Bresser-Pereira, hoje na FOLHA e sua análise sobre a crise europeia.
A crise
financeira da zona do euro foi relativamente superada, mas a crise econômica
continua profunda. A crise financeira soberana do euro de 2010 decorreu da
crise bancária global de 2008 que levou os Estados a se endividarem para socorrer
os bancos.
Ela foi
superada quando o presidente do Banco Central Europeu garantiu que compraria no
mercado secundário os títulos da dívida soberana dos países.
Entretanto a
crise econômica da zona do euro continua sem solução. A economia da Europa como
um todo está estagnada, porque as taxas de câmbio implícitas ou internas dos
países do Sul se apreciaram em relação às dos países do Norte e as suas
empresas deixaram de ser competitivas.
O conceito de
taxa de câmbio interna é relativo ao valor e não ao preço de mercado da taxa de
câmbio. O valor da taxa de câmbio não decorre das variações na oferta e na
procura de moeda estrangeira, que fazem com que a taxa de câmbio de mercado
flutue em torno do seu valor, mas é o valor que deve ter a taxa de câmbio para
tornar competitivas as empresas existentes no país. O valor da taxa de câmbio
depende da relação entre aumento da produtividade e dos salários em um país (o "custo
unitário do trabalho") em relação aos demais países.
Em 2003 o
então premiê da Alemanha, Gerhard Schröeder, através da iniciativa Agenda 2010,
promoveu a flexibilização das leis trabalhistas e, ao mesmo tempo, celebrou um
acordo entre empresas e sindicatos segundo o qual os salários deixariam de ser
aumentados proporcionalmente à produtividade, em troca de segurança no emprego.
Como os
países do Sul não fizeram o mesmo, seu custo unitário do trabalho subiu em
relação à Alemanha, a taxa de câmbio interna se apreciou, as empresas perderam
competitividade e se endividaram, as famílias também se endividaram, e isso se
traduziu em grandes deficit em conta corrente, não obstante as contas públicas
continuassem equilibradas (exceto na Grécia).
Para resolver
a crise econômica é preciso reequilibrar os custos unitários do trabalho, ou
seja, reduzir salários. A forma normal de fazer isso seria cada país recuperar
sua capacidade de depreciar a taxa de câmbio - uma solução que distribui por
toda a sociedade o custo do ajustamento necessário e o faz em um instante -, mas
que exige uma reforma monetária que, de forma planejada, descontinue o euro.
Como os
europeus não têm coragem para fazer isso, uma alternativa seria uma inflação
que reduzisse os salários reais ao mesmo tempo em que os países do Norte da
Europa aumentassem seus salários, mas a Alemanha não aceita perder
competitividade em relação à China e aos Estados Unidos. A terceira alternativa
é a que está sendo adotada: é a "austeridade", ou seja, a redução dos
salários através da recessão e do desemprego. É uma solução desumana cujo peso
cai sobre os assalariados e as pequenas empresas. É a solução contra a qual os
cidadãos europeus, perplexos, protestam nas ruas e nas eleições, mas, afinal, é
a solução possível enquanto não perderem o respeito quase religioso que
desenvolveram em relação à sua moeda única.
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