Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, em artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.
Toda decisão do Banco Central de
aumentar ou reduzir a taxa de juros envolve interesses setoriais. Não é a toa
que a decisão da última reunião gerou uma controvérsia maior do que a usual,
pois significou uma ruptura com o comportamento passado. Aqueles que fizeram
análise defendendo a redução na taxa de juros foram taxados, pelos
"sábios" consultores e economistas de bancos, como se eles não
tivessem fundamentos em teoria econômica e nos fatos empíricos. Nada mais longe
da verdade. Aqui neste espaço o que apontei no mês passado foi uma mudança, na
direção correta, no comportamento do Banco Central, baseado na boa teoria e
prática das metas de inflação.
Os críticos da decisão do Banco Central
apontam que a taxa de inflação medida pelo IPCA estaria aumentando e estão
fazendo um estardalhaço com o índice que atingiu 7,31% em setembro e que as
previsões para 2011 ultrapassarão o teto. Mas antes de mais nada é preciso
lembrar que a redução na taxa de juros, na última reunião do Copom, terá
efeitos sobre o nível de demanda agregada e os preços somente nos próximos
meses; seus efeitos mais fortes serão sentidos daqui a seis a doze meses.
Portanto, a boa teoria e boa prática
recomendam que a taxa de inflação de referência como meta deve sempre ser a
inflação prevista para os próximos doze meses, a partir da data da tomada de
decisão. Logo, o pré-requisito para implantar um modelo formal de meta de
inflação é a existência de algum modelo econométrico transparente e confiável.
O que a boa teoria nos diz é que, na ausência desse modelo, é melhor não adotar
um modelo formal e rígido de metas - é o que recomenda um dos maiores
estudiosos do tema, Lars Svensson, do banco central sueco. Por essas e outras
razões, Greenspan também rejeitava a política de metas de inflação.
Assim, utilizar a taxa de inflação dos
últimos doze meses é um erro grosseiro do nosso sistema vigente, desde a sua
implantação. Quando a inflação está em queda, a inflação passada gera uma
inércia longa na taxa de juros, desnecessária e de elevados custos sociais.
Quando a inflação sobe, provoca uma reação tardia do banco central, levando na
maioria dos casos, a uma elevação da taxa de juros acima do necessário. Pior ainda,
inexplicavelmente no nosso sistema, a inflação refere-se ao ano calendário.
Levando estritamente ao pé da letra, é como se o Banco Central, nesta próxima
reunião de outubro, tivesse que fixar uma taxa de juros capaz ou de reduzir a
inflação nos meses de novembro e dezembro, de tal forma a atingir a meta no
final de dezembro ou teríamos que fazer a "mágica" da taxa de juros
ter efeitos retroativos a janeiro, reescrevendo a trajetória dos preços.
Evidentemente, ambas alternativas são inviáveis ou absurdas.
Deixando de lado esse rigor teórico e na
ausência de um modelo econométrico confiável de previsão da inflação, para pelo
menos os próximos 12 meses, é inevitável que pragmaticamente se utilize a
inflação passada para formar a previsão da inflação futura, mas aí existem pelo
menos dois critérios alternativos: 1) a taxa média mensal anualizada do período
mais recente (por exemplo, ultimo trimestre 4,1% a.a.); e 2) a taxa acumulada
da inflação passada (acumulado de 12 meses 7,31%). Qual melhor critério? Quais
as implicações de cada critério? No primeiro, temos maior flexibilidade de
detectar se existem ou não pressões inflacionarias persistentes; mudanças de
patamar; se elas desapareceram e, de tornar a inércia nas taxas de juros
menores. No segundo caso, a inércia é mais longa e acelerações desaparecidas,
há mais de três trimestres, podem estar afetando a taxa de juros que, de fato,
terá efeitos no futuro.
Vamos aos fatos. Analisando a trajetória
da inflação medida pelo IPCA nos últimos 12 meses verificamos que até setembro
de 2010, a inflação estava sob controle, dentro da meta. A inflação acelerou a
partir de outubro de 2010, quando aumentou 0,75%, em relação ao mês anterior,
permanecendo nesse patamar até abril de 2010. Nesse período, a taxa media mensal
alcançou 0,77% ao mês, o que nos dá uma taxa anualizada de 9,65%, estourando a
meta. O que esses dados mostram é que houve uma pressão inflacionária que se
manifestou nos índices entre outubro de 2010 e abril de 2011 que levou a taxa
de inflação anualizada para um patamar fora da meta. A função do Banco Central
é exatamente antecipar essas pressões e tomar medidas para que a inflação fique
dentro da meta. É importante lembrar que, em dezembro de 2010, o Banco Central,
com defasagem de pelo menos três meses, pois a taxa de inflação de 12 meses tem
forte componente inercial, tomou medidas macro-prudenciais restringindo o
crédito. O que já sinalizava também mudanças técnicas, com utilização de novos
instrumentos que equivalem a uma elevação na taxa de juros.
Em seguida, a taxa de inflação sofreu
uma queda de 0,77% em abril, para 0,47% em maio, tendo ficado em junho e julho
em 0,15% e 0,16%, voltando a acelerar um pouco em agosto e setembro, sempre em
relação ao mês anterior. De qualquer forma, a taxa média mensal de maio a
setembro de 2011 passou para 0,34%, o que anualizada nos dá 4,1%, portanto por
esse critério de taxa anualizada dentro da meta.
Nada mais correto que o Banco Central
reduzir a taxa de inflação no final do mês de agosto, pois desde o mês de maio
a inflação passada mais recente já dava sinais de que as pressões de aceleração
da inflação haviam desaparecido. Mais justificado ainda se havia já indicadores
confiáveis de que o crescimento da economia estava caminhando para um nível
abaixo do potencial.
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