sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O que aconteceu com Silvio?


Moisés Naím, hoje na Folha de S. Paulo, comenta que “A queda de Berlusconi é mais uma manifestação do choque entre o dinheiro global e a política local.”

As elites não se revoltaram, e o povo não saiu às ruas. O que pôs fim aos anos de Silvio Berlusconi como o homem mais poderoso da Itália foi o aumento vertiginoso do "spread" nas taxas de juros entre os títulos de dívida italianos e alemães. Se esse "spread" tivesse se mantido em menos de 5%, Il Cavaliere ainda estaria no poder hoje.

A queda de Berlusconi é mais uma manifestação do choque entre o dinheiro global e a política local. George Papandreou, na Grécia, é outra. A mistura das restrições da política local com as exigências do dinheiro global cria um misto tóxico cujas efusões derrubam governos e moldam a economia global. Administrar essa tensão é um dos maiores desafios de nossa época.

"Toda política é local" é um truísmo antigo popularizado pelo falecido congressista americano Tip O'Neill. Entender os problemas locais, até mesmo pessoais, e prometer soluções para eles é muito mais crucial para o êxito político que arquitetar iniciativas para fazer frente a ameaças globais.

Se a política é local, o dinheiro está mais global que nunca. Hoje o mercado global de divisas é oito vezes maior do que era 20 anos atrás. No ano passado, o volume diário de divisas negociadas foi 220% mais alto que o de 2001, e 65% das transações foram internacionais, ante 54% em 1998. O número de empresas estrangeiras na Bolsa de Nova York dobrou em dez anos.

Enquanto isso, a mão de obra é quase imóvel. Apenas 3% da humanidade se desloca para outro país.

Dinheiro que circula à velocidade da luz, comércio que se move à velocidade dos contêineres de carga, governos que se movem à velocidade da política e mão de obra que não se move: isso é a Europa hoje, cambaleando sob efeito da poção das bruxas.

Não temos antídoto para esse coquetel tóxico. Proteger as economias dos caprichos do dinheiro global soa tentador, e alguma coisa precisa ser feita para mitigar esses caprichos. Mas é difícil, custa caro e facilmente conduz a decisões que acabam por agravar o problema.

Controles governamentais primitivos que fomentam a corrupção sem proteger realmente a economia constituem um resultado comum dos esforços para coibir os riscos do dinheiro global.

"Globalizar" a política local também é um projeto que é tão atraente quanto é difícil. Sem dúvida, os políticos devem aumentar a consciência das pessoas de que o que acontece fora do país afeta o que acontece em suas casas. Na Europa, essa tarefa agora está mais fácil. Lamentavelmente, para milhões de pessoas esta crise virou um cursinho rápido e doloroso sobre as conexões velozes e diretas entre o "lá fora" e o "aqui".

A despeito de todos esses problemas, não há escolha: precisamos sintonizar a política local com os imperativos globais e fazer com que as finanças globais reajam mais rapidamente às necessidades locais.

Tenho consciência de que isso é algo que é mais fácil dizer do que fazer e que pode soar ingenuidade fazer a sugestão. Mas seria ainda mais ingênuo desprezar a necessidade urgente de encontrar maneiras para diminuir a distância entre política local e dinheiro global. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Divisão do Pará e um novo modelo para a Amazônia


Neste momento eleitoral que vive o estado do Pará, editorial de hoje do VALOR ECONÔMICO veio no momento exato para uma boa reflexão.  

Os 4,8 milhões de eleitores do Pará estão sendo convocados a responder, em plebiscito marcado para 11 de dezembro, se o Estado deve ser dividido em três unidades federativas, em duas ou ficar como está, um gigante com 1,2 milhão de quilômetros quadrados, rico em recursos naturais (tem a maior jazida de ferro do planeta), mas apenas 1,4% de participação no Produto Interno Bruto (PIB), com indicadores sociais sofríveis e palco de violenta disputa pela posse e uso da terra.

Trata-se de oportunidade única para discutir não apenas a divisão administrativa do Pará mas também o modelo de desenvolvimento que o país quer para a Amazônia, ainda hoje assentado em bases lançadas na época do "Milagre Econômico", nos anos 1970, fincadas na teia de estradas rasgadas na selva, na pata do boi e no avanço desordenado de frentes econômicas.

Pesquisa Datafolha realizada no início da abertura da campanha no rádio e na televisão revela que 58% dos paraenses são favoráveis à manutenção do status quo. Os emancipacionistas apostam na propaganda para tentar reverter o quadro. Difícil, quando se considera que 60% do eleitorado a se manifestar no plebiscito está concentrado na região de Belém e adjacências, sede do governo contra a qual se voltam as províncias distantes e queixosas do abandono oficial.

Na hipótese de a maioria votar pela divisão, o Pará remanescente ficará com apenas 17% do atual território - e a grande maioria da população.

Na região Sul será criado o Estado de Carajás, com 35% do território, 39 municípios, uma população estimada em 1,6 milhão de habitantes, as imensas jazidas de minérios da Serra dos Carajás. O município de Marabá será a capital da nova unidade federativa.

A outra nova unidade será o Estado do Tapajós, com 58% da área do atual Pará, 27 municípios, a cidade Santarém, situada no encontro das águas dos rios Amazonas e Tapajós, como capital, e densidade demográfica rarefeita - a população estimada é de cerca de 1,2 milhão de habitantes para uma área de 718 mil quilômetros quadrados.

"O surgimento de três unidades federativas onde atualmente há apenas uma deverá reproduzir os problemas e queixas, em vez de resolvê-las", escreveu o jornalista Lúcio Flávio Pinto no "Jornal Pessoal", publicado em Belém, um fórum de excelência sobre a divisão que elevou de patamar o debate sobre o plebiscito.

"O que acarreta as distorções não é o excesso de terra a ser jurisdicionada pelo governo local ou a insuficiência de gente para melhorar a relação habitante/quilômetro quadrado, que asseguraria a soberania nacional sobre a fronteira, mas o "modelo" de ocupação", diz Lúcio Flavio, jornalista de larga vivência e estudos sobre a Amazônia.

De fato, é de se perguntar se o Tapajós, com população rarefeita, não terá tantos problemas quanto Belém para dar atenção a províncias longínquas. Será uma sombra da Vale e o modelo a ser replicado no Tapajós, região onde ainda é possível uma correção no curso impresso nos anos 70?

