domingo, 20 de novembro de 2011

O fracasso é bom.


PAUL KRUGMAN, ontem na FOLHA DE S. PAULO e a economia americana. 

É um pássaro! É um avião! É uma porcaria! É o supercomitê!

Até a próxima quarta, o chamado supercomitê, um grupo bipartidário de legisladores, tem de chegar a um acordo sobre como reduzir deficit futuros. Mas não vai conseguir cumprir esse prazo final.

Se essa notícia o deprime, anime-se: nesse caso, o fracasso é bom.

Por que o supercomitê está fadado a fracassar? Principalmente porque o abismo entre nossos dois principais partidos é enorme. Republicanos e democratas não têm só prioridades diferentes -habitam mundos intelectuais e morais distintos.

No mundo democrata, o alto é alto e o baixo é baixo. Elevar impostos aumenta a receita, e reduzir os gastos com a economia ainda deprimida reduz o emprego. No mundo republicano, o baixo é alto. Para elevar a receita, o jeito é cortar os impostos das empresas e dos ricos, e reduzir os gastos do governo é uma estratégia de geração de empregos.

Ademais, os dois partidos têm visões nitidamente diferentes sobre o que constitui justiça econômica.

Os democratas veem os programas de seguridade social como algo que satisfaz o imperativo moral de segurança básica aos nossos concidadãos e ajuda aos necessitados.

Os republicanos podem expressar a visão democrata em público, mas reservadamente veem o Estado de bem-estar social como imoral, uma questão de forçar cidadãos, sob a mira de armas, a entregar seu dinheiro a outras pessoas.

Assim, o supercomitê reuniu legisladores que discordam por completo. Por que alguém achou que isso poderia funcionar?

Talvez a ideia seja que os partidos chegarão a um meio-termo por medo do preço político de parecerem intransigentes. Mas isso só aconteceria se a imprensa estivesse disposta a mostrar quem se nega a fazer concessões. E ela não o faz.

Para começo de conversa, a história nos diz que o Partido Republicano renegaria seu lado de qualquer acordo assim que tivesse a chance.

As perspectivas fiscais dos EUA estavam bastante boas em 2000, mas, assim que os republicanos assumiram a Casa Branca, desperdiçaram o superavit com reduções dos impostos e guerras não financiadas. Assim, qualquer acordo agora seria, na prática, nada mais que cortes na Previdência e no Medicare sem melhora duradoura do deficit.

Outra coisa: qualquer acordo fechado agora quase certamente agravaria a recessão. Reduzir os gastos com a economia deprimida destrói empregos e provavelmente é contraproducente até em termos de redução do deficit, já que leva a receitas mais baixas agora e no futuro. E projeções como as do Fed sugerem que a economia continuará deprimida até pelo menos 2014.

É verdade que, com o tempo, teremos que equiparar gastos com receita. Mas a decisão sobre como fazer isso não é contábil. Diz respeito a valores fundamentais -e deve ser tomada pelos eleitores, não por algum comitê que supostamente transcende divisões entre partidos.

Com o tempo, um lado ou outro receberá o mandato popular de que precisa para resolver os problemas orçamentários de longo prazo. Enquanto isso não ocorrer, as tentativas de um Grande Acordo são fundamentalmente destrutivas. Se o supercomitê fracassar, como se prevê, será um momento para festejar.

Belo Monte: Sim ou Não?


ILDO SAUER é professor titular do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO de hoje. 

O projeto original da usina de Belo Monte foi concebido no governo militar, como parte da estratégia desenvolvimentista de industrialização brasileira, que, na Amazônia, voltava-se para a produção de commodities para exportação, especialmente o alumínio, a exemplo de Tucuruí.

Foram previstas sete barragens no rio Xingu, que gerariam 19.000 megawatts (MW), com o alagamento de mais de 18.000 km², atingindo 12 terras indígenas e grupos isolados da região.

Os estudos, aprovados na década de 1980, foram alvo de forte reação dos indígenas e demais povos da região. A reação social ao projeto, combinada com crise econômica das décadas perdidas (1980 e 1990), levou o projeto à hibernação, até ser ressuscitado pelo governo Lula.

Sua ressurreição, já como Belo Monte, em formato revisado -com redução do alagamento e da potência-, guarda forte vínculo com a incúria e deficiente implementação do plano energético proposto por Lula.

O plano previa a retomada do planejamento, compreendendo, de um lado, a previsão da demanda de energia de curto, médio e longo prazos, e, de outro, o estudo atualizado de todos os recursos de oferta disponíveis.

Em 2003, o país tinha um potencial hidráulico de 188.000 MW; eólico, de 143.000 MW (com torres de 50 m, duplicável com torres de 100 m); de cogeração com biomassa e gás natural, de 25.000 MW. Tudo isso fora as possibilidades de racionalização do uso e de modernização das usinas antigas.

Havia ainda uma sobra de 7.000 MW após o racionamento de 2001.

O quadro era propício para estudar os recursos, ordenando os projetos por mérito técnico-econômico, social e ambiental. Era possível institucionalizar um processo decisório submetido a controle público, de forma a organizar a sequência das usinas a serem construídas, descartando aquelas problemáticas. Isso não foi feito.

Com a retomada do crescimento econômico e o fim das sobras, o governo começou a fazer leilões para aquisição de nova capacidade.

O país contratou energia de usinas a carvão, óleo e gás natural, opções inadequadas por seus elevados custos.

A avalanche de críticas teve como resposta a corrida improvisada a projetos existentes: Santo Antônio e Jirau (rio Madeira), herdadas do governo FHC, e Belo Monte, do governo militar.

Com planejamento, essas usinas teriam dado lugar a projetos com melhores atributos sociais e ambientais. O autoritarismo e a truculência com povos indígenas e populações locais teriam dado lugar a processo decisório, que poderia conduzir à viabilização ou ao abandono dos projetos, com ganhos civilizatórios e redução de custos e riscos para o país.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Brasil: BBB


O diretor de rating soberano da Standard & Poors, Sebastian Briozzo, afirmou à Agência Estado que a administração austera das contas públicas pelo governo federal foi fundamental para que a agência elevasse o rating soberano do Brasil de BBB- para BBB, com perspectiva estável. "Precisamos de algum tempo para avaliar o desempenho da economia pela administração da presidente Dilma Rousseff e comprovamos que vários indicadores, especialmente os fiscais, apresentaram um desempenho positivo", destacou.
Ele referiu-se à decisão do governo de cumprir um superávit primário cheio de R$ 117,89 bilhões neste ano. No dia 29 de agosto, quando a crise internacional ingressava no seu estágio mais grave neste ano, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que esse resultado foi aumentado para R$ 127,89 bilhões.
De acordo com Briozzo, as manifestações do governo, por parte de várias autoridades, como Mantega, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e pelo secretário-executivo da Fazenda, Nelson Barbosa, de que o superávit primário cheio é a meta também para 2012, 2013 e 2014 foi outro elemento essencial para a elevação do rating do País. "O compromisso fiscal de médio e longo prazo também são fatores importantes para a nossa decisão", destacou. "A questão fiscal é um elemento decisivo que permite o Banco Central de dar continuidade ao processo de queda dos juros", destacou.
Briozzo que a condução das contas públicas no Brasil é um dos diferenciais do País em relação a outras nações. "A condução da política econômica com suas principais ferramentas, como a gestão fiscal sólida, foi um dos fatores que permitiram a alta do rating do Brasil, num contexto mundial onde outros países tiveram suas notas reduzidas, como os EUA", destacou.
A evolução das contas públicas do Brasil ganha uma avaliação positiva de várias instituições internacionais, como o FMI, o que dá respaldo à avaliação da S&P sobre o País. De acordo com o Monitor Fiscal do Fundo, a dívida pública bruta brasileira deve atingir neste ano 65,0% do PIB, enquanto deve baixar gradualmente pelo menos um ponto porcentual do produto interno bruto por ano até 2016, quando deve atingir 57,2% do PIB. No caso de várias outras nações, o FMI prevê um desempenho bem menos alvissareiro desse passivo no mesmo período. Nos EUA, a dívida bruta deve saltar de 100% do PIB neste ano para 115,4% em 2016, no Japão deve avançar de 233,1% do PIB para 253,4%, enquanto, na Alemanha, deve variar de 82,6% do PIB para 75,0%. De acordo com o FMI, este passivo do Reino Unido deve variar de 80,8% para 80,4% do PIB, enquanto que na França deve subir de 86,8% para 87,7%, no caso da Grécia, oscilar de 165,6% para 162,8%, variar na Itália de 121,1% para 114,1% e subir em Portugal de 106,0% para 110,5% do PIB.
Para as principais agências internacionais de rating, como a S&P, Moody's e Fitch, a evolução do endividamento público é um dos principais indicadores de capacidade de pagamento o passivo mobiliário, o que é muito relevante para os credores de títulos soberanos. Quanto melhor a capacidade de um país honrar seus passivos, inclusive externos, melhora a confiança de investidores sobre aqueles papéis, o que tende a reduzir os juros cobrados por eles.
Segundo Sebastian Briozzo, os bons resultados das contas externas do Brasil também foram fundamentais para que a Standard & Poor's elevasse o rating do País. Um dos fatores que ele se referiu foi a evolução das reservas internacionais, que subiram de US$ 205 bilhões em agosto de 2008 para US$ 351,6 bilhões, registrada ontem pelo BC. "O País aproveitou muito bem a conjuntura internacional, apesar de ter sido marcada por turbulências nos últimos anos, para melhorar seus indicadores externos", disse.
Briozzo disse também que a decisão do Banco Central, defendida pelo presidente da instituição, Alexandre Tombini, de ter adotado uma inflexão da política monetária no dia 31 de agosto foi outro fator fundamental que colaborou na elevação do rating do País. "A decisão do BC naquele momento, que contou com o auxílio da política fiscal austera, deu condições para Brasil mitigar os efeitos da crise internacional sobre a sua economia", destacou.
De janeiro a julho, o Copom elevou a Selic em 1,75 ponto porcentual, mas, no último dia de agosto, decidiu adotar um ciclo de cortes "moderados" da taxa, quando reduziu o juro básico em 0,50 ponto porcentual. O presidente do BC destacou que a piora da crise internacional, sobretudo na Europa, fez com que o BC agisse de forma preventiva, pois "é dever do Banco Central atuar de forma proativa visando a mitigar potenciais riscos, principalmente quando eles não são perceptíveis ou mesmo não são aceitos pela maioria dos agentes participantes do mercado", afirmou no dia 31 de outubro, em evento realizado pela Associação Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI) em São Paulo.
"E a sólida gestão das contas públicas pelo governo vai permitir a manutenção do processo de queda de juros, o que colabora para a continuidade das perspectivas favoráveis de crescimento do País", destacou Briozzo.

Olhando para o Brasil.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, hoje na Folha de S. Paulo, comenta sobre “Um novo crescimento virá certamente de estímulos ao crédito, tanto via bancos privados como públicos.”

Vou deixar de lado a crise europeia -cada vez pior e mais difícil de ser resolvida- e voltar minha atenção para a economia brasileira neste final de ano. Os sinais de desaceleração são cada vez mais evidentes, como mostra a estimativa do PIB mensal para setembro divulgada ontem pelo Banco Central.

Nas estimativas da equipe da Quest Investimentos, entre julho e setembro deste ano a economia contraiu-se à taxa de 0,1% em relação ao trimestre anterior e cresceu à taxa de apenas 2,2% em relação ao terceiro trimestre de 2010.

Com esses números, a Quest prevê crescimento de 2,8% para o ano fechado de 2011. Para 2012, as projeções apontam para crescimento da ordem de 3,2% a 3,5%, pouco acima da média histórica de 3,1% dos últimos 20 anos, mas inferior à dos últimos dez anos, de 3,6%.

Esses números são bem mais modestos do que as taxas de expansão entre 2004 e 2008, quando o Brasil cresceu à taxa média de 4,8% ao ano. Mas a presidente Dilma precisa entender que repetir o crescimento desse período de ouro do governo Lula será missão impossível no seu mandato por motivos objetivos que listo a seguir.

No final do primeiro mandato de Lula e nos dois primeiros anos do segundo, antes de a crise financeira nos EUA chegar ao Brasil, a economia brasileira crescia a taxas elevadas, influenciada por várias forças temporárias, criadas a partir da conversão de Lula à política econômica de seu antecessor, em 2003.

Quando o mercado entendeu que não haveria mudança de rumo na economia, o real recuperou seu valor anterior às eleições de 2002, provocando deflação importante no segmento de preços influenciados pelo câmbio. Isso permitiu ao Banco Central reduzir os juros elevadíssimos de então e estimular o consumo das famílias e o investimento privado via crescimento do crédito a taxas que chegaram a 30% ao ano.

Essas forças de expansão foram reforçadas a partir de 2004 com a política de ganhos reais elevados na fixação do salário mínimo. A massa salarial passou a crescer a taxas de mais de 6% ao ano pelo aumento do emprego e dos salários.

Alavancados pela expansão do crédito, os consumidores foram às compras, principalmente de bens duráveis, fazendo com que as vendas no varejo crescessem a taxas de dois dígitos altos. Com isso, o crescimento do PIB nos anos seguintes conseguiu superar largamente os 3% ao ano que parecia ser o limite a que estávamos condenados.

Mas essas forças que ajudaram o presidente Lula a romper limites históricos passaram a perder intensidade no final de seu mandato. E o governo Dilma, sem o auxilio delas, está enfrentando os mesmos limites que prevalecem há muitos anos na economia brasileira.

O principal deles continua sendo as baixas taxas de investimento -públicos e privados-, que são insuficientes para permitir um crescimento econômico mais vigoroso. No período Lula, essa limitação foi em parte contornada pela existência de capacidade ociosa em setores-chave da economia, inclusive no mercado de trabalho.

Hoje, vivemos uma situação oposta, com grandes gargalos que impedem um nível de atividade maior ou, ao estimular as importações devido aos custos crescentes no setor produtivo, desviam demanda interna para o exterior.

Para superar essas limitações, o governo teria de adotar uma agenda diversa da estabelecida por Lula ao longo de seu mandato e mantida quase intocada por Dilma. Entre seus pontos principais estariam a redução expressiva dos gastos de consumo e de transferências de natureza social do governo, abrindo espaço para o aumento dos investimentos, e a implementação de uma agressiva política de transferência da operação de serviços públicos para o setor privado.

Mas não parece ser esse o caminho a ser trilhado pelo governo, e a tentativa de acelerar novamente o crescimento virá certamente de estímulos ao crédito, tanto via bancos privados como públicos, bem como pela expansão de gastos correntes no Orçamento. Mas como os obstáculos para que isso possa ocorrer são estruturais, o resultado final desse esforço será muito limitado. 

O que aconteceu com Silvio?


Moisés Naím, hoje na Folha de S. Paulo, comenta que “A queda de Berlusconi é mais uma manifestação do choque entre o dinheiro global e a política local.”

As elites não se revoltaram, e o povo não saiu às ruas. O que pôs fim aos anos de Silvio Berlusconi como o homem mais poderoso da Itália foi o aumento vertiginoso do "spread" nas taxas de juros entre os títulos de dívida italianos e alemães. Se esse "spread" tivesse se mantido em menos de 5%, Il Cavaliere ainda estaria no poder hoje.

A queda de Berlusconi é mais uma manifestação do choque entre o dinheiro global e a política local. George Papandreou, na Grécia, é outra. A mistura das restrições da política local com as exigências do dinheiro global cria um misto tóxico cujas efusões derrubam governos e moldam a economia global. Administrar essa tensão é um dos maiores desafios de nossa época.

"Toda política é local" é um truísmo antigo popularizado pelo falecido congressista americano Tip O'Neill. Entender os problemas locais, até mesmo pessoais, e prometer soluções para eles é muito mais crucial para o êxito político que arquitetar iniciativas para fazer frente a ameaças globais.

Se a política é local, o dinheiro está mais global que nunca. Hoje o mercado global de divisas é oito vezes maior do que era 20 anos atrás. No ano passado, o volume diário de divisas negociadas foi 220% mais alto que o de 2001, e 65% das transações foram internacionais, ante 54% em 1998. O número de empresas estrangeiras na Bolsa de Nova York dobrou em dez anos.

Enquanto isso, a mão de obra é quase imóvel. Apenas 3% da humanidade se desloca para outro país.

Dinheiro que circula à velocidade da luz, comércio que se move à velocidade dos contêineres de carga, governos que se movem à velocidade da política e mão de obra que não se move: isso é a Europa hoje, cambaleando sob efeito da poção das bruxas.

Não temos antídoto para esse coquetel tóxico. Proteger as economias dos caprichos do dinheiro global soa tentador, e alguma coisa precisa ser feita para mitigar esses caprichos. Mas é difícil, custa caro e facilmente conduz a decisões que acabam por agravar o problema.

Controles governamentais primitivos que fomentam a corrupção sem proteger realmente a economia constituem um resultado comum dos esforços para coibir os riscos do dinheiro global.

"Globalizar" a política local também é um projeto que é tão atraente quanto é difícil. Sem dúvida, os políticos devem aumentar a consciência das pessoas de que o que acontece fora do país afeta o que acontece em suas casas. Na Europa, essa tarefa agora está mais fácil. Lamentavelmente, para milhões de pessoas esta crise virou um cursinho rápido e doloroso sobre as conexões velozes e diretas entre o "lá fora" e o "aqui".

A despeito de todos esses problemas, não há escolha: precisamos sintonizar a política local com os imperativos globais e fazer com que as finanças globais reajam mais rapidamente às necessidades locais.

Tenho consciência de que isso é algo que é mais fácil dizer do que fazer e que pode soar ingenuidade fazer a sugestão. Mas seria ainda mais ingênuo desprezar a necessidade urgente de encontrar maneiras para diminuir a distância entre política local e dinheiro global. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Divisão do Pará e um novo modelo para a Amazônia


Neste momento eleitoral que vive o estado do Pará, editorial de hoje do VALOR ECONÔMICO veio no momento exato para uma boa reflexão.  

Os 4,8 milhões de eleitores do Pará estão sendo convocados a responder, em plebiscito marcado para 11 de dezembro, se o Estado deve ser dividido em três unidades federativas, em duas ou ficar como está, um gigante com 1,2 milhão de quilômetros quadrados, rico em recursos naturais (tem a maior jazida de ferro do planeta), mas apenas 1,4% de participação no Produto Interno Bruto (PIB), com indicadores sociais sofríveis e palco de violenta disputa pela posse e uso da terra.

Trata-se de oportunidade única para discutir não apenas a divisão administrativa do Pará mas também o modelo de desenvolvimento que o país quer para a Amazônia, ainda hoje assentado em bases lançadas na época do "Milagre Econômico", nos anos 1970, fincadas na teia de estradas rasgadas na selva, na pata do boi e no avanço desordenado de frentes econômicas.

Pesquisa Datafolha realizada no início da abertura da campanha no rádio e na televisão revela que 58% dos paraenses são favoráveis à manutenção do status quo. Os emancipacionistas apostam na propaganda para tentar reverter o quadro. Difícil, quando se considera que 60% do eleitorado a se manifestar no plebiscito está concentrado na região de Belém e adjacências, sede do governo contra a qual se voltam as províncias distantes e queixosas do abandono oficial.

Na hipótese de a maioria votar pela divisão, o Pará remanescente ficará com apenas 17% do atual território - e a grande maioria da população.

Na região Sul será criado o Estado de Carajás, com 35% do território, 39 municípios, uma população estimada em 1,6 milhão de habitantes, as imensas jazidas de minérios da Serra dos Carajás. O município de Marabá será a capital da nova unidade federativa.

A outra nova unidade será o Estado do Tapajós, com 58% da área do atual Pará, 27 municípios, a cidade Santarém, situada no encontro das águas dos rios Amazonas e Tapajós, como capital, e densidade demográfica rarefeita - a população estimada é de cerca de 1,2 milhão de habitantes para uma área de 718 mil quilômetros quadrados.

"O surgimento de três unidades federativas onde atualmente há apenas uma deverá reproduzir os problemas e queixas, em vez de resolvê-las", escreveu o jornalista Lúcio Flávio Pinto no "Jornal Pessoal", publicado em Belém, um fórum de excelência sobre a divisão que elevou de patamar o debate sobre o plebiscito.

"O que acarreta as distorções não é o excesso de terra a ser jurisdicionada pelo governo local ou a insuficiência de gente para melhorar a relação habitante/quilômetro quadrado, que asseguraria a soberania nacional sobre a fronteira, mas o "modelo" de ocupação", diz Lúcio Flavio, jornalista de larga vivência e estudos sobre a Amazônia.

De fato, é de se perguntar se o Tapajós, com população rarefeita, não terá tantos problemas quanto Belém para dar atenção a províncias longínquas. Será uma sombra da Vale e o modelo a ser replicado no Tapajós, região onde ainda é possível uma correção no curso impresso nos anos 70?

O custo de criação de duas novas unidades federativas também deve ser considerado.

Segundo estudo do Ipea coordenado pelo professor Rogério Boueri, o custo fixo para a manutenção de um novo Estado é de R$ 832 milhões ao ano, a preços de 2008. Boueri detectou também que esse custo de manutenção, expresso pelo gasto público estadual, cresce com a população e com a produção econômica da unidade - cada habitante acresce R$ 564,69 ao gasto estadual e cada real de produção eleva esse gasto em 7,5 centavos de real.

A criação de dois novos Estados significará a eleição de seis novos senadores da Amazônia e de 13 novos deputados federais para a Câmara (o Pará, que atualmente tem uma representação de 17 deputados ficaria com 14). Aumenta, portanto, o desequilíbrio da representação legislativa federal. Em cada um dos novos Estados será criada uma Assembleia Legislativa. Alguém terá de pagar essa conta, ao final.

Os paraenses, sem dúvida, são soberanos para decidir o que fazer com o Estado, mas essa é uma discussão que definitivamente diz respeito a todo o país. E não é apenas pela fatura, que será paga por todos, mas também pelo destino de uma região cuja sorte sempre foi escrita por mãos de outras paragens.

Moderação.


ANTONIO DELFIM NETTO, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre “Moderação”.

A dramática situação econômica da Eurolândia está produzindo efeitos políticos surpreendentes. De um lado, a queda em cascata dos poderes incumbentes. Todos são culpados por terem ficado inertes diante dos desarranjos fiscais que se praticavam. De outro, traz mais uma vez a demanda secular de "substituir o capitalismo", como se este não fosse sempre diferente devido ao seu dinamismo interno.

