Antonio
Delfim Netto, hoje no Valor Econômico, escreve sobre o “Novo Banco Central
Europeu.”
A
situação da economia mundial tem todos os ingredientes para continuar se
agravando. As lideranças políticas não parecem ter a inteligência e a coragem
para cortar, de uma vez por todas, o devastador processo de autoestímulos que
realimenta a crescente instabilidade do setor financeiro internacional. Esses
mecanismos de retroalimentação podem ser vistos, muito simplificados, no quadro
abaixo.
A
instabilidade do setor financeiro pode ser medida pela sua consequência mais
visível, a flutuação da volatilidade do mercado acionário, que tem variado
dramaticamente desde a crise de 2008. Depois da liquidação desordenada do Lehman
Brothers - que manchará a história econômica como a maior manifestação de
miopia e mediocridade das autoridades políticas e monetárias americanas e
inglesas -, houve paralisia do crédito interbancário, que voltou a alimentar a
instabilidade. A principal repercussão foi o escrutínio e a revelação que a
Eurolândia escondia graves comportamentos fraudulentos. O contágio europeu
voltou a alimentar a instabilidade, revelada fisicamente na imensa queda das
cotações das ações em todo o mundo.
O
efeito mais importante dessa queda foi a "destruição" do valor das
empresas -que perderam a capacidade de tomar crédito e, no caso dos bancos, de
fornecê-lo diante da necessidade de rápida desalavancagem, o que realimentou a
instabilidade. Estima-se que, só nos EUA, a queda das Bolsas e a liquidação das
hipotecas reduziram em US$ 7 trilhões a riqueza que as famílias supunham ter.
Todas
essas retroalimentações sugerem que o sistema hoje roda sobre si mesmo, devido
à quebra de confiança de cada agente com relação a todos os outros. Ele só
voltará a funcionar quando ela for restabelecida por uma ação decisiva,
inteligente, ampla e coordenada das políticas fiscais, monetárias e cambiais de
todos os países (talvez no G-20), o que parece pouco provável, ainda.
Os
efeitos desse processo sobre a economia brasileira podem ser significativos,
mas são de sinal incerto e de mensuração difícil. Há um efeito direto da
flutuação das bolsas internacionais sobre a Bovespa, que seguramente
"destruiu" valores que a sociedade supunha ter, o que tem algum
efeito sobre o consumo e sobre o investimento. Por outro lado, a instabilidade
do setor financeiro tende a reduzir o crescimento real da economia mundial, e a
paralisia política americana (com uma ajudazinha do Fed) tende a desvalorizar o
dólar medido com relação à cesta de moeda dos países que transacionam com os
EUA.
A
cada desvalorização de 1% do dólar (que valoriza o real), o preço médio das
commodities (CRB) tende a cair 3%, o que ameniza a pressão inflacionária. O
efeito sobre as commodities pode ainda ser ampliado pela redução do crescimento
da China, em consequência do desaquecimento mundial.
As
incertezas são tantas que em apenas uma semana "tudo ficou melhor":
as Bolsas "explodiram" diante da aparente ação "decisiva"
de Merkel e Sarkozy (criação de fundo "virtual" de € 1 trilhão, de
origem ainda desconhecida, e a imposição de corte de 50% da dívida grega junto
aos bancos); na mesma semana; "tudo ficou pior": as Bolsas
"desabaram", quando o primeiro-ministro grego Papandreou, assustado
com a reação interna, sugeriu uma "consulta popular", que foi
rejeitada. Tem razão Shakespeare, quando nos adverte que a vida é uma viagem
perigosa!
Viagem
perigosa é a que iniciou, em 1º de novembro, o excelente economista e
administrador experimentado, Mario Draghi. Navegador de mar grosso, aos 63
anos é o novo presidente do Banco Central Europeu. Foi diretor do Banco Mundial
durante seis anos. Tornou-se famoso nos anos 90, quando salvou a Itália do
"default" como ministro do Tesouro, com duro programa de corte das
despesas públicas. Fez ampla privatização e desvalorizou a lira para prepará-la
para a entrada no euro. Conquistou, com isso, o título de
"Super-Mario". Em 2002, foi contratado pela Goldman Sachs como
vice-presidente e diretor-executivo, onde ficou até 2005. Assumiu, então, a
presidência da Banca d´Italia. É, provavelmente, o economista italiano de
maior reputação do mundo.
Draghi
não é classificável facilmente. Foi formado por Federico Caffé, renomado e
sofisticado keynesiano que desapareceu misteriosamente em 1987. Sob a
orientação do célebre Franco Modigliani (Nobel, 1985), foi o primeiro
economista italiano a obter um Ph.D. no MIT, onde completou a formação iniciada
na Escola Jesuíta de Roma, o que diz alguma coisa.
A
definição de quem o conhece bem é a de que "se trata de um economista
eclético, com forte formação analítica, pragmática e experimentado no trato
político". Com Draghi, o BCE será, certamente, mais arejado do que foi com
o sisudo Jean-Claude Trichet. Nele vai ter que internalizar a ideia que o euro
não é a moeda alemã. É da Eurolândia e tem de servir aos interesses de todos os
seus membros. Já começou bem, baixando os juros...
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