O custo de criação de duas novas unidades federativas também deve ser considerado.

Segundo estudo do Ipea coordenado pelo professor Rogério Boueri, o custo fixo para a manutenção de um novo Estado é de R$ 832 milhões ao ano, a preços de 2008. Boueri detectou também que esse custo de manutenção, expresso pelo gasto público estadual, cresce com a população e com a produção econômica da unidade - cada habitante acresce R$ 564,69 ao gasto estadual e cada real de produção eleva esse gasto em 7,5 centavos de real.

A criação de dois novos Estados significará a eleição de seis novos senadores da Amazônia e de 13 novos deputados federais para a Câmara (o Pará, que atualmente tem uma representação de 17 deputados ficaria com 14). Aumenta, portanto, o desequilíbrio da representação legislativa federal. Em cada um dos novos Estados será criada uma Assembleia Legislativa. Alguém terá de pagar essa conta, ao final.

Os paraenses, sem dúvida, são soberanos para decidir o que fazer com o Estado, mas essa é uma discussão que definitivamente diz respeito a todo o país. E não é apenas pela fatura, que será paga por todos, mas também pelo destino de uma região cuja sorte sempre foi escrita por mãos de outras paragens.

Moderação.


ANTONIO DELFIM NETTO, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre “Moderação”.

A dramática situação econômica da Eurolândia está produzindo efeitos políticos surpreendentes. De um lado, a queda em cascata dos poderes incumbentes. Todos são culpados por terem ficado inertes diante dos desarranjos fiscais que se praticavam. De outro, traz mais uma vez a demanda secular de "substituir o capitalismo", como se este não fosse sempre diferente devido ao seu dinamismo interno.

A oposição "oportunista" e os "indignados" tentam trazer de volta sugestões de cérebros que "inventaram" outros mecanismos de organização social. Os mesmos que rechearam de tragédias o século 20.

Para que o sistema de economia de mercado (que é compatível com a liberdade individual) funcione adequadamente, ele precisa de um Estado constitucionalmente limitado que: 1º) seja fiscalmente responsável; 2º) tenha poder para mitigar os seus defeitos (a flutuação que lhe é incitada e a redução das desigualdades que ele produz); 3º) seja capaz de controlar o sistema financeiro. Deixado a si mesmo, este tem a tendência de servir-se do setor real e de controlar o poder incumbente, pondo em risco, ao mesmo tempo, o "mercado" e a "urna".

É preciso reconhecer que o "mercado", como instrumento alocativo eficiente, não encontrou, ainda, nenhum substituto, como mostram o fracasso soviético e o sucesso chinês, e que o seu bom funcionamento não depende do irrestrito movimento internacional de capitais e, muito menos, de mistificações "científicas" de "inovações" financeiras.

Pelo contrário, a história mostra que um de seus defeitos (a flutuação do emprego), produzido, em parte, pelo próprio comportamento humano, é ampliado quando o sistema financeiro não é submetido a um permanente controle.

A tragédia da Eurolândia revela com clareza que o jogo dialético (apoiado no sufrágio universal) entre o "mercado" e a "urna" -que, no longo prazo, tem levado ao processo civilizatório que combina a liberdade de iniciativa com o aumento da eficiência produtiva e a construção de uma sociedade mais "justa"- não é uma linha reta: pode sofrer graves e custosos desvios.

O fato, porém, é que não há sistema que resista à irresponsabilidade fiscal. Quando ela leva as lideranças políticas à completa predominância do curto prazo sobre o longo, para aproveitarem-se de passageiras situações econômicas favoráveis que lhes permitam permanecer no poder, o "mercado" (isto é, a realidade fática) acaba cobrando seu preço.

O Brasil pagou esse preço no passado. É por isso que a presidente deve ser fortemente apoiada quando corta na carne do Executivo e pede moderação aos poderes Legislativo e Judiciário e aos sindicatos. Ela está certa: nunca a solidez fiscal foi tão necessária para proteger-nos da crise.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

15.11.2011



Feriado é dia de ler o Diário do Nordeste e ver mais um show do sensacional Sinfrônio. 

Pará dividido.


Lúcido editorial da FOLHA DE S. PAULO de hoje, comenta sobre o plebiscito de 11 de dezembro aqui no estado do Pará. Trata-se de  assunto que deve ser objeto de profunda reflexão, uma vez que não temos mais tempo para errar. 

O resultado da pesquisa Datafolha sobre a divisão do Pará, divulgado neste final de semana, revelou que a maioria da população é contra a partição do Estado.

Quando se analisa o conjunto da população, três em cada cinco eleitores (58%) são contrários à divisão do Pará em três Estados.

Esse resultado, no entanto, esconde um profundo descontentamento das duas regiões que desejam se emancipar, Tapajós e Carajás. Na área que englobaria o futuro Estado de Carajás, 84% são favoráveis à separação do atual Pará. Em Tapajós, são 77% os apoiadores.

Acontece que essas duas regiões contêm, somadas, 35% dos eleitores. Os outros 65%, moradores da área que formaria o Estado remanescente, são contrários à divisão, na proporção de quatro para um. O que explica o resultado total é, assim, a divisão demográfica.

Esta Folha já se manifestou mais de uma vez contra a criação dos dois novos Estados, que é deletéria tanto sob a lógica federativa quanto pela perspectiva local.

Essas duas unidades nasceriam com deficit anuais em torno de R$ 1 bilhão cada uma, já contabilizados os repasses ao atual Estado do Pará, segundo estudo do Ipea. A conta, não é difícil supor, seria paga em grande parte pela União.

A partição também levaria a novas vagas no Congresso para as unidades nascituras. Seriam três senadores para cada Estado e ao menos oito deputados. Aumentaria assim a distorção em favor da região Norte, já hiper-representada em relação à sua população.

Eventuais efeitos benéficos para a população também são contestáveis. Teriam de ser criadas do zero instituições dos três Poderes -Executivo, Legislativo e Judiciário- em regiões onde o poder público é historicamente ausente. Parece mais provável que sirvam de meios de ascensão política e corrupção para parte das elites locais.

