Hoje, na FOLHA DE S. PAULO, Samuel Pessoa, discorre sobre a queda na taxa de juros.
Desde
agosto de 2011 a taxa básica de juros reduziu-se em 5,25 pontos percentuais. A
queda para valores próximos aos praticados nas demais economias representa o último
passo que falta para que a estabilização macroeconômica da economia, iniciada
com o Plano Real, em 1994, se complete.
A
questão que se apresenta é sabermos os motivos que motivaram essa queda e, a
partir desse diagnóstico, investigar se a queda será perene ou se será
revertida à frente. Minha avaliação é que a queda da taxa básica de juros desde
agosto de 2011, apesar de ser fato auspicioso e longamente esperado por todos,
é sintoma de perda de produtividade e dinamismo da economia.
Se
as condições que produziram a perda de dinamismo persistirem, a queda terá sido
perene. Caso contrário, poderá haver em algum momento forte ciclo de alta de
juros.
Intuitivamente
associamos juros básicos elevados às situações de risco e de desempenho ruim da
economia. O motivo é que durante muitas décadas a taxa de juros era instrumento
utilizado para estabilizar o setor externo da economia.
Explico-me:
o país tinha uma grande dívida externa e apresentava dificuldade para financiar
a rolagem dessa dívida. Os investidores previam que, por conta dessa
dificuldade, haveria uma forte desvalorização do câmbio, que faria com que sua
riqueza aplicada no Brasil, medida em dólar, se desvalorizasse muito.
Respondiam, portanto, tentando retirar sua riqueza do país.
Para
contrabalançar, os juros domésticos elevavam-se para compensar os investidores
pelo risco percebido de desvalorização e, portanto, "convencê-los" a
não transferir seus recursos para fora do país.
Ou
seja, mesmo em momentos em que a inflação não estava em elevação, os juros
podiam subir. Esse mecanismo foi claríssimo no primeiro mandato de FHC antes da
alteração do regime cambial, em razão dos diversos choques externos
experimentados pela economia. Minha avaliação é que, desde 2004, quando o
regime de política econômica implantado no segundo mandato de FHC consolidou-se
no primeiro mandato de Lula, a taxa de juros deixou de oscilar em razão dos
riscos percebidos de perda patrimonial e passou a responder aos excessos de
demanda sobre a oferta da economia.
Na
linguagem da profissão, diz-se que desde 2004 a taxa de juros passou a
responder aos fundamentos do mercado de bens e serviços.
Por
que motivo o juro real foi tão elevado entre 2004 e 2010? Minha resposta é que
esse foi um período em que a demanda agregada -a soma de consumo e
investimento- cresceu a taxas superiores à taxa de crescimento do produto,
gerando uma situação de permanente excesso de demanda que pressionava preços e
mantinha a inflação permanentemente elevada, o que requeria a subida dos juros
para esfriar a economia e combater a inflação.
Se é
verdade que esse foi um período de forte avanço do consumo (de 2004 a 2010 o
consumo cresceu 5,5% ao ano para uma expansão do produto de 4,3%), a alta do
investimento no mesmo período, de 8,7%, foi ainda maior. No período mais
recente, de 2010 até 2012, o avanço do consumo continuou sendo superior ao
crescimento do produto, mas expansão do investimento ficou abaixo: 4,6% ante
4,4% anuais.
Assim
o fraco crescimento do investimento, aquém do produto, contribuindo para reduzir
a demanda, explica a redução dos juros domésticos desde agosto de 2011.
Esse
processo de juros em baixa deve persistir por mais uns trimestres: a projeção
no Ibre-FGV é que o investimento continue crescendo aquém da produção ao menos
no quarto trimestre de 2014, quando deve registrar o sexto trimestre seguido
com crescimento negativo.
A
questão é: os juros subirão se e quando o investimento voltar a crescer
fortemente? Há duas possibilidades para que não ocorra a subida dos juros.
A
primeira é que, com o retorno do investimento, a poupança doméstica cresça na
mesma medida, de forma a não ser necessário recorrer à elevação da poupança
externa para financiar a elevação do investimento.
A
segunda é que a política econômica aceite uma elevação da absorção de poupança
externa e, consequentemente, uma valorização do câmbio, quando o investimento
retornar. Isso terá consequências não triviais para a indústria.