NILSON TEIXEIRA, Ph.D em economia pela Universidade da Pensilvânia e economista-chefe do Credit Suisse, recentemente analisou na FOLHA as contas públicas brasileiras.
O
tema das contas públicas ganhou destaque na imprensa nos últimos meses, por
causa do novo ciclo de aumento dos juros, do alto nível da dívida pública e da
adoção de sucessivas medidas de desoneração.
Nesse
ambiente, nosso cenário para as contas públicas ainda pode ser classificado
como favorável. Prevemos superavit primário (diferença entre as receitas e
despesas do setor público, exceto as despesas com os juros líquidos sobre a
dívida pública) ligeiramente inferior a 2,0% do PIB em 2013 e 2014.
Quando
deduzimos o pagamento dos juros, temos uma projeção de deficit nominal em torno
de 3,0% do PIB em ambos os anos, com dívida pública bruta próxima a 60% do PIB
no período.
Esse
quadro pode ser tido como favorável, em parte porque adotamos um cenário que
está longe de ser consensual: crescimento do PIB de 3,0% em 2013 e 4,0% em 2014
e taxa Selic estável em 8,75% a partir de agosto.
Se
assumíssemos menor crescimento ou mais juros, teríamos um superavit primário
provavelmente inferior ao necessário para uma dívida pública estável, condição
mínima para sustentabilidade fiscal de longo prazo.
Essas
simulações já não sugerem, portanto, um cenário tão benigno. O mesmo pode ser
dito sobre a fragilidade dos resultados fiscais neste ano. O superavit primário
acumulado até abril, de 0,9% do PIB, é o menor desde 2005, com exceção de 2006
e dos anos em que a meta fiscal de 3,1% do PIB não foi cumprida (2009 e 2010).
Em
todos os anos, a média do superavit primário entre maio e dezembro diminuiu na
comparação com a média entre janeiro e abril, sendo o menor recuo de 38% em
2011 e o maior de 70% em 2012.
Caso
o recuo seja de 55% entre os dois períodos deste ano, similar ao declínio médio
entre 2006-2012, o superavit primário será de 1,6% do PIB. Um primário de 2,3%,
conforme prometido pelo governo, seria compatível com um recuo de apenas 15% na
média entre esses períodos, muito abaixo do usual.
A
incerteza sobre a gestão de política fiscal aumentou também devido a sucessivas
alterações dos parâmetros de sua execução, que incluem a retirada de certas
estatais da contabilidade fiscal em 2009 e 2010; a maior anuência com a
expansão dos gastos de Estados e municípios; o uso das operações de
triangulação de ativos entre o Tesouro e outras entidades; e a utilização de
receitas extraordinárias, como de privatização, para o cumprimento da meta.
As
alterações propostas sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2013 e 2014
reduzem o superavit primário mínimo, para efeito de cumprimento da meta, para
cerca de 1,0% do PIB. A mera possibilidade de um valor tão baixo compromete o
papel da meta como referência para a política fiscal e eleva o risco de aumento
da dívida.
Certamente,
o quadro recente não representa uma deterioração fiscal irreversível. Porém
faz-se necessário reduzir a incerteza sobre as contas públicas, o que requer
uma política fiscal mais austera, que garanta, por exemplo, uma redução da
dívida pública dos atuais cerca de 60% do PIB para patamar próximo ao de outros
emergentes, em torno de 35% do PIB na média (veja gráfico).
Isso
contemplaria um período com superavit primário alto o suficiente para garantir
o rápido declínio do deficit nominal e da dívida pública. Mesmo com o nível de
endividamento ainda alto, seria razoável admitir alguma flexibilidade. Nesse
caso, poderia ser adotada uma estratégia que, de modo transparente,
interrompesse o declínio da dívida bruta como proporção do PIB, de forma a
estimular a economia.
Para
que essa abordagem seja crível, seria necessário definir, de forma precisa, as
condições para a retomada da estratégia anterior de redução da dívida.
O
que torna o problema ainda mais crítico é que, desde 2008, foi emitida dívida
mobiliária extra de cerca de R$ 400 bilhões, em torno de 20% do estoque da
dívida total, visando atender apenas os aportes a instituições públicas,
notadamente financeiras.
Dada
a provável demanda por financiamento de bancos públicos para infraestrutura nos
próximos anos, haverá a necessidade de emissão de mais de R$ 50 bilhões ao ano
até o fim desta década.
Sem
discutir seu mérito, esses aportes embutem a concessão de subsídios crescentes
e disseminados e geram um fluxo também crescente de despesas com o pagamento de
juros nos próximos anos, o que dificulta muito a redução do deficit nominal.
Em
suma, é preciso recuperar a credibilidade da gestão da política fiscal. Isso
pode ser alcançado com a aprovação de regras críveis, que, em última instância,
eliminem o deficit nominal nos próximos anos. Porém os eventos aqui mencionados
sugerem que esse objetivo seria perseguido pelo governo apenas no caso de
expressiva expansão da arrecadação e do PIB.
Ainda
que fosse o caso, uma regra contingente não seria suficiente para transmitir
maior credibilidade, em um contexto de recorrentes extensões e inclusões de
novas cláusulas de escape para a meta de superavit primário integral.
Compromissos vagos e contingentes à recuperação da atividade não resolverão o
impasse atual.