Parabéns a revista EXAME pela sua 1.000ª edição. Leitura de cabeceira. E que venham mais 1000.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Dicas de leitura.
Recebo uma lista dos livros mais vendidos no mercado na área de Teoria e Análise. Para minha grata surpresa "A Saga Brasileira" de Miriam Leitão continua em 1º lugar. Realmente é um livro para ser lido com prazer, recordando momentos importantes da nossa história. Em 2º lugar esta "Crash - Uma Breve história da Economia", do Alexandre Versignassi. Esse ainda estou lendo, mas o autor mistura muita coisa e consegue ser feliz em suas conclusões. Em 3º temos o "Fundamentos de Economia" do Marco Antonio Sandoval Vasconcellos e Manuel E. Garcia, nosso velho conhecido. Em 4º temos o "Axiomas de Zurique" do Max Gunther. Todas as vezes que pensei em comprar esse livro, sempre mudo de opinião. Para finalizar, em 5º lugar o nosso super conhecido "Introdução à Economia" do colega blogueiro N. Gregory Mankiw. Esse não pode faltar na nossa mesa.
Boa leitura e um ótimo final de semana para os meus quase dois (milhões) de leitores.
Pensar o impensável na Europa.
George Soros é presidente da Soros
Fund Management. Copyright: Project Syndicate, 2011, hoje no VALOR ECONÔMICO.
Para resolver uma crise em que o
impossível tornou-se possível, é necessário pensar o impensável. Assim, para
resolver a crise da dívida soberana na Europa, é agora imperativo uma
preparação para a possibilidade de inadimplência e de saída da Grécia, Portugal
e, talvez, da Irlanda da zona do euro.
Em tal cenário, medidas terão de ser
tomadas para evitar um colapso financeiro da zona do euro como um todo.
Primeiro, os depósitos bancários precisam ser protegidos. Se um euro depositado
num banco grego fosse perdido devido a um calote e saída da zona, um euro
depositado num banco italiano passaria imediatamente a valer menos do que um
euro em um banco alemão ou holandês, resultando em uma corrida aos bancos dos
países deficitários.
Além disso, alguns bancos nos países
inadimplentes teriam de ser mantidos em funcionamento para evitar um colapso
econômico. Ao mesmo tempo, o sistema bancário europeu teria de ser
recapitalizado e colocado sob supervisão europeia, em vez de fiscalização
nacional. Finalmente, os títulos governamentais emitidos por outros países
deficitários na zona do euro teriam de ser protegidos de contágio. (Os dois
últimos requisitos seriam aplicáveis mesmo que nenhum país resultasse
inadimplente).
Tudo isso custaria dinheiro, mas, nos
termos do regime existente acordado pelos líderes nacionais da zona do euro,
não há mais dinheiro mobilizável. Portanto, não há alternativa: é preciso criar
o componente que falta: um Tesouro europeu com poder de tributar e, portanto,
de captar empréstimos. Isso exigiria um novo tratado, transformando o Fundo
Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, em inglês) em um Tesouro propriamente
dito.
Mas isso pressupõe uma admissão de que
circunstâncias radicalmente distintas exigem mudanças de posicionamento,
particularmente na Alemanha. A opinião pública alemã continua acreditando que
pode optar por dar ou não seu apoio ao euro. Esse é um erro grave. O euro
existe, e os ativos e passivos do sistema financeiro mundial estão tão
mesclados em função da moeda comum que seu colapso poderia causar uma implosão
além da capacidade das autoridades alemãs - ou de qualquer outra - de contê-la.
Quanto mais tempo levar para que os alemães percebam esse fato nu e cru, maior
o preço que eles, e o resto do mundo, terão que pagar.
A questão é se o público alemão pode
ser convencido desse argumento. A chanceler Angela Merkel pode não ser capaz de
persuadir sua coalizão inteira dos méritos do argumento, mas poderia apoiar-se
na oposição para construir uma nova maioria que defenda o que é necessário para
preservar o euro. Tendo resolvido a crise do euro, ela teria menos a temer da
próxima eleição.
Preparar-se para o possível calote ou
a deserção de três pequenos países do euro não significa que esses países
seriam, necessariamente, abandonados. Ao contrário, a possibilidade de um
default coordenado - financiado pelos países da zona do euro e pelo Fundo
Monetário Internacional - proporcionaria à Grécia e Portugal opções de política
de governo. Adicionalmente, isso poria fim ao ciclo vicioso - que agora ameaça
todos os países deficitários na zona do euro - em que a austeridade enfraquece
suas perspectivas de crescimento, levando investidores a cobrar taxas de juros
proibitivas e, portanto, obrigando seus governos a reduzir ainda mais seus
gastos.
Sair da zona do euro facilitaria, para
os países em dificuldades mais graves, recuperar sua competitividade. Mas, caso
se disponham a assumir os sacrifícios necessários, poderiam também permanecer:
o EFSF protegeria os depósitos em seus bancos domésticos e o FMI ajudaria a
recapitalizar seus sistemas bancários, o que ajudaria esses países a escapar da
armadilha atual. Seja qual for o caso, não é de interesse da União Europeia
permitir que esses países entrem em colapso e arrastem consigo todo o sistema
bancário mundial.
Os países membros da UE, e não apenas
os pertencentes à zona do euro, precisam aceitar que é necessário um novo
tratado para salvar o euro. Essa lógica é clara. Assim, as discussões sobre o
que incluir em tal novo tratado deveria começar imediatamente, porque mesmo com
os líderes europeus sob extrema pressão para chegarem rapidamente a um
consenso, as negociações serão, necessariamente, um processo prolongado. Depois
que houver um acordo em torno do princípio fundamental, porém, o Conselho Europeu
poderia autorizar o BCE a preencher o vácuo, protegendo-o preventivametne
contra riscos de solvência.
A perspectiva de uma solução para a
crise da dívida soberana na zona do euro seria uma fonte de alívio para os
mercados financeiros. Mesmo assim, uma vez que os termos de um novo tratado
seriam, inevitavelmente, ditados pela Alemanha, seria quase certa uma grave
desaceleração da atividade económica. Isso poderia induzir uma mudança de
atitude adicional na Alemanha, o que, por sua vez, permitiria a adoção de
políticas anticíclicas. Nesse ponto, o crescimento em grande parte da zona do
euro poderia recomeçar.
A hora da virada cambial.
Roberto Giannetti da Fonseca é
economista e empresário, presidente da Kaduna Consultoria, e diretor titular de
Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo.
Dias atrás em reunião do Conselho
Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)
realizamos uma discussão extremamente esclarecedora acerca do mercado de
derivativos cambiais. Muitos leitores talvez não compreendam a importância
ímpar deste tema para o país e para suas próprias vidas, uma vez que a
indústria brasileira há tempos sofre os efeitos deletérios de um câmbio
sobrevalorizado, tendo os derivativos cambiais um papel predominante na
formação da taxa de câmbio do real.
Por conta dessa situação, mercados
para produtos brasileiros foram perdidos, muitas fábricas foram fechadas e
milhões de empregos desapareceram. A atual conjuntura econômica é propícia para
discutir o papel dos derivativos cambiais na economia, de forma a entender a
formação da taxa de câmbio brasileira, mas também para evitar que novas rodadas
de apreciação da moeda brasileira prejudiquem ainda mais os setores industriais
e a geração de empregos.
Primeiramente, o tema dos derivativos
de câmbio não deve ser tratado de forma estigmatizada. Esses instrumentos
financeiros não são de natureza inerentemente especulativa, muito pelo
contrário, eles são fundamentais para a atividade econômica na medida em que
reduzem incertezas associadas ao processo produtivo. Tampouco se deve minorar a
importância da BM&F como principal centro de negociação de derivativos e de
oferta de hedge para os agentes econômicos no Brasil. Essa instituição é
símbolo da sofisticação do sistema financeiro brasileiro e faz do mercado de
derivativos no Brasil um dos mais transparentes do mundo.
Contudo, deve-se reconhecer o caráter
dual e muitas vezes ambíguo do mercado de derivativos; ao mesmo tempo em que
ele reduz incertezas microeconômicas dos agentes que buscam hedge, ele
potencialmente aumenta as instabilidades macroeconômicas. Nos derivativos de
câmbio, esse problema ocorre quando um excesso de posições especulativas formam
tendências na taxa de câmbio e uma excessiva volatilidade da moeda. Quando a
especulação é dominante e, sobretudo, quando as apostas são feitas todas na
mesma direção, abre-se espaço para distorções da taxa de câmbio e para uma
arbitragem de agentes que ganham sempre, sem correr riscos. Dessa forma, pode
haver mercados de derivativos, onde a participação dos agentes de hedge seja
muito pequena e as transações sejam dominadas por agentes que tem como
propósito apenas a especulação e a arbitragem.
