MOISÉS NAÍM, ontem na FOLHA DE S. PAULO, pergunta: “A
China terá um acidente?”
A economia do planeta irá para onde for a da China. Caso
sofra um acidente econômico importante, os danos serão muito mais vastos e
profundos que os da crise europeia atual. Será que na próxima década a China
sofrerá um acidente que reduza seu crescimento econômico? Infelizmente, é
provável que sim. A economia chinesa é como um carro veloz avançando por uma estrada
de terra. Cedo ou tarde, topará com um buraco. Será um choque duro.
O acidente da China pode ser econômico, ecológico, social
ou internacional. Para que se torne sério o suficiente para colocar em perigo a
performance econômica total do país, terá que transbordar para mais de uma
região e tornar-se uma crise política de primeira grandeza.
Um acidente financeiro ou ecológico pode ser justamente o
gatilho de uma turbulência política ampla. Um crash da Bolsa que elimine uma
parcela grande das economias das pessoas e as leve a sair às ruas, a
contaminação da fonte de água de uma metrópole ou uma escaramuça com o Exército
indiano em qualquer um dos pontos contestados da fronteira podem não ser, por
si sós, suficientes para gerar instabilidade que faça a economia descarrilar.
Mas esses incidentes -ou outros difíceis de prever- podem ser a faísca que
acenda uma turbulência política ampla que faça a economia desacelerar. A
Primavera Árabe foi desencadeada pela imolação de um vendedor de frutas em uma
pequena cidade do interior da Tunísia. O Banco Mundial prevê que, entre 2016 e
2020, a economia chinesa cresça 7% ao ano. É uma previsão muito otimista e que
presume que não haverá acidentes. Mas mesmo esse índice mais otimista está 30%
abaixo do índice atual e da média da década passada. Também a inflação está
virando um problema. Nos últimos dez anos, esteve em menos de 2% ao ano. Agora
está em mais de 6%, e os preços sobem, especialmente os dos alimentos.
Durante a era de Mao, a desigualdade era quase inexistente e, fosse qual fosse
seu nível, era invisível para o resto da população. Hoje ela se equipara às
piores do mundo e é altamente visível. Trabalhadores urbanos podem ganhar três
vezes mais que camponeses da zona rural, e o número de chineses que ingressam na
fileira dos bilionários do mundo quebra um recorde todos os anos.
A corrupção está por toda parte, e, apesar de algumas prisões de vez em quando
-e até mesmo da pena de morte ocasionalmente aplicada a funcionários
governamentais acusados de corrupção-, vem sendo largamente tolerada até agora.
Uma queda econômica profunda e prolongada fará da corrupção uma fonte
importante de revolta social e protestos. O mesmo se aplica aos problemas
ecológicos crescentes, que, para muitos chineses, não são abstrações: há
limites ao quanto as pessoas toleram receber em suas casas água marrom e
malcheirosa para cozinhar ou tomar banho.
É fácil traçar uma lista dos gatilhos potenciais e das situações que os
tornariam mais explosivos. O que não é fácil é saber qual deles será a faísca a
desencadear uma turbulência que desacelere o crescimento chinês. Ou quando. Ou,
ainda, se a China terá sorte e evitará um acidente. E com isso poupe o resto de
nós de um acidente.
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