Editorial do ESTADÃO revela que se por um lado o Brasil tem um sistema financeiro seguro, por outro lado o BACEN, em ligação direta com o governo, vem colaborando com antigas práticas que colocam em dúvida diversos dados econômicos.
Faltou
o capítulo mais picante - sobre o Tesouro Nacional, os bancos públicos e a
política federal de crédito - na exposição sobre o sistema bancário brasileiro
apresentada sexta-feira passada pelo presidente do Banco Central (BC),
Alexandre Tombini, na abertura do seminário internacional sobre Riscos,
Estabilidade Financeira e Economia Bancária, em São Paulo. Ele teve bons
argumentos para descrever o sistema nacional como um dos mais regulados e mais
controlados do mundo. A palestra principal seria a do presidente do Banco
Central da Suécia, Stefan Ingves, também presidente do Comitê de Basiléia para
Supervisão Bancária. Mas o anfitrião poderia, desde logo, e sem a arrogância de
alguns colegas de Brasília, exibir um bom exemplo cie regulação e supervisão,
testado com sucesso em 2007-2008, no estouro da última grande bolha de crédito.
O
Brasil, disse Tombini, tem hoje uma capacidade diferenciada de monitoramento do
sistema financeiro, graças ao registro obrigatório de todas as operações de
crédito e de derivativos. Nenhum outro mecanismo de supervisão é mais amplo. De
fato, instituições brasileiras dificilmente poderiam ter ido tão longe quanto
as americanas e europeias nas operações originadas do financiamento
imobiliário. Não havia, no caso brasileiro, áreas tão escuras e tão fora de
controle quanto nos mercados financeiros do mundo rico. Os mecanismos de
controle se estendiam, e assim continuam, muito além das transações dos bancos
comerciais.
Além
disso, regras até mais severas que as desenhadas pelo Banco de Compensações
Internacionais (BIS), de Basiléia, têm sido adotadas há muitos anos no Brasil. Graças aos mecanismos de controle e às ações de prevenção de risco, o sistema
tem-se mantido saudável e o País poderá adotar sem dificuldade, como disse
Tombini, as normas de Basiléia III.
A
exposição de Tombini foi irretocável pelo menos sob um aspecto: descreveu com
fidelidade o trabalho das autoridades monetárias e financeiras para tornar o
sistema confiável e seguro. Mas o cenário seria um tanto diferente se ele se aventurasse,
em sua palestra, pelo terreno bem menos seguro das relações entre o governo e
as instituições sob seu controle.
Nesse
caso, um de seus problemas seria mostrar onde fica a fronteira entre a área
fiscal e a do crédito. Teria dificuldade para traçar uma linha precisa, por
causa da crescente promiscuidade entre o Tesouro e as instituições financeiras
da União.
Desde
os primeiros impactos da crise internacional, o governo reconstruiu, sem usar
esse nome, os processos da velha conta movimento, uma aberração fiscal e
monetária mantida por muitos anos e extinta no final dos anos 80. Na primeira
etapa, recursos fiscais foram usados em escala crescente para reforçar o caixa
dos bancos federais e facilitar o crédito para investimentos. Na segunda, o
Tesouro passou a recorrer, também de forma crescente, a dividendos dessas
instituições para arrumar suas contas e garantir, na aparência, a realização do
superávit primário programado para o ano.
Só
no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Tesouro
injetou 285 bilhões entre 2009 e 2012. Essas e outras operações com os bancos
federais foram realizadas por meio de aumento da dívida bruta da União.
Ainda
em junho, o governo aumentou sua dívida para passar R$ 15 bilhões ao BNDES e
R$ 8 bilhões à Caixa. Parte das transferências ao BNDES foi para mantê-lo
enquadrado nos padrões de Basiléia. Mas esse cuidado tem sido insuficiente para
preservar a imagem do banco.
Essa
imagem, tem sido severamente prejudicada por várias operações mal concebidas, malsucedidas
e destinadas, em geral, a favorecer grupos selecionados para tornarem-se
campeões nacionais. Os mais de R$ 10 bilhões aplicados no Grupo X7 do
empresário Eike Batista, apenas alongaram uma enorme lista de ações muito
discutíveis.
Regras
de Basiléia, como disse o presidente Tombini, são apenas manifestações de bom
senso. Pouco valem, quando os desmandos partem do governo e envolvem o uso
voluntarista do Tesouro e dos bancos estatais.
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