A oposição "oportunista" e os "indignados" tentam trazer de volta sugestões de cérebros que "inventaram" outros mecanismos de organização social. Os mesmos que rechearam de tragédias o século 20.

Para que o sistema de economia de mercado (que é compatível com a liberdade individual) funcione adequadamente, ele precisa de um Estado constitucionalmente limitado que: 1º) seja fiscalmente responsável; 2º) tenha poder para mitigar os seus defeitos (a flutuação que lhe é incitada e a redução das desigualdades que ele produz); 3º) seja capaz de controlar o sistema financeiro. Deixado a si mesmo, este tem a tendência de servir-se do setor real e de controlar o poder incumbente, pondo em risco, ao mesmo tempo, o "mercado" e a "urna".

É preciso reconhecer que o "mercado", como instrumento alocativo eficiente, não encontrou, ainda, nenhum substituto, como mostram o fracasso soviético e o sucesso chinês, e que o seu bom funcionamento não depende do irrestrito movimento internacional de capitais e, muito menos, de mistificações "científicas" de "inovações" financeiras.

Pelo contrário, a história mostra que um de seus defeitos (a flutuação do emprego), produzido, em parte, pelo próprio comportamento humano, é ampliado quando o sistema financeiro não é submetido a um permanente controle.

A tragédia da Eurolândia revela com clareza que o jogo dialético (apoiado no sufrágio universal) entre o "mercado" e a "urna" -que, no longo prazo, tem levado ao processo civilizatório que combina a liberdade de iniciativa com o aumento da eficiência produtiva e a construção de uma sociedade mais "justa"- não é uma linha reta: pode sofrer graves e custosos desvios.

O fato, porém, é que não há sistema que resista à irresponsabilidade fiscal. Quando ela leva as lideranças políticas à completa predominância do curto prazo sobre o longo, para aproveitarem-se de passageiras situações econômicas favoráveis que lhes permitam permanecer no poder, o "mercado" (isto é, a realidade fática) acaba cobrando seu preço.

O Brasil pagou esse preço no passado. É por isso que a presidente deve ser fortemente apoiada quando corta na carne do Executivo e pede moderação aos poderes Legislativo e Judiciário e aos sindicatos. Ela está certa: nunca a solidez fiscal foi tão necessária para proteger-nos da crise.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

15.11.2011



Feriado é dia de ler o Diário do Nordeste e ver mais um show do sensacional Sinfrônio. 

Pará dividido.


Lúcido editorial da FOLHA DE S. PAULO de hoje, comenta sobre o plebiscito de 11 de dezembro aqui no estado do Pará. Trata-se de  assunto que deve ser objeto de profunda reflexão, uma vez que não temos mais tempo para errar. 

O resultado da pesquisa Datafolha sobre a divisão do Pará, divulgado neste final de semana, revelou que a maioria da população é contra a partição do Estado.

Quando se analisa o conjunto da população, três em cada cinco eleitores (58%) são contrários à divisão do Pará em três Estados.

Esse resultado, no entanto, esconde um profundo descontentamento das duas regiões que desejam se emancipar, Tapajós e Carajás. Na área que englobaria o futuro Estado de Carajás, 84% são favoráveis à separação do atual Pará. Em Tapajós, são 77% os apoiadores.

Acontece que essas duas regiões contêm, somadas, 35% dos eleitores. Os outros 65%, moradores da área que formaria o Estado remanescente, são contrários à divisão, na proporção de quatro para um. O que explica o resultado total é, assim, a divisão demográfica.

Esta Folha já se manifestou mais de uma vez contra a criação dos dois novos Estados, que é deletéria tanto sob a lógica federativa quanto pela perspectiva local.

Essas duas unidades nasceriam com deficit anuais em torno de R$ 1 bilhão cada uma, já contabilizados os repasses ao atual Estado do Pará, segundo estudo do Ipea. A conta, não é difícil supor, seria paga em grande parte pela União.

A partição também levaria a novas vagas no Congresso para as unidades nascituras. Seriam três senadores para cada Estado e ao menos oito deputados. Aumentaria assim a distorção em favor da região Norte, já hiper-representada em relação à sua população.

Eventuais efeitos benéficos para a população também são contestáveis. Teriam de ser criadas do zero instituições dos três Poderes -Executivo, Legislativo e Judiciário- em regiões onde o poder público é historicamente ausente. Parece mais provável que sirvam de meios de ascensão política e corrupção para parte das elites locais.

