Mostrando postagens com marcador ECONOMIA INTERNACIONAL. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ECONOMIA INTERNACIONAL. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Recuperação de 2012: cuidado, frágil.


Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do Financial Times.  Este artigo foi publicado no Valor Econômico de hoje.

O que 2012 reserva para a economia mundial? Comecemos por examinar os combalidos países de alta renda. Há algum motivo para esperar recuperações saudáveis? Não exatamente. O desfecho na zona do euro poderá ser um desastre que se disseminará pelo mundo inteiro. Mesmo a recuperação dos Estados Unidos tende a ser frágil. A sombra lançada pelos fatos anteriores a 2007 se dissipa lentamente.

O consenso de dezembro entre as previsões é sombrio. As opiniões mais recentes sobre o possível crescimento neste ano estão muito abaixo dos prognósticos de um ano atrás. Isso é especialmente verdade no que se refere à zona do euro, cujas projeções apontam para um mergulho na recessão. As economias da Itália e da Espanha deverão sofrer contração, enquanto a da França e a da Alemanha produzirão um crescimento desprezível e o Reino Unido ficará na mesma situação. Apenas o Japão e os Estados Unidos deverão exibir algo que se aproxima de um crescimento econômico razoável este ano. No caso dos Estados Unidos, seu crescimento foi projetado em 2,1% em dezembro, superior ao 1,9% de novembro.

Ponhamos esse desempenho em contexto. No terceiro trimestre de 2011, o Canadá era o único membro do G-7 cujo PIB estava acima de seu pico do pré-crise. As economias dos Estados Unidos e Alemanha estavam ligeiramente acima de seus picos do pré-crise, enquanto a da França estava ligeiramente abaixo. Reino Unido, Japão e Itália estavam muito abaixo de seus picos do pré-crise. Recuperação? Que recuperação?

Mas a taxa de juros mais alta agora adotada pelos quatro bancos centrais mais importantes é a do Banco Central Europeu (BCE), de apenas 1%. As demonstrações de resultados desses bancos centrais também se expandiram drasticamente. Além disso, entre 2006 e 2013, a relação de dívida pública bruta sobre o PIB vai dar um salto de 56 pontos percentuais no Reino Unido, de 55 pontos no Japão, de 48 pontos nos EUA e de 33 pontos na França. Por que medidas tão drásticas apresentaram resultados tão modestos?

Sobre isso grassam discussões revestidas de uma boa dose de carga ideológica. O paradigma teórico dominante sustenta que uma crise financeira não pode acontecer e não deve preocupar, se de fato acontecer, pelo menos desde que não se permita que a base monetária em conceito amplo despenque. Segundo esse ponto de vista, as únicas coisas que atualmente sustentam as economias são os elementos de rigidez estrutural e as incertezas induzidas pela política econômica. Na minha opinião isso é uma história da carochinha baseada em teorias que reduzem o capitalismo a uma economia de escambo encoberta por um diáfano véu monetário.

Muito mais convincentes, para mim, são as opiniões que aceitam que as pessoas cometem erros relevantes. A grande divisão é entre aqueles - os austríacos - que sustentam que os erros são cometidos pelos governos, enquanto que a solução é deixar o distorcido edifício financeiro vir abaixo, e aqueles - os pós-keynesianos - que sustentam que uma economia moderna é intrinsecamente instável, enquanto que deixá-la vir abaixo nos levaria de volta à década de 1930. Faço parte, decididamente, deste último grupo.

Em sua obra-prima presciente de 1986, "Stabilizing an Unstable Economy" (""Estabilizando uma Economia Instável", editado no Brasil em 2010), o falecido Hyman Minsky formulou sua hipótese da instabilidade financeira. Janet Yellen, vice-presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), observou em 2009 que "com a turbulência reinante no universo financeiro, a obra de Minsky se tornou leitura obrigatória".

O que torna sua obra imprescindível é o fato de ela vincular as decisões de investimento, orientadas por um futuro intrinsecamente incerto, às demonstrações de resultados que as financiam e, portanto, ao sistema financeiro. Na opinião de Minsky, a alavancagem e, portanto, a fragilidade - são determinadas pelo ciclo econômico. Um longo período de tranquilidade eleva a fragilidade: as pessoas subestimam os perigos e superestimam as oportunidades. Minsky teria advertido de que a "grande moderação" contém os germes de sua própria destruição.

Os anos que antecederam 2007 assistiram a um extraordinário ciclo de crédito privado, notadamente nos Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, lastreado no aumento dos preços dos imóveis residenciais. O estouro dessas bolhas levou a uma explosão dos déficits públicos, em grande medida de forma automática, como previra Minsky. Esse foi um dos três mecanismos de política econômica que evitaram um mergulho numa grande depressão. Os outros foram as intervenções financeira e monetária. As economias ainda estão enfrentando dificuldades para chegar a um ajuste pós-colapso. Com as taxas de juros próximas a zero, os déficits públicos de soberanias idôneas para fins de crédito oferecem três formas de ajuda - exigir, desalavancar e elevar a qualidade dos ativos privados.

Em que medida a desalavancagem avançou? Nos Estados Unidos, avançou bastante. No terceiro trimestre de 2011, a relação da dívida bruta do setor financeiro sobre o PIB estava no nível registrado em 2001 e a relação dívida das famílias sobre o PIB estava no nível registrado em 2003. Além disso, observa o Goldman Sachs: "Acreditamos que o número de imóveis residenciais com obras iniciadas provavelmente já chegou ao seu nível mais baixo, enquanto os preços nominais desses imóveis deverão alcançar esse nível no decorrer de 2012." Os Estados Unidos estão agora preparados para a recuperação, embora limitada pelo prematuro aperto fiscal, pelo processo de desalavancagem em curso, pelos riscos por que passa a zona do euro e, talvez, pela alta dos preços do petróleo. A recuperação se sustentará sobre o que ainda é uma economia em desequilíbrio.

Mas a fragilidade da zona do euro é maior. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê a redução de 1,4% do PIB do déficit público estrutural da zona do euro entre 2011 e 2012, comparativamente à de apenas 0,2% prognosticada para o PIB nos Estados Unidos.

Mas o grande perigo para as economias mais fracas da zona do euro é que os setores público e privado tentarão cortar despesas simultaneamente. Essa é a receita certa para colapsos profundos e prolongados. As soberanias não idôneas para fins de crédito estão enredadas no esforço provavelmente fadado ao fracasso de fortalecer sua posição fiscal na ausência de um setor privado e de fatores de compensação externos adequados. Para esses países uma recessão da zona do euro como um todo será uma calamidade: ela impedirá que realizem o ajuste externo de que necessitam. Contra esse pano de fundo, a oferta do BCE de financiamento barato de três anos a bancos que poderão reemprestar para soberanias combalidas é pouco mais do que um paliativo - inteligente, mas inadequado.