No Brasil, o processo de apreciação
cambial recente foi em parte conduzido por uma especulação sistemática,
conhecida como "carry trade", que no mercado de derivativos se
expressa na venda de contratos futuros de dólar para auferir o diferencial de
juros e apostar na apreciação do câmbio. A pressão vendedora dos especuladores
abre espaço para oportunidades de arbitragem contínuas de agentes que compram
dólar futuro para arbitrar entre as taxa de juros externas e o cupom cambial.
Com isso, os arbitradores são responsáveis por transmitir as tendências do
mercado futuro para o mercado à vista. Nesse contexto, diferentemente da máxima
que estabelece que "especulação boa é aquela que se anula por ser
bidirecional, e a arbitragem boa é aquela que termina no tempo como
consequência do próprio processo de arbitragem", no Brasil há longos
períodos de especulação unidirecional e arbitragem ininterrupta no tempo, por
conta da rigidez de suas variáveis, no caso, a elevada taxa de juros reais.
Essa forma de especulação e arbitragem permanente é anômala e insustentável a
médio e longo prazo
Nesses termos, a nova regulamentação
sobre o mercado de derivativos de câmbio tem a difícil tarefa de corrigir os
excessos e desvios do mercado, atentando para seu caráter desestabilizador. Ao
taxar os aumentos de posições vendidas dos agentes, o governo acertou em cheio
a engrenagem especulativa que influi na dinâmica da apreciação cambial. No
entanto, essas medidas devem ser aperfeiçoadas de forma a preservar ao máximo
as características benignas do mercado de derivativos de câmbio, quais sejam:
de oferta de hedge para o setor produtivo e para atividades financeiras.
Para tal, é preciso criar instrumentos
para identificar os diferentes agentes no mercado de derivativos, de forma a
segregar os agentes que fazem hedge daqueles que especulam. Uma vez identificados,
a intervenção do governo no mercado de derivativos de câmbio deve isentar do
pagamento do tributo os agentes que utilizam o mercado para operações de hedge.
Em especial, as empresas não financeiras que fazem cobertura de suas atividades
comerciais e produtivas. Além disso, deve-se atentar para o papel dos bancos
comerciais no mercado de derivativos que, por muitas vezes, operam para fazer
hedge de suas operações de crédito, como por exemplo, ao fazer cobertura
cambial das operações de ACC, ou de passivos em moeda estrangeira junto a seus
clientes.
No decorrer do processo de
implementação das novas regras sobre os derivativos de câmbio, é natural que
haja reações contrárias de alguns setores da sociedade, afinal, há agentes
financeiros que são diretamente prejudicados. Da mesma forma, se o objetivo for
de reduzir a especulação com o câmbio, é inevitável que haja uma redução do
volume financeiro da BM&F. Porém, o benefício de uma taxa de câmbio isenta
de distorções financeiras supera os pontuais efeitos negativos das medidas.
Ademais, o debate acerca do tema deve superar velhos dogmas, como a visão de um
mercado financeiro harmônico onde a especulação é estabilizadora, cenário este
que há tempos já foi abandonado por economistas de diversas escolas de
pensamento e que hoje reconhecem o potencial desestabilizador de mercados
excessivamente desregulados e especulativos.
Recentemente afirmei num outro artigo
que o especulador é um covarde, e que ao pressentir um aumento de risco, desfaz
sua aposta e sai do mercado. Neste caso dos derivativos cambiais, bastou o
anúncio das medidas de intervenção e de regulação no mercado em fins de julho
passado, para que as operações de "carry trade" fossem drasticamente
reduzidas e a tendência de desvalorização do real se acentuasse a partir da
segunda quinzena de agosto. Podemos concluir que a covardia superou a ganância,
e que a indústria brasileira respira aliviada pela mudança de ventos na
tendência da taxa de câmbio e de juros praticados na economia brasileira.
Como sair desta enrascada?
MOISÉS NAÍM, hoje na FOLHA DE S. PAULO,
pergunta e responde didaticamente “Como sair desta enrascada?”
Ninguém sabe como vão evoluir as
convulsões que estão transformando as economias europeias. Mas, num momento em
que é tão difícil prever o que está por vir, é útil recorrer à história.
A análise de grande número de crises desse tipo em países diversos permitiu à economista Carmen Reinhart identificar as cinco táticas mais comuns que já foram usadas por países altamente endividados para reduzir suas dívidas.
1. Crescer. Trata-se de ir saindo do problema, ampliando a economia. À medida que esta cresce, aumentam as receitas fiscais e diminui a dívida como proporção do tamanho da economia. Muitos países já o tentaram; poucos conseguiram.
2. Deixar de pagar. Em linguagem mais técnica, é moratória, cessão de pagamentos, reestruturação da dívida, "default" ou "Plano Brady". Consiste, na prática, em que os países notifiquem a seus credores que lhes pagarão menos que o que lhes devem e que o farão em um prazo maior que com o qual se comprometeram inicialmente. Reinhart descobriu que, desde sua independência, em 1832, a Grécia esteve em moratória 48% do tempo. A Argentina é usuária frequente dessa tática.
3. Austeridade. Esse é um tema tão dolorosamente familiar para os europeus, hoje, quanto foi nos anos 1990 para latino-americanos, russos e asiáticos. Implica em draconianos cortes nos gastos públicos, tanto nos gastos supérfluos como nos que não o são tanto. Reduz a dívida, mas também leva manifestantes às ruas e, às vezes, derruba governos.
4. Inflação. Quando aumentam os preços, o valor da dívida nessa moeda diminui tanto quanto a taxa de inflação. A inflação é ruim para a economia, especialmente para os assalariados, e alivia o problema do endividamento de uma maneira menos politicamente estridente. Mas não resolve o problema do endividamento em outras moedas.
5. Repressão financeira. Acontece quando os governos tomam medidas que canalizam para eles recursos que, de outro modo, seriam destinados a outras finalidades ou sairiam da economia. O arsenal que inclui essas medidas é diversificado, tentador, perigoso e... frequentemente utilizado. Inclui a imposição de limites aos juros pagos pelo governo, a obrigação dos bancos usarem dívida pública como parte de suas reservas, a estatização do sistema bancário ou parte dele ou a imposição de controles ao livre fluxo internacional de capitais. Soa extremo, e é. Mas esteve na moda nos países menos desenvolvidos entre os anos 1960 e 1980. Carmen Reinhart, que suspeita que possa vir outro auge de medidas desse tipo, recorda que elas também foram comuns nos EUA e outros países desenvolvidos entre 1945 e 1980 e que foram críticas para ajudar a "liquidar" as dívidas acumuladas na 2ª Guerra Mundial.
É evidente que nenhuma destas cinco táticas exclui as demais; em especial, a inflação e a repressão financeira frequentemente se acompanham. Em meio à confusão, este esquema ajuda a entender muitas das notícias que nos estarão chegando da Europa.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Heterodoxos.
ANTONIO DELFIM NETTO escreveu hoje sobre os
“Heterodoxos”. Neste caso, vale a minha pergunta: como ficamos os ortodoxos?
Entre outras vantagens, a recente decisão do Copom de reduzir -de surpresa e para espanto geral- 50 pontos na taxa Selic, teve a virtude de reabrir uma vexatória questão que cerca os economistas. Há, mesmo, duas teorias, uma ortodoxa e outra heterodoxa: a primeira professada pelos "bons e oniscientes" e a outra pelos "maus e mal informados" economistas?
O problema inicial é reconhecer que só existem "heterodoxos" se o instrumento de aferição for um "modelo" que resistiu, até o presente, a todos os desafios empíricos, o que não é o caso.
Por outro lado, por exemplo, temos a interpretação quântica da realidade física que ninguém sabe bem o que é, mas funciona maravilhosamente! Ora, com relação à macroeconomia é exatamente o contrário: todo mundo pensa que sabe o que é, mas não funciona! O problema da microeconomia é menos grave: com métodos estatísticos confiáveis é possível, em certas circunstâncias, fazer experimentos "críticos".
Alguém, em sã consciência, pode afirmar que antes de 2009 existia uma macroeconomia canônica que incorporava os efeitos "não intencionais" da auto-organização das redes estimuladas pelas inovações financeiras?