Não se deve, todavia, ignorar o legítimo sentimento de abandono da população dessas regiões. É razoável supor que o expressivo apoio à emancipação não decorra apenas de um natural sentimento regionalista. O resultado indica um anseio legítimo pela partilha mais igualitária dos recursos e maior desenvolvimento regional.

Espera-se que o Pará rejeite, no plebiscito de 11 de dezembro, a divisão do Estado. Todavia seria um erro ignorar o alerta da pesquisa Datafolha. Belém precisa direcionar investimentos e levar a presença do Estado a essas regiões, sob o risco de ver emergir mais uma vez esses movimentos separatistas.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A presidente sabe.


Carlos Lessa, no VALOR ECONÔMICO, em seu artigo mensal: “A presidente sabe”.

A presidente é economista, com sólida formação e ampla informação. Foi ministra do vetor-chave do desenvolvimento: a energia. Conviveu e teve assessoria pessoal de Maria da Conceição Tavares, uma das mais brilhantes inteligências do Brasil.

A presidente sabe que a crise mundial, explicitada em 2008, será de longa duração e que o mundo pós-crise não é previsível, mas haverá a modificação geopolítica do planeta, uma profunda onda de inovações tecnológicas e alteração em padrões comportamentais.

A presidente sabe que o futuro exige conhecimento das restrições para, no âmbito do raio de manobra, serem a nação, o povo e sua economia uma folha ao vento da história ou, com a vontade civilizatória e solidária do povo, explicitar e desdobrar um projeto nacional. Cabe ao governante atuar no âmbito da manobra com o olhar firme, coordenar os atores sociais a atuar em direção ao sonho de um Brasil justo e próspero.

A presidente sabe a perversa tendência do sistema financeiro de, em tempos de crise, adotar políticas defensivas que aprofundam a crise. Keynes falava da "preferência pela liquidez", que desvia as empresas da realização de investimentos de ampliação de capacidade produtiva e passam a optar por aplicações financeiras. As organizações bancárias e do mercado de capitais tendem a restringir empréstimos e a optar por ampliar suas reservas de uso imediato. Ao fazê-lo, "empoçam" recursos, e aprofundam a tendência à fase depressiva da economia. O coletivo de empresas, acreditando na crise, adota uma conduta que acelera e aprofunda a crise. No limite, participam de um estouro de boiada que corre para o precipício.

A presidente sabe que o Fed (Federal Reserve) adquiriu ativos podres e duvidosos e injetou volumes colossais de recursos no sistema bancário americano. Entretanto, esses bancos não estão reativando a economia; estão cautelosos no crédito, prosseguem com a execução de hipotecas imobiliárias e paralisam a atividade da construção civil. A família americana, sem planos de previdência contratuais, hoje vê o futuro com angústia e decidiu pela contenção do consumo, que aprofunda o processo depressivo. Os indicadores macroeconômicos dos EUA são inquietantes.

A presidente sabe que os bancos da zona do euro não conseguem coordenar suas políticas nacionais, e tendem a praticar um contracionismo que sinaliza persistência e aprofundamento da crise. Os bancos da zona do euro estão "empoçando" e a Suíça, com medo de uma corrida pelos francos, alinhou sua moeda com o euro.

A presidente sabe que tanto os EUA quanto a comunidade europeia estão reduzindo importações. A China, que vinha sustentando o crescimento, vem perdendo ímpeto e já sinaliza procedimentos de reforço de seus bancos oficiais (para evitar a queda das Bolsas chinesas, o governo está recomprando ações de seus bancos dos acionistas privados minoritários).

A presidente sabe que a Bolsa de Mercadorias de Chicago sustenta os preços relativos de alimentos, de algumas matérias primas e do petróleo. Há uma preferência crescente dos especuladores mundiais por aplicações arbitradas pela Bolsa de Mercadorias de Chicago, porém o sinal pode mudar.

A presidente sabe que, frente à crise mundial, o Brasil deve "botar suas barbas de molho". Felizmente, temos o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES, que respondem à orientação soberana nacional de não participar da manada (Lula teve que trocar o presidente do BB para forçar nosso maior banco a expandir crédito).

A presidente sabe que o Bradesco já anunciou a criação de um fundo de R$ 1 bilhão para ter "liquidez preventiva" em relação à inadimplência privada. A presidente sabe que é importante reforçar o sistema bancário oficial e expandir o crédito e reduzir os juros básicos. A presidente, corretamente, quer estimular a construção civil em um programa de habitação popular. Obviamente, para a geração de emprego e renda, essa é a política social anticrise por excelência, porém sabe que tem que reduzir a gula dos empreiteiros. Manter a demanda interna ampliando o endividamento familiar com compra de veículos automotores e outros bens duráveis tem um efeito macrodinâmico menor e é patrimonialmente equivocada em relação à família brasileira. Talvez seja esse o sentido profundo da enigmática recomendação presidencial: "o brasileiro deve consumir com moderação".

Uma economista competente não diria essa frase (que parece aplicável a bebida) se não estivesse pensando em desviar as famílias da armadilha da compra de duráveis, orientando-as para a ativação da construção civil. Acho inteligente reforçar os fundos imobiliários com aplicações financeiras da previdência complementar, porém é necessário planejar o futuro das cidades e ampliar o investimento na infraestrutura urbana.

A presidente sabe que é possível e necessário fazer muito mais. O câmbio tem que voltar a ser controlado. O Brasil não deve estimular empresas brasileiras a investirem no exterior (recentemente, duas indústrias de calçados do Rio Grande do Sul anunciaram que vão deslocar suas operações para a Nicarágua em busca de mão de obra barata e menor intervenção do Estado). O sistema bancário oficial deve retirar qualquer apoio a essa atitude anti-nacional. O fomento público deve ser preferencial a empresas de brasileiros. As filiais de multi, na crise, tendem a ampliar remessas para as matrizes. Há um espaço para a empresa de brasileiros crescer, orientada para o mercado interno. As filiais terão que reduzir remessas para manter suas posições de mercado.

Presidente, a desvalorização do real aumenta a rentabilidade das exportações primárias mas encarecem itens básicos da alimentação popular. É indispensável a recriação do imposto de exportação, se houver a desvalorização previsível. Devemos selecionar com critério aplicações financeiras do exterior, reduzir o endividamento com risco cambial do setor privado, ampliar a proteção a ramos industriais clássicos, e adotar uma política pública de "comprar o produto brasileiro".