Os países de alta renda vêm realizando uma série de experimentos fascinantes. Um foi com a desregulamentação do setor financeiro e com o crescimento puxado pelo mercado de imóveis residenciais. Fracassou. Outro foi com uma reação fortemente intervencionista à crise financeira de 2008. Funcionou, mais ou menos. Outro ainda é com a desalavancagem do pós-crise e uma volta a configurações fiscais e monetárias mais normais. Ainda não se chegou a uma conclusão sobre esse esforço. Na zona do euro, no entanto, essa mudança para a austeridade fiscal corre paralelamente a um experimento ainda maior: a construção de uma união monetária em torno de um núcleo estruturalmente mercantilista entre países dotados de solidariedade fiscal desprezível, sistemas bancários frágeis, economias pouco flexíveis e graus divergentes de competitividade. Boa sorte em 2012. Todos precisarão. 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Os balanços e as promessas de 2012.


Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras no VALOR ECONÔMICO. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. 

Iniciada no segundo semestre de 2007 e acelerada no infausto episódio da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, a crise não dá sinais de arrefecer. Alguns analistas, como Krugman, Roubini, Michel Aglietta, Martin Wolf e Cláudio Borio avançaram na compreensão do fenômeno ao buscar sua gênese nas transformações ocorridas nas relações indissociáveis entre a esfera monetário-financeira e a chamada "economia real".

No ciclo de expansão recente, combinaram-se métodos inovadores de "alavancagem" financeira, valorização imobiliária, a migração da produção manufatureira, a ampliação das desigualdades, insignificante evolução dos rendimentos da população assalariada e dependente e a degradação dos sistemas progressivos de tributação. A lenta evolução dos rendimentos acumpliciou-se à vertiginosa expansão do crédito para impulsionar o consumo das famílias. Amparado na "extração de valor" ensejada pela escalada dos preços dos imóveis, o gasto dos consumidores alcançou elevadas participações na formação da demanda final em quase todos os países das regiões desenvolvidas. Enquanto isso, as empresas dos países consumistas cuidavam de intensificar a estratégia de separar em territórios distintos a formação de nova capacidade e a captura dos resultados.

No período de euforia, as grandes empresas deslocaram sua manufatura para as regiões em que prevaleciam baixos salários, câmbio desvalorizado e alta produtividade. Americanos e europeus correram para a Ásia e os alemães, mesmo frugais, saltaram para os vizinhos do Leste. Dessas praças, exportaram manufaturas baratas para os países e as regiões de origem. Embalados pela expansão dos gastos das famílias, realizaram lucros e acumularam caixa (em geral nos paraísos fiscais) além de cavar alentados déficits em conta corrente na pátria-mãe.

A queda do investimento na formação da demanda agregada dos países centrais foi mais do que compensada pela aceleração desse componente do gasto nos emergentes asiáticos. O balanço global registra a criação generalizada de capacidade produtiva excedente, particularmente nos setores de alta e média tecnologia afetados pela concorrência internacional.

Imagino que alguns olhares ainda reconheçam nessas transformações os movimentos da economia capitalista ou da economia monetária da produção, como Keynes a qualificava. Nela imperam o avanço da divisão do trabalho entre grandes, médias e pequenas empresas privadas, a ampliação das relações de assalariamento em suas várias formas, a dominância da moeda bancária produzida e reproduzida pela generalização das operações de débito-crédito e o impulso à expansão ilimitada dos mercados.

Essa economia pode ser concebida como grande painel de balanços inter-relacionados. Observados em suas interrelações, os balanços dos bancos, empresas e famílias, governos e setor externo registram, em cada momento, os resultados das decisões de financiamento e de gasto tomadas privadamente por cada um dos participantes do jogo do mercado. As decisões privadas de gasto apoiadas no crédito - o pagamento de salários e as compras entre as empresas - criam o fluxo de renda agregada da economia e, ao mesmo tempo, modificam a situação patrimonial dos protagonistas.

Na fase ascendente do ciclo, o fluxo de lucros e a poupança das famílias e do governo cuidam de garantir o serviço e estabilidade do valor das dívidas e dos custos financeiros. As poupanças decorrentes do novo fluxo de renda constituem o funding do sistema bancário e do mercado de capitais. Estes últimos, em sua função de intermediários, promovem a validação do crédito e da liquidez (criação de moeda) "adiantados" originariamente para viabilizar os gastos de investimento e de consumo.

Quando os motores reverteram, acionados pela queda nos preços dos imóveis e pela desvalorização dos ativos financeiros associados ao consumo, escancarou-se um estoque de endividamento "excessivo" das famílias, calculado em relação aos fluxos esperados de rendimentos e à derrocada do valor das residências. Afogadas nas sobras de capacidade à escala global, as empresas cortaram ainda mais os gastos de capital. Aliviadas da carga de ativos podres graças à ação dos bancos centrais, as instituições financeiras acumularam reservas excedentes, mas hesitam em emprestar até mesmo às suas congêneres. Entre a queda das receitas, a ampliação automática das despesas e o socorro aos bancos moribundos, os déficits fiscais aumentaram, engordando as carteiras dos bancos com a dívida dos governos. Já os desequilíbrios em conta corrente dos balanços de pagamentos não andam nem desandam.

Nos últimos três anos, as famílias com equity negativo e as empresas sobrecarregadas de capacidade correm para os confortos da liquidez e do reequilíbrio patrimonial. Os países e as regiões se engalfinham: uns para reverter os déficits externos, outros para manter seus superávits. Os governos ensaiam políticas de austeridade fiscal.

Tais decisões são "racionais" do ponto de vista microeconômico e virtuosas sob a ótica da gestão das finanças domésticas, mas perversas para o conjunto da economia. Se todos pretendem cortar gastos, realizar superávits e se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da renda, do emprego e o crescimento do "peso" das dívidas cujo "valor" está fixado em termos nominais. É o paradoxo da desalavancagem, também conhecido como o inferno das boas intenções, cujas chamas crepitam no conhecido, mas sempre descuidado território das falácias de composição. Se bem interpretadas, as falácias poderiam nos aconselhar a discernir os fundamentos macroeconômicos da microeconomia.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A luta continua.


MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO de hoje. 

A trégua será passageira; no início do ano os governos da Europa voltarão aos mercados para rolar dívidas

De certa forma, 2011 chega ao fim parecendo 2001: naquela época, ninguém no mercado, ou no público em geral, tinha mais paciência com a crise argentina; agora, o fastio refere-se à trama europeia.

Como o risco sistêmico e os recursos envolvidos são incomparavelmente maiores, a tendência é que a crise europeia dure mais tempo do que a argentina. Além do que, gerações de administradores públicos europeus construíram suas carreiras sobre o projeto da união monetária -logo, uma capitulação seria muito custosa.

Os eventos recentes representam uma tentativa de recolocar o problema em um estágio crônico, visto que a fase aguda, se prolongada, tende a levar a um desenlace desordenado.

No que tange ao sistema bancário, foi notável a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de realizar operações de suprimento de liquidez de três anos, reduzir o recolhimento compulsório e, importante, relaxar os critérios para aceitação de garantias bancárias -que podem chegar a incluir empréstimos, em vez de apenas títulos de alta liquidez e de baixo risco.

Tais medidas devem reduzir, ainda que sem eliminar por completo, o risco de um "momento Lehman" europeu. Mas o progresso na direção do reforço das políticas fiscais foi bem mais limitado.

O resultado da cúpula de 8 e 9 deste mês mostrou avanços parciais na questão do aumento da disciplina fiscal, mas não logrou convencer os mercados, em parte porque a estrutura de monitoramento e sanções pode padecer de vulnerabilidades políticas similares às que viciaram a implementação do Pacto de Estabilidade desenhado nos anos 1990.

