terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A Ásia do sucesso à crise de 1997.


Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.Em 2001 foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. Hoje, no VALOR ECONÔMICO.

Leio na imprensa brasileira artigos instigantes, alguns severamente críticos, a respeito de politicas industriais, de comércio exterior e de competitividade, sobretudo as que envolvem a promoção de "campeões nacionais". Os alvos das críticas são as medidas brasileiras de proteção à industria nacional e de estímulo à restruturação empresarial.

Entendi conveniente recorrer a um artigo que escrevi para a revista Praga em maio de 1998. Dizia então, que, ao investigar a razões do desenvolvimento asiático, os autores mais inclinados à análise histórica e institucional concentraram sua atenção nas seguintes questões: 1) a natureza e relevância das políticas industriais (e de constituição de grandes grupos nacionais), sempre amparadas no direcionamento do crédito e nas taxas de câmbio reais "competitivas"; 2) a importância dos acordos implícitos e das relações de "cooperação" e "reciprocidade" entre o Estado e grupos privados; 3) o papel da estabilidade macroeconômica, sempre buscada mediante a prudente gestão monetária e fiscal, característica dos países da região; 4) a forma da inserção internacional.
Os estudos cuidaram de sublinhar as relações peculiares entre os Estados nacionais, os sistemas empresariais e a "inserção internacional". Procuraram chamar a atenção para a especificidade da "organização capitalista" em que prevaleceram: 1) nexos "cooperativos" e de reciprocidade nas relações capital-trabalho; 2) negociações entre os grandes conglomerados e seus fornecedores; 3) íntima articulação entre os bancos e a grande empresa nacional e 4) "administração estratégica" do comércio exterior e do investimento estrangeiro.

Na visão dessa corrente teórica, tal arquitetura institucional não só assegurou excepcionais taxas de investimento e de acumulação de capital, como também ensejou programas de "graduação" tecnológica. Esse arranjo garantiu, assim, expressivos ganhos de produtividade e, consequentemente, consolidou a posição competitiva dos grandes grupos nacionais (sim, os "campeões", senhoras e senhores) diante dos rivais e concorrentes no mercado internacional.

A partir das reformas do final dos anos 70 do século passado, a China irrompeu no cenário asiático com uma receita um tanto modificada. O novo protagonista apoiou-se na combinação entre uma novidade, ou seja, a atração de investimentos diretos estrangeiros e, uma tradição, isto é, a forte intervenção do Estado na finança e no comércio exterior, com o propósito de sustentar uma agressiva estratégia exportadora e de crescimento acelerado. A ação estatal cuidou, ademais, dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global.

Não é difícil perceber que as estratégias chinesas de expansão acelerada, impulso exportador, rápida incorporação do progresso técnico e forte coordenação do Estado, foram inspiradas no sucesso anterior de seus vizinhos, sócios e competidores.

Os sistemas financeiros que ajudaram a erguer os países asiáticos eram relativamente "primitivos" e especializados no abastecimento de crédito subsidiado e barato às empresas e aos setores "escolhidos" como prioritários pelas políticas industriais. O circuito virtuoso ia do financiamento para o investimento, do investimento para a produtividade, da produtividade para as exportações, daí para os lucros e dos lucros para a liquidação da dívida.

Nos final dos anos 80, intensificaram-se as pressões externas para a liberalização cambial e financeira, o que levou às concessões que deflagraram a crise de 1997/1998. À exceção da China, os asiáticos, particularmente Coreia e Tailândia, aceitaram os termos da "desopressão" financeira: 1) a eliminação dos controles cambiais, ampliando a possibilidade dos agentes domésticos realizarem transações em moeda estrangeira que não decorriam de operações em conta corrente; 2) a liberação das taxas de juros, com restrição progressiva dos créditos dirigidos e subsidiados e 3) a desregulamentação bancária, ensejando que os bancos locais pudessem ampliar as atividades para além do financiamento das empresas produtivas.

A internacionalização financeira, em vez da maior eficiência na alocação de recursos, levou, isto sim, à valorização cambial, à especulação com ativos reais e financeiros, à aquisição de empresas já existentes, ao sobreendividamento e, finalmente, à parada súbita e à fuga de capitais.

Depois da queda, os governos dos países asiáticos retomaram, em boa medida, o controle das políticas estratégicas. O governo coreano, por exemplo, resistiu às pressões estrangeiras para vender ou desmanchar os grandes conglomerados. Para justificar suas exigências os sabichões da mídia e do establishment americano falavam, então, de "crony capitalism", capitalismo de compadres. A expressão foi, mais tarde, tomada de empréstimo pelos críticos para caracterizar as relações incestuosas entre a política e a Grande Finança nos Estados Unidos. Um dos raros empréstimos seguros na farra do subprime.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Romney não está preocupado.


Paul Krugman, no The New York Times, aqui publicado pela FOLHA. 

Se você é norte-americano e está enfrentando um período de dificuldades, Mitt Romney tem uma mensagem a lhe transmitir: ele não se incomoda com o seu sofrimento.

No começo da semana, Romney declarou a um entrevistador da rede de notícias CNN que "não estou preocupado com os muito pobres. Temos uma rede de segurança para atendê-los". O entrevistador não conseguiu ocultar seu espanto.

Diante das críticas que a declaração causou, o candidato alegou que não tinha querido dizer o que pareceu ter dito, e que suas palavras haviam sido tiradas do contexto. Mas era evidente que ele quis dizer o que disse. E quanto mais você considerar o contexto da declaração, pior a situação fica para ele.

Primeiro, alguns dias antes Romney negou que os programas de assistência aos pobres que ele posteriormente mencionaria como motivo para não se preocupar estivessem ajudando de maneira significativa.

Em 22 de janeiro, ele declarou que os programas de rede de segurança --sim, foram suas palavras liberais-- tem "imensos custos fixos" e que, devido ao custo de uma imensa burocracia, "parte relativamente pequena do dinheiro necessário àqueles que realmente precisam de ajuda, aqueles que não têm como cuidar de si mesmos, chega realmente a eles".

A alegação, como boa parte do que Romney diz, é completamente falsa.

Os programas norte-americanos de assistência aos pobres não têm burocracia ou custos fixos excessivos, ao contrário, por exemplo, das companhias privadas de seguros.

Como documentou o Centro de Prioridades Orçamentárias e Políticas, de 90% a 99% do dinheiro destinado aos programas de rede de segurança chegam realmente aos beneficiários.

Mas, mesmo desconsiderada a desonestidade de sua alegação inicial, como pode um candidato primeiro declarar que os programas de rede social não ajudam e depois, dez dias mais tarde, dizer que eles cuidam tão bem dos pobres que não há motivo para preocupação quanto ao bem-estar destes?

Além disso, se considerarmos essa imensa mancada quanto ao funcionamento real dos programas de rede de segurança, como poderíamos confiar na declaração de Romney de que consertaria a rede de segurança caso ela precisasse de reparos, depois que ele afirmou não estar preocupado com a situação dos mais pobres?

A verdade quanto a isso é que a rede de segurança precisa de reparos.

Ela oferece grande ajuda aos pobres, mas ainda assim não o suficiente.

O programa federal de saúde Medicaid, por exemplo, oferece tratamentos essenciais a milhões de cidadãos desafortunados, especialmente crianças, mas muita gente passa sem assistência.

Entre os norte-americanos cuja renda anual fica abaixo dos US$ 25 mil, mais de um quarto --28,7%-- não contam com qualquer forma de seguro-saúde. E não, eles não podem compensar essa falta de cobertura recorrendo aos prontos-socorros.

Da mesma maneira, os programas de assistência alimentar ajudam muito, mas um em cada seis dos norte-americanos que vivem abaixo do limiar da pobreza sofre de "baixa segurança alimentar".

A definição para essa condição é a de que "o consumo de alimentos é reduzido em determinados períodos do ano porque os domicílios não dispõem de dinheiro ou outros recursos para comprar comida". Em outras palavras, essas pessoas passam fome.

Por isso, precisamos reforçar nossa rede de segurança. Mas Romney deseja, na realidade, enfraquecê-la ainda mais.

Especificamente, o candidato apoia o plano do deputado Paul Ryan para cortes drásticos nos gastos federais, e dois terços desses cortes aconteceriam em detrimento dos norte-americanos de baixa renda.

E, se Romney diferenciou sua postura da adotada por Ryan, foi no sentido de cortes ainda mais severos na assistência aos pobres: sua proposta para o Medicaid parece envolver redução de 40% nas verbas, ante a distribuição atual.

Assim, a posição de Romney parece ser a de que não precisamos nos preocupar com os pobres graças a programas que ele insiste, falsamente, não ajudarem os necessitados, e que de qualquer modo ele pretende destruir.

Ainda assim, acredito em Romney quando ele se declarara despreocupado quanto aos pobres.

O que não acredito é quando ele se declara igualmente despreocupado quanto aos ricos, que estão "se saindo bem", segundo ele. Afinal, se ele acredita realmente nisso, por que propõe lhes dar ainda mais dinheiro?

E estamos falando sobre muito dinheiro. De acordo com o Centro de Política Tributária, uma organização apartidária, o plano tributário de Romney na prática elevaria os impostos de muitos norte-americanos de renda mais baixa e reduziria acentuadamente os impostos dos mais ricos.

Mais de 80% da redução de impostos beneficiaria pessoas que ganham mais de US$ 200 mil ao ano; e cerca de metade se destinaria àqueles que ganham mais de US$ 1 milhão ao ano.

O benefício tributário médio para os membros do clube do milhão seria uma redução de US$ 145 mil em seus impostos anuais.

E essas grandes isenções criariam um enorme rombo no orçamento, elevando o deficit em US$ 180 bilhões ao ano --o que tornaria necessários os severos cortes nos programas de rede de segurança.

O que nos conduz de volta à despreocupação de Romney. Podemos afirmar, sobre o ex-governador de Massachusetts e presidente da Bain Capital, que ele está desbravando fronteiras na política norte-americana.

Até mesmo os políticos conservadores costumavam considerar necessário fingir preocupação com os pobres. Vocês se lembram do "conservadorismo compassivo"? Romney, porém, deixou de lado esse fingimento.

Se as coisas continuarem assim, logo teremos políticos que admitem aquilo que parece óbvio há muito tempo: eles tampouco se preocupam com a classe média, e não estão e nunca estiveram preocupados com a vida dos norte-americanos comuns.

Economia e Política em 2012.


Na Época deste semana o cientista político Alberto Carlos Almeida cita artigo publicado no http://www.nber.org/public_html/confer/2008/si2008/IASE/alston.pdf, onde fica bastante claro que a maior arma contra a corrupção é a existência de instituições que efetivamente a combatam.
Nesse caso, a Economia ajuda a melhorar o que sai da classe política. Em um ano eleitoral, que o tema seja realmente discutido em todos os horários, nobres ou não.      

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

É o câmbio, é o câmbio...


Antonio Delfim Netto, ontem no Valor Econômico. 

Há algumas semanas tive a oportunidade de afirmar nesta coluna que muitos economistas altamente qualificados manifestaram, no início dos anos 90 do século passado, dúvidas a respeito da possibilidade de uma moeda única poder funcionar na Comunidade Econômica Europeia.

Na antevéspera do lançamento do euro, 150 dos mais renomados e bem apetrechados economistas alemães assinaram um "manifesto" em que condenavam a precipitação de instituir o euro sem antes ter construído uma "área monetária ótima", acompanhada de uma forte coordenação das políticas fiscais entre os países e a construção de um Banco Central autônomo, que pudesse, de fato, exercer a sua função de "emprestador de última instância" nos momentos de crise. Essas, seguramente, pela própria natureza da economia de mercado, viriam a existir. Recebi um e-mail de um gentil leitor perguntando se poderia dar exemplos além dos economistas alemães.

Vou tentar atendê-lo revelando as opiniões de dois brilhantes monetaristas que em 1963 publicaram uma das obras-primas da literatura econômica do século XX, Milton Friedman e Anna Schwartz ("A Monetary History of the United States: 1867-1960"). Em entrevistas independentes, dadas, respectivamente, em junho de 1992 e setembro de 1993 para a magnífica revista do Federal Reserve Bank of Minneapolis, eles falaram sobre o assunto.

À pergunta (junho de 1992): "Qual é a sua opinião sobre o projeto de uma moeda única na eurolândia?", Friedman respondeu: "Não creio que funcione na minha geração. Talvez na sua, mas não tenho qualquer certeza"... e acrescentou: "Seria altamente desejável que a Europa tivesse uma única moeda, da mesma forma que temos nos EUA. Mas para tê-la você precisa de uma área onde as pessoas e os bens movam-se livremente e na qual exista suficiente homogeneidade de interesses, para que não haja estresse político criado pelo desenvolvimento desigual das diferentes partes da área. Para ilustrar. Temos hoje (1992) uma região dos EUA ("Northeast in general"), em grave dificuldade. Se ela fosse um país separado dos EUA, com outra língua e com um suposto governo nacional próprio, seria fortemente tentada a realizar uma desvalorização cambial, o que não pode fazer... Além do mais, a eurolândia deveria ter um verdadeiro Banco Central com toda autoridade, o que implica fechar a Banque de France, a Banca d"Italia e o Deutsche Bundesbank... Os planos pretendem isso, mas é claro que entre pretender e fazer há uma imensa distância"...

No mesmo diapasão, temos Anna Schwartz. À pergunta (setembro de 1993) "Tem a história alguma lição a dar aos planejadores da união monetária da Europa?", ela respondeu: "Os planejadores da União Europeia deveriam estudar com muito cuidado as razões pelas quais o "gold standard"-, anterior à Primeira Guerra Mundial, foi um regime bem-sucedido; por que a Conferência Econômica de Gênova, de 1922, e a Conferência Econômica de Londres, de 1933, falharam; por que o "gold standard" entre as duas guerras entrou em colapso; por que o acordo de Bretton Woods não sobreviveu à inflação dos EUA; por que o Exchange Rates Mechanism (firmado ente os países europeus para coordenar suas taxas de câmbio) está nas "cordas" desde 1992. A lição do passado é que um regime monetário só é bem-sucedido quando países com os mesmos objetivos sofrem os mesmos choques. Os países-membros devem estar dispostos a ceder sua soberania a uma autoridade monetária transnacional. Num mundo de incertezas e choques não antecipados, os países têm prioridades nacionais, que não podem prescindir do uso de políticas monetárias domésticas e, portanto, resistem a assumir compromisso com um único objetivo: a estabilidade dos preços". E termina afirmando que "a história dos regimes monetários internacionais sugere que a união monetária europeia é a non starter"!

Vemos que Friedman e Schwartz (com alguma teoria e muita história) colocam o dedo na real dificuldade do euro: o desequilíbrio das taxas de câmbio nominalmente fixadas na moeda única, mas "virtualmente" flutuantes dentro da zona do euro, pelo dinamismo diferente da economia de cada um de seus membros.
Esse problema só desaparece quando temos uma federação de fato, como é o caso dos EUA, do Brasil e da Alemanha, onde um poder central redistribui para as regiões, que têm um déficit "virtual" em contas correntes, parte dos recursos tributários recolhidos nas outras, sem que aquelas tenham de reduzir seu crescimento ou endividar-se.

Nada disso é novidade. Aliás, foram as dificuldades cambiais dentro do "gold standard" que levaram à tentativa de mimetizar uma desvalorização cambial sem, de fato realizá-la. Um exemplo é o esquema primitivo de Keynes nos anos 30: uma tarifa "ad-valorem" sobre todas as importações e o uso dos seus recursos para subsidiar as exportações, que recebeu o nome de "desvalorização fiscal".

Quem tiver disposição para ver os "progressos" dessa ideia usando o modelo novo keynesiano de Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico (DSGE), não deve perder o artigo "Fiscal Devaluation", (NBER - Working Paper 17.662, de dezembro/ 2011), onde outros instrumentos para tentar realizá-la (aumento de impostos indiretos e redução das contribuições sociais) são sugeridos. Fé, coragem e bom apetite!

Desenvolvimento.


O Professor Antonio Delfim Netto, hoje na FOLHA DE S. PAULO.  

Desde Adam Smith, os economistas têm se dedicado a encontrar a fórmula que revelaria a condição "suficiente" para a realização do desenvolvimento econômico. Após o término da Segunda Guerra Mundial, o progresso tem sido lento e, de fato, ainda não sabemos se a fórmula existe e se seria de aplicação universal.

Mesmo com o aperfeiçoamento das estatísticas, a construção de infindáveis modelos -muita matemática e econometria (às vezes com uma pitada de história)-, depois de dois séculos e meio na busca do graal cuidadosamente escondido (ou talvez apenas sonhado!), temos resultados práticos pífios.

Talvez tenhamos encontrado algumas condições "necessárias", mas não muito mais do que Adam Smith já conhecia...

Trata-se do mais importante problema a ser esclarecido pela economia. Afinal, por que na longa caminhada desde o neolítico até a segunda metade do século 18 a produção per capita cresceu num ritmo extremamente baixo? Talvez uma armadilha malthusiana. E por que sofreu uma rápida transformação depois de 1750?

Porque, a partir daí, pelo menos uma economia, a britânica, foi capaz de capturar a energia dispersa em seu território (água, madeira e carvão), auto-organizar-se com instituições convenientes e dissipá-la na produção de itens e serviços consumidos por uma população crescente.

Há alguns anos, Gregory Clark ("A Farewell to Alms", 2007) propôs uma interessante hipótese que continua gerando uma enorme literatura. A causa eficiente do desenvolvimento da Inglaterra teria sido a emergência de uma classe média, com seus valores de prudência, poupança e disposição para o trabalho.

Clark reduz o foco do desenvolvimento da "qualidade das instituições" ou, pelo menos, sugere que diferentes "instituições" podem produzir o desenvolvimento econômico.

A hipótese de Clark é compatível com a pesquisa de Acemoglu et. Al (2005) quando afirma que os ganhos do comércio exterior apropriados pelas classes médias da Holanda e da Inglaterra foram a causa eficiente do seu desenvolvimento. A contraprova desse fato foi a estagnação de Portugal e Espanha, onde os mesmos efeitos foram apropriados por uma pequena elite.

Infelizmente, não existe (e provavelmente nunca existirá) a receita que nos diga qual é a condição "suficiente" para garantir o desenvolvimento econômico.

Mas existem, sim, condições "necessárias" observadas na história e racionalizadas na economia, sem as quais ele não prosperará.

Para o Brasil, é muito bom saber que uma forte classe média é uma delas. 

A "Copomização" do debate do sistema bancário.


Roberto Luis Troster, consultor e doutor em economia pela USP, foi economista chefe da Febraban e da ABBC e professor da USP, Mackenzie e PUC-SP. Hoje no Valor Econômico. 

Dois temas dominam o mês de fevereiro: Carnaval e o lucro dos bancos. O primeiro é uma unanimidade e o outro uma polêmica que se acirra a cada ano que passa. Com a publicação dos balanços anuais, os resultados líquidos, superiores a R$ 60 bilhões em 2011, de um lado serão defendidos como consequência de uma gestão primorosa e de investimentos responsáveis e, de outro, atacados e classificados como exagerados e indecentes. É um debate de surdos.

A questão subjacente é a legitimidade dos lucros, que é a visão heterogênea que o público tem deles e está baseada em aspectos legais, éticos, concorrenciais e culturais, sendo o ponto chave se sua contribuição para a sociedade é compatível com as recompensas a seus acionistas e gestores. Um paralelo pode ser feito com a indústria do fumo, que gera empregos, impostos e divisas, mas, por outro lado, tem um custo social elevado por conta de seus efeitos danosos na saúde pública. A intermediação de recursos no Brasil é abrangente e sólida. Todavia, a oferta de crédito apresenta níveis de instabilidade e ineficiência incompatíveis com a sofisticação dos bancos.

As oscilações nos juros cobrados e nos volumes ofertados são elevadas. Em 2011, observaram-se taxas médias de crédito que variaram mais de 20% e a composição entre linhas de recursos apresentou diferenças de composição altas. A ineficiência no Brasil, medida pelas diferença entre taxas de captação e aplicação, em alguns casos, superou os 300%. De acordo com levantamento feito pelo Fórum Econômico Mundial (Davos), é a segunda pior do mundo, só o Zimbábue tem margens de crédito maiores que as tupiniquins.

As consequências são palpáveis. A inadimplência, mesmo com o recorde de desemprego baixo, é mais que o dobro da média mundial. A demanda de crédito está diminuindo, apesar dos avanços da bancarização. Ilustrando o ponto, pesquisa do IPEA mostra que o número de famílias sem nenhuma dívida aumentou e alcança a 56%; a mesma sondagem relatou que 36% das endividadas não teria como saldar suas obrigações. Levantamento do Sebrae apontou que 71% de pequenas e médias empresas não buscaram empréstimos bancários. É uma situação incompatível com a capacidade do sistema financeiro nacional em emprestar e melhorar o potencial de pessoas, de corporações e do país.

No governo Lula, houve alguns acertos pontuais como o crédito consignado e uma expansão considerável, mas também retrocessos como as margens da conta garantida e as do cheque especial, que aumentaram 30% e quase 20%, respectivamente. Em 2011, manteve-se a tendência e continuaram deteriorando-se com altas de 8% e 14%, respectivamente. Apesar da sofisticação, a relação crédito e Produto Interno Bruto (PIB) é parecida com a da Bolívia, e, se as projeções estiverem corretas, só alcançará o mesmo nível do Chile, que tem um sistema financeiro menos sofisticado que o brasileiro, em mais de uma década. Os números de expansão do crédito, recentes e projetados, mostram recursos direcionados crescendo ao dobro da taxa real dos livres, gerando inquietações com relação ao futuro.

Nos debates sobre os lucros, é comum responsabilizar a cobiça dos bancos como causa das dificuldades. Mas os banqueiros brasileiros não são mais gananciosos que os de outros países e/ou dos demais empresários. A mesma tem influência em algumas situações muito específicas, mas não é o que explica a falta de legitimidade dos lucros dos bancos. Supondo que todos eles decidissem reduzir as tarifas e taxas bancárias cobradas em 15%, zerariam seus lucros, mas não resolveriam o imbróglio. Ficariam sem recursos para investir e o sistema continuaria a ser ineficiente, com as segundas taxas de juros mais altas do planeta, instabilidade na oferta de recursos e uma expansão de financiamentos distorcida.

A origem dos problemas é outra: está na "Copomização" do debate bancário, que está focado nas reuniões do Copom que determinam a Selic (uma taxa interbancária de um dia). As decisões são tomadas em um processo em grande estilo com comunicados, atas e relatórios que detalham seus fundamentos, boletins com as expectativas do mercado, modelos econométricos que dão suporte, encontros regulares com economistas, uma equipe qualificada que analisa minuciosamente todos os fatores que influenciam e acompanhado extensivamente pela imprensa. É uma taxa importante que deve baixar. Todavia, não é a única, nem é o que mais atrapalha o desenvolvimento do país. O ponto é a pouca atenção dada às demais, que são administradas com medidas - leia-se improvisos, mais retalhos na colcha que é o quadro institucional financeiro.

As distorções no tratamento da questão dos juros são gritantes. Enquanto a taxa Selic, centro das atenções, aumentou 0,25% em 2011 e foi manchete em cada alteração, a de crédito pessoal (excluído o consignado) se elevou 11,40% (quarenta e cinco vezes mais!), e não foi notícia. Há taxas médias para pessoa jurídica que são mais de dez vezes maiores que a Selic. Para pessoa física, mais de 15 e há também financiamentos para o tomador final que estão a mais de trinta. Não há diferença material relevante para esses tomadores de financiamentos se a Selic está a 9% ou 12%. Mesmo assim, a oferta de crédito continua sendo administrado com medidas, culpando-se os banqueiros e dando-se o foco das atenções ao Copom, "Copomizando" ainda mais o debate.

Falta ao país uma política bancária que trate do custo do crédito, da cunha tributária, da transparência, da proteção ao consumidor bancário, do direcionamento de recursos, do desempenho dos bancos públicos, da estabilidade da oferta, dos compulsórios, do processo de precificação, da concorrência, do financiamento de longo prazo, do microcrédito, da bancarização, do uso da tecnologia, do ônus regulatório, dos financiamentos de longo prazo, do papel de bancos menores, da liquidez, dos custos de observância, enfim, de todos os demais fatores e da taxa Selic. O setor não pode ficar refém do vaivém das circunstâncias, o momento pede uma modernização institucional.

Uma intermediação financeira eficiente e estável interessa ao país. O crédito é a ponte entre o presente e o futuro e necessita de uma política consistente que alinhe interesses privados com sociais, que proporcione mais lucros e mais legítimos para os bancos e mais desenvolvimento para o país. Não são objetivos incompatíveis, pelo contrário. É possível, há uma janela de oportunidade e o governo quer fazer acontecer. Cumpra-se!

Europa respira por aparelhos.


Martin Wolf, do Financial Times, hoje no Valor Econômico. 

As autoridades econômicas estão mais otimistas do que há dois meses. O principal motivo é a crença de que o Banco Central Europeu (BCE), sob a inteligente liderança de Mario Draghi, acabou com o risco de implosão financeira da região do euro. Como destacou Mark Carney, o respeitado presidente do Banco do Canadá e sucessor de Draghi no Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês), no Fórum Econômico Mundial, em Davos: "Não haverá um evento no estilo do Lehman na Europa. Isso é importante."

Os prêmios dos swaps de crédito, contratos de derivativos para proteção contra calotes, dos bancos italianos e espanhóis caíram desde o lançamento das operações de refinanciamento de longo prazo de três anos do BCE, em dezembro. Também diminuiu a diferença entre o rendimento dos bônus alemães e o dos títulos de dívidas de alguns países mais vulneráveis.
Se isso significa que a crise da região do euro acabou? Absolutamente, não. O BCE salvou a região do euro de um ataque cardíaco. Seus membros, no entanto, deparam-se com uma longa convalescência pela frente, agravada pela insistência de que a inanição fiscal é o remédio certo para pacientes fragilizados.

A revisão para baixo das previsões de crescimento, na semana passada, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra os riscos. O FMI agora projeta recessão na região do euro neste ano, com declínio de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB) total. A previsão é de declínios acentuados no PIB da Itália e Espanha, com estagnação na França e Alemanha. Trata-se de um cenário terrível para países que procuram reduzir os déficits fiscais. As estimativas para outros países de alta renda estão longe de ser satisfatórias, mas a região do euro é a região mais perigosa da economia mundial: é apenas lá que vemos governos importantes - Itália e Espanha - ameaçados por uma perda de capacidade creditícia.

Como Donald Tsang, executivo-chefe de Hong Kong, ressaltou em Davos: "Nunca estive tão assustado como estou agora". Observadores mais atentos têm noção de que há pouco a separá-los de uma onda de inadimplência de bancos e governos dentro da região do euro, cujas repercussões mundiais seriam medonhas.

O BCE conseguiu diminuir o risco de um colapso imediato no setor bancário, mas o que os observadores bem informados desejam ver são sistemas de proteção contra a possibilidade de que, por exemplo, o desmoronamento da Grécia, incluindo sua saída da região do euro, provoque pânico em relação às perspectivas de países muito mais importantes. Em discurso corajoso em Berlim, na semana passada, Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, assumiu esse desejo como uma de suas três tarefas, juntamente com a aceleração do crescimento e a maior integração.

O que esses observadores querem ver é um compromisso de que os países vulneráveis da região do euro ganharão o tempo e o tratamento necessários para se recuperar. Naturalmente, também querem ver um comprometimento de recursos por parte da região do euro que deixe clara a determinação de seus países em assegurar esse resultado. Por que, verdadeiramente, deveríamos esperar que um país relativamente pobre como a China contribua para resgatar uma região do euro que mostrou pouca vontade ou capacidade de curar a si mesma?

Infelizmente, o problema não é apenas de vontade. É de falta de um diagnóstico correto. Esse é um problema que o BCE não pode corrigir. A Alemanha, como país credor, opõe-se a uma "união de transferências" e insiste que a disciplina fiscal é tudo. Está certa quanto ao primeiro ponto e errada quanto ao segundo.

Um processo de longo prazo de transferência de recursos para membros não competitivos seria um desastre, enfraquecendo os receptores e falindo os fornecedores. Mas a indisciplina fiscal não é tudo. Assim como não foi a causa dominante do colapso - que foi a concessão relaxada de empréstimos para captadores privados imprudentes -, a disciplina fiscal não é a cura.

Além disso, se o setor privado estiver com superávit estrutural financeiro para reduzir suas dívidas, as autoridades monetárias podem eliminar déficits fiscais estruturais se e somente se o país tiver um superávit estrutural em conta corrente. A Alemanha deveria entender isso porque é precisamente isso que está fazendo. Os países atingidos por crises financeiras quase sempre têm grandes superávits financeiros estruturais do setor privado. Para que esses países, de fato, eliminem os déficits fiscais estruturais, também precisarão ter superávits estruturais em conta corrente, assim como a Alemanha. No entanto, todos os países não podem ter esses superávits ao mesmo tempo, a não ser que a região do euro os tenha como um todo.

É impossível que países isoladamente sejam curados sem mudanças de contrapartida em outros lugares. Como disse Lagarde, em Berlim, "recorrer a cortes orçamentários generalizados, por todo o continente, apenas aumentará as pressões recessivas". O aperto fiscal deve ser seletivo. Ainda mais importante, o sinal de que o processo de ajuste está funcionando - tornando, portanto, desnecessárias as transferências fiscais de longo prazo que a Alemanha acertadamente detesta - seria uma demanda elevada no núcleo da região do euro, com a inflação bem acima da média do bloco, uma imagem invertida do que se via antes da crise.

O tom mais forte de otimismo em relação à região do euro que ouvi em Davos baseia-se no fato de que uma ruptura da união monetária traria resultados calamitosos. Pessoas desesperadas, no entanto, são capazes de atos desesperados. Os países-membros agora precisam do tempo necessário e da oportunidade para se ajustarem. Sistemas fortes de proteção dariam o tempo necessário, mas apenas mudanças na competitividade proporcionariam a oportunidade. Sem nenhum dos dois, a crise certamente vai voltar.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Os canalhas nos ensinam mais.

Arnaldo Jabor, hoje no ESTADÃO. Excepcionalmente neste blog, para seus milhões de leitores.
Nunca vimos uma coisa assim. Ao menos, eu nunca vi. A herança maldita da política de sujas alianças que Lula nos deixou criou uma maré vermelha de horrores. Qualquer gaveta que se abra, qualquer tampa de lata de lixo levantada faz saltar um novo escândalo da pesada. Parece não haver mais inocentes em Brasília e nos currais do País todo. As roubalheiras não são mais segredos de gabinetes ou de cafezinhos. As chantagens são abertas, na cara, na marra, chegando ao insulto machista contra a presidente, desafiada em público. Um diz que é forte como uma pirâmide, outro que só sai a tiro, outro diz que ela não tem coragem de demiti-lo, outro que a ama, outro que a odeia. Canalhas se escandalizam se um técnico for indicado para um cargo técnico. Chego a ver nos corruptos um leve sorriso de prazer, a volúpia do mal assumido, uma ponta de orgulho por seus crimes seculares, como se zelassem por uma tradição brasileira. Temos a impressão de que está em marcha uma clara "revolução dentro da corrupção", um deslavado processo com o fito explícito de nos acostumar ao horror, como um fato inevitável. Parece que querem nos convencer de que nosso destino histórico é a maçaroca informe de um grande maranhão eterno. A mentira virou verdade? Diante dos vídeos e telefonemas gravados, os acusados batem no peito e berram: "É mentira!" Mas, o que é a mentira? A verdade são os crimes evidentes que a PF e a mídia descobrem ou os desmentidos dos que os cometeram? Não há mais respeito, não digo pela verdade; não há respeito nem mesmo pela mentira. Mas, pensando bem, pode ser que esta grande onda de assaltos à Republica seja o primeiro sinal de saúde, pode ser que esta pletora de vícios seja o início de uma maior consciência critica. E isso é bom. Estamos descobrindo que temos de pensar a partir da insânia brasileira e não de um sonho de razão, de um desejo de harmonia que nunca chega. Avante, racionalistas em pânico, honestos humilhados, esperançosos ofendidos! Esta depressão pode ser boa para nos despertar da letargia de 400 anos. O que há de bom nesta bosta toda? Nunca nossos vícios ficaram tão explícitos! Aprendemos a dura verdade neste rio sem foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento. Finalmente, nossa crise endêmica está em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio como uma galinha. Vemos que o País progride de lado, como um caranguejo mole das praias nordestinas. Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades sórdidas estamos conhecendo, fecundas como um adubo sagrado, tão belas quanto nossas matas, cachoeiras e flores. É um esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras. Como mentem arrogantemente mal! Que ostentações de pureza, candor, para encobrir a impudicícia, o despudor, a mão grande nas cumbucas, os esgotos da alma. Ai, Jesus, que emocionantes os súbitos aumentos de patrimônio, declarações de renda falsas, carrões, iates, piscinas em forma de vaginas, açougues fantasmas, cheques podres, recibos laranjas de analfabetos desdentados em fazendas imaginárias. Que delícia, que doutorado sobre nós mesmos!... Assistimos em suspense ao dia a dia dos ladrões na caça. Como é emocionante a vida das quadrilhas políticas, seus altos e baixos - ou o triunfo da grana enfiada nas meias e cuecas ou o medo dos flagrantes que fazem o uísque cair mal no Piantella diante das evidências de crime, o medo que provoca barrigas murmurantes, diarreias secretas, flatulências fétidas no Senado, vômitos nos bigodes, galinhas mortas na encruzilhada, as brochadas em motéis, tudo compondo o panorama das obras públicas: pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, orgasmos entre empreiteiras e políticos. Parece que existem dois Brasis: um Brasil roído por ratos políticos e um outro Brasil povoado de anjos e "puros". E o fascinante é que são os mesmos homens. O povo está diante de um milenar problema fisiológico (ups!) - isto é, filosófico: o que é a verdade? Se a verdade aparecesse em sua plenitude, nossas instituições cairiam ao chão. Mas, tudo está ficando tão claro, tão insuportável que temos de correr esse risco, temos de contemplar a mecânica da escrotidão, na esperança de mudar o País. Já sabemos que a corrupção não é um "desvio" da norma, não é um pecado ou crime - é a norma mesmo, entranhada nos códigos, nas línguas, nas almas. Vivemos nossa diplomação na cultura da sacanagem. Já sabemos muito, já nos entrou na cabeça que o Estado patrimonialista, inchado, burocrático é que nos devora a vida. Durante quatro séculos, fomos carcomidos por capitanias, labirintos, autarquias. Já sabemos que enquanto não desatracarmos os corpos públicos e privados, que enquanto não acabarem as emendas ao orçamento, as regras eleitorais vigentes, nada vai se resolver. Enquanto houver 25 mil cargos de confiança, haverá canalhas, enquanto houver Estatais com caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a fundo perdido, haverá canalhas. Com esse Código Penal, com essa estrutura judiciária, nunca haverá progresso. Já sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais, estradas. Não adianta punir meia dúzia. A cada punição, outros nascerão mais fortes, como bactérias resistentes a antigas penicilinas. Temos de desinfetar seus ninhos, suas chocadeiras. Descobrimos que os canalhas são mais didáticos que os honestos. O canalha ensina mais. Os canalhas são a base da nacionalidade! Eles nos ensinam que a esperança tem de ser extirpada como um furúnculo maligno e que, pelo escracho, entenderemos a beleza do que poderíamos ser! Temos tido uma psicanálise para o povo, um show de verdades pelo chorrilho de negaças, de "nuncas", de "jamais", de cínicos sorrisos e lágrimas de crocodilo. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Céus, por isso é que sou otimista! Ânimo, meu povo! O Brasil está evoluindo em marcha à ré!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O começo do capitalismo.


Paulo Guedes, hoje no jornal O GLOBO.

Reunidos no Fórum Econômico Mundial, financistas, políticos e intelectuais exalam pessimismo. Discutem o suposto fracasso das economias liberais e suas economias de mercado. A nova ordem global seria na verdade uma desordem. A celebração anual da era dos excessos em Davos tornou-se agora um Muro das Lamentações. Pela indigência das análises apresentadas, os ocidentais se limitam a concluir, aturdidos, evocando a Lei de Murphy original: "Se uma coisa (o "capitalismo") tem chance de dar errado, vai dar errado." Ora, as democracias e o capitalismo são instituições extraordinariamente flexíveis, que foram bombardeadas por choques colossais nas últimas duas décadas. O mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos, deserdados pelo colapso do socialismo, nos mercados de trabalho globais. Uma revolução tecnológica agudizou as pressões da competição global. E os governos ocidentais recorreram a velhos truques para manter artificialmente o crescimento ante os novos desafios.

Os financistas anglo-saxões sabem de seus abusos, estimulados por bancos centrais que promoveram excessos com dinheiro barato e regulamentação frouxa. A obsoleta social-democracia europeia sabe também de seus excessos, sob o pretexto de promover o bem-estar social. Quando celebravam seu sucesso em Davos, exibiam suas pretensas virtudes e sabedoria. Mas, agora expostas a farra do crédito e a irresponsabilidade fiscal, financistas e políticos dissimulam hipocritamente sua contribuição à crise contemporânea. A culpa é do "capitalismo".

E o que dizer dos bem pagos intelectuais, que sempre enfeitaram com seu brilho as celebrações dessa época de excessos - designada pelos pobres economistas, para sua eterna vergonha, como "Era da Grande Moderação"? Ora, dizem todos agora que é o fim do "capitalismo". Por ressentimento com os privilégios dos financistas? Em busca de atenção e influência? Ou pelo simples cacoete ideológico de renovação das profecias do fim do "capitalismo"?

Não é só Bill Gates que diz, com uma perspectiva histórica, que o "mundo está muito melhor hoje", em entrevista a Deborah Berlinck publicada ontem no GLOBO. Os bilhões de eurasianos que saem da miséria pelo mergulho nos mercados globais em busca de inclusão social também acham isso. Pergunte particularmente aos chineses o que acham de sua inserção na ordem "capitalista". Afinal, para eles, é apenas o começo do "capitalismo".

A boa consciência da França.


Luiz Carlos Bresser-Pereira, hoje na FOLHA DE S. PAULO. 

Como compreender a decisão do Parlamento francês de definir algo que aconteceu há quase um século como genocídio dos armênios pelos turcos?

Do ponto de vista político, não faz sentido para a França um conflito com a Turquia -o mais importante país do Oriente Médio e uma potência emergente. Por que, então, esse testemunho oficial sobre algo que aconteceu, mas que hoje nada tem a ver com a França?

Só encontro uma explicação: trata-se de uma manifestação de "boa consciência" de uma França imperial para com seus cidadãos, que são homens e mulheres dotados de elevados princípios morais.

O que significa "boa consciência" nesse caso? Infelizmente, nada de bom. A dominação, o império, as muitas formas de exploração precisam sempre de boa consciência.

Precisam de boas razões morais para seus atos, ou, quando é impossível, exibir para todos sua consciência moral, neste segundo caso configurando-se a boa consciência.

A França, como Reino Unido e EUA, precisa dela porque seu livro de violência imperial com os povos da periferia e, em particular, com o Oriente Médio é longo e tenebroso.

Até a Segunda Guerra, esse imperialismo se manifestou por meio do sistema colonial.

Quando os povos da região lograram sua independência, o imperialismo francês e de seus associados ricos manifestou-se pontualmente pela guerra e, em geral, por meio do "soft power" -conselhos, ameaças e pressões sobre elites locais geralmente aliadas e corruptas.

O prontuário da França nessa matéria no Oriente Médio é lamentável, e é terrível na África. A África subsaariana é, na prática, uma colônia administrada por um banco central comum com sede em Paris.

A participação do governo francês no genocídio dos tutsis em Ruanda é algo que volta e meia é discutido na grande imprensa do país. Com grande pesar dos franceses.

Diante disso, a necessidade de boa consciência torna-se imperativa. Geralmente, ela se manifesta sob a forma de "soft power", sem conflito com os interesses nacionais do país: julgam-se os governantes dos países mais pobres pelos padrões de avanço cultural e político dos países ricos; e, com base nesse julgamento, criticam duramente como "autoritários" e "populistas" os governantes que ousam ser nacionalistas e estabelecer limites aos interesses de suas multinacionais.

Enquanto isso os ditadores amigos são amavelmente esquecidos.

Sob essa forma, a boa consciência coincide com a lógica da dominação. Ela expressa os valores da democracia ao mesmo tempo em que atende a interesses considerados nacionais.

Mas há momentos em que coisa não é tão simples. Que é preciso pensar em termos dialéticos.

Dado que os cidadãos dos países ricos são exigentes em termos de princípios democráticos e de direitos humanos, políticos oportunistas aproveitam alguns momentos para apaziguar a boa consciência dos seus cidadãos com atos "heroicos". É o que acontece com o reconhecimento de genocídio dos armênios.

Nesse caso, o preço da boa consciência é uma decisão que não serve à Armênia, ofende a Turquia e não interessa à França. Mas apazigua consciências culpadas. 

domingo, 29 de janeiro de 2012

Reflexões à margem do Sena.


Gosto de ler os artigos do Luiz Carlos Mendonça de Barros, principalmente estes com tom intimista, porém, como sempre, bem econômicos. 

Sempre que posso venho a Paris ainda no inverno, quando a cidade está mais livre das multidões de turistas e o viajante pode se sentir um pouco mais habitante desta cidade que realmente amo muito.

Meu espaço vital preferencial é sempre o Quartier Latin e suas pequenas ruas com traços ainda de uma Paris que sei que não existe mais. Longe de BlackBerries e iPads fica mais fácil -por incrível que pareça ao meu leitor da Folha- seguir os acontecimentos políticos e econômicos neste mundo em crise.

A internet e o dia a dia dos mercados financeiros, com suas informações minuto a minuto, levam-nos na maioria das vezes a análises superficiais e ditadas pela mídia na sua busca do imediato.

Nesta minha viagem fico restrito à leitura dos jornais tradicionais-aqui em Paris eles estão em todos os milhares de bancas de jornais espalhadas pela cidade-, sentado em uma mesa do Café de Flore, meu favorito entre os que existem no velho Quartier.

Apesar de 24 horas atrasado em relação aos mercados, a leitura de comentários e artigos sobre a crise europeia me colocam à frente no entendimento dos reais desafios enfrentados pelo euro.

Afinal, Paris sempre foi um dos centros mais importantes dessa região tão antiga e cheia de história que é a Europa e o "estar presente nos acontecimentos" ajuda muito o analista em sua busca.

O que tem escapado a muitos analistas é a profundidade e o escopo da experiência da Europa unida vivida depois do Tratado de Maastrich, que criou o euro. Esse foi apenas o último passo de uma longa marcha, iniciada em 1950 com a criação do tratado sobre a indústria de aço na Europa continental.

Com os traumas e sofrimentos trazidos pela Segunda Guerra Mundial ainda vivos e presentes em várias sociedades, as lideranças políticas de então iniciaram um ambicioso projeto político -e não apenas econômico- para evitar um novo conflito armado. Com um senso de realismo que faltou a Mitterrand e Kohl -os pais do euro-, começaram um projeto de cooperação centrado nas grandes potências da Europa, que eram a França e a Alemanha.

Foram pequenos passos na direção de uma integração possível e sólida, valores que foram abandonados depois que a queda do Muro de Berlim trouxe um sentimento de euforia e soberba aos líderes políticos de então.

Por isso o que está hoje em jogo são 60 anos de caminhar juntos no objetivo de evitar um novo período de caos e sofrimentos. E a grande maioria da opinião pública nos países envolvidos ainda sabe disso e não quer voltar ao estágio anterior.

Essa é a questão que escapa aos mercados e à mídia -principalmente na Inglaterra- quando pregam aos quatro ventos a inevitabilidade do abandono do euro e a volta da dominância das realidades nacionais no arranjo institucional no espaço europeu.

Isso não vai acontecer mesmo que o custo de reconstruir um euro mais realista e funcional seja elevado e obrigue a um esforço conjunto no espaço de dois ou três anos.

O que deve acontecer é uma volta atrás e a busca de regras que incorporem o fato de que, apesar de unidas em um espaço monetário comum, as nações ainda existem com seus valores culturais e individuais.