A presidente está informada das pressões externas. Algumas deveriam ser ridicularizadas: as associações americanas de indústrias de confecção e calçados protestaram contra a adoção, pelo Brasil, de medidas defensivas desses ramos industriais clássicos e ameaçados. Quero crer que são as matrizes interessadas em que suas filiais na China ampliem a avalanche de exportações para o Brasil. No Japão, surgiram resmungos quanto aos obstáculos para importações de veículos pelo Brasil.

Somente critico a presidente pela modéstia das medidas. Outra presidente sul-americana, que vem adotando medidas radicais de defesa nacional, acabou de receber uma reeleição consagradora. A timidez não é sábia em momentos de crise mundial.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Uma "presidenta" na Europa.


JOÃO PEREIRA COUTINHO, hoje na FOLHA, registra a sua opinião sobre “Uma 'presidenta' na Europa.”

Foi uma semana de comédia. Falo da última, na Europa, com a "presidenta" Dilma Rousseff entre os nativos. Na reunião do G20, em Cannes, Dilma teve o pior momento e o melhor momento de todo o circo.

O pior momento foi a solução que a "presidenta" encontrou para a crise do euro. Pergunta prévia: a Europa do sul endividou-se loucamente nos últimos dez anos por que a moeda comum permitiu juros baixos e acesso fácil ao crédito para países sem disciplina fiscal ou crescimento econômico?

Nova pergunta: os gastos públicos desses países, sem falar dos gastos privados, atingiram níveis incomportáveis?

Mais uma: o envelhecimento da população, juntamente com uma baixíssima taxa de natalidade, esgotou os sistemas de previdência tradicionais?

Dilma tem a solução: uma bolsa família global. A experiência correu bem no Brasil, disse Dilma, e a Europa do sul, que está falida precisamente por causa do seu generoso modelo de bem-estar social, precisa de mais uma bolsa para juntar às incontáveis bolsas que enterraram a Grécia, Portugal, Itália, talvez a Espanha.

Na Redação do jornal onde trabalho, aqui em Lisboa, as gargalhadas foram tantas que por momentos pensei que a "presidenta" tinha contado uma piada.

Não tinha. A piada veio a seguir, no melhor momento de Dilma. Mas, primeiro, alguns fatos. Duas semanas atrás, Merkel e Sarkozy pensaram que a crise do euro estaria resolvida com o pacote.

Sim, um calote grego "controlado" aliviaria Atenas de metade da sua dívida nas mãos dos credores privados. Sim, os bancos seriam recapitalizados para aguentar o calote. E, sim, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira seria reforçado: dos modestos 440 bilhões de euros passaria para 1 trilhão.

Os mercados festejaram nas 24 horas seguintes. Mas, depois da farra, os especialistas começaram a fazer contas. A revista "The Economist" foi um deles. Um perdão parcial da dívida grega é importante, com certeza, mas será que a Grécia poderá crescer com uma dívida que continua sendo 120% do PIB mesmo depois do calote?

Sem falar dos bancos: eles precisam de 106 bilhões de euros nos próximos meses. Mas que tipo de implicações isso terá na concessão de crédito para a economia real, sobretudo no momento em que ela mais necessita de financiamento?

E, finalmente, o fundo de estabilização. Um trilhão é número assustador, sem dúvida. Mas o que acontece se a Itália precisa de um resgate -uma evidência que cresce a cada dia que passa? Onde estão os 2 trilhões de euros? Aliás, onde está o trilhão prometido por Merkel e Sarkozy?

O entusiasmo começou a esfriar. As Bolsas começaram a despencar. Os líderes europeus começaram a gaguejar: a China, a Índia, talvez o Brasil estejam disponíveis para colaborar.

Não estão, não, disse Dilma. E acrescentou: se os europeus não põem dinheiro no fundo, como podem esperar que outros o façam?

Na Redação do meu jornal, ninguém riu dessa vez. Só eu, bem alto: Dilma captou o problema central da crise europeia.

E o problema central é o estado de alienação em que vivem os líderes. Esse estado de alienação ficou exposto com a decisão do premiê grego de convocar um plebiscito no país para referendar as novas medidas de austeridade. Insensato?

Não direi. Insensato seria Papandreou ignorar o mundo em volta: as ruas de Atenas em chamas; um governo em processo de desagregação; a ocupação efetiva de seu país por burocratas europeus que passarão a governar de fato; e rumores constantes de golpe militar (não foi por acaso que o governo grego decidiu mudar, de forma intempestiva, as chefias militares do país).

Infelizmente, Papandreou não entende a natureza política da União Europeia, que sempre atuou ignorando, ou violentando, a vontade democrática dos europeus.

Como violou agora, ameaçando a Grécia de expulsão do euro e forçando Papandreou a recuar no seu referendo. Papandreou, como um cachorrinho obediente, recuou.

Só espero que, da próxima vez que a "presidenta" cruzar o Atlântico, a Europa conserve, pelo menos, a fachada "democrática" que vai caindo semana após semana. Não se assustam as visitas com os nossos horrores domésticos.

Novo Banco Central Europeu.


Antonio Delfim Netto, hoje no Valor Econômico, escreve sobre o “Novo Banco Central Europeu.”  

A situação da economia mundial tem todos os ingredientes para continuar se agravando. As lideranças políticas não parecem ter a inteligência e a coragem para cortar, de uma vez por todas, o devastador processo de autoestímulos que realimenta a crescente instabilidade do setor financeiro internacional. Esses mecanismos de retroalimentação podem ser vistos, muito simplificados, no quadro abaixo.

A instabilidade do setor financeiro pode ser medida pela sua consequência mais visível, a flutuação da volatilidade do mercado acionário, que tem variado dramaticamente desde a crise de 2008. Depois da liquidação desordenada do Lehman Brothers - que manchará a história econômica como a maior manifestação de miopia e mediocridade das autoridades políticas e monetárias americanas e inglesas -, houve paralisia do crédito interbancário, que voltou a alimentar a instabilidade. A principal repercussão foi o escrutínio e a revelação que a Eurolândia escondia graves comportamentos fraudulentos. O contágio europeu voltou a alimentar a instabilidade, revelada fisicamente na imensa queda das cotações das ações em todo o mundo.