Mas, em parte, o desapontamento com essa última reunião de cúpula reflete dúvidas mais fundamentais sobre a solvência de diversos países do continente a médio prazo, que estão relacionadas às perspectivas de crescimento muito ruins.

Simplificando: a sustentabilidade da dívida depende da comparação entre a taxa de crescimento do produto nominal (que determina o ritmo de crescimento das receitas) e a taxa de juros cobrada sobre a dívida. Quanto maior for o crescimento do produto e menor for o encargo de juros, mais fácil será estabilizar ou reduzir a dívida.

Comparado com o caso brasileiro, salta aos olhos que o custo do financiamento da dívida de países como Espanha e Itália ainda é relativamente baixo, inferior a 10% ao ano. Ocorre que as perspectivas de crescimento dessas economias são desalentadoras.

A taxa média de crescimento da Espanha foi de 2,4% entre 2000 e 2010, com desempenho bastante expressivo, expansão média de 3,5%, durante o boom imobiliário de 2003 a 2007. Esse é precisamente o problema: os mercados questionam a dependência do crescimento espanhol em relação ao setor de construção.

A situação italiana é mais dramática. A taxa de crescimento média entre 2000 e 2010 foi de meros 0,6% ao ano -ou 1,5%, se quisermos excluir o período da crise. Com isso, não é necessária uma taxa de juros muito elevada para colocar a dívida em uma trajetória insustentável.

Ainda assim, com o BCE atuando como bombeiro, mirando os focos de incêndio mais graves, e tendo a maioria dos países da região já completado seus planos de financiamento para o ano, um período de trégua pode ocorrer.

Mas a trégua pode ser passageira. Já na segunda metade de janeiro, e em especial a partir de fevereiro, os governos da Europa terão de voltar aos mercados. A Itália, por sinal, terá de fazer a rolagem de € 53 bilhões (e a Espanha, de € 14 bilhões) no mês.

Até lá, ou os governos do continente avançam convincentemente em uma agenda de reformas pró-crescimento (leia-se liberalização de mercados de trabalho e produtos, que ferem interesses politicamente poderosos) ou o bombeiro terá de atuar de forma muito mais intensa -a expansão monetária quantitativa europeia pode vir para evitar uma crise maior, e não como fruto de uma estratégia deliberada das autoridades.

Em outras palavras, para o BCE, a escolha pode vir a ser monetizar para não quebrar.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dez anos de novos Bric para o mundo.


Jim O"Neill é presidente do Goldman Sachs Asset Management e escreveu este artigo para o VALOR ECONÔMICO..

Há dez anos publiquei relatório intitulado "O Mundo Precisa de Melhores Brics Econômicos" (brics soa como "tijolos" em inglês), quando lancei pela primeira vez o acrônimo que usei para descrever o provável alto crescimento que Brasil, Rússia, Índia e China alcançariam. Está claro agora que a expansão desses quatro países foi ainda mais forte. Os Bric tornaram-se um nome familiar tanto na esfera cultural como de negócios, além de ter resultado na criação de um grupo político.

O décimo aniversário coincide com preocupações terríveis quanto à economia mundial, especialmente para os países mais desenvolvidos. Continuo otimista de que à medida que os quatro gigantes emergentes, e mais alguns, continuarem se expandindo em tamanho e riqueza, sua prosperidade não apenas fortalecerá seu papel no mundo, mas também dará a chance de um futuro melhor às economias que atualmente se deparam com mais desafios pela frente. A ascensão em andamento dos Bric será boa para esses países e para o resto de nós. Além disso, seu crescimento ao longo dos últimos dez anos sugere que, enfim, poderemos ver algumas melhoras consideráveis que deem mais eficiência à formulação mundial de políticas e a suas instituições.

Meu estudo de 2001 tinha três mensagens principais.

Primeira, mostrei que se Brasil, Rússia, Índia e China continuassem com seus altos índices de crescimento, passariam a representar uma parte muito maior da economia mundial em 2010. No cenário mais otimista que contemplei, indiquei que sua participação combinada do Produto Interno Bruto (PIB) mundial subiria de aproximadamente 8% para, talvez, 14%. No fim deste ano, provavelmente a porcentagem girará em torno a 20%, com o PIB tendo aumentado de cerca de US$ 3 trilhões para provavelmente pouco mais de US$ 13 trilhões. Isso representa cerca de um terço do aumento total do PIB nominal mundial dos últimos dez anos.

O crescimento real dos Bric, em torno a 8%, ajudou a levar a média mundial para 3,5%, apesar dos imensos problemas vistos em 2001-2002, 2008 e, é claro, desde então. Se não tivesse sido pelos Bric, o crescimento mundial teria ficado mais próximo à decepcionante média de 1,6% verificada no chamado mundo desenvolvido. Como muitas vezes comento, o aumento combinado, de US$ 10 trilhões, na prática, criou o equivalente a seis ou sete vezes o que era o Reino Unido em 2001 ou, de fato, o equivalente a toda uma economia dos Estados Unidos.

Ao olharmos para o futuro, nos próximos dez anos, os quatro países provavelmente verão desaceleração em seus índices de crescimento, mas sua participação no PIB mundial quase certamente aumentará. A China parece encaminhada a crescer de 7% a 8%, já que terá de enfrentar vários desafios, mas a Índia pode ter aceleração e por fim atingir taxas de crescimento no estilo chinês, especialmente se persistir em seu recém-descoberto zelo por reformas, como a importante decisão de dar boas vindas ao controle majoritário estrangeiro em empresas do setor de varejo. Em poucos anos, o PIB nominal combinado dos quatro países superará tanto o dos Estados Unidos como o da Europa.

Com base em seu provável crescimento, a segunda parte de meu relatório de 2001 argumentava que os Bric precisavam assumir papel mais central na formulação mundial de políticas econômicas. Eles continuaram excluídos por muitos anos, o que os levou a promover seus encontros políticos conjuntos anuais. Na verdade, foi necessária uma crise total como a de 2008, para os países avançados finalmente perceberem a importância central dos Bric para a economia mundial moderna, sendo que a decisão de colocar o G-20 no centro da formulação política global foi basicamente uma iniciativa para incluir os Bric. Em 2001, argumentei que cada um dos Bric deveria juntar-se aos EUA, Japão, região do euro e talvez Canadá e Reino Unido para formar algum novo "G", talvez um G-9 ou um novo G-7, se Reino Unido e Canadá ficassem excluídos.

A terceira ideia no relatório de 2001 indicava que, tendo em vista sua moeda comum, França, Itália e Alemanha deveriam abandonar sua representação nacional nos órgãos mundiais e no G-7, permitindo uma governança global muito mais eficiente. Que melhor forma de demonstrar seu verdadeiro compromisso com a União Monetária Europeia (UME) do que um passo tão firme de verdadeira liderança? Nos anos subsequentes, como percebemos recentemente, tal liderança firme da UME não marcou presença. Quem sabe, a escala da crise que se desdobra atualmente leve os líderes europeus a dar passos mais ousados.

