quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Brasil: IDH 2011.


Copenhague, Dinamarca, 02/11/2011:

Brasil avança no desenvolvimento humano e sobe uma posição no ranking do IDH 2011

RDH 2011 mostra Brasil na 84ª posição entre 187 países; nos últimos 5 anos, o país está entre os 24 que subiram 3 ou mais posições

Entenda o IDH
O IDH varia de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano), e mede as realizações em três dimensões básicas do desenvolvimento humano - uma vida longa e saudável, o conhecimento e um padrão de vida digno. As três variáveis analisadas, dessa forma, são relacionadas à saúde, educação e renda. Desde o ano passado o Relatório de Desenvolvimento Humano deixou de classificar o nível de desenvolvimento de acordo com valores fixos e passou a utilizar uma classificação relativa. A lista de países é dividida em quatro partes semelhantes. Os 25% com maior IDH são os de desenvolvimento humano muito alto, o quartil seguinte representa os de alto desenvolvimento (do qual o Brasil faz parte), o terceiro grupo é o de médio e os 25% piores, os de baixo desenvolvimento humano.

18 países incluídos este ano
Palau, Cuba, Seychelles, Antígua e Barbuda, Granada, Líbano, São Cristóvão e Névis, Dominica, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Omã, Samoa, Territórios Palestinos Ocupados, Kiribati, Vanuatu, Iraque, Butão, Eritreia.

do PNUD
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil avançou de 0,715 em 2010 para 0,718 em 2011, e fez o país subir uma posição no ranking global do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) deste ano. Com isso, o Brasil saiu da 85ª para a 84ª posição, permanecendo no grupo dos países de alto desenvolvimento humano. O documento foi lançado esta quarta-feira pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em Copenhague, na Dinamarca.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2011 apresenta valores e classificações do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para um número recorde de 187 países e territórios reconhecidos pela ONU. Um aumento significativo em relação aos 169 países incluídos no Índice de 2010, quando os indicadores-chaves de muitos dos novos países analisados este ano ainda estavam indisponíveis.

No ranking global do IDH 2010, o Brasil obteve a classificação 73, entre os 169 países. No entanto, é enganoso comparar valores e classificações do RDH 2011 com os de relatórios publicados anteriormente . Isto porque, além da inclusão de 18 novos países e territórios (veja a lista no quadro ao lado), os dados e métodos sofreram ajustes e algumas mudanças.

Intitulado “Sustentabilidade e equidade: Um futuro melhor para todos”, o Relatório de Desenvolvimento Humano 2011 mostra que o Brasil faz parte do seleto grupo de apenas 36 dos 187 países que subiram no ranking entre 2010 e 2011, seguindo os dados recalculados para a nova base deste ano. Os outros 151 permanceram na mesma posição ou caíram. No caso brasileiro, esta evolução do IDH do ano passado para este ano contou com um impulso maior da dimensão saúde – medida pela expectativa de vida –, responsável por 40% da alta. As outras duas dimensões que compõem o IDH, educação e renda, responderam, cada uma, por cerca de 30%

Expectativas assimétricas.


MARIO MESQUITA, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comenta que o  FMI e economistas preveem cenário pessimista para o desempenho da economia mundial em 2012

A economia mundial deve ter um desempenho razoável, segundo as mais recentes projeções dos economistas do FMI, em 2012. A taxa de crescimento mundial deve situar-se próxima de 4%, marginalmente acima daquela observada em 2011, abaixo das taxas vigentes em 2006/7 (média de 5,3%) e bem acima das taxas de 2,8% e de -0,7% de 2008 e de 2009.

Considerando-se grandes blocos e regiões, o crescimento mundial seguiria, na visão daquela instituição multilateral, sendo liderado pelas economias emergentes, com expansão esperada de 6,1%, sendo 8% na Ásia e 4% na América Latina, ao passo que as economias avançadas teriam crescimento bem mais modesto, de 1,9%, sendo somente 1,1% na zona do euro -que, se as projeções se materializarem, apenas em 2012 terá, por margem estreita, superado a contração de 2008.

Olhando os demais componentes do G4, espera-se crescimento de 1,8% para os EUA em 2012, ante 1,5% em 2011, 2,3% para o Japão, com recuperação expressiva, para os padrões japoneses, depois do terremoto e do tsunami de 2011, quando o PIB deve ter queda de 0,5%. Já a China deve desacelerar para 9% em 2012, ante 9,5% em 2011.

Em resumo, nada muito alentador, mas tampouco desastroso. Ocorre que o próprio Fundo alerta, em suas "Perspectivas Econômicas Mundiais", que os riscos para essas projeções são predominantemente negativos.

Nisso os economistas do FMI estão em boa companhia. Os mais renomados economistas têm, e não é de agora, disputado uma corrida para estabelecer quem é mais pessimista. Em um ambiente de recriminações sobre o papel, dúvidas (excessivas) sobre os fundamentos da profissão, os economistas embarcaram na onda da austeridade e das expectativas deprimidas. Essa atitude, apesar de ter um elemento de "efeito manada", pode perfeitamente estar correta. Os desafios perante a economia mundial são de fato bastante severos.

Nos EUA, temos um ambiente econômico complexo, com recuperação modesta e decepcionante no que se refere à geração de empregos. Aos problemas estruturais da desalavancagem das famílias e do setor imobiliário, pode se somar uma política fiscal contracionista, mais por conta do ambiente político carregado do que por decisão do governo Obama, que provavelmente teria de ser compensada por novas iniciativas do Fed (o BC do EUA).

A Europa vive, mais do que uma crise da dívida, uma crise política (quem determina as decisões de política fiscal da Itália, Roma ou Bruxelas, ou Frankfurt?) bem como uma crise estrutural -como fazer para que a periferia mediterrânea volte a crescer? A falta de informações claras sobre tais questões sugere que o nervosismo dos mercados com a situação do continente tende a persistir.

Mais recentemente, até a China tornou-se objeto de alguma preocupação. Nesse caso, a temática vai desde temores quanto a um pouso forçado, ou seja, crescimento mais para 7% do que para 9%, até uma possível crise financeira derivada do descontrole das finanças dos governos locais e seus efeitos sobre o sistema bancário.

Diante desse quadro, o predomínio do pessimismo é natural e de certa forma prudente -ninguém quer ser acusado de esquecer ou ignorar os chamados "downside risks". A concentração de opiniões nessa região pode, entretanto, apresentar situações interessantes. Em particular, a atual configuração de preços de ativos, em que pese a alta generalizada desde setembro, parece refletir não um cenário central parecido com aquele apresentado pelo FMI, mas sim os diversos riscos negativos que pairam no ar.