O efeito mais importante dessa queda foi a "destruição" do valor das empresas -que perderam a capacidade de tomar crédito e, no caso dos bancos, de fornecê-lo diante da necessidade de rápida desalavancagem, o que realimentou a instabilidade. Estima-se que, só nos EUA, a queda das Bolsas e a liquidação das hipotecas reduziram em US$ 7 trilhões a riqueza que as famílias supunham ter.

Todas essas retroalimentações sugerem que o sistema hoje roda sobre si mesmo, devido à quebra de confiança de cada agente com relação a todos os outros. Ele só voltará a funcionar quando ela for restabelecida por uma ação decisiva, inteligente, ampla e coordenada das políticas fiscais, monetárias e cambiais de todos os países (talvez no G-20), o que parece pouco provável, ainda.

Os efeitos desse processo sobre a economia brasileira podem ser significativos, mas são de sinal incerto e de mensuração difícil. Há um efeito direto da flutuação das bolsas internacionais sobre a Bovespa, que seguramente "destruiu" valores que a sociedade supunha ter, o que tem algum efeito sobre o consumo e sobre o investimento. Por outro lado, a instabilidade do setor financeiro tende a reduzir o crescimento real da economia mundial, e a paralisia política americana (com uma ajudazinha do Fed) tende a desvalorizar o dólar medido com relação à cesta de moeda dos países que transacionam com os EUA.

A cada desvalorização de 1% do dólar (que valoriza o real), o preço médio das commodities (CRB) tende a cair 3%, o que ameniza a pressão inflacionária. O efeito sobre as commodities pode ainda ser ampliado pela redução do crescimento da China, em consequência do desaquecimento mundial.

As incertezas são tantas que em apenas uma semana "tudo ficou melhor": as Bolsas "explodiram" diante da aparente ação "decisiva" de Merkel e Sarkozy (criação de fundo "virtual" de € 1 trilhão, de origem ainda desconhecida, e a imposição de corte de 50% da dívida grega junto aos bancos); na mesma semana; "tudo ficou pior": as Bolsas "desabaram", quando o primeiro-ministro grego Papandreou, assustado com a reação interna, sugeriu uma "consulta popular", que foi rejeitada. Tem razão Shakespeare, quando nos adverte que a vida é uma viagem perigosa!

Viagem perigosa é a que iniciou, em 1º de novembro, o excelente economista e administrador experimentado, Mario Draghi. Navegador de mar grosso, aos 63 anos é o novo presidente do Banco Central Europeu. Foi diretor do Banco Mundial durante seis anos. Tornou-se famoso nos anos 90, quando salvou a Itália do "default" como ministro do Tesouro, com duro programa de corte das despesas públicas. Fez ampla privatização e desvalorizou a lira para prepará-la para a entrada no euro. Conquistou, com isso, o título de "Super-Mario". Em 2002, foi contratado pela Goldman Sachs como vice-presidente e diretor-executivo, onde ficou até 2005. Assumiu, então, a presidência da Banca d´Italia. É, provavelmente, o economista italiano de maior reputação do mundo.

Draghi não é classificável facilmente. Foi formado por Federico Caffé, renomado e sofisticado keynesiano que desapareceu misteriosamente em 1987. Sob a orientação do célebre Franco Modigliani (Nobel, 1985), foi o primeiro economista italiano a obter um Ph.D. no MIT, onde completou a formação iniciada na Escola Jesuíta de Roma, o que diz alguma coisa.

A definição de quem o conhece bem é a de que "se trata de um economista eclético, com forte formação analítica, pragmática e experimentado no trato político". Com Draghi, o BCE será, certamente, mais arejado do que foi com o sisudo Jean-Claude Trichet. Nele vai ter que internalizar a ideia que o euro não é a moeda alemã. É da Eurolândia e tem de servir aos interesses de todos os seus membros. Já começou bem, baixando os juros...

Dois mitos sobre a poupança nacional.


Yoshiaki Nakano, professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP ,hoje no Valor Econômico, escreve sobre “Dois mitos sobre a poupança nacional.”

Existem muitos mitos sobre a taxa de poupança no Brasil. Vejamos dois desses mitos. Primeiro, a maioria dos economistas quando fala em poupança está pensando em poupança pessoal, das famílias, ignorando a poupança das empresas. Segundo, a maioria dos analistas assume como óbvio que a baixa taxa de poupança é a responsável pela baixa taxa de investimento na economia brasileira. Vamos verificar se esses dois mitos se sustentam diante dos dados e das pesquisas empíricas.

A maioria dos economistas adquire o "estranho hábito" de raciocinar como se a poupança nacional fosse composta apenas da poupança pessoal, isto é, das famílias. E daí deriva um conjunto de diagnósticos incorretos. De fato, nos fundamentos teóricos dos neoclássicos estuda-se a decisão do consumidor, mas a empresa (firma) é identificada apenas por um conjunto de curvas de custos. Nesse mundo teórico, as categorias lucros, dividendos e lucros retidos não existem.

Quando se considera a empresa como uma complexa organização dirigida por executivos, que busca maximizar lucros e distribuir dividendos para os acionistas e interagindo com outras empresas, o equilibrio geral, para o conjunto da economia, fica indeterminado e as conclusões teóricas se desfazem. Daí o "estranho hábito" de identificar o mundo real com os modelos por eles criados e pior, agem como se fossem portadores da verdade. O que os fatos e o mundo real das análises financeiras nos dizem é algo completamente diferente.

Os dados do IBGE nos mostram que 88,4% da poupança bruta total no Brasil foi gerada pelas empresas, representando, em relação ao PIB, 17,1%, em 2006, último dado disponível. A poupança das famílias representou 26,8% da poupança total, o que representa 5,2% em relação ao PIB no mesmo período. O problema está localizado na Administração Pública, que tem uma despoupança de -15,9% da poupança bruta total, representando -3,1% do PIB. Logo, o setor privado poupou 22,3% do PIB e, se o governo tivesse consumido menos e poupasse o equivalente aos seus investimentos, a taxa de poupança teria atingido 25,4% do PIB.

Na verdade, estes dados apenas ratificam muitos estudos empíricos anteriores. Por exemplo, R. Bebczuk em pesquisas empíricas relatadas no seu livro texto sobre finanças ("Asynmetric Information in Financial Markets", Cambridge University Press, 2003) mostra que na América Latina, em média, 80,6% dos investimentos produtivos em firmas não financeiras eram financiados pelos lucros retidos no periodo 1990-1996. No Brasil esse percentual era pouco menor - 76,1% - dado certamente à elevada participação do BNDES. Nos países desenvolvidos, os lucros retidos financiavam, em média, 71,1% dos investimentos produtivos, tendo em vista a participação de 9,9% de ações.

Outra informação relevante é que nos países menos desenvolvidos a poupança das famílias é pouco expressiva e na America Latina representa apenas 13,6% da poupança privada total, enquanto que nos países desenvolvidos chega a representar, em média, cerca de 50%. No Brasil, a poupança das famílias representou 27,8% da poupança privada total e tenderá a aumentar com o crescimento, aumento da renda per capita e envelhecimento da população.

Portanto, o problema da poupança nacional está localizado no setor público que absorveu 15,9% da poupança do setor privado para financiar suas despesas, e investindo muito pouco produtivamente. Na realidade, o Governo apropria e reduz a poupança privada utilizando-se de dois instrumentos: 1) mantém taxas de juros num patamar recordista mundial; e 2) impõe carga tributária de mais de 36% do PIB.

O segundo mito advém do hábito de imputar a fatores exógenos ao sistema econômico os seus males. Nessa forma de pensar, a taxa de poupança é um dado exógeno, um dado não explicado pelo modelo. Assim, as elevadas taxas de juros, excesso de investimento em relação à poupança e o baixo crescimento seriam explicados por esse dado exógeno. Da mesma forma, é a baixa taxa de poupança doméstica que explica a taxa real de câmbio apreciada e o déficit em transacões correntes.

Na verdade, a taxa de poupança, depende dos lucros e este é endógeno e resultado da operação do sistema econômico: lucro não depende da decisão da empresa, depende do volume de vendas (demanda agregada) e seus preços, que resultam da negociação da taxa de salário com os trabalhadores e da competição e interação com as demais empresas. Em economias abertas, o lucro ou a margem de lucro tem uma relação com a taxa de câmbio, se ela for competitiva tendem a ser maiores, mas a relação é complexa e certamente não linear.

A poupança total, nas economias emergentes, ao depender fundamentalmente dos lucros retidos, e o fato dos trabalhadores (salários) pouparem menos do que os capitalistas (dividendos), fazem com ela seja variável e resultado final da operação e do desempenho do sistema econômico. Assim, quanto maior forem o volume de investimentos produtivos, este sim objeto de decisão das empresas, e o crescimento da economia, maior será a poupança nacional.

O que os dados do IBGE mostram é que não há excesso de investimento sobre a poupança de forma que esta última seja a restrição ao crescimento, ao contrário. Tanto as empresas como as famílias têm um excesso de poupança em relação aos investimentos produtivos, particularmente, nos anos recentes em que houve uma aceleração do crescimento. As empresas não financeiras pouparam 12,1% a mais do que a formação brutal de capital, isto é, os lucros retidos excessivos foram emprestados ou fizeram aplicações financeiras, em 2006, segundo os dados do IBGE. A baixa taxa de investimento sim é a causa da baixa taxa de crescimento da economia brasileira e ela é baixa porque a taxa de juros e a carga tributária são elevadas, assim como a taxa de câmbio está excessivamente apreciada.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Perfil populacional dos próximos anos é receita para desastre


Quando a Terra atingiu o sexto bilhão de seres humanos habitando-a simultaneamente, em 1999, o matemático biológico Joel E. Cohen,67, guardava um certo otimismo.

Via exagero no fatalismo com que alguns estudiosos referiam-se ao futuro e achava que a pergunta que dá título a seu livro mais famoso -quantas pessoas a Terra aguenta?- não era para ser respondida com um número, mas com políticas públicas e iniciativas sociais.

Entre o sexto e o recém-alcançado sétimo bilhão, porém, a humanidade -e seus governos- pouco colaboraram para manter o otimismo do matemático, que chefia o Laboratório de Populações na Universidade Rockfeller e leciona em Columbia, ambas em Nova York.

Em entrevista à Folha, Cohen falou sobre controle populacional, educação, investimento em desenvolvimento e o uso da comida que o mundo produz hoje.

Mas o tom que era de expectativa deu lugar à premência em um planeta que, a seu ver, tem seguido uma "receita para o desastre".

Folha - Quando chegamos aos 6 bilhões, o senhor dizia que a pergunta que dá título ao seu livro era algo em aberto. Aos 7 bilhões, continuamos sem resposta?
Joel E. Cohen - Agora percebemos que a mudança climática é uma ameaça à produção de comida, à vida das espécies, incluindo a humana, com mais clareza do que há 12 anos.
O progresso científico trouxe razões para nos preocuparmos mais.
Hoje também temos o maior número de famintos em 40 anos, segundo o braço da ONU para agricultura e alimentação: quase 1 bilhão.
Até recentemente, o número de pessoas cronicamente mal nutridas estava caindo, mas, nos últimos anos o preço dos alimentos subiu muito, em boa medida devido à competição com biocombustíveis e outros usos industriais da comida. Com isso, a fome aumentou.

Os biocombustíveis têm um impacto significativo? Porque a mudança climática também pesa nas colheitas.
Onde há medição, as colheitas diminuíram por causa da mudança climática. Mas acho que pesam os dois fatores, uso industrial e clima.
Outra questão é a crescente riqueza em alguns países em desenvolvimento. A quantidade de carne consumida por pessoa na Terra subiu, se não me engano, quatro vezes desde 1961. Países antes pobres, como a China, aumentaram enormemente a demanda, e muito do gado é alimentado com grãos, cultivados em terra agricultável que podia ser usada para plantar comida.
Os ricos conseguiram melhorar sua dieta, o que é bom, mas às custas dos pobres, que não têm como bancar a competição com os animais.

O que os governos de um mundo superpopuloso deveriam priorizar?
Em 2009-2010, o mundo cultivou 2,3 bilhões de toneladas métricas de cereais. Do total, 46% foi para a boca de pessoas, 34% for para animais e 18% foi para máquinas -biocombustível, plásticos. Nosso sistema econômico não precifica gente que passa fome. A fome é economicamente invisível. Não é que não possamos alimentar as pessoas -com o que se planta agora, poderíamos alimentar de 9 bilhões a 11 bilhões. O problema é que os pobres não têm renda.