Enquanto isso, à medida que os países do Bric continuem a ver sua sorte melhorar, proporcionarão mais e mais oportunidades para que o resto de nós aprimore seus padrões de vida e prosperidade. De fato, para que o mundo continue crescendo frente aos desafios que se apresentam a muitas economias desenvolvidas, precisamos da argamassa econômica dos Bric, algo que, por sorte, eles têm de sobra.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Lobistas.


Antonio Delfim Netto, hoje na FOLHA DE S. PAULO e a sua análise sobre os “lobistas”.

Em relação ao mercado financeiro, há pelo menos dois fatos sobre os quais cabem muito poucas dúvidas:

1º) Do ponto de vista internacional, as "inovações" produzidas pelos "econofísicos" (os famosos "quants") acabaram sendo causa eficiente da crise bancária. Esta mostrou a fraqueza e a vulnerabilidade da "rede" de relações do sistema financeiro internacional, que até agora continua na UTI (o Fed, o BCE e o Banco da Inglaterra).

2º) Do ponto de vista nacional, a crise de 1997 e a enérgica ação do Banco Central do Brasil ajudaram a construir um sistema financeiro hígido, ágil e seguro, com um amplo espectro de fiscalização. Custou cerca de 4% do PIB, mas dispomos hoje de sofisticados mecanismos de intermediação financeira a altura dos melhores e mais seguros do mundo.

Nos EUA, após longa batalha, o governo acabou promulgando, há mais de um ano, a lei Dodd-Frank, que estabeleceu novos controles sob o mercado financeiro.

A lei (com mais de 2.000 páginas, devido à forte ação dos lobbies para torná-la inexequível) fixou "regras gerais" que estão sendo detalhadas e serão executadas por uma centena de mecanismos. Isso mostra a confusão cuidadosamente construída no Congresso americano pela ação política dos influentes lobbies de que dispõe o armipotente sistema financeiro.

O cabo de guerra entre o Executivo e o sistema financeiro (sob os olhares furtivos de parte importante do Legislativo) continua a crescer.

James Dimon, o cínico e competente presidente do JP Morgan, não tem pudor em afirmar que o controle sugerido pela lei "reduzirá o crescimento econômico" e deve ser considerado "antiamericano porque coloca os EUA numa situação competitiva desvantajosa". Só se for em relação aos "predadores europeus" que, ele sugere, continuarão com as mãos livres!

A American Bankers Association e o Institute of International Finance dão suporte pretensamente "científico" a tal proposição. Em 2009, o sistema financeiro gastou mais de US$ 90 milhões com "lobbiyng"; em 2010, mais do que US$ 100 milhões e, em 2011, até hoje, US$ 50 milhões.

Felizmente, o BIS (o banco central dos bancos centrais) acaba de publicar um estudo tranquilizador produzido por representantes de bancos centrais de 15 países -o do BC foi feito pelo competente Marcos Ribeiro de Castro, que desmonta completamente os argumentos do custoso "lobby".

O efeito da regulação será modestíssimo na taxa de crescimento (menos de 0,01% por ano durante os anos de sua implantação), mas produzirá substancial redução dos riscos de destruidoras crises financeiras. 

domingo, 16 de outubro de 2011

A instabilidade da desigualdade.


NOURIEL ROUBINI é presidente da Roubini Global Economics, professor da Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York) e coautor do livro "Crisis Economics". Hoje, diretamente da FOLHA DE S. PAULO. 

Este ano foi caracterizado por uma onda mundial de inquietações e instabilidades sociais e políticas, com participação popular maciça em protestos reais e virtuais: a Primavera Árabe; os tumultos em Londres; os protestos da classe média israelense contra o alto preço da habitação e os efeitos adversos da inflação sobre os padrões de vida; os protestos dos estudantes chilenos; a destruição dos carros de luxo dos "marajás" na Alemanha; o movimento contra a corrupção na Índia; a crescente insatisfação com a corrupção e a desigualdade na China; e agora o movimento "Ocupe Wall Street", em Nova York e em outras cidades dos Estados Unidos.


Embora esses protestos não tenham um tema que os unifique, expressam de diferentes maneiras as sérias preocupações da classe média e da classe trabalhadora mundiais diante de suas perspectivas, em vista da crescente concentração de poder nas mãos das elites econômicas, financeiras e políticas.As causas das preocupações são bastante claras: alto desemprego e subemprego nas economias avançadas e emergentes; capacitação profissional e educação inadequadas, entre os jovens e trabalhadores, o que impede que concorram no mundo globalizado; ressentimento contra a corrupção, inclusive em formas legalizadas como lobbies; e a alta acentuada na disparidade de renda e riqueza nas economias avançadas e nas emergentes.


É claro que os problemas que muitas pessoas enfrentam não podem ser reduzidos a um só fator. A desigualdade cada vez maior tem várias causas: o ingresso de 2,3 bilhões de chineses e indianos na força mundial de trabalho (reduz o número de empregos e os salários dos operários de baixa capacitação e dos executivos e de administradores cujas funções sejam exportáveis, nas economias avançadas); mudanças tecnológicas baseadas em diferenciais de capacitação profissional; a emergência inicial de disparidades de renda e riqueza em economias que antes tinham renda baixa e agora apresentam rápido crescimento; e tributação menos progressiva.


As companhias de economias avançadas estão reduzindo seu pessoal, devido à demanda final inadequada, que resulta em excesso de capacidade, e à incerteza quanto à demanda futura. Mas reduzir o número de funcionários resulta em queda ainda maior na demanda final, porque isso reduz a renda dos trabalhadores e amplia a desigualdade. Porque os custos trabalhistas de uma empresa representam a receita profissional das pessoas e com isso a demanda que elas geram, uma decisão que é racional para uma empresa específica pode ser destrutiva em termos agregados.


Resultado: os mercados livres não geram suficiente demanda final. Nos EUA, a redução nos custos trabalhistas diminuiu acentuadamente a participação da renda do trabalho no PIB. Com o crédito exaurido, os efeitos de décadas de redistribuição de renda e riqueza -do trabalho para o capital, dos salários para os lucros, dos pobres para os ricos, e dos domicílios para as empresas- sobre a demanda agregada se tornaram severos, devido à propensão marginalmente inferior a consumir entre as empresas/proprietários de capital/domicílios ricos.


O problema não é novo. Karl Marx exagerou em seus argumentos favoráveis ao socialismo, mas estava certo ao alegar que a globalização, o capitalismo financeiro descontrolado e a redistribuição de renda e riqueza do trabalho para o capital poderiam conduzir à autodestruição do capitalismo. Como ele argumentou, o capitalismo sem regulamentação pode resultar em surtos regulares de excesso de capacidade produtiva, consumo insuficiente e crises destrutivas recorrentes, alimentadas por bolhas de crédito e ciclos de expansão e contração nos preços dos ativos.


Qualquer modelo econômico que não considere devidamente a desigualdade terminará por enfrentar uma crise de legitimidade. A menos que os papéis econômicos relativos do mercado e do Estado sejam recolocados em equilíbrio, os protestos de 2011 se tornarão mais severos, e a instabilidade social e política resultante terminará por prejudicar, a longo prazo, o crescimento econômico e o bem-estar social. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Quanto vale a Europa?


Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP, hoje, especialmente para o ESTADÃO.
           