Nesse contexto, os economistas diriam que o pessimismo reflete um cenário central insosso e em especial um balanço de riscos para o crescimento mundial desfavorável. Por sua vez, os operadores de mercado diriam que, apesar de as preocupações listadas serem pertinentes, a posição técnica do pessimismo, que concentra a ampla maioria da opinião informada, é desfavorável -nesses momentos de consenso aparentemente inabalável, as mudanças de opinião podem ser substanciais e se traduzir em ajustes expressivos dos preços.

Microeconomia.


ANTONIO DELFIM NETTO, hoje na FOLHA DE S. PAULO.

O Banco Mundial acaba de publicar seu importante relatório anual "Doing Business - 2012", no qual são ordenados 183 países de acordo com as condições apreciadas em cada um deles por agências independentes e de boa qualidade.

O país mais amigável com a realização de "negócios privados" é classificado como número um (Cingapura) e o mais hostil, como número 183 (Chade). No Brasil, o total de informantes é da ordem de cem, com um viés para grandes e bem-sucedidos escritórios de advocacia, que, obviamente, têm "intimidade" com as dificuldades de negócios de seus clientes.

Qual o lugar do Brasil nessa corrida de 183 países? Nada lisonjeiro: 126º. Na inevitável comparação com os Brics, estamos atrás da China (91º) e da Rússia (120º) e ligeiramente à frente da Índia (132º).

O fato dramático é que, entre 2011 e 2012, realizamos apenas um aperfeiçoamento digno de nota na melhoria das condições para fazer negócios no Brasil: a aprovação da lei do cadastro positivo para a concessão de crédito.

Estamos retomando a ideia do Estado-indutor na macroeconomia, mas revelamos ainda enorme letargia para enfrentar as chamadas "reformas" microeconômicas fundamentais para um aumento da produtividade do país. É lamentável que algumas dessas medidas continuem seu sono eterno no Congresso Nacional enquanto se disputa como "aparelhar" mais o Estado.

Para dar uma ideia dessa apatia, basta lembrar que:
1º) No processo de instalar um empreendimento, no qual somos qualificados em 120º lugar, 53 países fizeram reforma em 2011;
2º) No campo do crédito, no qual somos o 98º, fizemos apenas uma reforma (que estava havia anos no Congresso), enquanto 44 países avançaram,
3º) No campo da facilidade de pagamentos de tributos, no qual estamos em 150º lugar, outros 53 países fizeram algum progresso.

Para terminar, uma boa notícia. No campo das permissões ambientais, em que somos o 127º colocado, estamos, finalmente, a ponto de fazer uma revolução com as propostas do governo por meio da eficiente ministra Izabela Teixeira.

Temos saído muito bem das situações de crise que estão abalando a economia mundial, mas é ilusão pensar que a crise passará sem nos atingir de alguma forma. Somos parte do mundo e vamos pagar o preço de sê-lo. Nosso problema é que, com o nosso atual modelo agromineral exportador, não daremos emprego de qualidade aos 150 milhões da população economicamente ativa que teremos em 2030.

Precisamos de um mercado interno industrial e de serviços eficientes. Isso exige que enfrentemos agora, com inteligência, determinação e coragem, os necessários aperfei-çoamentos de nossas políticas macro e microeconômicas.

OWS, capitalismo e democracia.


Luiz Gonzaga Belluzzo, especialmente para o VALOR ECONÔMICO de 01.11.2011.

Os moradores de Flitch, no estado do Michigan, (EUA) perderam o emprego na fábrica de autopeças fechada sob a pressão da concorrência chinesa. Indagado sobre o destino dos desempregados, o economista Gregory Mankiw respondeu candidamente: "As pessoas têm que se mover". Afirmou isso depois de ter proclamado a necessidade de um curso de economia no ensino médio para que o público em geral possa ter uma visão mais acurada da globalização.

O economista de Harvard, Richard Freeman, diz, em artigo recente, que a velha conversa sobre os benefícios do comércio - na situação em que os países avançados produzem bens de alta tecnologia com trabalho qualificado enquanto os menos desenvolvidos se dedicam aos setores de mão de obra não qualificada - "tornou-se obsoleta com a presença da China e da Índia". Nos anos 90, Paul Krugman, o economista laureado com o Nobel, patrocinou uma cruzada ideológica contra os movimentos antiglobalização que profligavam a perda dos bons empregos americanos para os trabalhadores produtivistas da Ásia. Já em meados da primeira década do terceiro milênio, Krugman foi obrigado a reconsiderar seus pontos de vista. Indagado sobre as razões da mudança, Krugman respondeu: o avanço da China.

Os fenômenos centrais da economia de nosso tempo são o acirramento da concorrência entre as grandes empresas internacionais, a escalada da financeirização e as rápidas mudanças na geoeconomia mundial. As posições relativas de países, continentes e classes sociais sofreram alterações tão radicais quanto perturbadoras. Alguém designou esses deslocamentos tectônicos como "desenvolvimento desigual e combinado".

Nas regiões ditas desenvolvidas, já no crepúsculo dos anos 90, era possível ouvir os clamores das manifestações antiglobalização. A toarda subiu muitos decibéis na posteridade da crise iniciada em 2008. Ontem, as gentes do movimento Ocupe Wall Street (OWS) eram dez gatos pingados. Hoje, os céticos de ontem observam o descontentamento dos "perdedores" se alastrar mundo afora. Agora já são muitos e a mídia global cuida de discernir se os manifestantes carregam o "anti-capitalismo" (sic) nos ossos ou apenas nas mochilas que levam às costas.

Nos círculos bem pensantes há desconforto com o mau humor dos cidadãos que não só rejeitam as consequências da crise, mas, sobretudo, contestam o modelo social e econômico que conduziu o planeta à beira de uma (outra) Grande Depressão. Os 99% sofrem as agruras da estagnação dos rendimentos familiares nos últimos trinta anos, das ocupações precárias, do desemprego de longo prazo, do aumento da pobreza e do desamparo na doença.

No torvelinho do desencontro das palavras de ordem, da diversidade de pontos-de-vista, os participantes dos protestos revelam uma percepção comum: a liberdade e a autonomia dos indivíduos de carne e osso não decorre naturalmente do movimento desembaraçado de mercadorias e de capitais. Os arautos do livre mercado asseguravam que a liberdade humana decorre do impulso natural do homem à troca, ao intercâmbio, à aproximação por meio do comércio etc.

É de lei reconhecer que Adam Smith corretamente chamou a atenção para o caráter libertador da economia mercantil capitalista e para as suas potencialidades. Marx, herdeiro e defensor das postulações do Iluminismo, da Revolução Francesa e admirador do caráter transformador do capitalismo, indagou se as relações de produção e as forças produtivas do novo modo de produção permitiriam, de fato, a realização da Liberdade e da Igualdade.

Entre tantas definições, o capitalismo pode também ser entendido como a coexistência de "duas naturezas": 1) a enorme capacidade de criar, transformar, dominar a natureza, suscitando desejos, ambições e esperanças; 2) as limitações à sua capacidade de distribuir a renda e a riqueza, de entregar o bem estar e a autonomia individual a todos os encantados com suas promessas. Não se trata de perversidade, mas do seu modo de funcionamento.

Constrangidos pela concorrência e liberados das travas da regulação pública, os detentores de riqueza, não escapam dos estados de euforia e de apetite pelo risco que, culminam na decepção, na crise e na desvalorização da riqueza. Quando sobrevém o colapso da confiança, os indivíduos racionais e calculadores são açoitados pela "busca desesperada da riqueza líquida".

A volúpia coletiva pela busca do dinheiro, a forma geral da riqueza, termina por destruir, em seu movimento maníaco, não só as suas formas particulares como também as condições de vida dos indivíduos atropelados pelo estouro da manada. Os mercados e seus agentes, diga-se, não estão certos nem errados. Estão simplesmente obrigados a tomar decisões que, em seu imaginário peculiar, são as apropriadas para proteger ou acrescentar o valor de sua riqueza. Na verdade, eles são "pensados" por uma lógica que não controlam.
Nesse ambiente darwinista, são cada vez mais frequentes as arengas dos economistas, sacerdotes da religião dos mercados, contra as tentativas dos simples cidadãos e cidadãs de barrar a marcha do Moloch insaciável e ávido por expandir o seu poder. A gritaria dos sábios das finanças é desferida contra os "desvios" da política, contra os surtos de "populismo".

Os que protestam nas ruas do mundo sabem que as novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das grandes corporações. As fusões e aquisições suscitaram um maior controle dos mercados e promoveram campanhas contra os direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis da concorrência.

A lógica da economia destravada restringe o espaço democrático e impede que os cidadãos, no exercício da política tenham capacidade de decidir sobre a própria vida.

Depois de um trilhão de dólares.


Antonio Delfim Netto, especialmente para o VALOR ECONÔMICO de 01.11.2011. 

A crise que o mundo está vivendo tem aspectos paradoxais. Presta-se a múltiplas interpretações, cada uma delas colocando, segundo o viés ideológico do analista, seu foco sobre os diferentes aspectos em que ela se revela. Os economistas do "mainstream" estão na defensiva por terem demonstrado "matematicamente" (e até conseguido prêmios Nobel) que os mercados (em particular o financeiro) eram eficientes e autoadministráveis. Dispensavam, portanto, a "mão visível" do governo.

Os economistas com viés marxista não deram um passo além da constatação do velho Karl: os mercados financeiros são essencialmente instáveis. Pela centésima vez proclamam o rápido fim do capitalismo, como se ele fosse uma coisa e não um processo histórico com as "contradições" que o dinamizam e o civilizam lentamente pelo sufrágio universal.

Os economistas com viés keynesiano hidráulico (incorporado ao "mainstream") assistiram ao irremediável fracasso dos seus "multiplicadores". Mecanizaram as sofisticadas considerações psicológicas do papel das expectativas e a inevitabilidade da incerteza sobre o futuro opaco. Essas continuaram a ser cultivadas apenas por um pequeno grupo, expulso da profissão como "heterodoxo".

Os economistas do "mainstream" foram, no máximo, apenas coadjuvantes da crise. Quatro anos depois de instalada, é evidente que sua "causa eficiente" foi a rendição dos governos à pressão econômica do único poder universal emergente: os mercados financeiros! Apenas teorizaram "a posteriori" a luta entre o poder incumbente e o mercado financeiro, que queria livrar-se do controle que lhe fora imposto nos anos 30 do século passado (exatamente por ter causado a crise de 1929).

Deram-lhe um suposto apoio científico. Papel coadjuvante, mas importante para a aceitação, pela sociedade desprevenida, da ideologia (vendida como ciência) que a desabrida liberdade das "inovações" do mercado financeiro e sua internacionalização eram fatores decisivos para o aumento da produtividade da economia real e para o desenvolvimento econômico dos países.

Hoje, os americanos parecem ter clara consciência de quem é a "culpa" pela tragédia que estão vivendo. Um levantamento da Gallup (15/16 outubro) mostrou que 2/3 das pessoas consultadas a atribuem ao governo federal e 1/3 às instituições financeiras. Mas o fato ainda mais grave (e que coloca em risco a reeleição do presidente Obama) é que a "qualidade" do programa posto em prática pelo governo de Washington para enfrentar a crise é considerada lamentável: mais de um US$ 1 trilhão de estímulos e quase quatro anos depois, o crescimento é pífio e o desemprego altíssimo. O verdadeiro conhecimento empírico e teórico da economia poderia ter sido melhor utilizado na formulação do programa, como mostraram em interessante artigo J.F.Cogan e J.B.Taylor ("Where Did the Stimulus Go?").

O US$ 1 trilhão de estímulo foi dividido em três programas de inspiração keynesiana-hidráulica: 1) colocar dinheiro diretamente nas mãos dos cidadãos (cheques do Tesouro) para que eles o gastassem em consumo (US$ 152 bilhões); 2) disponibilizar recursos para compras governamentais e infraestrutura (US$ 862 bilhões); e 3) transferir verba para Estados e governos locais, na esperança que ampliassem seus gastos com bens e serviços (US$ 173 bilhões).

Como se deveria esperar, em razão de experiências anteriores e desenvolvimentos teóricos, eles não produziram qualquer efeito "multiplicativo" importante, ao contrário do que haviam previsto os assessores econômicos de Bush e Obama.

A ineficiência do primeiro estímulo é consequência das pesquisas de Milton Friedman e Franco Modigliani, que mostraram que o consumo está ligado à renda "permanente" e não a um estímulo ocasional, frequentemente utilizado para "diminuir as dívidas" dos agentes, que foi o que aconteceu.