O que o sr. sugere?
A primeira coisa é que todas as 215 milhões de mulheres que querem usar métodos anticoncepcionais, mas não têm sua demanda atendida, deveriam ter apoio financeiro para conseguir anticoncepcionais moderno.
Isso custaria US$ 6,7 bi ao ano para o mundo todo. Os EUA, sozinhos, gastaram US$ 6,9 bi para festejar o Halloween há uma semana [segundo a Federação Nacional de Varejistas]. Devemos dividir a conta com países ricos e pobres. Mas o mundo pode bancar isso facilmente.

E o que mais?
Assegurar que todos tenham uma educação de boa qualidade no ensino fundamental e médio, que permita às pessoas ter renda e ser trabalhadores capacitados.
Isso também melhoraria a velhice, pois gente bem educada na juventude envelhece com mais saúde. E, quando os jovens vão à escola, eles se casam mais tarde. Mulheres educadas costumam ter menos filhos, e seus filhos sobrevivem melhor. As taxas de mortalidade caem.
E a minha terceira recomendação é garantir nutrição adequada para todas as gestantes, lactantes e crianças de até cinco anos. Isso é crucial, pois se a criança passa fome antes de chegar à idade escolar, ela não aprende.

Há problemas de desenvolvimento.
Se você quiser que as crianças tenham cérebros que funcionam, é preciso assegurar que tenham acesso a boa comida. Não estamos fazendo isso. Estamos desperdiçando nossas crianças sem ver o custo econômico.
Há um conceito em economia chamado custo de oportunidade, que é o que você perde ao não explorá-la. Nosso péssimo tratamento das crianças é um custo de oportunidade enorme que não é incluído nos sistemas econômicos nacionais.

O sr. está familiarizado com os programas de transferência de renda no Brasil?
Li pouco sobre eles, mas sei que existem programas similares no México. São maravilhosos. O Brasil e o México estão entre os países mais ricos que levam a questão a sério. Na América Latina como um todo, o número médio de filhos por mulher passou de 6, nos anos 60, para 2 ou 2,1 hoje. Uma mudança enorme.

O sr. atribui isso a quê?
É uma via de mão dupla. Por um lado, as mulheres e meninas receberam mais educação, e houve quedas tremendas na taxa de fertilidade. Por outro, a queda na fertilidade faz com que haja menos crianças precisando de escola. As duas coisas andam juntas. A educação reduz a fertilidade, e a fertilidade mais baixa melhora as oportunidades para a educação, se a sociedade quiser.
Na África subsaariana e no Sul da Ásia, inclusive parte da Índia, você não vê uma queda tão drástica na fertilidade, tampouco melhoras na nutrição.

A fertilidade caiu na Europa, e a população envelheceu. O mesmo tem ocorrido na América como um todo. Mas a fertilidade ainda é alta em partes do mundo, sobretudo na Ásia, como o sr. diz. Qual o impacto, para o planeta, de uma população declinante e envelhecida de um lado e países cada vez mais superpopulosos de outro?
Você tem razão, temos pelo menos dois regimes demográficos hoje. Há mais de 50 países onde os níveis de fertilidade caíram abaixo da taxa de reposição. E há outros com crescimento rápido.
Em 1950, havia três vezes mais gente na Europa do que na África Subsaariana. Em 2010, havia 16% mais gente na África Subsaariana do que na Europa. Pelas projeções da ONU, em 2100 haverá 5 pessoas na África Subsaariana para 1 na Europa. De 3 para 1, fomos de 1 para 5 -a proporção aumentou 15 vezes.
Isso pode significar uma tremenda pressão pela imigração da África subsaariana para a Europa se a África continuar pobre. Por outro lado, se os europeus, se a China e se o resto do mundo ajudarem a África a enriquecer, isso pode significar um mercado enorme para o maquinário, os produtos e até o estilo que a Europa produz. E pode significar prosperidade.

O perfil da população mudou, mas a renda não acompanhou -menos gente tem mais, mais gente tem menos.
É lamentável. É uma situação instável ecológica, política, econômica e socialmente. É a receita para o desastre.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Investimento ou poupança?


Diretamente do Valor Econômico de hoje, artigo do Professor Armando Castelar Pinheiro. 

A maior parte das análises sobre o potencial de crescimento do Brasil enfatiza a limitação imposta à expansão da economia pela nossa baixa taxa de investimento. Desde 1995, quando tem início a nova série das contas nacionais do IBGE, em apenas três anos - 1995, 2008 e 2010 - essa taxa superou 18% do PIB. Estima-se que para sustentar um crescimento do PIB da ordem de 5% ao ano é necessário investir algo como 22% do PIB. Isso, mesmo com premissas otimistas sobre a expansão da produtividade total dos fatores.

As consequências do baixo nível de investimento são visíveis: portos, aeroportos e rodovias congestionadas, apagões na rede elétrica, transporte urbano ruim, baixa cobertura da rede de esgotos etc. No setor imobiliário também é óbvia a falta de investimento, estimando-se que alguns milhões de famílias vivem em condições inapropriadas.

Essa carência de investimentos, por sua vez, é em geral atribuída à nossa baixa taxa de poupança: em 1995-2010, de apenas 15,5% do PIB, em média. O argumento básico é que a demanda por investimento no Brasil é alta, dado o grande potencial de crescimento do país, mas ela esbarra em nossa escassa poupança. O resultado é uma taxa de juros elevada e um baixo nível de inversão.

Não há como contestar que a poupança nacional é baixa e que é necessário elevá-la. Sem isso, uma alta do investimento exigiria déficits elevados com o resto do mundo, potencialmente geradores de crises de financiamento externo. Mas será uma alta da poupança também condição suficiente para elevar o investimento, como sugere o argumento acima? Algumas evidências recentes e outras mais antigas sugerem que não.

No Global Competitiveness Report (Relatório de Competitividade Global) de 2011-12, do Fórum Econômico Mundial, por exemplo, só 3,3% dos empresários consultados consideraram as condições de financiamento como o maior obstáculo para fazer negócios no país. Muito mais importantes são a elevada carga tributária (19,3%), a regulação tributária (16,6%) e a má qualidade da infraestrutura (15,1%), para ficar nos principais. Em suma, o problema maior é o ambiente de negócios ruim.