"Sem o euro não existe Europa", constatou Angela Merkel, no mesmo discurso em que assegurou que não haverá uma "união da dívida". As afirmações, contraditórias entre si, refletem imperativos diferentes. A primeira é uma homenagem prestada à História - ou seja, ao projeto supranacional da União Europeia. A segunda expressa a vontade dos eleitores alemães - ou seja, a existência do Estado-nação. Agora, diante da iminente falência grega e do espectro de um colapso bancário em série, a chanceler alemã deve escolher entre uma e outra, pois não pode ter as duas.

História, no caso da Europa, significa uma catástrofe única, que devastou o sistema moderno de Estados erguido na Paz da Westfalia, em 1648, e reconstruído no Congresso de Viena, em 1815. A União Europeia, um fruto da catástrofe, é filha de Stalin e de Hitler.

Stalin: o projeto europeu emanou das circunstâncias da guerra fria, na forma de uma aliança entre a França e a Alemanha, antigas rivais separadas pelos ressentimentos acumulados em três guerras sucessivas. O ato inicial da Europa foi o Plano Schuman, de criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca), em maio de 1950, meses depois da fundação da Alemanha Ocidental e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). À sombra ameaçadora da URSS, a unidade da Europa Ocidental era o complemento necessário para a aliança transatlântica com os EUA.

Hitler: o projeto europeu emanou das ruínas fumegantes da 2.ª Guerra Mundial, o testemunho do colapso de um sistema baseado na soberania absoluta dos Estados. A ideia genial do francês Jean Monnet, de compartilhamento de soberanias, representou a solução para uma civilização destruída pelo nacionalismo sem freios. O ingresso da Alemanha Ocidental na Otan implicava o rearmamento alemão, apenas cinco anos depois da libertação de Paris. A Ceca foi o intercâmbio que o propiciou: no altar da aliança com a França, a Alemanha sacrificou sua supremacia nacional na indústria siderúrgica, a fonte do aço e das armas.

Numa prova de que a paternidade de Hitler é mais forte que a de Stalin, o encerramento da guerra fria não provocou a dissolução do projeto europeu, mas o seu avanço para um novo patamar. A reunificação alemã, em 1990, reativou as assombrações de um passado perene. Então, o espírito de Monnet inspirou François Mitterrand e Helmut Kohl a formularem uma segunda grande barganha, coagulada no Tratado de Maastricht, de 1992: "Toda a Alemanha para Kohl, metade do marco alemão para Mitterrand", na síntese proporcionada por uma ironia realista. A introdução do euro representou um novo sacrifício alemão, desta vez da supremacia nacional monetária, no altar da unidade europeia. O compromisso reafirmado de uma "Alemanha europeia" deveria afastar para sempre os temores estrangeiros e as tentações nacionais sobre a "Europa alemã".

"Estados Unidos da Europa" - a ousada fórmula de Monnet para um mundo pós-nacional ganhou uma materialidade mais prosaica na Comunidade Europeia, inaugurada em 1957. O gesto fundador deu-se em Roma, cercado por um simbolismo elétrico. Roma é a metáfora do Império, isto é, o oposto perfeito da nação. O Estado-nação é o poder de uma entidade política singular e homogênea, que exerce sua soberania num sistema internacional de Estados soberanos. O Império é o poder universal de um soberano, que se exerce sobre uma miríade heterogênea de povos. O mito da restauração de Roma, a memória abstrata de um tempo de unidade, pairava sobre os estadistas que fundaram a Comunidade Europeia.

A força foi a ferramenta das diversas tentativas medievais e modernas de reinvenção de Roma. Tratava-se, mais de meio século atrás, de restaurá-la pelo instrumento do consenso. Mas, mesmo depois de Maastricht, a realidade nunca se confundiu com o mito. A Europa que se veste com as roupagens do Império é uma comunidade de Estados nacionais. Além da esfera de soberanias compartilhadas, subsistem as nações, com seus sistemas políticos próprios, suas leis singulares e seus governos particulares. Quando a tempestade ameaça varrer o euro e toda a herança de Monnet, os holofotes iluminam os encontros entre os chefes de governo da Alemanha e da França, não a Comissão Europeia ou os burocratas que ninguém elegeu instalados na ilha europeia de Bruxelas.

Há duas décadas, Kohl invocou a promessa sagrada da unidade alemã para convencer os eleitores de que os alemães orientais eram concidadãos e, por isso, valia a pena subsidiar a troca de marcos orientais na equivalência artificial de um para um. Angela Merkel carece do argumento de Kohl, quando se trata de gregos, portugueses, irlandeses espanhóis ou italianos. Uma coluna da revista britânica The Economist registra que a palavra alemã Schulden, que significa "dívida", deriva de Schuld, cujo significado é "culpa". A tradição luterana se mescla à vívida memória da hiperinflação da República de Weimar para formar um denso caldo de resistência às propostas de resgate europeu dos países endividados. A ideia de união fiscal, contrapartida aparentemente indispensável à união monetária, assumiria a forma imediata de uma "união da dívida", pela emissão de títulos europeus ou por um aumento dramático nos recursos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Mas é precisamente isso que Angela Merkel qualificou como inaceitável.

Quanto vale a Europa? Sondagens de opinião entre os alemães revelam uma rejeição majoritária a novos pacotes de salvamento dos países que rondam o precipício. Simetricamente, entre os gregos, uma sólida maioria recusa a transferência da soberania popular sobre a economia nacional para Berlim e Bruxelas, condição quase explícita do plano de resgate em curso. Angela Merkel tem dias, talvez semanas, para começar a falar sobre Stalin e Hitler. O valor da Europa depende do eco que, tanto tempo depois, ainda puder gerar a menção desses nomes sinistros.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Soros e as vacilações da eurolândia.


Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO o texto “Soros e as vacilações da eurolândia”. 

