdadeira política com metas de curto, médio e longo
prazos de redução efetiva e permanente do "custo Brasil". É
provável que as corporações sindicais aliadas impeçam.
O que se passa com a indústria
automobilística é exemplar. Depois de baixar o édito protecionista do aumento
do IPI sobre veículos importados, Brasília tenta rever exageros, com o aceno de
cotas - afinal, os grandes importadores têm fábricas no Brasil -, e acerta ao
estimular investimentos em pesquisa. Mas as dificuldades do setor vão bem mais
além. Estudo da PricewaterhouseCoopers, noticiado por "O Estado de S.
Paulo", comparou os custos de produção de vários países e ficou evidente o
porquê as montadoras, embora queiram vender no promissor mercado brasileiro,
não planejam transformar o Brasil em plataforma de exportação: custos não
competitivos. Enquanto o custo nacional de manufatura de veículos compactos, os
escolhidos para serem montados no Brasil, é de US$ 1.400, comparável ao
americano e japonês, no México ele se situa em US$$ 600, US$ 500 na Tailândia e
na China, US$ 400.
Não serão medidas pontuais, muitas tomadas em
função do maior acesso a Brasília de segmentos do empresariado, que alterarão
este quadro. No pano de fundo desses números há uma infraestrutura precária,
operários mal treinados e um sistema educacional público imerso em dificuldades
conhecidas. Uma política de fato de aumento do poder de competição da
indústria, ou qualquer outra atividade, fica capenga sem melhorias nestes
campos.
Não é mesmo fácil executar uma política de
fato de elevação de competitividade. Na solenidade em Brasília, o ministro da
Fazenda, Guido Mantega, no seu minuto de propaganda, disse que o Brasil estava
reduzindo custos da produção sem retirar "direitos dos
trabalhadores", ao contrário de outros países, e deu o azar de citar a
Alemanha. Errou no exemplo. Lá, os trabalhadores, via sindicatos e o próprio
Parlamento, concordaram em reduzir altos custos do "estado de bem-estar"
alemão para defender o maior dos direitos: o do trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário