Editorial do ESTADÃO e o alerta sobre a piora nas contas externas.
Com um buraco de US$ 7,13
bilhões na conta corrente de outubro, resultado pior que o previsto pelo Banco
Central (BC), as contas externas continuaram em deterioração, refletindo
principalmente o mau desempenho do comércio exterior de bens e serviços. O
déficit em transações correntes chegou a US$ 67,55 bilhões no ano e a US$ 82,21
bilhões em 12 meses. Só uma forte recuperação em novembro e dezembro levará o
resultado final de 2013 ao nível previsto pelo Banco Central - um saldo
negativo de US$ 75 bilhões. Esses dados, no entanto, são apenas uma parte das
más notícias sobre o balanço de pagamentos. No mês passado, mais uma vez o
investimento estrangeiro direto, US$ 5,36 bilhões, foi insuficiente para cobrir
o buraco da conta corrente. A compensação foi completada por outros tipos de
recursos, em geral menos seguros e mais instáveis que os capitais destinados
diretamente às atividades produtivas. Em 12 meses o investimento direto
alcançou apenas US$ 59,09 bilhões, 2,64% do Produto Interno Bruto (PIB)
estimado, enquanto o déficit acumulado chegou a 3,67%, nível inédito nos
últimos onze anos.
Sem ser desastroso, um
déficit dessa proporção já vale pelo menos como um sinal de alerta. O País terá
como compensar resultados negativos ainda por algum tempo, mas será preciso
impedir a piora do quadro nos próximos anos. Isso dependerá principalmente da
evolução do comércio exterior. O déficit em conta corrente veio acima do
esperado, disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel. De
janeiro a outubro, houve uma piora de US$ 27,98 bilhões no resultado, na
comparação com o número de igual período de 2012. A piora da balança comercial
- de um superávit de US$ 17,36 bilhões para um déficit de US$ 1,83 bilhão -
explica a maior parte da diferença, de US$ 19,19 bilhões. O resto dependeu das
transações com serviços e rendas.
Maciel chamou a atenção
para o descompasso entre importações e exportações de mercadorias. Enquanto o
valor gasto com produtos estrangeiros aumentou 9,35%, a receita obtida com as
vendas externas diminuiu 0,93% entre 2012 e 2013. Sem avançar muito na
discussão das causas, Maciel apontou, pelo menos, o aspecto mais preocupante
das transações com o exterior. Para os mais otimistas, a depreciação do real e a
esperada reativação do comércio internacional poderão resolver boa parte do
problema, a partir do próximo ano. Examinado com um pouco mais de realismo, no
entanto, o quadro parece bem mais complicado.
Empresários e alguns
economistas defenderam durante anos a desvalorização do real como principal
medida para fortalecer o comércio exterior, como se o câmbio fosse o maior
entrave à competitividade brasileira. Com a mesma simplicidade, passou-se a dar
muita importância à crise internacional e ao enfraquecimento dos mercados. A
soma dos dois problemas - desajuste cambial e comércio global mais ou menos
estagnado - bastaria para explicar o pobre desempenho brasileiro.
Mas nem todos os países
foram tão mal quanto o Brasil, nos últimos anos, em sua atividade comercial.
Além disso, o real se depreciou sensivelmente desde o ano passado. Em tese,
isso deveria baratear as exportações brasileiras e encarecer as importações,
mas o desequilíbrio se acentuou, em vez de diminuir. O problema da
competitividade é muito mais amplo, como já reconheceram muitos analistas,
incluídos vários estrangeiros. Já se tornou lugar-comum, em relatórios de
entidades multilaterais, a referência às limitações de oferta da economia
brasileira - problemas como a logística deficiente, o encarecimento da mão de
obra com aumentos salariais bem maiores que os ganhos de produtividade e, como
há muito se sabe, a tributação incompatível com uma economia exposta à
concorrência.
O relatório do BC sobre
as contas externas confirma o agravamento de problemas bem conhecidos. Os
estímulos ao consumo tornaram mais evidentes as deficiências da produção,
pressionando os preços internos e forçando maior gasto com bens importados. Mas
o governo, diante do desafio, apenas promete mais do mesmo.