Quanto ao segundo, devido às dificuldades operacionais que sempre acompanham aumentos inusitados de disponibilidade de recursos no serviço público (a falta de bons projetos e a indisposição da burocracia, elementos amplamente conhecidos e empiricamente constatados), não se gastou até o terceiro trimestre de 2010 mais do que 5% do estimado!

Quanto aos estímulos transferidos para Estados e governos locais, eles tiveram o mesmo destino dos enviados diretamente aos consumidores: foram basicamente utilizados na redução de dívidas. De fato, dos US$ 173 bilhões transferidos, 4/5 foram utilizados no pagamento de dívidas acumuladas, o que praticamente anulou o efeito físico do "multiplicador". Aqui, também, já havia evidência empírica (Ned Gramlich, 1979) mostrando a ineficiência desse tipo de programa.

Esses fatos mostram o quanto de "ilusão" estatística está envolvida no cálculo descuidado e ingênuo dos "multiplicadores" ditos "keynesianos", quando se esquece o próprio Keynes. Se na prevenção da crise e na sua construção podemos criticar o "mainstream", parece que lhe devemos um crédito na crítica do horrível projeto de recuperação de inspiração do "keynesianismo-hidráulico" que desperdiçou US$ 1 trilhão...

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Redistribuir renda reduz a pobreza?


Jagdish Bhagwati é é professor universitário de Economia e Direito na Universidade Columbia e membro sênior em Economia Internacional no Conselho de Relações Exteriores. Compartilha com Tarja Halonen, da Finlândia, a presidência do Grupo de Pessoas Eminentes na UNCTAD focado nos Países em Desenvolvimento na Economia Mundial.Copyright: Project Syndicate, 2011. Hoje, no VALOR ECONÔMICO.

Muita gente na esquerda resiste à ideia de que o crescimento econômico ajuda a reduzir a pobreza nos países em desenvolvimento. Essas pessoas argumentam que políticas orientadas para o crescimento visam aumentar o Produto Interno Bruto (PIB), não amenizam a pobreza, e que redistribuição é a chave para a redução da pobreza. Essas afirmações, no entanto, não são corroboradas pelas evidências.

Desde a década de 1950, os economistas desenvolvimentistas compreenderam que o crescimento do PIB não é sinônimo de aumento de bem-estar. Mas, mesmo antes da independência, os líderes indianos viam o crescimento como essencial para reduzir a pobreza e aumentar o bem-estar social. Em termos econômicos, o crescimento era um instrumento, não um alvo - o meio pelo qual os verdadeiros alvos, como redução da pobreza e progresso social das massas, seria alcançado.

Para a maioria dos países emergentes, o crescimento é a principal estratégia para um desenvolvimento inclusivo - mas um desenvolvimento que conscientemente inclua os membros mais pobres e marginais de uma sociedade.

Um quarto de século atrás, citei as duas maneiras pelas quais o crescimento econômico produziria esse efeito. Primeiro, o crescimento traria os pobres para empregos remunerados, contribuindo, assim, para tirá-los da pobreza. Rendas mais elevadas lhes permitiriam ampliar seus gastos pessoais com educação e saúde (como parece estar acontecendo na Índia durante o recente período de crescimento acelerado).

Segundo, o crescimento incrementa as receitas do Estado, e assim o governo tem condições de gastar mais em saúde e educação para os pobres. É claro que um país não gasta, necessariamente, mais nesses setores simplesmente porque elevaram sua receita e, mesmo se o fizer, os programas que decidem financiar podem não ser eficazes.

Em ignorância quase intencional sobre o fato de que o modelo centrado em crescimento revelou-se repetidas vezes bem-sucedido, os céticos defendem um modelo alternativo, "redistributivo", de desenvolvimento, que, acreditam eles, produzirão maior impacto em redução da pobreza. Críticos do modelo de crescimento argumentam ser imperativo redistribuir renda e riqueza o mais rapidamente possível. Eles afirmam que o Estado indiano de Kerala e Bangladesh são exemplos onde redistribuição, em vez de crescimento, produziu melhores resultados para os pobres do que no resto da Índia.

No entanto, como mostram recentes estudos do economista Arvind Panagariya, da Universidade Colúmbia, estatísticas sociais de Kerala eram melhores que as do resto do país mesmo antes que fosse instituído o atual modelo redistributivo. Além disso, Kerala lucrou imensamente com as remessas de dinheiro mandadas para casa por trabalhadores emigrados no Oriente Médio, um fator não relacionado com a sua política redistributiva. Quanto a Bangladesh, o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, embora uma fonte problemática, classifica Bangladesh abaixo da Índia.

Em países pobres onde o número de pobres é muitíssimo superior ao de ricos, a redistribuição viria a incrementar apenas minimamente o consumo dos pobres - em, digamos, um chapati por dia - e o aumento não seria sustentável num contexto de baixa renda e elevado crescimento populacional. Em suma, para a maioria dos países em desenvolvimento, o crescimento é a principal estratégia para um desenvolvimento inclusivo - mas um desenvolvimento que conscientemente inclua os membros mais pobres e marginais de uma sociedade.

Mas a sustentabilidade política do modelo de crescimento "crescer primeiro" exige esforços tanto simbólicos como materiais. Embora o crescimento beneficie efetivamente os pobres, os ricos muitas vezes beneficiam-se desproporcionalmente mais. Assim, para manter os pobres comprometidos com o sistema ao mesmo tempo em que suas aspirações econômicas são despertadas, os ricos fariam bem em serem mais comedidos em seu consumo conspícuo.

Ao mesmo tempo - e mais importante - os pobres necessitam maior acesso à educação para alargar suas oportunidades econômicas e sua mobilidade social. "Menos excesso e mais acesso" precisam tornar-se o princípio que norteia as políticas de desenvolvimento. 

O paradoxo da produtividade.


José Milton Dallari, ex-secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, integrante da equipe que implantou o Plano Real, é sócio da Decisão Consultores. Hoje, no VALOR ECONÔMICO.  

O Brasil vive um paradoxo. A economia segue em expansão, mas nem mesmo o crescimento contínuo dos últimos anos tem permitido às empresas ganhar produtividade. Na prática, é esse ganho que vai fazer com que o Brasil consiga competir em vantagem no cenário internacional, reduzindo a dependência em relação às oscilações das moedas mais fortes, como dólar e euro. No mercado nacional, ao aumentar a produtividade, as empresas conseguem vencer o dilema de aumentar preços para repassar custos e, com isso, alimentar a roda inflacionária.