Não se deve, todavia, ignorar o legítimo sentimento de abandono da população dessas regiões. É razoável supor que o expressivo apoio à emancipação não decorra apenas de um natural sentimento regionalista. O resultado indica um anseio legítimo pela partilha mais igualitária dos recursos e maior desenvolvimento regional.

Espera-se que o Pará rejeite, no plebiscito de 11 de dezembro, a divisão do Estado. Todavia seria um erro ignorar o alerta da pesquisa Datafolha. Belém precisa direcionar investimentos e levar a presença do Estado a essas regiões, sob o risco de ver emergir mais uma vez esses movimentos separatistas.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A presidente sabe.


Carlos Lessa, no VALOR ECONÔMICO, em seu artigo mensal: “A presidente sabe”.

A presidente é economista, com sólida formação e ampla informação. Foi ministra do vetor-chave do desenvolvimento: a energia. Conviveu e teve assessoria pessoal de Maria da Conceição Tavares, uma das mais brilhantes inteligências do Brasil.

A presidente sabe que a crise mundial, explicitada em 2008, será de longa duração e que o mundo pós-crise não é previsível, mas haverá a modificação geopolítica do planeta, uma profunda onda de inovações tecnológicas e alteração em padrões comportamentais.

A presidente sabe que o futuro exige conhecimento das restrições para, no âmbito do raio de manobra, serem a nação, o povo e sua economia uma folha ao vento da história ou, com a vontade civilizatória e solidária do povo, explicitar e desdobrar um projeto nacional. Cabe ao governante atuar no âmbito da manobra com o olhar firme, coordenar os atores sociais a atuar em direção ao sonho de um Brasil justo e próspero.

A presidente sabe a perversa tendência do sistema financeiro de, em tempos de crise, adotar políticas defensivas que aprofundam a crise. Keynes falava da "preferência pela liquidez", que desvia as empresas da realização de investimentos de ampliação de capacidade produtiva e passam a optar por aplicações financeiras. As organizações bancárias e do mercado de capitais tendem a restringir empréstimos e a optar por ampliar suas reservas de uso imediato. Ao fazê-lo, "empoçam" recursos, e aprofundam a tendência à fase depressiva da economia. O coletivo de empresas, acreditando na crise, adota uma conduta que acelera e aprofunda a crise. No limite, participam de um estouro de boiada que corre para o precipício.

A presidente sabe que o Fed (Federal Reserve) adquiriu ativos podres e duvidosos e injetou volumes colossais de recursos no sistema bancário americano. Entretanto, esses bancos não estão reativando a economia; estão cautelosos no crédito, prosseguem com a execução de hipotecas imobiliárias e paralisam a atividade da construção civil. A família americana, sem planos de previdência contratuais, hoje vê o futuro com angústia e decidiu pela contenção do consumo, que aprofunda o processo depressivo. Os indicadores macroeconômicos dos EUA são inquietantes.

A presidente sabe que os bancos da zona do euro não conseguem coordenar suas políticas nacionais, e tendem a praticar um contracionismo que sinaliza persistência e aprofundamento da crise. Os bancos da zona do euro estão "empoçando" e a Suíça, com medo de uma corrida pelos francos, alinhou sua moeda com o euro.

A presidente sabe que tanto os EUA quanto a comunidade europeia estão reduzindo importações. A China, que vinha sustentando o crescimento, vem perdendo ímpeto e já sinaliza procedimentos de reforço de seus bancos oficiais (para evitar a queda das Bolsas chinesas, o governo está recomprando ações de seus bancos dos acionistas privados minoritários).

A presidente sabe que a Bolsa de Mercadorias de Chicago sustenta os preços relativos de alimentos, de algumas matérias primas e do petróleo. Há uma preferência crescente dos especuladores mundiais por aplicações arbitradas pela Bolsa de Mercadorias de Chicago, porém o sinal pode mudar.

A presidente sabe que, frente à crise mundial, o Brasil deve "botar suas barbas de molho". Felizmente, temos o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES, que respondem à orientação soberana nacional de não participar da manada (Lula teve que trocar o presidente do BB para forçar nosso maior banco a expandir crédito).

A presidente sabe que o Bradesco já anunciou a criação de um fundo de R$ 1 bilhão para ter "liquidez preventiva" em relação à inadimplência privada. A presidente sabe que é importante reforçar o sistema bancário oficial e expandir o crédito e reduzir os juros básicos. A presidente, corretamente, quer estimular a construção civil em um programa de habitação popular. Obviamente, para a geração de emprego e renda, essa é a política social anticrise por excelência, porém sabe que tem que reduzir a gula dos empreiteiros. Manter a demanda interna ampliando o endividamento familiar com compra de veículos automotores e outros bens duráveis tem um efeito macrodinâmico menor e é patrimonialmente equivocada em relação à família brasileira. Talvez seja esse o sentido profundo da enigmática recomendação presidencial: "o brasileiro deve consumir com moderação".