Na macroeconomia, a única "ortodoxia" reside nas identidades da Contabilidade Nacional porque elas são resultado de convenientes definições. Tentar violá-las é, sim, um ato de "heterodoxia", mas não se trata de uma "teoria", é apenas ignorância de um princípio lógico inexorável: a soma das partes não pode ser maior do que o todo!
Existe algo na famosa Teoria Monetária, da qual se acreditam portadores alguns brilhantes economistas, que se possa aceitar como o intransponível cânone da ortodoxia? Claramente, não!
O regime de "metas inflacionárias", indiscutivelmente útil para a boa gestão do processo econômico e para a redução dos atritos entre o capital e o trabalho na distribuição dos ganhos de produtividade, é apenas um expediente.
Controlado por três equações que exigem o conhecimento de dois parâmetros altamente ilusíveis (e, portanto, sujeitos a discussão): a taxa real de juro neutra e o produto potencial, que pode ser discutido sem que isso possa ser classificado como heresia.
Lembremo-nos, apenas, que os mesmos economistas, há pouco tempo, acreditavam na mágica das "expectativas racionais" como o "estado da arte" da ortodoxia!
Podemos e devemos divergir (porque é assim que aumenta nosso conhecimento), mas é ridículo dizer que a política do Banco Central namora a "heterodoxia". Por quê? Pela simples e boa razão religiosa que, infelizmente, a "ortodoxia" não existe...
terça-feira, 13 de setembro de 2011
Ciência ou aumento da incerteza?
Antonio Delfim Netto é professor
emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento e
escreveu o artigo abaixo para o VALOR ECONÔMICO.
Um velho companheiro, tecnicamente
muito bem apetrechado e experiência prática indiscutível (comprovada por seu
patrimônio), pelo qual nutro uma amizade e respeito que vêm dos bancos da
FEA-USP, desde 1946, observou que tenho exagerado quando afirmo que "a
teoria monetária que utilizam alguns competentes economistas ainda não
existe". Respondo que talvez, apenas talvez...
Quando olho para os últimos 60 anos,
desde quando estudamos, eu e ele, sob a severa vigilância do ilustre professor
Dorival Teixeira Vieira, o sólido "Money" (Robertson, D., 1948), da
coleção dos Cambridge Economic Handbooks, editada por J. M. Keynes, até o
último livro que tive a oportunidade de ler, o sofisticadíssimo "Monetary
Theory and Policy" (Walsh, C.E. 3ª edição, 2010), vejo um enorme avanço de
modelagem matemática e um tremendo acúmulo de pesquisas empíricas.
Superficialmente, pelo menos, isso
deveria negar a minha afirmação. O problema é que, no fundo, o
"progresso" teórico e empírico foi apenas a perda contínua da nossa
ingenuidade: jogamos fora nossas certezas, construindo novas que foram cada vez
mais rapidamente destruídas. Esse movimento, que tem a aparência de um avanço
"científico", esconde o que ele realmente foi: apenas um processo de
substituir incertezas menores por incertezas maiores.
Apenas um festival de imaginação
expressa em linguagem matemática
A primeira ilusão destruída foi a de
que podíamos controlar a oferta da moeda (mesmo quando havia dificuldade de
saber a que seria funcional para o controle da inflação) através da manipulação
dos famosos "multiplicadores". Esses dependiam da decisão da
autoridade monetária (a fixação das reservas bancárias obrigatórias), do
comportamento do sistema bancário (a escolha da reserva "excedente"
que lhe dava conforto) e da disposição do público de dividir sua liquidez entre
dinheiro no bolso e depósito bancário.
A primeira era uma ação discricionária
da autoridade, tomada provavelmente como reação à forma que ela via a
"conjuntura". As outras duas dependiam de como o sistema bancário e
os outros agentes econômicos a interpretavam. Em poucas palavras, não era o
estado da "conjuntura" que era influenciado pela oferta de moeda, mas
essa era resultado daquele. Além do mais, havia uma dúvida razoável se a oferta
e a demanda de moeda que estabelecem a taxa de juro eram, mesmo, independentes.
O alívio a essa incômoda situação veio
de W. Poole (1970), quando perguntou ao modelo macroeconômico então vigente
(IS-LM) o que seria melhor para a estabilização do PIB (com preços fixados):
controlar a taxa de juros ou os meios de pagamentos? Comparando as variâncias
do PIB sob os dois regimes, ele mostrou que a flutuação do PIB seria menor com
o controle da taxa de juros, o que acabou mudando toda a política monetária.
Trabalhos posteriores foram refinando
e tornando mais incerta a conclusão simplista, principalmente numa economia
aberta com câmbio flexível. A verdade é que ainda não podemos distinguir, por
exemplo, se diante de uma alta de juros, ela é produto de um deslocamento para
cima da curva de oferta global, ou de um deslocamento para cima dos meios de
pagamentos, ou, talvez, de uma combinação dos dois.
Antes da crise de 2007-09, depois de
superar a mistificação do século - a teoria das "expectativas
racionais" -, o limite superior dos sucessivos
"aperfeiçoamentos" da ciência e da política monetárias foi o modelo
estocástico dinâmico de equilíbrio geral (DSGE) matematicamente sofisticado,
mas de duvidosa utilidade, pois não incorporava o crédito. Uma simplificação
desse modelo acabou no regime de "metas inflacionárias" construído
com três equações que, implicitamente, supõe que o Banco Central conhece, verdadeiramente,
como funciona o circuito econômico e, na prática, exige o conhecimento de
variáveis não observáveis.
Depois de 2009, houve uma nova corrida
teórica e empírica para incorporar ao DSGE os mercados financeiros, da qual o
BC do Brasil participa. Mas mesmo aqui, o processo continua ampliando o número
de variáveis não observáveis e o conhecimento de suas variâncias, como se a
"estrutura temporal" fosse invariante (ergodica) e as variâncias
conhecidas e constantes.
No fundo não se aumentou o conhecimento,
mas sim o fingimento escondido na construção imaginária de novos parâmetros com
variância estimável para o passado, mas incapazes de extrapolação para o
futuro.
Trata-se apenas de uma nova versão da
piada dos três náufragos, um físico, um químico e um economista, que numa ilha
deserta encontram uma lata de feijão e precisam abri-la. O físico propõe
abri-la com um golpe de pedra; o químico propõe esquentá-la e fazê-la explodir
sob a pressão interna, ambos com riscos de perder o conteúdo. O economista logo
corrige os dois. É simples e seguro, suponham que temos um abridor de latas...
A "ciência" monetária ainda
não é. Por enquanto, é apenas um festival de magnífica imaginação expressa em
linguagem matemática. Isso implica que devemos tomá-la com cuidado e precaução
para o exercício da política monetária, mesmo com o "dernier cri"
modelo do nosso Banco Central.
Finalmente a independência do BC.
Yoshiaki
Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e
diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas -
FGV/EESP, escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.
O Banco Central (BC) tomou a decisão
de reduzir em 0,5 ponto percentual a sua taxa de juros, o que surpreendeu o
mercado financeiro. Os seus "porta vozes", por meio da imprensa,
falaram em quebra de "protocolo", da "liturgia" e na
subversão aos "princípios mais valiosos" do sistema de metas de inflação.
Isso teria deixado o mercado "perplexo" segundo a imprensa. Mas,
afinal, qual era esse protocolo ou liturgia a que o mercado estava acostumado?
Quais eram esses "princípios mais valiosos do sistema de metas de
inflação" que o BC teria abandonado?
De fato, o BC, que não tem na sua
diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias
anteriores, surpreendeu os tesoureiros e economistas dos bancos privados, que
estavam acostumados a uma relação, no mínimo, promíscua. Nessa relação, o Banco
Central reagia às expectativas de inflação dos economistas dos bancos privados,
materializadas na pesquisa Focus e nas taxas de juros futuras das operações
efetuadas pelas tesourarias.
Na véspera das reuniões do Copom, a
imprensa fazia a pesquisa informando o Banco Central, qual o aumento ou redução
em que a maioria dos bancos e empresas de consultoria apostavam. Lógico que a
maioria sempre acertava. Esse era o protocolo ou a liturgia seguidos pelas
diretorias anteriores do Banco Central sempre ocupados por funcionários do
sistema bancário. Na última reunião de agosto, esse protocolo foi de fato
abandonado. Daí a grande surpresa e perplexidade do mercado financeiro. A
rigor, o BC finalmente tornou-se independente do mercado.