A recém-divulgada pesquisa do Doing Business, do Banco Mundial, confirma o perfil hostil do ambiente de negócios no Brasil. O país ficou na 126ª posição, entre 183 economias pesquisadas, seis colocações abaixo da do ano passado. O Brasil andou para trás em metade dos itens considerados. Vários dos problemas dizem respeito ao número elevado de procedimentos burocráticos e ao tempo necessário para se cumprir as regras administrativas: por exemplo, no Brasil, uma licença para construção leva 469 dias para ser obtida, contra 221 na média da América Latina e 151 na da OCDE.

No quinquênio 2003-07, o Brasil registrou superávits em conta corrente. Portanto, exportou poupança, o que significa que apesar de baixa, esta foi então mais do que suficiente para financiar a demanda por investimento no país. Atualmente o país registra um déficit, mas este poderia ser maior, dada a disposição dos investidores estrangeiros, se houvesse bons projetos a implantar.

O custo de captação via ações no Brasil não é alto, sendo essa uma opção para empresas grandes, e até algumas médias, captarem recursos para investimentos. No último quinquênio, as captações primárias - portanto, recursos novos - na Bovespa somaram 1,5% do PIB, contra basicamente zero na década anterior. Também isso parece ter tido pouco impacto sobre o investimento agregado.

Nos últimos quinze anos aumentou muito a disponibilidade de financiamento a baixo custo pelo BNDES: de 1,0% do PIB em 1995 para 4,6% do PIB em 2010. Neste ano, a TJLP, descontada a inflação, foi zero. O impacto no investimento da alta na oferta e da queda no custo de recursos foi nulo: em 2010, a taxa de investimento (18,4% do PIB) foi igual à de 1995 (18,3% do PIB). Com isso, tudo que se conseguiu foi quintuplicar a razão entre os desembolsos do Banco e a taxa de investimento, de 5% em 1995 para 25% em 2010. Mudou a forma de financiamento, mas não o ritmo de inversão. A reação das empresas à maior disponibilidade de recursos baratos não foi investir.

O ponto que se deseja fazer não é o da irrelevância de medidas para elevar a poupança, em especial a pública, que ao manter-se sistematicamente negativa penaliza todo o resto da economia. Longe disso, o Brasil precisa de medidas que fomentem a poupança e aumentem a eficiência com que essa é intermediada. O que se quer é chamar a atenção para a necessidade de, em paralelo, remover as barreiras que desincentivam o investimento no país.

A falta de políticas voltadas para melhorar o ambiente de negócios e investimento no Brasil é compreensível, mas lastimável. Compreensível, pois é um processo lento, que exige persistência e não dá aos políticos a oportunidade de se promover em eventos de inauguração. Uma lástima, pois é uma agenda positiva, de baixo custo financeiro e com grande potencial distributivo, já que beneficia desproporcionalmente os pequenos empresários.

Crescimento menor com Dilma.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, hoje na FOLHA DE S.PAULO.  

Pretendia hoje refletir sobre a situação na Europa, depois da aprovação do novo pacote de medidas para enfrentar a crise na zona do euro. Estava relativamente otimista, pois as decisões tomadas superaram as expectativas dos analistas. Como sou adepto da teoria de que para enfrentar um problema estrutural que depende de consenso político é preciso fatiá-lo e resolvê-lo ao longo do tempo, estava confiante.

Mas a decisão do primeiro-ministro grego de levar a questão da adesão ao pacote a uma consulta popular voltou a tornar instável o futuro imediato do euro e a pressionar os governos por uma nova rodada de medidas. A ameaça grega recolocou a Itália na berlinda, provocando nova rodada de aumento no risco político associado a seus títulos soberanos de crédito. Por sorte, essa nova rodada de pânico nos mercados acontece quando os governantes do G20 estão reunidos em Cannes para um de seus encontros formais periódicos.

Talvez seja boa oportunidade para chegar a um entendimento para trazer novos recursos, externos à Europa, para aumentar o poder de fogo do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Mas as decisões do G20 e do Parlamento grego só serão conhecidas depois de ter escrito minha coluna.

Por isso, aproveito para tratar de outra questão que tem dominado o debate econômico no Brasil nos últimos dias: o enfraquecimento mais acelerado da economia, principalmente no segmento da indústria. Segundo projeções da equipe de economistas da Quest, ela não vai crescer em 2011. O crescimento do PIB também deve apresentar resultados mais modestos neste ano.

A desaceleração da economia está sendo maior do que eu esperava. E não se pode jogar a culpa na crise externa, pois seus efeitos no Brasil ainda são muito pequenos e contraditórios. Por exemplo, em relação à inflação, o cenário externo tem tido efeitos benignos via preços das commodities. Por isso, alguns fatores internos, menos conhecidos, devem estar afetando nossa economia.

Uma primeira hipótese que venho trabalhando há alguns meses é a de que forças expansionistas temporárias, que atuaram no segundo mandato de Lula, estão perdendo força.

Um exemplo é o crescimento do crédito, que chegou a dois dígitos em 2007/8 e hoje está na faixa de 6,8%. Em 2007, o total de crédito na economia estava muito abaixo dos padrões internacionais; hoje, principalmente no financiamento de bens duráveis, já está em níveis compatíveis ao de economias mais avançadas e vai crescer bem mais lentamente daqui por diante.

Outro exemplo do esgotamento do crescimento do consumo via crédito pode ser encontrado na chamada classe média emergente. Esses brasileiros que, ao longo dos últimos anos, passaram a ter acesso ao crédito via bancos ou grandes varejistas, já enfrentam problemas para honrar seus compromissos, mesmo com os salários crescendo a taxas reais de cerca de 3% ao ano. Como não temos a incorporação de novos membros das classes de renda mais baixa por total falta de qualificação profissional, esse impulso no consumo tende a desaparecer.

Finalmente, a concorrência das importações também joga a favor de um crescimento mais modesto. Nos anos passados, mais importações representaram válvula de escape contra a inflação via maior oferta de bens; hoje, afetam também o crescimento da indústria.

A tabela ao lado mostra os sinais claros de crescimento mais fraco sob Dilma quando comparado com o segundo mandato de seu criador.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...