sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Lições europeias para o Brasil.


Pedro Ferreira e Renato Fragelli são professores da Escola de Pós-graduação em Economia da FGV e escreveram este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.

Após a Segunda Guerra Mundial, vários países implantaram amplos sistemas de proteção social conhecidos como Estado do Bem Estar Social. Apesar das enormes perdas de vidas humanas, bem como destruição de infraestrutura e instalações industriais, a Europa era herdeira de uma longa tradição industrial, possuía mão de obra qualificada, capacidade gerencial e capital - este parcialmente destruído pela guerra, mas suprido em abundância pelo Plano Marshall.

O sustento do Estado do Bem-Estar Social exigiu uma paulatina elevação da carga tributária, que onerou crescentemente sua indústria. Mas isso ocorreu em uma época em que os produtos industriais valiam mais do que os produtos primários, e a indústria do mundo capitalista concentrava-se na Europa e nos EUA.

Dispondo de tecnologia, mão de obra qualificada e capital, as empresas europeias suportaram a pesada tributação, pois não havia concorrência significativa dos países mais pobres. Importando bens primários dos países em desenvolvimento, enquanto lhes exportava produtos industrializados, o Estado do Bem-Estar Social europeu conseguiu conciliar progresso econômico e tributação crescente.

Mas os preços de produtos industriais relativamente aos primários começaram a mudar nos últimos vinte anos. Na Ásia, países com gigantescas populações abandonaram as fracassadas experiências socialistas e as estratégias de desenvolvimento autárquico, mergulhando na industrialização. Milhões de trabalhadores deixaram a agricultura de subsistência em direção à indústria exportadora, dispostos a trabalhar por salários que seriam considerados aviltantes por um europeu. Essa imensa população passou a importar os bens agrícolas que antes produzia. O resultado tem sido a gradual queda dos preços internacionais de bens industriais, acompanhada da elevação dos preços de bens primários.

Operando em um ambiente internacional de crescente competição, e onerada pela elevada carga tributária, a indústria europeia passou a depender de sua capacidade de manter um significativo diferencial tecnológico em relação à indústria dos países emergentes. Sub-setores de alta tecnologia, nos quais a qualificação da mão de obra é o fator determinante, têm resistido à concorrência estrangeira. Mas os baixíssimos custos de produção dos novos competidores tendem a inviabilizar os setores industriais tradicionais.

Diferentemente do que se observa na Europa, a indústria asiática desenvolve-se sem o ônus de uma pesada tributação, pois naqueles países não se implantou o Estado de Bem Estar Social. Embora o trabalhador asiático ainda tenha uma baixa qualificação média comparativamente ao europeu, os pesados investimentos em educação tendem a reduzir essa diferença. Assim, o contrato social europeu terá que ser reescrito por absoluta falta de alternativas. Isso não significará o abandono das políticas sociais que tanto contribuíram para a redução das desigualdades, mas exigirá uma redução dos benefícios concedidos pelo Estado, adequando-os à nova realidade internacional. A crise das dívidas europeias de 2011 - que decorre da crise bancária de 2008 - está apenas antecipando o inexorável ajuste longamente adiado.

No Brasil, com a Constituição de 1988, a jovem democracia brasileira decidiu implantar um Estado de Bem-Estar Social buscando reduzir a secular desigualdade de renda. O aumento contínuo da carga tributária foi usado para arcar com o custeio dos crescentes gastos sociais. Esses gastos são uma legítima decisão da sociedade brasileira, reafirmada democraticamente a cada nova eleição. Mas é preciso atentar para suas implicações sobre a estrutura econômica do país.

Numa economia aberta, para que um particular setor da economia consiga sobreviver onerado por uma tributação superior à que incide sobre seus concorrentes internacionais, é preciso que seu custo de produção seja suficientemente inferior ao de seus competidores. Isso ocorre com menores salários e/ou maior produtividade. Abençoada com terra, água e sol em abundância, a produtividade da agropecuária brasileira é imbatível. A generosidade divina também protegeu a indústria extrativa mineral e a agroindústria, setor em que a proximidade da matéria prima constitui um fator importante para o baixo custo de produção. Mas a perda de competitividade nos demais sub-setores industriais só será revertida com uma carga tributária menor, com a simplificação da observância regulatória, com a melhoria da qualidade da mão de obra e da infraestrutura de transportes, entre outras medidas destinadas a reduzir os custos de produção.

Mas a redução da carga tributária não pode anteceder a redefinição das obrigações do Estado brasileiro, pois isso traria a inflação de volta. Por esse motivo a reforma tributária permanece empacada. No caso da Previdência Social - a principal fonte de desequilíbrio fiscal -, a paralisia nas discussões parece indicar que o eleitor não está disposto a se sacrificar para preservar a indústria nacional. Prefere gastos públicos elevados, que são sustentáveis apenas por uma alta tributação que levará o país a concentrar-se nos setores em que suas vantagens comparativas são esmagadoras. Nesse contexto, as recentes medidas que protegem alguns setores industriais escolhidos por critérios obscuros apenas darão sobrevida - e bons lucros - para poucos felizardos com boas conexões e um eficiente lobby.

Um comentário:

Chutando a Lata disse...

Evidentemente estes professores seguem a tradição do Simonsen; que como você sabe o considero um verdadeito tantã em termos de política econômica - controle de preços, controle de salários, etc. A turma de hoje da FGV em essência segue a mesma toada do Simonsen. Desenvolvimento é uma coisa simples de perseguir (dificil de executar): ambiente competitivo e gastos públicos dirigidos à sociedade (escola, universidades, previdencia, instituiçoes publicas voltadas para a reduçao dos custos de transaçao). Quanto aos gastos públicos, certamente a previdencia não é um problema (a dos marajas do setor público, sim e exatamente pela imoralidade). O problema está no montante de juros da dívida interna e nos subsidios que oneram o tesouro, como as transferencias feitas ao BNDES e Petrobras.

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