Fernando Henrique em seu artigo mensal no ESTADÃO e em vários jornais.
As forças governistas, depois de precipitarem a campanha eleitoral,
voltaram ao diapasão antigo: comparar os governos petistas com os do PSDB.
Chega a ser doentio! Será que não sabem olhar para frente? As conjunturas
mudam. O que é possível fazer em uma dada fase muitas vezes não pode ser feito
em outra; políticas podem e devem ser aperfeiçoadas. Porém, na lógica infantil
prevalecente, em lugar de se perguntar o que mudou no país em cada governo, em
que direção e com qual velocidade, fazem-se comparações sem sentido e
imagina-se que tudo começou do zero no primeiro dia do governo Lula.
Na cartilha de exaltação aos dez anos do PT no poder, com capa ao estilo
realismo socialista e Dilma e Lula retratados como duas faces de uma mesma
criatura, a história é reescrita para fazer as estatísticas falarem o que aos
donos do poder interessa. Nada de novo sob o sol: é só lembrar dos museus
soviéticos que borravam nas fotos os rostos dos ex-companheiros caídos em
desgraça… O PSDB não deve entrar nesta armadilha. É melhor olhar para frente e
deixar as picuinhas para quem gosta delas.
Quanto ao futuro, o governo está demonstrando miopia estratégica. Depois
de quatro anos iniciais de consolidação da herança bendita, a política
econômica teve de reagir ao violento impacto da crise de 2007/2008. Foi
necessário, sem demora, expandir o gasto público, desonerar setores produtivos,
ampliar o crédito através dos bancos públicos, etc. Em situações
extraordinárias, medidas extraordinárias. Mas o cachimbo foi entortando a boca:
a discricionariedade governamental tornou-se a regra desde então. Com isso, a
credibilidade do BC foi posta em xeque, a transparência das contas públicas
também. Cresceram as dúvidas sobre a inflação futura e sobre o compromisso do
governo com a responsabilidade fiscal.
Não há que exagerar na crítica: por ora, o trem não descarrilou. Mas as
balizas que asseguraram crescimento com estabilidade, (câmbio flutuante, metas
inflacionárias e responsabilidade fiscal), mesmo ainda em pé, se tornam cada
vez mais referências longínquas. A máquina governamental está enguiçada como o
próprio governo sente; e sua incapacidade para consertá-la é preocupante. Os
expedientes utilizados até agora com o propósito de acelerar o crescimento
deram em quase nada (o Pibinho). Na ânsia de acelerar a economia, o governo
beijou a cruz e apelou para as concessões (portos, aeroportos, estradas) e
mesmo privatizações (de partes da distribuição energética). Mas a viseira
ideológica, o hábito de fechar-se em pequenos grupos, a precariedade gerencial
não permitem dar efetividade a decisões que ferem o coração de suas crenças
arcaicas.
Enquanto a China puxar as exportações de matérias-primas e de alimentos,
tudo vai se arranjando. Mesmo assim, a produção industrial torna-se menos competitiva
e perde importância relativa no processo produtivo. A balança comercial já
deixou de ser folgada, mas com o financiamento estrangeiro as contas vão
fechando. No curto prazo, tudo bem. A prazo mais longo, volta a preocupar o
fantasma da “vulnerabilidade externa”.
Já se veem no horizonte sinais de retomada na economia mundial. Não me
refiro a uma incerta recuperação do emprego e do equilíbrio fiscal, este em
alguns países da Europa, aquele nos Estados Unidos. Refiro-me ao que Schumpeter
salientava para explicar a natureza do crescimento econômico, uma onda de
inovações. Provavelmente serão os Estados Unidos que capitanearão a nova
investida capitalista mundial. O gás de xisto e os novos métodos de extração de
petróleo tornarão aquele país a grande potência energética. Junto com ele,
Canadá, México, Argentina e Brasil podem ter um lugar ao sol. De ser isso
verdade, uma nova geopolítica se desenha, com, por um lado, um polo
chinês-asiático e outro americano. Isso em um contexto político e cultural que
não aceita hegemonias, no qual, portanto, a multiplicidade de polos e subpolos
requer uma nova institucionalidade global.
Diante disso, como ficará o Brasil: pendendo para a Alba, de inspiração
chavista? À margem da nova aliança atlântica proposta pelos Estados Unidos que,
por agora, contempla apenas a América do Norte e a Europa? Iremos fortalecer
nossos laços com o mundo árabe longínquo, ou este terminará por se aconchegar
na dupla formada pela China e pela Índia, ambos países carentes de energia? E
como nos situaremos na dinâmica da nova fase do capitalismo global? Ao que eu
saiba, ela continuará dependendo do aumento contínuo de produtividade para
assegurar as bases do bem-estar social (que não será decorrência automática
disso, mas de políticas adequadas). Como, então, querer acelerar o crescimento
utilizando truques e maquiagens, do tipo subsídios tópicos, exceções de
impostos setoriais, salvamento de empresas via Hospital BNDES ou Caixa
Econômica?
Quando o PSDB fez o Plano Real percebeu as oportunidades que se abriam
para o Brasil com a globalização, desde que ajustássemos a economia e
iniciássemos políticas de inclusão social. Na época o PT não entendeu do que se
tratava. Queria dar o calote da dívida externa e sustentava o inadequado
programa Fome Zero que jamais saiu do papel. Foram as bolsas que o PSDB
introduziu que salvaram o PT quando este, tardiamente, se deu conta de que era
melhor fazer uma política de transferência direta de rendas. Em geral se
aferrou à ideia de que a globalização seria uma ideologia – o neoliberalismo –
e não a maneira contemporânea de organizar a produção com base em novas
tecnologias e novas normas. Não estará o PT repetindo o equívoco, com uma
leitura míope do mundo e distorcida do papel do Estado? A resposta cabe ao
governo. Ao PSDB cumpre oferecer a sua visão alternativa e um programa
contemporâneo que amplie as possibilidades de realização pessoal e
coletiva dos brasileiros. Sem esquecer o passado, mas com os olhos no futuro.
Um comentário:
A verdade é que eles são muito longos comentários, espero que em algum ponto tem a oportunidade de ler tudo o que agora eu também sou da opinião, você pode ter que ir ao médico para ver se tenho miopia
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