Em artigo publicado no "Financial Times" de sexta-feira, 29 de setembro, George Soros recomenda que autoridades da eurolândia se entendam a respeito da criação do Tesouro Comum. Enquanto esse acordo não for celebrado, diz o financista, três providências devem ser tomadas: 1) os bancos seriam colocados sob a direção do Banco Central Europeu (BCE) em troca de garantias temporárias e permanente capitalização; 2) o BCE obrigaria os bancos a manter as linhas de crédito e os empréstimos existentes; 3) o BCE permitiria o refinanciamento temporário a baixo custo de países como Espanha e Itália. Soros conclui: "Essas medidas acalmariam os mercados e dariam tempo para a Europa desenvolver um estratégia de crescimento, sem a qual o problema da dívida não pode ser resolvido".
George Soros pensa o impensável, diz o que está interditado no debate sobre as causas e as curas da doença europeia. Ousa revelar o que deveria ser óbvio para qualquer cidadão medianamente informado: a crise da dívida soberana europeia é, sobretudo, uma crise grave do sistema bancário europeu, com reverberação nos bancos americanos.
No auge da crise de 2008, os bancos centrais da cúspide capitalista cumpriram seu dever e impediram que o crash financeiro degenerasse numa Grande Depressão. Tão logo o pânico deflagrado pela quebra do Lehman Brothers cedeu, saíram das sombras os estoques de dívida soberana acumulados na Europa durante o período de subavaliação dos riscos. Vitimas e protagonistas da farra financeira, os governos da eurolândia fecharam os olhos para a orgia de endividamento privado (depois público) promovida pelos (saltim)bancos da desregulamentação financeira. Estimulada e celebrada por muitos, a desregulamentação abriu caminho para a "invasão" do risco sistêmico nas engrenagens da finança capitalista.
Vou citar o insuspeito e temerário Alan Greenspan: "O risco sistêmico é quase exclusivamente um fenômeno das instituições financeiras. A inadimplência de grandes instituições pode desmantelar o sistema financeiro e com ele o resto da economia, devido às múltiplas e intrincadas relações entre a finança e a atividade econômica... Os riscos gerados por empresas não financeiras - independentemente de seu tamanho - ficam restritos aos seus credores, fornecedores e clientes. Raramente têm impacto mais amplo."
O sistema de crédito moderno tem a função de ampliar e antecipar no tempo a capacidade de investimento e de consumo das empresas, das famílias e dos governos. Ele opera como uma central privada de administração monetária e de alocação da riqueza líquida coletiva. Nessa função, os bancos (e, hoje, os demais intermediários financeiros que se abastecem nos mercados monetários) são provedores da rede informacional do mercado: definem as normas de acesso à liquidez, ao crédito e administram o sistema de pagamentos.
Gestores privados da forma geral da riqueza, os bancos, em princípio, deveriam regular o estado da liquidez e do crédito de acordo com a evolução dos balanços inter-relacionados de empresas, famílias, dos governos e das próprias instituições financeiras. Mas, a crise recente demonstrou que essa pretensão é irrealizável em um ambiente em que prevalecem a concorrência e a busca desaçaimada por resultados entre as instituições financeiras privadas. No período que antecedeu à crise - na esteira da integração global dos mercados financeiros - a "centralização privada" da moeda e do crédito nas instituições "grandes demais para falir" alastrou o processo competitivo de geração e distribuição de ativos com precificação enigmática em moedas distintas.
Quando a roda da fortuna girou em falso, com colapso de preços e ampla flutuação das moedas, foi inevitável o recurso à "centralização estatal", única forma de contornar a destruição do crédito e da moeda, ou seja, da rede informacional da economia monetária da produção. A ruptura nas articulações do sistema de provimento de liquidez, de gestão da riqueza e de pagamentos acarretou a quase paralisia do metabolismo econômico.
Os bancos centrais, portanto, estão condenados a cumprir a missão de reverter a deterioração generalizada dos balanços. Esses desequilíbrios financeiros e patrimoniais revelam-se ainda mais severos e difíceis de "digerir" na posteridade de um ciclo de crédito apoiado na valorização fictícia de ativos.
A emergência da crise da dívida soberana a partir do colapso do endividamento privado exige uma intervenção não convencional das autoridades monetárias. Só elas são capazes de ampliar os seus balanços para absorver o choque entre credores e devedores. Deixados à sua própria sorte, os bancos privados não podem explicitar a desvalorização que contamina seus ativos e os devedores não suportam a insistência dos "mercados" em manter o valor nominal das dívidas.
As recomendações de Soros serão certamente desqualificadas como radicais pelos tíbios e vacilantes. Mas, elas vão à raiz dos problemas que afligem a economia europeia. Na Europa, a encrenca é sistêmica: o crédito está travado porque os bancos desconfiam de tudo e de todos, inclusive deles mesmos. A rede de pagamentos e de provimento de liquidez formada pelo sistema bancário europeu está à beira da hecatombe. Esse colapso da confiança não pode ser superado sem a centralização das decisões na autoridade monetária encarregada de zelar pela higidez das relações interbancárias e, portanto, pela "normalidade" das operações de crédito. Na ausência de um programa de refinanciamento e de transferências confiável, a "saída" mais provável é o default desorganizado da Grécia, a derrocada do valor dos títulos soberanos e a insolvência de grandes instituições financeiras europeias - não só as gregas, portuguesas e espanholas - mas também francesas e alemãs.

EUA desistem do livre comércio.


Jagdish Bhagwati, professor de economia e direito na Universidade de Columbia e membro sênior de Economia Internacional no Council on Foreign Relations, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO, sobre “EUA desistem do livre comércio”.

A indiferença e a apatia que vemos em Washington - tanto do Congresso como do presidente Barack Obama -, em relação à Rodada Doha de negociações comerciais mundiais e o alarme e a preocupação de estadistas de outros países diante da paralisia nas negociações, assinala o fim da era pós-1945 de liderança americana no livre comércio multilateral.
Sinais de nervosismo fora dos EUA estão claros a todos há quase um ano. A chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro britânico David Cameron ficaram tão preocupados que se aliaram aos presidentes da Turquia, Abdullah Gül, e da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono, para, em novembro de 2010, nomear Peter Sutherland e eu como copresidentes de um Grupo de Alto Nível de Especialistas em Comércio. Nós realizamos um painel em Davos com esses líderes em janeiro de 2011, onde, por ocasião do nosso Relatório Preliminar, demos pleno apoio à conclusão da Rodada Doha. Mas não houve resposta dos EUA.
Em setembro, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, o ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González, e o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo lembraram os líderes do G-20 que em novembro de 2009, em sua primeira reunião em Londres, eles tinham manifestado "o compromisso de concluir a rodada em 2010. E, há duas semanas, a ONU reuniu-se novamente para abordar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
O que precisamos hoje é que os maiores estadistas do mundo abandonem sua cautela e timidez e unam-se para empurrar o presidente Barack Obama na direção de uma conclusão bem sucedida para a Rodada Doha. Ainda não é tarde demais.
O Objetivo 8 diz respeito a instrumentos como comércio e ajuda, e o ODM 8A compromete os países membros da ONU a aprofundar o desenvolvimento de um sistema financeiro aberto, baseado em regras, previsível e não discriminatório
Mas, embora praticamente todos os países hoje tenham adotado os Acordos de Livre Comércio preferenciais, o recente líder nessa proliferação são os EUA. Lá, o Congresso e o presidente têm, aparentemente, bastante tempo para discutir ALCs bilaterais com a Coreia do Sul, a Colômbia e o Panamá, bem como a Parceria TransPacífica Regional (PTR), mas nenhum para negociar a não discriminatória Rodada de Doha, que está definhando, em seu décimo ano de negociações.
De fato, é notável que embora o discurso de Obama sobre o Estado da União, em janeiro de 2010, mencione Doha, seu discurso de janeiro de 2011 não se referiu a Doha. O lamentável recuo de Obama é resultado de muitos fatores e falácias. Essas foram destacadas em uma "Carta Aberta a Obama", que organizei e divulguei, com as assinaturas dos 50 mais influentes especialistas atuais em comércio em todo o mundo, pedindo uma mudança na política em relação a Doha.
O presidente dos EUA é cativo dos sindicatos de trabalhadores do país, que compram a falsa narrativa de que o comércio com os países pobres aumenta as fileiras de pobres nos EUA. Na verdade, porém, há uma abundância de evidências em suporte à narrativa oposta, de que a rápida e profunda mudança tecnológica poupadora de mão de obra é o que está exercendo pressão sobre os salários, e que as importações de bens intensivos em mão de obra barata que os trabalhadores americanos consomem estão, na verdade, compensando aquela tensão.
Os lobistas em Washington acreditam em especialistas em comércio, como Fred Bergsten, para quem o ganho proporcionado por Doha, em sua forma atual, é de meros US$ 7 bilhões por ano. Isso ignora as perdas bem maiores que uma Rodada de Doha inconclusa implicaria, por exemplo, minando a credibilidade da Organização Mundial do Comércio como principal fiador de um comércio baseado em regras e deixando a liberalização do comércio inteiramente no âmbito de liberalização discriminatória de acordos bilaterais preferenciais. Mais uma vez, alguém precisa dizer a Obama que importações também criam empregos e que sua ênfase apenas na promoção de exportações dos EUA são má teoria econômica.
 Acima de tudo, Obama é mal assessorado em comércio por seus colegas de alto nível. A secretária de Estado, Hillary Clinton, por exemplo, opôs-se à liberalização do comércio quando concorreu contra Obama à presidência e defendeu uma "pausa" nas negociações de livre comércio. Ela também interpretou erroneamente o grande economista Paul Samuelson, rotulando-o de protecionista, quando ele não disse nada do tipo. Ela nunca se retratou.
Da mesma forma, agora que Warren Buffett é considerado como o conselheiro econômico mais confiável de Obama, vale a pena recordar que em 2003 ele produziu a surpreendente prescrição segundo a qual a melhor maneira de reduzir o déficit comercial dos EUA era não permitir importações em montante superior ao que poderia financiar com sua receita de exportações. Um Samuelson, entre irônico e alarmado, chamou minha atenção para essa ideia maluca. Embora a prescrição de Buffett - impostos mais elevados para os americanos ricos - seja inteiramente desejável, será que Obama perceberá que um gênio numa área pode ser um idiota em outra?
O que precisamos hoje é que os maiores estadistas do mundo abandonem sua cautela e timidez e unam-se para empurrar Obama na direção de uma conclusão bem sucedida para a Rodada Doha. Somente isso se constituiria em contrapeso às forças que o levam à direção errada. Ainda não é tarde demais. 