Banco não tem na sua diretoria atual
funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores
Nesse protocolo ou liturgia
prevaleciam, evidentemente, os interesses dos mercados financeiros. Se as
expectativas de inflação e de taxas de juros futuras do próprio mercado
financeiro guiavam as decisões do Banco Central, os riscos de erros nas
projeções eram minimizados e as possibilidades de ganho maximizadas. Vale
lembrar que, no Brasil, o Banco Central fixa a taxa Selic, que é a mesma dos
títulos públicos de longo prazo e, que serve de base (CDI) para a fixação das
demais taxas de juros ativas e passivas. Assim, a indexação dos ativos
financeiros à taxa diária Selic/DI elimina o risco da variação da taxa de juros
e, tal "protocolo" entre o mercado e o Banco Central reduzia o risco
de erros de expectativas. A dita "perplexidade" do mercado é
compreensível, pois agora aumentam os riscos de serem surpreendidos se errarem
nas as suas projeções.
Outro aspecto que merece atenção é que
muitos economistas de bancos ou de consultorias ligadas ao mercado financeiro
imputam a última decisão do Banco Central como subversão das regras
("princípios mais valiosos") da política monetária baseada em metas
de inflação. Nada mais longe da verdade. A rigor, o sistema de metas que
tínhamos no Brasil, era um arremedo do verdadeiro. Como a variação da taxa de
juros tem uma defasagem longa, de seis a 12 meses, para ter efeitos mais
relevantes sobre o lado real da economia (demanda agregada) e sobre a inflação,
a taxa de inflação relevante, que tem que ser monitorada, é a taxa estimada
para os próximos seis a 12 meses. Portanto, o sistema de metas pressupõe um bom
sistema de previsão de inflação futura para compará-la com a meta e daí tomar a
decisão de mudar a taxa de juros. No Brasil, além de considerarmos a inflação
medida e acumulada de doze meses, portanto, referente ao passado, estamos
presos à inflação calendário.
Além da inflação passada de 12 meses
dificilmente ser uma projeção correta da inflação futura, a não ser por acaso,
não consideramos nem mesmo a inflação contemporânea. Se esta for mais relevante
para extrapolarmos para o futuro, a taxa de juros deverá ter um comportamento
completamente diferente do nosso caso.
Por exemplo, a taxa de inflação de
agosto foi de 0,37%, portanto, anualizando temos como taxa de inflação
referência 4,5%, coincidindo com a meta. A taxa de juros deveria ser muito
menor. Ao utilizarmos a inflação passada de 12 meses como referência, temos que
manter a taxa de juros em níveis elevados mesmo que as pressões inflacionárias
efetivas tenham desaparecido e a inflação contemporânea esteja dentro da meta.
É compreensível que aqueles que ganham com juros elevados defendam os
"princípios mais valiosos" da atual regra.
Outro aspecto que chamou a atenção dos
"porta-vozes" do sistema financeiro é que o BC não está considerando
só a taxa de inflação, mas o crescimento da economia, como se isso fosse um
pecado mortal praticado pelo banco. Novamente, isso representa uma ignorância
sobre o sistema de metas de inflação ou a defesa de interesses setoriais. O
sistema de metas pressupõe que a taxa de juros afeta a inflação por diversos
canais, entre eles o da demanda agregada ou o hiato do produto. A taxa de juros
não afeta diretamente a inflação. Assim, ao elevar a taxa de juros, o Banco
Central pretende eliminar o excesso de demanda ou atingir o hiato zero para
assim controlar a inflação.
O Banco Central do Brasil agiu de
forma correta se seus estudos técnicos e as projeções de seus modelos indicam
tanto a desaceleração do nível de atividade econômica, como a queda nas
pressões inflacionárias nos próximos 12 meses. Se isso for verdade, estamos
mais próximos de um verdadeiro sistema de metas. Se acrescentarmos que o
ministro da Fazenda anunciou um aperto fiscal maior para poder afrouxar a
política monetária, estamos iniciando uma nova era e podemos caminhar para um
novo regime de política macroeconômica compatível com crescimento acelerado e
sustentado.
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
John Nash é a entrevista da semana na Folha.
Nesta 2ª a FOLHA entrevistou o Nobel John Nash diretamente de Lindau - Alemanha, no 4º Encontro de Ciências Econômicas de Lindau. Recordo a todos os meus quase dois (milhões) de fiéis leitores que o filme "Uma Mente Brilhante", baseado na vida do matemático John Nash também merece ser visto.
Aos 83 anos, John Nash, ganhador do Nobel de Economia em 1994, é simples e direto ao falar sobre dinheiro.
O matemático americano enxerga uma dependência tamanha do dinheiro que as pessoas "deixaram de raciocinar" sobre sua eficiência.
Contra esse processo, ele propõe a criação do "dinheiro ideal", conceito que tem divulgado com serenidade e que o destacou em evento que reuniu em Lindau, na Alemanha, outros 16 premiados com o Nobel de Economia.
Talvez por ter se tornado mais
popular do que a maioria dos premiados após sua história ser retratada no filme
"Uma Mente Brilhante" (Ron Howard, 2001), que mostrou sua luta contra
a esquizofrenia, o matemático foi o mais assediado por jovens economistas. A
eles o gênio da Teoria dos Jogos, que introduziu na economia a relevância da
interação de dois ou mais indivíduos na tomada de decisões, exibe paciência
ímpar para fotos, autógrafos e abraços.
À Folha, em entrevista
exclusiva, ele explica seu conceito de "dinheiro ideal".
Folha - Em sua teoria do "dinheiro ideal", o senhor propõe uma moeda baseada em um índice composto por preços de commodities. Por quê?
John
Nash - A ideia é ter como referência para
o valor do dinheiro itens que sejam muito utilizados pela indústria. A primeira
publicação dessa teoria foi em 2001. Inicialmente, eu havia pensado no ouro,
que já foi referência de moedas no passado. Mas hoje seria mais difícil basear
uma moeda em ouro porque sua extração é limitada e mais difícil. Assim, a
melhor solução seria o ICPI (Índice de Preços do Consumo Industrial, na sigla
em inglês), que poderia naturalmente ser calculado a partir dos preços do
mercado global de itens como cobre e platina, e daria à moeda um valor mais
real.
Petróleo
e alimentos poderiam entrar nesse índice? E qual seria o peso de cada
commodity?
Sim, a composição
do índice poderia levar em conta as commodities mais estratégicas, inclusive as
ligadas a energia, e o peso seria diferente, conforme a importância de cada uma
delas. Amadurecendo a ideia, creio hoje que um tipo de autoridade ou agência
poderia estabelecer qualquer versão do "dinheiro ideal". Uma
possibilidade seria preparar uma agência, concebível como FMI (Fundo Monetário
Internacional) ou o Banco Central Europeu, para essa finalidade.
Esse
"dinheiro ideal" seria usado para negociação internacional?
Poderia
ser usado como o euro. Estamos falando teoricamente, mas poderia ser uma moeda
para negociação internacional, dependendo dos países que a adotassem. O
importante é se levar em conta que, com uma referência, o valor da moeda é mais
previsível ao longo do tempo, como foi com o dólar no passado, quando ele tinha
equivalência com determinada quantidade de ouro. Essa noção de equivalência
quantificável favorece contratos de longo prazo nas negociações internacionais,
pois é mais fácil prever o valor da moeda no tempo. Se uma moeda não tem
estabilidade e confiabilidade ao longo do tempo, isso afeta os negócios e
perturba os contratos.
A
estabilidade da moeda, então, seria a principal diferença entre o
"dinheiro bom" e o "dinheiro ruim"?
Pensando
em termos de propósito, a função do dinheiro -de facilitar a transferência de
vantagens de um lugar para outro- poderia ser desempenhada tanto pela moeda da
Tailândia quanto pela da Suíça. Mas há diferenças em razão da estabilidade de
cada moeda, que ficam mais evidentes pensando em contratos de longo prazo.
Considere uma sociedade na qual o dinheiro em uso está sujeito a uma rápida e
imprevisível taxa de inflação, de modo que a unidade que hoje vale 100 possa
cair para algo entre 50 e 10 em um período de um ano. Você iria querer empresar
dinheiro por um prazo de um ano?
Assim, é possível ver como a qualidade do dinheiro influencia áreas da economia que envolvem financiamento com créditos de longo prazo.
