ILDO SAUER é professor titular do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO de hoje.
O projeto original da usina de Belo
Monte foi concebido no governo militar, como parte da estratégia
desenvolvimentista de industrialização brasileira, que, na Amazônia, voltava-se
para a produção de commodities para exportação, especialmente o alumínio, a
exemplo de Tucuruí.
Foram previstas sete barragens no rio
Xingu, que gerariam 19.000 megawatts (MW), com o alagamento de mais de 18.000
km², atingindo 12 terras indígenas e grupos isolados da região.
Os estudos, aprovados na década de 1980,
foram alvo de forte reação dos indígenas e demais povos da região. A reação
social ao projeto, combinada com crise econômica das décadas perdidas (1980 e
1990), levou o projeto à hibernação, até ser ressuscitado pelo governo Lula.
Sua ressurreição, já como Belo Monte, em
formato revisado -com redução do alagamento e da potência-, guarda forte
vínculo com a incúria e deficiente implementação do plano energético proposto
por Lula.
O plano previa a retomada do
planejamento, compreendendo, de um lado, a previsão da demanda de energia de
curto, médio e longo prazos, e, de outro, o estudo atualizado de todos os
recursos de oferta disponíveis.
Em 2003, o país tinha um potencial
hidráulico de 188.000 MW; eólico, de 143.000 MW (com torres de 50 m, duplicável
com torres de 100 m); de cogeração com biomassa e gás natural, de 25.000 MW.
Tudo isso fora as possibilidades de racionalização do uso e de modernização das
usinas antigas.
Havia ainda uma sobra de 7.000 MW após o
racionamento de 2001.
O quadro era propício para estudar os
recursos, ordenando os projetos por mérito técnico-econômico, social e
ambiental. Era possível institucionalizar um processo decisório submetido a
controle público, de forma a organizar a sequência das usinas a serem
construídas, descartando aquelas problemáticas. Isso não foi feito.
Com a retomada do crescimento econômico
e o fim das sobras, o governo começou a fazer leilões para aquisição de nova
capacidade.
O país contratou energia de usinas a
carvão, óleo e gás natural, opções inadequadas por seus elevados custos.
A avalanche de críticas teve como
resposta a corrida improvisada a projetos existentes: Santo Antônio e Jirau
(rio Madeira), herdadas do governo FHC, e Belo Monte, do governo militar.
Com planejamento, essas usinas teriam
dado lugar a projetos com melhores atributos sociais e ambientais. O
autoritarismo e a truculência com povos indígenas e populações locais teriam
dado lugar a processo decisório, que poderia conduzir à viabilização ou ao
abandono dos projetos, com ganhos civilizatórios e redução de custos e riscos
para o país.
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