Na busca pela produtividade, as empresas brasileiras estão vencendo a primeira barreira, a de investir em modernização de equipamentos, softwares e instalações. Falta, porém, vencer o obstáculo mais difícil, o de ter mão de obra treinada e capaz de acelerar as tarefas sem aumentar perdas com erros e retrabalho.

Todos os empresários, independentemente do ramo - indústria, infraestrutura, comércio e serviços, sabem bem do que estou falando. Não se trata de contratar engenheiros, administradores ou economistas. Mas de trabalhadores de linha de produção, pessoas de retaguarda nas empresas de serviço e, no caso do comércio, gente que simplesmente saiba fazer o que o cliente quer comprar. Faltam açougueiros para os açougues, padeiros para as padarias, confeiteiros para docerias, costureiras para confecções.

Na construção civil, faltam soldadores, pedreiros, azulejistas ou o bom fazedor de forma para encaixar o concreto. O setor cresceu cerca de 80% nos últimos anos, mas a formação de mão-de-obra não acompanhou esse ritmo. Em São Paulo, construtoras estão contratando funcionários de concorrentes com salários até 70% maiores e a disputa ocorre na porta dos canteiros de obras O piso salarial de um pedreiro é de R$ 1.086,00, segundo o Sinduscom, mas é difícil achar quem ganha esse valor.

A boa notícia é que o Brasil tem 20 milhões de brasileiros para serem treinados, segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). São eles que precisam aprender ofícios para atuar nessa faixa intermediária do mercado de trabalho. São profissões que não precisam de uma faculdade, apenas de pessoas bem preparadas para exercê-las.

Os 20 milhões apontados pelo Ipea são pessoas que terminaram o Ensino Fundamental e acabaram ingressando no mercado de trabalho, por necessidade financeira, exercendo funções como empacotadores de supermercado, operadores de máquina xerox, office-boys. Sem especialização, eles também não encontram estímulo para fazer carreira.

É essa turma que, recebendo treinamento, poderá manter o crescimento econômico do Brasil num ritmo de 4% a 5% ao ano.

Um padeiro que souber fazer bem o pão será disputado pelas empresas e poderá aumentar seu salário. Um funcionário de escritório que se sobressair por sua organização, agilidade e eficiência pode se transformar num gerente.

A boa notícia é que muitos estão empenhados na busca de solução para o problema. Um estudo da pesquisadora Marisa Eboli, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo mostrou que pelo menos 150 empresas criaram universidades e escolas corporativas no Brasil nos últimos anos. A Universidade Petrobras treina cerca de mil pessoas todos os dias em cursos oferecidos no Rio de Janeiro e Bahia.

Para reduzir o problema o Governo Federal criou o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), que será executado pelos ministérios da Educação, da Fazenda e do Trabalho. A meta é capacitar 3,5 milhões de trabalhadores até 2014, começando este ano com 500 mil.

O programa prevê, entre outras medidas, treinamento de alunos do ensino médio, de profissionais reincidentes no uso do seguro-desemprego e de beneficiários do programa Bolsa Família, além de incentivos a empresas privadas para formação de seus quadros.

Também os governos estaduais estão acelerando investimentos no ensino técnico, como é o caso de São Paulo. Mas ainda é pouco.

Por trás da falta de mão de obra qualificada está a difícil situação do ensino público do país, que já não consegue formar pessoas não só alfabetizadas, mas com estímulo para buscar no aprendizado a fórmula para vencer na vida.

O mau desempenho da educação básica é o responsável por deixar no caminho jovens sem perspectivas. As centenas de faculdades particulares com suas centenas de cursos ruins acabam enganando os jovens de menor poder aquisitivo, criando um imaginário que só um diploma de ensino superior vai resolver o problema da empregabilidade.

Conseguir um bom emprego não tem nada a ver com cursar uma faculdade, e estão aí como exemplo centenas de jovens de classe média que têm canudo nas mãos, mas ainda dependem dos pais para pagar as contas.

Os anos de educação básica devem servir também para reflexão dos jovens. O bom seria se conseguíssemos mostrar a eles, desde muito cedo, que o mercado de trabalho é bem mais amplo e complexo do que fazem crer os anúncios de faculdades.

A oferta de cursos profissionalizantes em cidades médias e pequenas é crucial para romper com a ideia de "precisar sair para estudar fora". Hoje, Prefeituras cedem ônibus para que estudantes cursem faculdade em outros municípios, a maioria instituições particulares com pouca qualidade.

Esse esforço precisa ser redirecionado, dando às pessoas primeiro a oportunidade do emprego qualificado. Com dinheiro no bolso, o jovem trabalhador poderá decidir como construir sua carreira.

domingo, 30 de outubro de 2011

7.000.000.000.000


JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, escreveu este artigo "Esperança de vida sobe junto com a população", especialmente para a FOLHA DE S. PAULO.

Quando nasci, em agosto de 1953, fui o habitante de número 2.610.233.456. Quando minha filha veio ao mundo, em março de 1985, ela foi o habitante de número 4.710.843.383.

Em 58 anos, a população mundial aumentou em 4,4 bilhões de habitantes. Durante os 26 anos de vida de minha filha caçula, o aumento foi de 2,3 bilhões. Nos próximos 32 anos, teremos mais 2 bilhões de pessoas, e a população mundial deve chegar a 9 bilhões em 2043.

Existem duas boas noticias acompanhando esses números. A primeira é que a população mundial cresceu, aumentando conjuntamente a esperança de vida, que era de 48 anos no quinquênio 1950-55 e passou para 68 anos no período 2005-2010. A segunda é que o ritmo de crescimento demográfico está em declínio e existe grande probabilidade de a população mundial se estabilizar na segunda metade do século 21.

O número de nascimentos no mundo ficou estabilizado em torno de 136 milhões de crianças entre 1990 e 2010. Porém esse número já começou a cair.

Com a redução da base da pirâmide populacional, a razão de dependência demográfica vai ficar abaixo de 60% entre o ano 2000 e 2050. A mudança na estrutura etária, em geral, traz um bônus demográfico que pode ajudar na redução da pobreza no mundo.

Mas essa janela de oportunidade só será aproveitada se mudar o modelo de produção e consumo que tem provocado o aumento da pegada ecológica da humanidade. O nível atual de exploração do ambiente já ultrapassou em 50% a capacidade de regeneração do planeta. Estima-se em US$ 1,3 trilhão o custo anual da transição para uma economia verde, sustentável e de baixo carbono. É 30% menos que o gasto militar do mundo anualmente.