Assim, é possível ver como a qualidade do dinheiro influencia áreas da economia que envolvem financiamento com créditos de longo prazo.
Assim,
qual sua crítica a economistas "keynesianos" [que defendem
intervenção maior do Estado na economia]?
Vamos
definir "keynesiano" como o termo para descrever uma escola de
pensamento que se originou na época da desvalorização da libra e do dólar nos
anos 30. O ponto é que a visão keynesiana favorece a existência de bancos
centrais que manipulam por objetivos de "bem-estar econômico" e estão
pouco preocupados com a reputação de longo prazo da moeda nacional, assim como
com os efeitos disso na reputação das instituições financeiras domésticas.
O
senhor fala em estabelecer a confiança como padrão de cultura de negociação.
Como a moeda contribui para isso?
Na
minha visão, se houver confiança em relação à previsão de valor de uma moeda,
que é um meio de troca, isso favorecerá a formação de contratos de negócios. E
um padrão geral, seja em um Estado ou em uma zona com regras estabelecidas, irá
se tornar efetivamente parte da cultura de negócios, que fica mais favorável.
O
senhor já imaginou um nome para a "moeda ideal" e acredita que ela se
torne realidade?
Nunca
pensei em nenhum nome; dependeria do contexto político de sua criação. É algo
teórico. Creio que sua implementação seja de longo prazo, dependendo das
autoridades monetárias. Historicamente, nos tornamos dependentes do dinheiro,
controlados e motivados pelo desejo de termos cada vez mais e não perdermos o
que temos. Perdemos a capacidade de raciocinar a respeito do dinheiro, como
fazemos em relação a uma tecnologia, para avaliar como esse mecanismo é usado
com maior ou menor eficiência. O dinheiro existe para transferir vantagens de
um lugar para outro. E uma moeda com valor mais estável favorece essa
transferência.
VALOR entrevista TOMBINI.
Para quem deseja conhecer como funciona o cérebro do Banco
Central, leia com atenção a longa entrevista que o presidente do Banco Central
Alexandre Tombini, concedeu com exclusividade a jornalista Claudia Safatle, do VALOR
ECONÔMICO.
O corte de
0,5 ponto percentual na taxa de juros, na reunião do Copom do dia 31, teve um
claro objetivo: "neutralizar a desaceleração da atividade econômica
decorrente da piora no quadro internacional". O Comitê de Política
Monetária calculou que se o rebaixamento geral do crescimento nas economias
centrais representar para a economia brasileira 25% dos efeitos da crise de
2008/2009, isso resultaria numa perda de 1,25 ponto percentual no PIB, disse o
presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ao Valor.
O
desaquecimento adicional, decorrente esperada redução nos próximos meses da
corrente de comércio, dos investimentos externos e do crédito, viria se
sobrepor à desaceleração em curso e que será sentida com maior intensidade no
segundo semestre. A inflação, que entre agosto e setembro bateu no teto da
meta, começa a ceder a partir de outubro. Ele explicou que no cenário
alternativo (que consta da ata do Copom), mesmo com os juros em queda e o
câmbio depreciando como nos últimos dias, a projeção de inflação é mais baixa
do que seria se os juros tivessem sido mantidos em 12,50%. "Não estamos
apostando em catástrofe. Apostamos numa desaceleração do crescimento mundial e
numa crise mais prolongada do que em 2008."
Em entrevista ao
Valor concedida na sexta-feira, pouco antes de embarcar para a reunião do
Comitê da Basileia, na Suíça, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini,
explicou as razões para o corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic: a
deterioração do quadro internacional, com um rebaixamento geral do crescimento
nas economias centrais, coincide com o processo de moderação do crescimento da
economia brasileira. Manter os juros inalterados representaria uma
"overdose" de desaceleração. Seguro da decisão tomada, a despeito das
críticas do mercado, ele negou que o Copom tenha sido pressionado pela
presidente Dilma Rousseff e que o BC tenha abandonado o regime de metas para a
inflação. A seguir, a entrevista:
Valor: Em
julho o Copom aumentou a Selic em 0,5 ponto percentual e em agosto cortou a
taxa em valor equivalente. Por que a mudança?
Alexandre
Tombini: Em julho já tínhamos em mente que se o cenário internacional
piorasse, teríamos que sentar e revisar a estratégia. E ele mudou. Primeiro,
houve a constatação de que a economia americana vai crescer muito menos do que
se esperava. No início do ano as projeções indicavam crescimento de 3,5% a 4%.
Em julho, as expectativas eram de um crescimento de 2,5% e hoje fala-se em
1,6%. No dia 9 de agosto, o Federal Reserve decidiu postergar por pelo menos um
ano o início do ajuste monetário, que passou do segundo semestre de 2012 para,
no mínimo, o segundo semestre de 2013. O Banco Central Europeu começou a
indicar que poderia mudar de estratégia. O presidente do BCE (Jean Claude
Trichet), anunciou, na semana passada, que não vai subir os juros.
Valor: Em
dois momentos o mercado ficou tenso com as decisões do Copom. Em março, quando
esperava alta de 0,75 na Selic e o comitê deu 0,5 ponto. E na última reunião,
quando reduziu o juro em 0,5 ponto percentual. O que leva o BC a estar tão
seguro das suas decisões?
Tombini: O BC
fez dois ajustes de 0,50 pontos em janeiro e março e depois mais três de 0,25,
elevando a taxa em 1,75 ponto para desacelerar o crescimento da economia,
alinhar oferta e a demanda e trazer a inflação de volta à meta. Nos primeiros
três meses, tínhamos uma inflação acumulada de 2,4% e, para conduzi-la para o
centro da meta de 4,5%, teríamos que ter um IPCA de 2% acumulado em nove meses.
Isso não fazia sentido. Demos um novo horizonte para o mercado, levando a meta
de 4,5% para 2012,, reduzimos o aperto de 0,50 para 0,25 e colocamos a ideia de
que faríamos isso por um período suficientemente prolongado para chegar à
convergência em 2012.
Valor: Já
havia, aí, o risco da crise externa?
Tombini: Durante
esse período enfatizamos a complexidade do cenário internacional, que exigia
esforço analítico redobrado. Havia um conjunto de choques extraordinário, mas
os mercados estavam descontando esses choques por causa da grande liquidez.
Descontou a primavera árabe, o terremoto, seguido do tsunami e do acidente
nuclear no Japão e a piora das dívidas soberanas na Europa.
Valor: Houve uma
trégua?
Tombini: Em
abril, as coisas melhoraram. Comunicamos que a inflação mensal cairia, pela
sazonalidade, para níveis compatíveis com o centro da meta. O mercado se
adiantou e passou a prever até uma deflação no IPCA. Nunca previmos deflação no
IPCA. Tínhamos em mente uma evolução de 0,10%, 0,20% e 0,30% entre junho e
agosto. Deu 0,15%, 0,16% e 0,37%. Ou seja, 0,7 a mais do que prevíamos no
início de junho. Comunicamos que o pico da taxa de inflação de 12 meses seria
em agosto/setembro e depois disso a taxa começaria a retroceder. O que se
espera é uma redução de 1,8 a 2 pontos percentuais entre outubro e abril/maio.
Valor: Por
que esse recuo?
Tombini: Não
esperamos a puxada nos preços das commodities como em 2010 e a economia
brasileira já está desacelerando. E há o efeito base, porque a inflação na
média, entre outubro e abril, foi de 0,8% ao mês e agora será menor.
Valor: Foram
as notícias do exterior, então, que pesaram no corte de 0,5 ponto em agosto?
Tombini: Mudou o
cenário. Houve revisão do crescimento na área do euro e nos Estados Unidos. No
Japão, espera-se uma contração maior. Julho explicitou, por um lado, a vontade
das lideranças europeias de resolver os problemas, mas, enfim, a implementação
é tudo. Tivemos uma conferência telefônica em meados de julho - dos presidentes
de bancos centrais - e finalmente houve aquela reunião de cúpula em que
acertaram a ampliação do escopo de atuação do fundo de estabilização europeu.
Ótimo, mas ficou claro que a implementação seria difícil. São 17 congressos...
E houve, ainda, toda a discussão interna sobre o teto da dívida nos Estados
Unidos, que também explicitou os problemas lá.
Valor:
Enquanto isso, a economia doméstica já estava desacelerando. Poderia haver uma
overdose no freio?
Tombini: Os
dados do segundo trimestre mostram que começamos a desacelerar. O PIB foi de
0,8%. O plano de voo era moderar o crescimento. Em cima disso, agora, você
adiciona a deterioração internacional.
