Economistas e ex-integrantes do governo FHC debateram no seminário “Transição Incompleta e Dilemas da (Macro)Economia Brasileira”. Hoje no ESTADÃO.
A crise internacional evidenciou o fato de que a política de bem estar social, adotada pelos países europeus e almejada pelo Brasil, chegou ao seu limite. O ônus de oferecer serviços de educação, saúde, transporte e segurança apostando em um Estado capaz de socializar perdas e acomodar conquistas é o elevado nível de endividamento público.
Esse é o consenso a que chegaram economistas e ex-integrantes do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que participaram nesta quinta-feira, 25, do seminário Transição Incompleta e Dilemas da (Macro)Economia Brasileira, realizado na capital paulista pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) e BM&FBovespa.
Para o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, a crise do mundo desenvolvido levou a um processo de reavaliação dessa política, cuja implementação vem sendo desejada há décadas pelos países emergentes. "Hoje estamos em um processo de recente reavaliação. Os países estão ou fora das possibilidades dos gastos do setor público ou fora do limite que a população, pelo menos a que paga impostos, aceita como necessário ou razoável para prover os serviços esperados", afirmou.
Na avaliação de Malan, o Brasil, que tomou esse modelo como referência, precisa discutir os impactos dessa política sobre as contas públicas. Isso porque as tentativas de elevar impostos de forma continuada, conforme fizeram os países europeus, afetam negativamente o investimento e o crescimento econômico, destacou Malan. "O País hoje tem a mais alta proporção de gasto público em relação ao PIB comparada a qualquer país em desenvolvimento, mais alta que muitos países desenvolvidos. O Brasil também tem hoje a mais alta carga tributária entre todos os países em desenvolvimento, também mais alta que muitos países desenvolvidos. Essa discussão engatinha entre nós, mas precisa ser aprofundada", disse.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o Brasil vive um momento em que precisa de ideias novas e deve retomar a agenda de reformas estruturais. Isso, na avaliação dele, é o que pode garantir o crescimento econômico a médio e longo prazo. Questionado se concorda com a avaliação de Malan, de que o modelo de bem estar social está se esgotando, o ex-presidente concordou, mas ponderou que ninguém pode pensar o Brasil sem uma política social ativa. "Malan está dizendo que temos que tomar cuidado porque lá na Europa chegou-se a um momento em que ‘desbalançou’. Veja o que aconteceu na Espanha, com déficit público elevadíssimo. Isso pode chegar aqui, se nós não tivermos cuidado", afirmou. "Se quisermos preservar a possibilidade de ter uma política social ativa, temos que olhar para isso."
FHC ressaltou que o Brasil não está imune à crise. "Tudo que está acontecendo de positivo agora pode se perder se não nos preparamos para o que vai acontecer pelo mundo", afirmou. "Todos aqui concordam que a crise global que nós estamos vivendo é grande. Ela começou em 2008 e continua, e a ideia de que o Brasil é uma ilha isolada que não pode ser alcançada está equivocada. Temos de ter já uma previsão do futuro, e isso implica em retomar uma agenda de reformas."
O economista Andre Lara Resende, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, criticou a adoção da política clássica keynesiana desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que permaneceu com a presidente Dilma Rousseff. Na avaliação dele, o Brasil perdeu a oportunidade de implementar políticas econômicas que pudessem levar à redução da taxa de juros e a um maior crescimento econômico. Segundo ele, isso é fruto de um processo de transição e estabilização econômica inacabados. "A inflação foi resolvida, mas ela é apenas um sintoma. A raiz do problema é a incompatibilidade de ações. E as pressões na economia brasileira são as mesmas de sempre", disse, em referência ao excesso de gasto público, que tem como consequência uma alta na inflação e, por conseguinte, a necessidade de uma taxa de juros elevada.
Sobre essa questão, Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio da Rio Bravo Investimentos, foi enfático. "A dívida de hoje são os impostos de amanhã", afirmou, citando que o custo anual da rolagem da dívida brasileira corresponde a 17% do PIB. Para Franco, os problemas que têm levado à crise nas economias centrais não estão muito distantes do País. Ele pôs em dúvida a capacidade de o governo federal entregar o prometido corte de gastos destinado a amenizar os impactos da crise na economia, e, ao mesmo tempo, manter a base de apoio unida no Congresso. "Estamos perdendo uma grande oportunidade de cumprir uma agenda que traria a taxa de juros para patamares normais", alertou.