sábado, 1 de outubro de 2011

A China terá um acidente?


MOISÉS NAÍM, ontem na FOLHA DE S. PAULO, pergunta: “A China terá um acidente?
A economia do planeta irá para onde for a da China. Caso sofra um acidente econômico importante, os danos serão muito mais vastos e profundos que os da crise europeia atual. Será que na próxima década a China sofrerá um acidente que reduza seu crescimento econômico? Infelizmente, é provável que sim. A economia chinesa é como um carro veloz avançando por uma estrada de terra. Cedo ou tarde, topará com um buraco. Será um choque duro.
O acidente da China pode ser econômico, ecológico, social ou internacional. Para que se torne sério o suficiente para colocar em perigo a performance econômica total do país, terá que transbordar para mais de uma região e tornar-se uma crise política de primeira grandeza.
Um acidente financeiro ou ecológico pode ser justamente o gatilho de uma turbulência política ampla. Um crash da Bolsa que elimine uma parcela grande das economias das pessoas e as leve a sair às ruas, a contaminação da fonte de água de uma metrópole ou uma escaramuça com o Exército indiano em qualquer um dos pontos contestados da fronteira podem não ser, por si sós, suficientes para gerar instabilidade que faça a economia descarrilar.
Mas esses incidentes -ou outros difíceis de prever- podem ser a faísca que acenda uma turbulência política ampla que faça a economia desacelerar. A Primavera Árabe foi desencadeada pela imolação de um vendedor de frutas em uma pequena cidade do interior da Tunísia. O Banco Mundial prevê que, entre 2016 e 2020, a economia chinesa cresça 7% ao ano. É uma previsão muito otimista e que presume que não haverá acidentes. Mas mesmo esse índice mais otimista está 30% abaixo do índice atual e da média da década passada. Também a inflação está virando um problema. Nos últimos dez anos, esteve em menos de 2% ao ano. Agora está em mais de 6%, e os preços sobem, especialmente os dos alimentos.
Durante a era de Mao, a desigualdade era quase inexistente e, fosse qual fosse seu nível, era invisível para o resto da população. Hoje ela se equipara às piores do mundo e é altamente visível. Trabalhadores urbanos podem ganhar três vezes mais que camponeses da zona rural, e o número de chineses que ingressam na fileira dos bilionários do mundo quebra um recorde todos os anos.
A corrupção está por toda parte, e, apesar de algumas prisões de vez em quando -e até mesmo da pena de morte ocasionalmente aplicada a funcionários governamentais acusados de corrupção-, vem sendo largamente tolerada até agora. Uma queda econômica profunda e prolongada fará da corrupção uma fonte importante de revolta social e protestos. O mesmo se aplica aos problemas ecológicos crescentes, que, para muitos chineses, não são abstrações: há limites ao quanto as pessoas toleram receber em suas casas água marrom e malcheirosa para cozinhar ou tomar banho.
É fácil traçar uma lista dos gatilhos potenciais e das situações que os tornariam mais explosivos. O que não é fácil é saber qual deles será a faísca a desencadear uma turbulência que desacelere o crescimento chinês. Ou quando. Ou, ainda, se a China terá sorte e evitará um acidente. E com isso poupe o resto de nós de um acidente.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A armadilha mortal da zona do euro.