E o desenho dessa retirada ordenada em busca de uma união estável, mais realista, ainda não está pronto.

Não por outra razão, a primeira-ministra alemã, em um discurso ontem no encontro de Davos, pediu a confiança dos mercados para que esse novo desenho seja encontrado e implementado ao longo dos próximos meses. Em seu realismo germânico, -corretamente- disse que não existe a solução rápida e única exigida pelos mercados.

E a reação parece ter sido positiva, pois as medidas de risco associadas aos títulos de dívida soberana dos países mais afetados -Itália e Espanha principalmente- recuaram, apesar de a tragédia grega ainda estar em seu auge.

Continuo a confiar que, desafiada pelo fim de um sonho político real que esteve tão perto de ser alcançado, a liderança política da Europa vá ter sucesso nessa sua busca.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Como é lindo este lugar!


Colesterol e desigualdade.


Moisés Naím, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve que “existe 'desigualdade boa' e 'ruim', e o truque consiste em conter a segunda no nível mais baixo possível”. 

O principal tema político de 2012 será a desigualdade. Neste ano, haverá eleições em países que concentram 50% da economia mundial. E, em todos eles, os protestos contra a desigualdade e as promessas de reduzi-la fizeram parte do debate.
A desigualdade não é nova. O que é novo é a intolerância em relação a ela. As grandes maiorias nos países mais ricos, alquebradas por desemprego e austeridade, começaram a interessar-se pela distribuição de renda e pela riqueza. E o interesse pelo tema se globalizou. Por muito tempo o mundo viveu em coexistência pacífica com a desigualdade (com ocasionais revoluções que interromperam a coexistência).
Isso está mudando. Em todo lugar, a ideia de que a luta contra a desigualdade é inútil ou desnecessária tornou-se indefensável. Aceita-se que será certamente difícil alterar a distribuição desigual da riqueza, mas já não está tão fácil quanto antes ignorar o assunto ou defender a ideia de que não é preciso fazer nada a respeito disso.
A atenção voltada aos "1%" mais ricos tornou-se obsessiva. Manchetes como a do "Los Angeles Times", "os seis herdeiros da Wal-Mart são mais ricos que a soma dos 30% dos americanos com renda mais baixa", são bom exemplo dessa tendência, assim como o fato de os mais acirrados expoentes da direita radical dos EUA atacarem Mitt Romney por ser rico e pagar poucos impostos.
Nem todos criticam a riqueza. Jamie Dimon, presidente do JPMorgan Chase, declarou exasperado: "Não entendo nem aceito essa coisa de criticar o sucesso ou agir como se todos os bem-sucedidos fossem maus". A perplexidade de Dimon é baseada na suposição de que riqueza é o modo como a sociedade estimula e premia inovação, talento e esforço. Quem é rico merece sê-lo.
Mas nem sempre. Grandes riquezas também podem ser fruto de corrupção, discriminação ou monopólios. Na lista dos mais ricos do mundo, há muitos milhares de milionários que chegaram a isso mais graças ao Estado do que ao mercado.
Por isso os estudiosos da desigualdade costumam compará-la ao colesterol: existe desigualdade boa e ruim, e o truque consiste em incentivar a boa enquanto a ruim é contida no nível mais baixo possível.
E aí está o risco: como reduzir a desigualdade sem desestimular outros objetivos (investimento, inovação, tomada de riscos, esforços, produtividade). Sabemos que alcançar uma sociedade mais igualitária foi o objetivo de inúmeros experimentos que causaram mais desigualdade, pobreza, atraso, perda de liberdades e até mesmo genocídios.
Mas a desigualdade econômica em alto grau é prejudicial à saúde de um país: acarreta instabilidade política maior, mais violência e também prejudica a competitividade e, no longo prazo, o crescimento.
Neste ano veremos inúmeras propostas para corrigir as disparidades econômicas. Algumas serão velhas -e provavelmente más- ideias apresentadas como novas. Mas com certeza aparecerão algumas novas e muito boas. Para os eleitores e outros que possam influir sobre quais são adotadas e quais são rejeitadas, o desafio será aprender com a história. E, como sabemos, não repetir os erros do passado costuma ser mais difícil do que parece. 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Capitalismo - Martin Wolf - Financial Times

Uma crise, já se disse, "é uma coisa terrível de se desperdiçar". O capitalismo sempre mudou. O sistema precisa mudar agora para que possa sobreviver e prosperar. Precisamos encontrar as reformas práticas específicas dentro do capitalismo e rever o referencial em que atua.

Mas capitalismo precisa continuar sendo capitalismo. É extremamente imperfeito. Mas também somos imperfeitos. O capitalismo continua sendo um sistema econômico excepcionalmente flexível, ágil e inovador. Pode estar "em crise" agora. Mas continua sendo uma das invenções mais brilhantes da humanidade. É a base da prosperidade que tantos hoje desfrutam e a que muitos mais aspiram. Está transformando a vida de bilhões de pessoas. Esforcemo-nos para torná-lo melhor

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A cidade mais interessante do Brasil.




Parabéns São Paulo – 25.1.2012 -

Não é bairrismo. É um fato: São Paulo é, de longe, a cidade mais interessante do Brasil. E, por reunir tanta gente de tantos lugares diferentes, a mais brasileira. Ou seja, não é uma cidade de paulistanos.

Não é agradável, bonita, segura. Nem civilizada. Basta ver suas calçadas, a poluição, a sujeira, o trânsito. A lista de mazelas é interminável.

Mesmo assim, somos o centro nervoso do capital humano brasileiro. Ninguém consegue ter um projeto importante no Brasil se não morar aqui. Ou se não tiver um pé aqui. Pode tentar, dificilmente vai conseguir.

Por causa disso, é a cidade que reúne gente criativa, sempre com um projeto na cabeça --e também por isso provoca admiração e inveja em tanta gente. Quem conhece a cidade além dos chavões, mas viaja por suas entranhas, descobre a cada dia, em meio ao caos, uma energia extraordinária. Quase uma resistência de guerrilha.

A única vocação que nos sobrou é justamente essa (e melhor): ser a cidade mais interessante do Brasil. E conseguimos isso muito menos por causa dos governos, mas desse DNA empreendedor de uma comunidade, feita pela diversidade.

Gilberto Dimenstein ganhou os principais prêmios destinados a jornalistas e escritores. Integra uma incubadora de projetos de Harvard (Advanced Leadership Initiative). Em colaboração com o Media Lab, do MIT, desenvolve em São Paulo um laboratório de comunicação comunitária. É morador da Vila Madalena.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...