Valor: Mas
até agora só a indústria desaqueceu. O setor de serviços e o mercado de
trabalham continuam bem aquecidos, não?
Tombini: Não é
só a indústria. Os serviços e o mercado de trabalho ainda estão dinâmicos mas,
na margem, está se criando menos empregos que no primeiro semestre de 2008 e de
2010. Esses são os últimos setores da economia a sentir o desaquecimento, mas o
setor de serviços não vai ficar sozinho. O crédito também desacelera. O estoque
ainda cresce 19%, mas as novas concessões têm retração.
Valor: As
medidas para conter a expansão de crédito tiveram algum efeito, mas depois ele
voltou a crescer. Não seria preciso adotar novas medidas?
Tombini: O BC
nunca abre mão das suas prerrogativas e medidas.
Valor: Os
bancos públicos não estão expandindo demais?
Tombini: O BNDES
tem dado uma moderada. A Caixa tem o crédito imobiliário que estamos olhando
com cuidado. Mas, concluindo, os índices de confiança tanto do consumidor
quanto do empresário têm caído. E o nível de utilização da capacidade ociosa na
indústria tem recuado de forma significativa. É um fenômeno mundial. Há uma
sincronização de queda da produção, numa virada recente.
Valor: O que
significa essa piora em números? A ata do Copom menciona que esta crise pode
corresponder, em seus efeitos sobre o país, a 25% do que ocorreu em 2008/2009.
Tombini: Em
2008/2009 houve uma contração de 5 pontos percentuais do PIB. Um quarto disso
daria 1,25 ponto percentual de perda de produto agora.
Valor: E na
inflação, qual seria o impacto de um menor crescimento?
Tombini: O que
sabemos é que já havíamos encomendado a desaceleração. Comunicamos que os
efeitos das políticas monetária e fiscal seriam mais sentidos no segundo
semestre. O crescimento no terceiro trimestre vai ser menor do que o 0,8% do
segundo trimestre e começaremos 2012 com um carregamento bem baixo. Junta-se a
isso uma virada no cenário internacional. O movimento do Copom foi para
neutralizar esse adicional de desaceleração.
Valor: Pode
haver uma forte desvalorização do real ante o dólar?
Tombini: Após
reunião do Copom o real já se desvalorizou 4,19%. [Tombini pega uma tabela com
as principais moedas e mostra que o euro se desvalorizou mais, 4,52%, a lira
turca, 4,57% e o franco suíço, 8,74%].
Valor: Se
houver uma desvalorização importante da moeda, o quanto o repasse do câmbio
pode prejudicar a meta de inflação?
Tombini: O
repasse ("pass through") é muito menor do que já foi. Hoje é baixo, é
cerca de 3% no curto e de até 8% no longo prazo. Mas depende porque
desvalorizações bruscas, em geral, vêm acompanhadas de outras coisas.
Obviamente se houver um "overshooting", o mercado vai ficar
disfuncional. Em 2009 o câmbio foi de R$ 1,55 para R$ 2,50 e, ao mesmo tempo, a
inflação caiu de 5,90% para 4,30%. Nesse período, baixamos os juros e
expandimos o fiscal. Mas não vai haver overshooting no câmbio se não houver
outras condições que também afetem a inflação. Só estou lembrando que o efeito
líquido em 2009 foi desinflacionário porque o movimento foi acompanhado de uma
parada da produção industrial e de contração do PIB.
Valor: Isso
pode voltar a ocorrer?
Tombini: Não
estamos apostando em catástrofe. Estamos apostando numa desaceleração do
crescimento internacional e numa crise mais prolongada do que em 2008. Basta
olhar os governos ao redor do mundo. Está quase todo mundo com juros negativos
ou juro real muito pequeno. No Brasil, os juros são de 12% para uma inflação
que está no pico de 7,23%. Faz quem pode.
Valor: Mas a
inflação de serviços está alta, a renda cresce e o mercado de trabalho está
aquecido. Não é um risco para a meta em 2012?
Tombini: O
mercado de trabalho cresce menos. O crescimento da renda também tem a ver com o
fato de que tivemos inflação baixa em junho e julho e, portanto, ela foi
deflacionada por índices mais baixos.
Valor: Para
cumprir a meta de inflação seria suficiente um desaquecimento do mercado de
trabalho ou teria que haver desemprego?
Tombini: No
horizonte que estamos trabalhando, desaceleração é suficiente.
Valor: E
serviços será o último setor a sentir a desaceleração?
Tombini: A
desaceleração da indústria bate no chão de fábrica que é vinculado ao setor de
serviços. Ele vai sentir a desaceleração.
Valor: O BC
conta com uma queda nos preços das commodities?
Tombini: A conta
é que elas não sobem. Não contamos com queda de preços.
Valor: Os
críticos, sobretudo após a última reunião do Copom, dizem que o BC abandonou o
regime de metas para a inflação e agora persegue três objetivos - inflação,
crescimento e taxa de câmbio.
Tombini: Nossa
meta é uma só, de inflação. Em relação ao câmbio já falei várias vezes, desde
de janeiro, que o câmbio não refletia só os fundamentos, mas também a situação
extraordinária de liquidez no mundo. Então é valido o que fizemos, que foi
tirar a capacidade do mundo se alavancar contra o dólar no Brasil. Reduzimos as
posições vendidas que o mercado tinha de US$ 17 bilhões. Em julho baixamos o
limite para US$ 1 bilhão e hoje é menor. Se dá um choque, um evento
internacional, reverter uma posição de US$ 17 bilhões para um mercado que gira
em torno de US$ 2 bilhões ao dia, daria um estresse como quando a taxa de
câmbio passou de R$ 1,55 para R$ 2,50. Trabalhamos para reduzir a probabilidade
de que isso ocorra e acho que tivemos sucesso. Tivemos momentos de estresse e
nosso câmbio, agora, mexeu pouco. Se não tivéssemos adotado medidas quando a
posição vendida era de US$ 17 bilhões, hoje ela estaria em US$ 30 bilhões.
Valor: E os
reajustes salariais preocupam?
Tombini: O
governo tem segurado os aumentos no setor público e há uma moderação nos
dissídios do setor privado. De janeiro a julho, foram 398 convenções coletivas.
A média dos reajustes começou com 8,60% em janeiro e caiu para 7,14% em abril.
Em maio houve uma subida para 8,24% que depois caiu para 7,78% em junho e para
7,45% em julho. Não é um quadro de aceleração.
Valor: Outra
crítica que se faz é que o Copom, ao cortar a Selic se fiou numa política
fiscal que o governo ainda não definiu qual é. A única indicação para 2012, até
agora, foi a do projeto de lei do orçamento, que não deu um bom sinal.
Tombini: Nossa
hipótese de trabalho é de um superávit primário do setor público
"cheio" de 3,1% do PIB de 2012 a 2014. Isso é suficiente.
Valor: Há
quem diga, no mercado, que o BC está caminhando para o modelo turco - de menor
preocupação com a inflação. Há, ainda, muitas dúvidas sobre o compromisso do
BC. isso lhe incomoda?
Tombini: Para
aqueles que ainda não entenderam, vai haver um entendimento da estratégia.
Estamos num processo de moderação do crescimento, que já estava encomendado.
Adiciona-se a isso uma deterioração do cenário internacional de forma
importante nos últimos 40 dias. Isso nos leva a uma trajetória de inflação de
queda em busca da meta. Nós estamos, agora, exatamente na posição de março,
quando sinalizamos a meta de 4,5% para 2012. A Turquia está com taxa de juros
de 6,50% e inflação de 6,65%. Onde nós estamos? Com taxa de juros de 12% e
inflação de 7,23%, que é pico, tendendo a 5% nos próximos sete meses.
Valor: Há
interferência da presidente da República no BC?
Tombini: Não.
Com a presidenta discutimos cenários.
Valor: É
importante o presidente do Banco Central conversar com o ministro da Fazenda,
com o restante do governo?
Tombini: O
Brasil sempre foi criticado porque o "mix" da política econômica era
um pé no freio e outro no acelerador. O que você está vendo desde o agravamento
da crise externa? Que o desequilíbrio fiscal está na origem dessa crise. Essa é
a rebordosa, a ressaca fiscal de 2008/2009. As dívidas subiram de pouco mais de
60% do PIB para 100% do PIB só nos Estados Unidos.
Valor: E nos
outros países também.