PAUL KRUGMAN, direto no UOL.
É possível estar tanto apavorado quanto entediado? É como me sinto a respeito das negociações em andamento sobre como responder à crise econômica da Europa, e suspeito que outros observadores compartilham o sentimento.
Por um lado, a situação da Europa é realmente assustadora: com países que representam um terço da economia da zona do euro atualmente sob ataque especulativo, a própria existência da moeda única está sendo ameaçada –e um colapso do euro poderia infligir um vasto dano ao mundo.
Por outro lado, os autores de políticas europeus parecem decididos a fazer mais do mesmo. Eles provavelmente encontrarão uma forma de fornecer mais crédito para os países em dificuldades, o que pode vir ou não a impedir um desastre iminente. Mas eles parecem não estar prontos para reconhecer um fato crucial –o de que sem políticas fiscais e monetárias mais expansionistas nas economias mais fortes da Europa, todas essas tentativas de resgate fracassarão.
A história até o momento: a introdução do euro em 1999 levou a um vasto boom de empréstimos para as economias periféricas da Europa, porque os investidores acreditavam (equivocadamente) que a moeda comum tornava as dívidas da Grécia ou da Espanha tão seguras quanto a da Alemanha. Diferente do que você costuma ouvir, este boom de empréstimos não estava em grande parte financiando gastanças do governo –a Espanha e a Irlanda apresentavam na verdade superávits orçamentários às vésperas da crise, e apresentavam níveis baixos de endividamento. Em vez disso, o afluxo de dinheiro alimentava principalmente um boom de gastos privados, especialmente em imóveis residenciais.
Mas quando o boom de empréstimos terminou repentinamente, o resultado foi uma crise tanto econômica quanto fiscal. Recessões selvagens derrubaram a receita de impostos, colocando os orçamentos no vermelho; enquanto isso, o custo do resgate aos bancos levou a um aumento repentino da dívida pública. E um resultado foi o colapso da confiança dos investidores nos títulos da dívida dos países periféricos.
E agora? A resposta da Europa tem sido exigir uma dura austeridade fiscal, especialmente cortes profundos em gastos públicos, por parte dos devedores com problemas, fornecendo enquanto isso um financiamento tapa-buraco até o retorno da confiança do investidor privado. Essa estratégica pode funcionar?
Não para a Grécia, que realmente gastou excessivamente durante os anos bons, e deve mais do que plausivelmente pode pagar. Provavelmente não para a Irlanda e Portugal, que por motivos diferentes também têm um fardo pesado de dívida. Mas com um ambiente externo favorável –especialmente uma economia europeia de modo geral forte, com inflação moderada– a Espanha, que ainda possui uma dívida relativamente baixa, e a Itália, que apresenta uma dívida elevada, mas déficits surpreendentemente pequenos, possivelmente poderiam escapar.
Infelizmente, os autores de políticas europeus parecem determinados a negar a esses devedores o ambiente que precisam.
Pense desta forma: a demanda privada nos países devedores caiu com o fim do boom financiado pelo endividamento. Enquanto isso, os gastos do setor público também estão sendo profundamente reduzidos pelos programas de austeridade. Então, de onde viriam os empregos e o crescimento? A resposta é das exportações, principalmente para outros países europeus.
Mas as exportações não podem passar por um boom se os países credores também estão implantando políticas de austeridade, possivelmente levando a Europa como um todo de volta à recessão.
Além disso, os países devedores precisam reduzir preços e custos em relação a países credores como a Alemanha, o que não seria difícil se a Alemanha tivesse 3% ou 4% de inflação, permitindo aos países devedores ganharem terreno, simplesmente ao terem inflação baixa ou zero. Mas o Banco Central Europeu tem uma tendência deflacionária –ele cometeu um erro terrível ao elevar as taxas de juros em 2008, enquanto a crise financeira estava ganhando força, e mostrou que não aprendeu nada ao repetir o erro neste ano.
Como resultado, o mercado agora espera inflação muito baixa na Alemanha –em torno de 1% nos próximos cinco anos– o que implica em deflação significativa nos países devedores. Isso aprofundará suas recessões e aumentará o fardo real de suas dívidas, mais ou menos assegurando que todos os esforços de resgate fracassarão.
E eu não vejo sinal de que todas aquelas elites europeias de políticas estão prontas para repensar seu dogma de empréstimo com dinheiro de confiança e austeridade.
Parte do problema pode ser que essas elites de políticas tenham uma memória histórica seletiva. Elas adoram falar sobre a inflação alemã do início dos anos 20 –uma história que não tem nenhuma relação com nossa situação atual. Mas elas quase nunca falam sobre um exemplo muito mais relevante: as políticas de Heinrich Bruening, o chanceler da Alemanha de 1930 a 1932, cuja insistência em equilibrar o orçamento e preservar o padrão ouro tornou a Grande Depressão ainda pior na Alemanha do que no restante da Europa –preparando o caminho para você sabe o quê.
Agora, eu não espero que algo ruim assim aconteça na Europa do século 21. Mas há um abismo muito grande entre o que o euro precisa para sobreviver e o que os líderes europeus estão dispostos a fazer, ou mesmo falar em fazer. E diante desse abismo, é difícil encontrar razões para otimismo.

domingo, 25 de setembro de 2011

Como prevenir uma recessão.


NOURIEL ROUBINI é presidente da Roubini Global Economics, professor da Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York) e coautor do livro "Crisis Economics".  Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate e publicado na FOLHA DE S. PAULO.

Os mais recentes dados econômicos sugerem que a recessão está voltando nas economias mais avançadas, com os mercados financeiros atingindo agora níveis de desgaste semelhantes aos registrados quando do colapso de 2008. Os riscos de uma crise econômica e financeira ainda pior que a anterior -e agora envolvendo países insolventes- são significativos. 
Assim, o que se poderia fazer para minimizar as consequências adversas de nova contração econômica e prevenir uma depressão mais profunda e um colapso financeiro? 
Primeiro, devemos aceitar que medidas de austeridade, necessárias para evitar um desastre fiscal, acarretam efeitos recessivos sobre a produção. Assim, se os países na periferia da zona do euro se virem forçados a adotar medidas de austeridade fiscal, outras nações capazes de prover estímulo em curto prazo deveriam fazê-lo, adiando seus esforços de austeridade. 
Segundo, embora a política monetária tenha impacto limitado quando os problemas são dívida excessiva e insolvência, em vez de falta de liquidez, um relaxamento mais amplo das condições de crédito, em lugar de um simples relaxamento quantitativo, pode se provar útil. 
Terceiro, para restaurar o crescimento do crédito, os bancos da zona do euro e os sistemas bancários subcapitalizados deveriam ser reforçados via financiamento público em um programa que abarcaria toda a União Europeia. Para evitar nova compressão de crédito à medida que os bancos reduzam seu nível de endividamento, os requerimentos de capital e liquidez que os bancos precisam cumprir poderiam ser relaxados por um breve período. 
Quarto, é necessário prover liquidez em larga escala para os governos solventes, a fim de evitar uma disparada nos "spreads" e a perda de acesso a mercados que podem transformar a falta de liquidez em insolvência. Mesmo com mudanças de política econômica, governos precisam de tempo para restaurar sua credibilidade. Até que isso aconteça, os mercados manterão pressão sobre os "spreads" das dívidas nacionais, o que torna provável que o temor de uma crise ajude a criá-la. 
Quinto, dívidas acumuladas que não possam ser reduzidas via crescimento, poupança ou inflação devem ser tornadas sustentáveis por meio de reestruturações ordenadas, redução de dívidas e conversão de dívida em capital. 
Sexto, mesmo que a Grécia e outros países periféricos da zona do euro obtenham perdão de porção significativa de suas dívidas, o crescimento econômico não será restaurado até que a competitividade seja restaurada. E sem um retorno rápido ao crescimento, novos calotes, e novas inquietações sociais, não poderão ser evitados. 
Sétimo, o motivo para o alto desemprego e o crescimento anêmico das economias avançadas é estrutural e inclui competição mais acirrada vinda de mercados emergentes. A resposta correta a mudanças de tamanha abrangência não está no protecionismo. 
Oitavo, as economias de mercado emergente dispõem de mais ferramentas de política monetária que as economias avançadas, no momento, e deveriam relaxar sua política fiscal e monetária. O FMI e o Banco Mundial podem servir como recurso final de empréstimos aos mercados emergentes que corram risco de perda de acesso aos mercados financeiros, desde que aceitem reformas estruturais. 
Os riscos que nos aguardam não são de uma amena recessão de duplo mergulho, mas sim de uma contração severa que poderia se transformar em nova Grande Depressão, especialmente se a crise na zona do euro escapar ao controle e resultar em colapso financeiro mundial. 
Políticas econômicas incorretas e teimosas geraram guerras comerciais e cambiais, na primeira Grande Depressão, acompanhadas por calotes desordenados, deflação, alta na disparidade de renda e riqueza, pobreza, desespero e instabilidades econômicas e sociais que terminaram por produzir regimes autoritários e a Segunda Guerra. 
A melhor maneira de evitar o risco de que essa sequência se repita é uma ação audaciosa e agressiva das autoridades econômicas mundiais -e já.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...