Vamos dar as boas vindas ao habitante de número 7 bilhões. Mas, principalmente, vamos nos esforçar para deixar uma herança positiva para que esse bebê de hoje não se torne um jovem frustrado.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A resistência da política fiscal capenga.


Felipe Salto é economista pela EESP/FGV-SP, mestrando em administração pública e governo pela EAESP/FGV-SP, cofundador do Instituto Tellus e especialista em finanças públicas da Tendências Consultoria. E tem um excelente blog: blogdosalto.blogspot.com. Hoje no VALOR ECONÔMICO. 

O cumprimento da meta de superávit primário em 2011 não é uma surpresa, mas uma confirmação de expectativas formadas há algum tempo. O desafio do governo é outro. As autoridades precisam mostrar de que forma se dará o enfrentamento das pressões contratadas para 2012. Até agora, a única estratégia oficial foi o ajuste fiscal de curto prazo, que deu fôlego ao governo para ostentar importante austeridade, ao longo do ano corrente, refletida em um superávit primário robusto, como se tem observado até agosto. Contudo, este tempo não foi utilizado para a concepção de novas regras para o comportamento da despesa no médio prazo.

Como se sabe, não há ajuste por "geração espontânea", tampouco há disposição política, neste momento, para mais um ano de forte contingenciamento de gastos, com queda real de investimentos, como vem ocorrendo até agosto (queda de 5,9% ante o acumulado no ano até agosto de 2010). Sendo assim, dificilmente o governo cumprirá a meta fiscal de 2012. Um cenário de recriação de tributos e outras surpresas nas receitas poderiam alterar esta percepção, mas seria um ajuste de qualidade ruim, com nova redução da renda disponível da sociedade e aumento da carga tributária.

É verdade que o cumprimento da meta, neste ano, após o uso indiscriminado de mecanismos contábeis para contornar o sistema de metas fiscais (2009 e 2010), será muito importante. E este ajuste traz consigo um custo político, uma vez que no curto prazo as despesas que mais costumam sofrer são os investimentos, pela natureza rígida do orçamento, e os gastos sociais ou previdenciários (o caso do mínimo é emblemático), em que é possível postergar reajustes.

Limitar aumento real do gasto no máximo em 50% da elevação prevista do PIB seria uma medida concreta

É aceitável que, em um ano, que os investimentos e as postergações de toda ordem paguem a conta do ajuste. No médio prazo, por outro lado, espera-se que medidas mais estruturais passem a balizar uma política menos emergencial. Para isso, no entanto, precisariam ter sido concebidas justamente no período em que o governo ganhou fôlego para fazer isso.

Essa ausência de uma estratégia para equacionar as pressões fiscais esperadas para o próximo ano (legítimas, isto é, frutos de decisões de governo) torna razoável nossa estimativa de 2,2% do PIB para o superávit primário do setor público em 2012 (abaixo da meta de 3,1% do PIB). Os gastos previstos no orçamento federal não são compatíveis com o crescimento estimado para a receita líquida do governo, que tende a desacelerar, em relação a 2011, movimento a ser impulsionado pelas renúncias fiscais de cerca de R$ 27,3 bilhões do programa "Brasil Maior".

Mesmo nesse cenário, o Banco Central segue usando como premissa para suas análises o cumprimento da meta de 3,1% do PIB no ano que vem. Isso só poderia se concretizar com a obtenção de novas receitas, via aumento de impostos e/ou recriação de tributos. Vale mencionar que a saída de recriar a CPMF, por exemplo, sob o nome de Contribuição Social para a Saúde (CSS), só traria uma receita elevada para o governo se ressurgisse já com uma alíquota elevada, de pelo menos 0,38%.

Assim, só haverá cumprimento de metas, em 2012, com um aumento importante de receitas. A estratégia ideal, que mais uma vez foi negligenciada pelo governo, seria aprimorar a qualidade do gasto público. Na prática, fixar um limite para o crescimento real do gasto corrente (em especial, do gasto com pessoal) que ficasse limitado a um crescimento de no máximo 50% do crescimento previsto para o PIB seria uma medida concreta. O projeto de lei do Senado nº 611, de 2007, trata deste assunto e, apesar de ter sido aprovado e seguido à Câmara, encontra-se fora do regime de urgência.

Como, então, o governo pode garantir o cumprimento da meta, como vem sinalizando? Recriará a CPMF? A hipótese de contenção de gastos parece pouco provável, pelos custos que uma estratégia de contenção brusca de dispêndios poderia acarretar, dado que não houve planejamento. Resta saber se a hipótese de expandir a carga tributária será levada adiante. As declarações da presidente, que chegou a sugerir que a própria sociedade perceberá a necessidade de novas receitas para a saúde, levam a crer que este é um cenário com probabilidade não desprezível. Contudo, acreditamos que o ajuste no esforço primário seja a hipótese mais provável.

O relevante é que as condições fiscais atuais não permitem o cumprimento da meta fiscal cheia, como é chamada a meta sem abatimentos dos gastos do PAC (0,6% do PIB, desta vez, segundo Projeto de Lei Orçamentária Anual - PLOA 2012), tampouco da meta "descontada".

O mais provável, depois do ajuste de curto prazo promovido em 2011, é a volta da política fiscal expansionista, pautada no avanço de despesas sem priorização e controle, em prejuízo do avanço dos investimentos. Não se trata, como no passado, de um problema de solvência fiscal, mas, sim, de qualidade da despesa pública. De que maneira um país pode avançar sem fomentar os investimentos e expandir sua poupança? É razoável seguir com um nível de 18% a 19% de formação bruta de capital fixo e uma carga tributária de 33% a 34% do PIB?

O pano de fundo é exatamente o mesmo: a resistência da política fiscal capenga, que sustenta um padrão necessariamente elevado de juros e de baixo investimento.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

É o novo-desenvolvimentismo?


José Luis Oreiro, professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília, hoje no VALOR ECONÔMICO.  

O novo-desenvolvimentismo é definido como um conjunto de propostas de reformas institucionais e de políticas econômicas por meio das quais as nações de desenvolvimento médio buscam alcançar o nível de renda per-capita dos países desenvolvidos. Essa estratégia de "alcançamento" baseia-se explicitamente na adoção de um regime de crescimento do tipo export-led, no qual a promoção de exportações de produtos manufaturados induz a aceleração do ritmo de acumulação de capital e de introdução de progresso tecnológico na economia. A implantação dessa estratégia requer a adoção de uma política cambial ativa, que mantenha a taxa real de câmbio num nível competitivo no médio e longo-prazo, combinada com uma política fiscal responsável que elimine o déficit público e controle o ritmo de expansão dos gastos de consumo e de custeio do governo de forma a permitir um aumento sustentável do investimento público. A manutenção da taxa real de câmbio num patamar competitivo no médio e longo-prazo exige não só a adoção de uma política cambial ativa, como também uma política salarial que promova a moderação salarial ao vincular o aumento dos salários reais ao crescimento da produtividade do trabalho. A combinação entre política fiscal responsável e moderação salarial se encarregaria de manter a inflação a um nível baixo e estável, permitindo assim que a política monetária seja utilizada para a estabilização do nível de atividade econômica, ao mesmo tempo em que viabiliza uma redução forte e permanente da taxa real de juros.

O regime de política macroeconômica (RPM) adotado nos últimos anos tem muito pouco em comum com o modelo "novo-desenvolvimentista". Em primeiro lugar, o novo RPM permitiu um aumento considerável dos gastos primários do governo federal, os quais aumentaram em quase 3 p.p com respeito ao PIB desde 2008. Embora o superávit primário tenha se mantido num patamar suficiente para garantir uma modesta redução da relação dívida pública/PIB, a forte expansão dos gastos primários do governo sinalizou a realização de uma política fiscal eminentemente expansionista no período 2008-2010. De fato, conforme o multiplicador do orçamento equilibrado de Haavelmo, um aumento proporcional nos gastos do governo e nos impostos faz com que a demanda agregada aumente exatamente na mesma magnitude que os gastos do governo.

A política salarial teve por objetivo induzir um crescimento do salário real acima da produtividade do trabalho. Isso se deve à regra de reajuste do salário mínimo, que vinculou o aumento do salário mínimo no ano t com a inflação ano t-1 e o crescimento do PIB do ano t-2. Essa regra de reajuste de salário mínimo, além de aumentar o grau de indexação da economia brasileira ao atrelar o reajuste de um preço básico da economia à inflação do ano anterior, resulta num aumento do salário mínimo real a um taxa muito superior ao crescimento médio do PIB per-capita e, portanto, da produtividade do trabalho, supondo constante a taxa de participação. Dado o "efeito farol" do salário mínimo sobre a estrutura de salários relativos, o resultado final foi um aumento do salário real médio acima do crescimento médio da produtividade do trabalho.

No que se refere à dinâmica da taxa real de câmbio, verifica-se entre setembro de 2008 e abril de 2011, uma forte valorização da taxa real efetiva de câmbio, apesar das tentativas do governo de controlar essa valorização por intermédio da política de acumulação de reservas internacionais, bem como pela introdução de controles à entrada de capitais na economia brasileira.

A ineficácia da política cambial brasileira deve-se, em parte, à timidez dos controles de capitais adotados; mas fundamentalmente deveu-se a inconsistência do RPM adotado no Brasil nos últimos anos. Com efeito, a combinação entre política fiscal expansionista e elevação do salário real acima da produtividade do trabalho resultou numa trajetória ascendente da taxa de inflação, a qual impediu a continuidade do processo de redução da taxa de juros. A manutenção da taxa de juros em patamares elevados a nível internacional atuou como um enorme atrator de capitais especulativos, num contexto de liquidez mundial abundante devido às operações de relaxamento quantitativo do Fed, o banco central americano, induzindo a apreciação da taxa real de câmbio, o que contribuiu para acelerar a deterioração do saldo da conta de transações correntes e o processo de desindustrialização da economia brasileira.

O RPM brasileiro não permite a obtenção simultânea de uma taxa de inflação estável e um nível competitivo para a taxa real de câmbio. Isso cria um dilema para o governo na condução diária do RPM. A forte expansão da demanda agregada doméstica num contexto de elevação do salário real acima da produtividade do trabalho resulta na aceleração da taxa de inflação, caso o governo decida impedir a valorização da taxa real de câmbio resultante dessa combinação de políticas. Por outro lado, se a decisão do governo for manter a inflação estável, a taxa de juros deverá ser mantida em patamares elevados, induzindo assim uma forte entrada de capitais externos, que irá produzir a continuidade da apreciação da taxa real de câmbio.

Em resumo, o RPM brasileiro não se baseia no "modelo novo-desenvolvimentista", pois cria uma verdadeira escolha de Sofia entre aceleração da inflação e desindustrialização.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Expectativas racionais, para que te quero.


Antonio Delfim Netto, hoje especialmente para o VALOR ECONÔMICO. 

Dizemos, em sua versão mais pretensiosa, que um agente econômico tem "expectativas racionais" quando conhece a distribuição futura de probabilidades de qualquer variável do seu modelo, obtida (condicionada) pelas informações que ele dispõe no presente. Por exemplo, num sistema por hipótese não "viesado" de escolha aleatória, a probabilidade de selecionar qualquer número entre um e mil é exatamente 1/1000.

O problema é que o mecanismo é, por definição, "não viesado" quando empiricamente, num número de experimentos (que tende ao infinito), todos os algarismos de um a mil revelam a mesma frequência. Num exemplo tão simples como esse ficam evidentes as dificuldades lógicas de definição da "expectativa racional".

Os economistas são mais modestos. Na utilização do conceito de "expectativa racional", constroem modelos lineares envolvendo as variáveis econômicas e supõem conhecer não a distribuição probabilística de cada uma delas, mas apenas a sua média, baseando-se no "verdadeiro" modelo da realidade e na informação que dispõem no presente.

Eles têm lutado com esse problema desde que começaram a formalizar e, portanto, tornar mais evidentes as hipóteses envolvidas nos seus modelos. Se trata, no fundo, de fazer alguma conjectura sobre o futuro opaco, que se recusa a revelar-se antes de se tornar presente. Nessa busca de "antecipar o futuro" e tornar mais úteis os seus modelos, os economistas foram construindo diferentes mecanismos de "expectativas" e estudando as suas consequências.

A primeira hipótese, muito usada nos anos 20 e 30 do século passado, quando estava na moda o estudo empírico das curvas de procura de bens agrícolas, foi que o preço esperado para o futuro era igual ao preço do período anterior. No nível microeconômico, isso produziu a famosa dinâmica do "cobweb", em que preços e quantidades oscilavam, mas que, com restrições convenientes, terminavam num "equilíbrio".