Tombini: Tem o
trabalho do Kenneth Rogoff e da Carmen Reinhart sobre o crescimento da relação
dívida/PIB de, na média, mais de 100% nos países da OCDE. Se há uma coisa que
nos diferencia hoje é a nossa situação fiscal bem arrumada, da qual não podemos
abrir mão. Nós ajustamos a política de juros agora por que já vinhamos com uma
desaceleração que dava sinais de intensificação no segundo semestre. Aí vem o
agravamento da crise. O CDS (preço do seguro da dívida soberana) está indicando
90% de possibilidade de default da Grécia. Não estamos contando com isso.
Estamos contando com uma revisão do crescimento, com adiamento da normalização
das condições monetárias nos EUA e Europa, agora, se vem um troço desses....
Valor: Parece
que há dificuldade em concretizar o socorro à Grécia.
Tombini: A adesão
ao "swap" está aquém do que se esperava nesse momento. Está difícil.
A projeção de contração do PIB da Grécia foi revisada de menos 3% para menos 5%
do PIB. Há a percepção de que mesmo ajustando para uma contração maior o país
está entregando menos fiscal do que era exigido.
Valor: Em que
momento ficou claro para o governo que era preciso mudar o mix, o peso, na
política econômica do Brasil?
Tombini: As
discussões já vinham lá de trás. Se algum dia quisermos ter uma taxa de juros
mais próxima do mundo normal, o governo, através da política fiscal, tem que
abrir espaço para o resto da economia. Era uma discussão de mais longo prazo.
Por outro lado, há a percepção clara de que a nova onda da crise de 2008 tem
origem na deterioração do quadro fiscal nesses países. Então, se a crise piora
nós não vamos usar a alavanca fiscal (como foi feito em 2008/2009).
Valor: Dizem
que o senhor. combinou com o ministro Guido Mantega que se ele aumentasse o
esforço fiscal no ano em R$ 10 bilhões o Copom reduzira os juros. É assim que
funciona?
Tombini: Não é
assim que funciona. Uma política fiscal mais forte ajuda o nosso trabalho,
moderação no crédito também ajuda. Se há alguém no governo discutindo o aumento
da tarifa de importação de um preço que vai pressionar a inflação aqui, eu vou
conversar com o governo. A política monetária está vinculada a um objetivo de
governo, que é a meta de inflação. Então não é faz isso que eu faço aquilo,
porque a política do BC é levar a inflação para os objetivos do governo,
fixados pelo Conselho Monetário Nacional. Tudo o que eu vejo aqui que pode
bater na inflação, e que não está no meu alcance resolver, eu vou conversar com
o governo, como, aliás, sempre se fez.
domingo, 11 de setembro de 2011
Ousadia e responsabilidade.
Pedro Sampaio Malan, economista, hoje no O Estado de S.Paulo. Leitura recomendável.
"Nunca a conjuntura foi tão pouco
conjuntural", diz André Lara Resende. De fato, os Estados Unidos, a Europa
e o Japão, por exemplo, não retornaram ainda, passados quatro anos, ao nível de
renda real por habitante que haviam alcançado em 2007. E terão, no futuro
próximo, um crescimento ainda mais baixo do que o projetado até há pouco, dadas
as consequências tanto da crise de 2007-2008 como das respostas a ela, que
levaram à expansão vertiginosa de suas dívidas públicas.
A crise nos países desenvolvidos não era
- como foi dito por aqui - uma "marolinha" para o resto do mundo.
Sempre me pareceu equivocada a ideia de que os países emergentes houvessem
adquirido uma dinâmica própria, que lhes asseguraria a capacidade de seguir
crescendo de forma sustentada, o que quer que acontecesse no mundo
desenvolvido.
Acredito que não só nos Estados Unidos,
na Europa e no Japão, mas também em vários outros países, dentre os quais o
Brasil, como poucas vezes na História, a resolução dos problemas mais urgentes
nunca esteve tão dependente da perspectiva de equacionamento de problemas e
desafios estruturais, de médio e longo prazos. E quero ilustrar a observação
acima com um comentário sobre a recente decisão do nosso Banco Central (BC) de
reduzir os juros. Decisão que teria sido baseada em quatro hipóteses básicas.
Primeiro, a possibilidade de
deterioração adicional das expectativas quanto à evolução da economia mundial e
maiores riscos e incertezas quanto ao comércio internacional, e aos mercados de
capitais, de dívida soberana e de intermediação financeira.
Segundo, em parte por conta disso, a
possibilidade de uma desaceleração da economia brasileira mais acentuada do que
aquela que já vinha ocorrendo - e que já era maior do que a antes prevista pelo
governo para 2011-2012.
Terceiro, a hipótese de que, apesar de a
inflação brasileira acumulada nos últimos 12 meses se encontrar acima de 7%,
esta, a partir do último trimestre de 2011, entraria numa trajetória declinante
(em grande parte devida aos efeitos combinados das duas hipóteses anteriores),
o que permitiria uma gradual convergência para o centro da meta de inflação
(4,5%) ao final de 2012.
Quarto e último, mas não menos
importante, uma avaliação positiva do BC sobre a firmeza do compromisso da
presidente e do Ministério da Fazenda com maior controle fiscal não só em 2011,
como em 2012 e 2013. Compromissos que seriam expressos em metas críveis (que o
BC teria incorporado), e não em declarações de intenções.
As duas primeiras hipóteses das quatro
acima não devem ser descartadas e podem exigir, dentre outras respostas,
redução de juros que, diga-se de passagem, muitos no mercado já antecipavam,
embora a maioria para outubro. A terceira envolve percepções sobre o grau de
compromisso do BC e do governo com o regime de metas de inflação e com a
convergência para o centro da meta estabelecida pelo governo. Se ensaios de
antecipação pública, pelo governo, do que deveriam ser as decisões futuras do
BC se tornarem rotina, não há dúvida de que a credibilidade do Banco Central -
que existe - será erodida. E com isso também se esvairá a credibilidade do
regime de metas como mecanismo de formação de expectativas quanto ao curso
futuro da inflação.
Mas é a quarta das hipóteses acima que é
a mais fundamental das apostas do BC. E a mais problemática, a mais difícil de
ser alcançada e a mais controvertida, como sabem os que se deram ao trabalho de
procurar entender a questão. A propósito, há um trabalho imperdível do ilustre
ex-ministro Delfim Netto intitulado A Agenda Fiscal, no belo livro organizado
por Fabio Giambiagi e Octavio de Barros O Brasil Pós-Crise: Agenda para a
Próxima Década. Esse artigo deveria ser de leitura quase obrigatória para
aqueles que, no governo ou fora dele, acham que a resolução do problema dos
juros no Brasil depende da "estatização do Banco Central".
Aliás, desculpe-me o ilustre
ex-ministro, mas, com todo o respeito, considerei uma enorme injustiça, para
dizer o mínimo, a afirmação de que, "pela primeira vez em duas décadas, o
BC é efetivamente um órgão de Estado...". Uma enorme injustiça para com
servidores públicos exemplares da instituição e para com pessoas decentes e de
espírito público que lá trabalharam e não viam a instituição como outra coisa
que não um órgão de Estado.
E, como disse muito corretamente o
ex-ministro no mesmo artigo, referindo-se à política monetária, "ela é uma
arte que comporta visões alternativas diante dos problemas do futuro. Como os
efeitos monetários se fazem sentir ao longo do tempo, só este é capaz de dizer
a posteriori se a perspectiva escolhida foi certa ou errada".
Mas uma coisa é apoiar a decisão recente
do BC. Outra, diferente, é saudar sua pretensa "estatização" (sem a
qual a decisão não teria sido tomada?). E outra, ainda mais controvertida, é
afirmar desde agora que há uma definida política fiscal de longo prazo do
governo Dilma Rousseff. Pode ser que haja. Esperemos que sim. O tempo dirá. Em
breve. Mas sem responsável ousadia nessa área não será possível assegurar o
desejado declínio, sustentado ao longo do tempo, das taxas de juros na economia
brasileira, por mais "estatizado" que seja o Banco Central.
Vale concluir com o ex-ministro Delfim
Netto no artigo do livro citado: "A única forma possível para que a agenda
fiscal dê uma contribuição decisiva para a política econômica (...) será o
compromisso do poder incumbente eleito em 2010 de realizar um longo, paciente,
responsável e cuidadoso programa de controle do aumento das despesas de seu
custeio...". As sugestões do ex-ministro para uma nova política
previdenciária e orçamentária, bem como uma nova política de pessoal, estão
reunidas em apenas duas páginas ao final de seu artigo.