A surpresa veio quando construíram, com a mesma hipótese, um modelo macroeconômico dinâmico elementar com "erros" (surpresas) na demanda global e na fixação dos salários para determinar o nível do PIB e a taxa de inflação. O PIB flutuava aleatoriamente em torno do objetivo desejado, mas a taxa de inflação era positiva e constante (a menos de uma variação aleatória de média zero) e independente da política monetária! Era evidente que a hipótese original (preços esperados para amanhã iguais aos de hoje) não se sustentava, porque os agentes não continuariam a utilizá-la quando verificassem uma taxa de inflação constante.

Isso levou à substituição da formação das expectativas. A nova sugestão foi supor que a taxa de inflação seria constante. A surpresa ainda maior foi que o modelo mostrava que, agora, para manter o PIB no nível desejado, era preciso não uma taxa de inflação constante, mas uma taxa de inflação permanentemente crescente!

Ficou óbvio que esses estranhos resultados obtidos a partir de modelos extremamente simples eram produto dos erros sistemáticos sobre a formação das expectativas dos agentes. No nível do desespero, os economistas fizeram uma hipótese heroica: suponhamos que conhecemos o futuro, ou seja, que sabemos qual é o preço de amanhã! É a isso que chamamos "expectativas racionais": conhecemos o preço médio de amanhã através das informações que dispomos hoje, o que equivale a eliminar os "erros" (surpresas) na equação da demanda global.

Tudo tornou-se claro. Com o futuro revelado, o modelo dá a resposta que estávamos esperando: o PIB se estabiliza no limite superior, o que dispensa a política fiscal e monetária. Esta última determina apenas o nível de preços. Os economistas aprenderam o truque e nunca mais o abandonaram. Com alguma arte e engenho sobre a formação das expectativas, podem obter, matemática e rigorosamente, o resultado que desejam. É o Santo Graal que procurávamos há séculos, comprado baratinho ao preço trivial de supor que conhecemos o futuro.

Não há, portanto, o que estranhar nas conclusões espantosas em passado não muito afastado de alguns nobelistas: as políticas econômicas quando antecipadas são absolutamente ineficazes quando conhecemos o futuro. De qualquer forma é mais do que evidente que ninguém discute a necessidade de se introduzir nos modelos alguma expectativa sobre o futuro opaco e de como a política econômica pode ajudar a formá-la.

Talvez esta seja a única mensagem duradoura das "expectativas racionais": uma hipótese sobre o futuro é indispensável para entender o presente!

A biografia do Steve Jobs.


A resenha do MARION STRECKER sobre a biografia do Steve Jons, lançada ontem, revela um Jobs rebelde, atrevido e tenaz. Direto da FOLHA DE S. PAULO.

Imagine um cara tão inteligente e tecnológico adiar a cirurgia do câncer em favor de tratamentos alternativos porque não queria ter seu corpo aberto.

Este era Steve Jobs: filho adotado, criança-problema e talento criativo, que não terminou nenhuma faculdade, amava eletrônicos, fazia molecagens como grampear todos os cômodos da casa da família para ouvir num headphone ou coisas encantadoras como criar shows de laser acoplados às caixas de som nas festas juvenis, mas não sabia escrever programas de computador. Entretanto, ele criou com um amigo mais velho e engenheiro genial chamado Stephen Wozniac o que veio a ser a empresa mais valiosa do mundo. E mudou profundamente a maneira como as pessoas lidam com computadores e com entretenimento. A biografia "Steve Jobs", lançada ontem, é um livro de encomenda, escrito por um biógrafo que hesitou em aceitar o pedido do biografado.

Walter Isaacson hesitou pelos altos e baixos da carreira de Jobs, mas aceitou a incumbência com a promessa de que o fundador da Apple não leria nem censuraria o livro antes de sair. Exceto a capa, que Jobs pediu para ver, não gostou e devolveu com contraproposta. Genioso, tenaz, vaidoso e às vezes rude, controlava de perto a criação dos produtos, o marketing, a publicidade e o departamento financeiro. Dizia que produtos quase bons não eram bons. Que queria apenas produtos insanamente bons.

O livro foi feito com base em cerca de 40 conversas recentes entre os dois, além de mais de cem entrevistas com familiares, amigos, adversários, concorrentes e colegas. Sabemos então detalhes como os problemas que causava na escola primária, a forma como uma professora soube seduzi-lo a estudar, subornando-o com pirulitos e dólares em troca de exercícios extras de matemática.

Depois recomendaram que pulasse dois anos à frente, mas o pai só aceitou que pulasse um. Transferido de escola, conviveu com gangues e sofreu bullying, ajudou a pôr explosivo na sala de aula e outras desgraças que, lá pelas tantas, o fez implorar ao pai que o mudasse de novo.
O pai, mecânico, a quem admirava profundamente, deu um jeito, pois o achava realmente especial. Deixou de frequentar a igreja luterana com a família aos 13, quando viu crianças famintas na capa da revista "Life" e confrontou o pastor, perguntando se Deus estava ciente daquilo. O pastor respondeu que sim.

Aos 15, tinha um carro e começou a fumar maconha. Depois fez viagens com LSD e foi à Índia, namorou Joan Baez, que, por sua vez, tinha namorado seu ídolo Bob Dylan. Tudo no contexto da contracultura embebida de silício. Nunca quis contato com seu pai biológico, de origem síria, um homem estudado e bem-sucedido que chegou a se gabar de gerenciar um restaurante frequentado pelas melhores cabeças do Vale do Silício. "Até por Steve Jobs", disse uma vez sem saber que falava de seu próprio filho biológico, a quem nunca procurou e a quem sobreviveu.

Briguento, Jobs ameaçou recentemente gastar todo o caixa da Apple, se preciso fosse, para destruir o Android, sistema operacional do Google que imita o da Apple. Mas ele mesmo tirou a ideia do mouse numa visita à Xerox. Alguém que ele admirava era Mark Zuckerberg, pois, se todos falam em rede social, para Jobs só há realmente uma: o Facebook. E Mark até hoje não vendeu a empresa.

Sobre a morte, comentou: "Às vezes acho que é como um botão liga-desliga. Se muda para desligar, você se vai".

STEVE JOBS
AUTOR Walter Isaacson
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 49,90 (624 págs.)
TRADUÇÃO Berilo Vargas, Denise Bottmann e Pedro Maia Soares
AVALIAÇÃO Bom

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...