Vale lê-las. Ou relê-las.
sábado, 10 de setembro de 2011
Brasil e Estados Unidos - 10 anos.
A presidenta Dilma Rousseff enviou neste
sábado (10/9) mensagem de solidariedade ao presidente dos Estados Unidos,
Barack Obama, por ocasião dos 10 anos dos atentados terroristas de 11 de
setembro de 2001.
Veja abaixo íntegra da nota:
Senhor Presidente,
Em nome do povo e do governo do Brasil,
expresso nossa solidariedade e pesar à nação norte-americana, no dia em que se
completam dez anos dos atentados terroristas de 11 de setembro.
Creio que a maior homenagem que podemos
prestar aos mais de três mil inocentes que pereceram naquela data é, tendo por
inspiração a coragem exibida pelo povo dos EUA em face da tragédia, continuar a
trabalhar, incessantemente, por um mundo de paz e desenvolvimento.
Nesse assunto, partilho plenamente a
visão de Vossa Excelência, expressa em discurso na cidade do Cairo, de que o
extremismo violento deve ser combatido em todas as suas formas, inclusive por
meio da reconciliação entre o ocidente e o mundo árabe, pela eliminação do
armamentismo nuclear, pela afirmação da democracia, pelo respeito à liberdade
religiosa e aos direitos humanos e da mulher, pela promoção do desenvolvimento
econômico e a criação de oportunidades para todos em um mundo de paz e
cooperação. Conte com o Brasil na construção dessa ordem internacional mais
pacífica e mais justa.
Mais alta consideração,
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do
Brasil
11/09/2001 – 11/09/2011 – 10 anos!
Existem fatos que são únicos e que sempre constarão
nos livros de história. A data de 11 de setembro de 2001 é universal e não deve ser esquecida. Nunca. O que aconteceu foi tão forte que conseguiu mudar o mundo. É triste reconhecer que 10 anos depois a lição ainda não tenha sido bem compreendida pela maioria dos habitantes deste planeta.
Ateando fogo aos cabelos.
Paul Krugman, hoje na FOLHA DE S. PAULO, enfim um pouco otimista com o novo plano de Obama.
O novo plano de emprego do presidente
Barack Obama me surpreendeu de maneira positiva. É muito melhor e mais
audacioso do que eu esperava. Caso venha a ser aprovado, é provável que reduza
o desemprego de maneira substancial.
Não é provável que o plano seja aprovado, evidentemente, graças à oposição do Partido Republicano. E tampouco é provável que qualquer coisa mais aconteça para ajudar os 14 milhões de americanos que estão sem trabalho. O que representa tanto uma tragédia quanto um ultraje.
Antes de chegar ao plano de Obama, permitam-me discorrer sobre outro discurso econômico importante da semana, pronunciado por Charles Evans, presidente do Federal Reserve de Chicago. Evans declarou sem meias medidas aquilo que alguns de nós esperávamos há anos ouvir de um dirigente do banco central.
Evans afirmou que o Fed, tanto em função da lei quanto por responsabilidade social, deveria se esforçar para manter tanto a inflação quanto o desemprego baixos -e embora a inflação provavelmente deva continuar perto ou abaixo da meta de cerca de 2% adotada pelo banco central, o desemprego permanece extremamente elevado.
Qual deveria ser a reação do Fed, portanto? Evans: "Imagine que a inflação estivesse correndo próxima aos 5%, ante nossa meta de 2%. Há alguma dúvida de que um dirigente competente de banco central reagiria de maneira vigorosa para combater uma inflação tão alta? Não. Estariam agindo com se os seus cabelos estivessem pegando fogo. Deveríamos trabalhar de maneira semelhantemente enérgica para a melhora das condições do mercado de trabalho".
Mas o cabelo do Fed não está em chamas, e a maioria dos políticos tampouco parece considerar a situação urgente. Hoje em dia, falta convicção aos homens e mulheres supostamente sábios que deveriam cuidar do bem estar da nação, enquanto os piores, representados por boa parte do Partido Republicano, estão repletos de intensidade apaixonada. E por isso os desempregados terminam abandonados.
Bem, quanto ao plano de Obama: requer US$ 200 bilhões em novos gastos -boa parte dos quais em coisas das quais necessitamos de qualquer maneira, tais como reparos nas escolas e redes de transporte, e medidas para evitar a demissão de professores- e US$ 240 bilhões em cortes de impostos.
O montante pode parecer muito elevado, mas não é. O efeito persistente do estouro da bolha na habitação e a dívida domiciliar remanescente criam um rombo anual de cerca de US$ 1 trilhão na economia dos EUA, e o novo plano -que não concretizaria todos os seus benefícios no primeiro ano- só supriria em parte essa lacuna. E não está claro até que ponto os cortes de impostos seriam efetivos como estímulo ao consumo e investimento.
Ainda assim, o plano seria muito melhor que nada, e parte de suas medidas, especialmente as destinadas a promover incentivos à contratação de pessoal, poderiam produzir resultado alto em termos de empregos gerados.
O cabelo de Obama talvez não esteja em chamas, mas certamente está soltando fumaça e devemos ser gratos por ele perceber até que ponto a situação é desesperada.
Não é provável que o plano seja aprovado, evidentemente, graças à oposição do Partido Republicano. E tampouco é provável que qualquer coisa mais aconteça para ajudar os 14 milhões de americanos que estão sem trabalho. O que representa tanto uma tragédia quanto um ultraje.
Antes de chegar ao plano de Obama, permitam-me discorrer sobre outro discurso econômico importante da semana, pronunciado por Charles Evans, presidente do Federal Reserve de Chicago. Evans declarou sem meias medidas aquilo que alguns de nós esperávamos há anos ouvir de um dirigente do banco central.
Evans afirmou que o Fed, tanto em função da lei quanto por responsabilidade social, deveria se esforçar para manter tanto a inflação quanto o desemprego baixos -e embora a inflação provavelmente deva continuar perto ou abaixo da meta de cerca de 2% adotada pelo banco central, o desemprego permanece extremamente elevado.
Qual deveria ser a reação do Fed, portanto? Evans: "Imagine que a inflação estivesse correndo próxima aos 5%, ante nossa meta de 2%. Há alguma dúvida de que um dirigente competente de banco central reagiria de maneira vigorosa para combater uma inflação tão alta? Não. Estariam agindo com se os seus cabelos estivessem pegando fogo. Deveríamos trabalhar de maneira semelhantemente enérgica para a melhora das condições do mercado de trabalho".
Mas o cabelo do Fed não está em chamas, e a maioria dos políticos tampouco parece considerar a situação urgente. Hoje em dia, falta convicção aos homens e mulheres supostamente sábios que deveriam cuidar do bem estar da nação, enquanto os piores, representados por boa parte do Partido Republicano, estão repletos de intensidade apaixonada. E por isso os desempregados terminam abandonados.
Bem, quanto ao plano de Obama: requer US$ 200 bilhões em novos gastos -boa parte dos quais em coisas das quais necessitamos de qualquer maneira, tais como reparos nas escolas e redes de transporte, e medidas para evitar a demissão de professores- e US$ 240 bilhões em cortes de impostos.
O montante pode parecer muito elevado, mas não é. O efeito persistente do estouro da bolha na habitação e a dívida domiciliar remanescente criam um rombo anual de cerca de US$ 1 trilhão na economia dos EUA, e o novo plano -que não concretizaria todos os seus benefícios no primeiro ano- só supriria em parte essa lacuna. E não está claro até que ponto os cortes de impostos seriam efetivos como estímulo ao consumo e investimento.
Ainda assim, o plano seria muito melhor que nada, e parte de suas medidas, especialmente as destinadas a promover incentivos à contratação de pessoal, poderiam produzir resultado alto em termos de empregos gerados.
O cabelo de Obama talvez não esteja em chamas, mas certamente está soltando fumaça e devemos ser gratos por ele perceber até que ponto a situação é desesperada.
Assinar:
Postagens (Atom)
A importância de debater o PIB nas eleições 2022.
Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...
-
É lamentável que tenhamos poucas vozes na oposição com a lucidez do FHC . De sua excelente entrevista na CONJUNTURA ECONÔMICA deste mês, de...
-
O 1º Fórum Insper de Políticas Públicas , que acontecerá no campus da instituição no dia 05.09, irá reunir pesquisadores renomados da Améri...
-
Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...