Uma economista competente não diria essa frase (que parece aplicável a bebida) se não estivesse pensando em desviar as famílias da armadilha da compra de duráveis, orientando-as para a ativação da construção civil. Acho inteligente reforçar os fundos imobiliários com aplicações financeiras da previdência complementar, porém é necessário planejar o futuro das cidades e ampliar o investimento na infraestrutura urbana.

A presidente sabe que é possível e necessário fazer muito mais. O câmbio tem que voltar a ser controlado. O Brasil não deve estimular empresas brasileiras a investirem no exterior (recentemente, duas indústrias de calçados do Rio Grande do Sul anunciaram que vão deslocar suas operações para a Nicarágua em busca de mão de obra barata e menor intervenção do Estado). O sistema bancário oficial deve retirar qualquer apoio a essa atitude anti-nacional. O fomento público deve ser preferencial a empresas de brasileiros. As filiais de multi, na crise, tendem a ampliar remessas para as matrizes. Há um espaço para a empresa de brasileiros crescer, orientada para o mercado interno. As filiais terão que reduzir remessas para manter suas posições de mercado.

Presidente, a desvalorização do real aumenta a rentabilidade das exportações primárias mas encarecem itens básicos da alimentação popular. É indispensável a recriação do imposto de exportação, se houver a desvalorização previsível. Devemos selecionar com critério aplicações financeiras do exterior, reduzir o endividamento com risco cambial do setor privado, ampliar a proteção a ramos industriais clássicos, e adotar uma política pública de "comprar o produto brasileiro".

A presidente está informada das pressões externas. Algumas deveriam ser ridicularizadas: as associações americanas de indústrias de confecção e calçados protestaram contra a adoção, pelo Brasil, de medidas defensivas desses ramos industriais clássicos e ameaçados. Quero crer que são as matrizes interessadas em que suas filiais na China ampliem a avalanche de exportações para o Brasil. No Japão, surgiram resmungos quanto aos obstáculos para importações de veículos pelo Brasil.

Somente critico a presidente pela modéstia das medidas. Outra presidente sul-americana, que vem adotando medidas radicais de defesa nacional, acabou de receber uma reeleição consagradora. A timidez não é sábia em momentos de crise mundial.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Uma "presidenta" na Europa.


JOÃO PEREIRA COUTINHO, hoje na FOLHA, registra a sua opinião sobre “Uma 'presidenta' na Europa.”

Foi uma semana de comédia. Falo da última, na Europa, com a "presidenta" Dilma Rousseff entre os nativos. Na reunião do G20, em Cannes, Dilma teve o pior momento e o melhor momento de todo o circo.

O pior momento foi a solução que a "presidenta" encontrou para a crise do euro. Pergunta prévia: a Europa do sul endividou-se loucamente nos últimos dez anos por que a moeda comum permitiu juros baixos e acesso fácil ao crédito para países sem disciplina fiscal ou crescimento econômico?

Nova pergunta: os gastos públicos desses países, sem falar dos gastos privados, atingiram níveis incomportáveis?

Mais uma: o envelhecimento da população, juntamente com uma baixíssima taxa de natalidade, esgotou os sistemas de previdência tradicionais?

Dilma tem a solução: uma bolsa família global. A experiência correu bem no Brasil, disse Dilma, e a Europa do sul, que está falida precisamente por causa do seu generoso modelo de bem-estar social, precisa de mais uma bolsa para juntar às incontáveis bolsas que enterraram a Grécia, Portugal, Itália, talvez a Espanha.

Na Redação do jornal onde trabalho, aqui em Lisboa, as gargalhadas foram tantas que por momentos pensei que a "presidenta" tinha contado uma piada.

Não tinha. A piada veio a seguir, no melhor momento de Dilma. Mas, primeiro, alguns fatos. Duas semanas atrás, Merkel e Sarkozy pensaram que a crise do euro estaria resolvida com o pacote.

Sim, um calote grego "controlado" aliviaria Atenas de metade da sua dívida nas mãos dos credores privados. Sim, os bancos seriam recapitalizados para aguentar o calote. E, sim, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira seria reforçado: dos modestos 440 bilhões de euros passaria para 1 trilhão.

Os mercados festejaram nas 24 horas seguintes. Mas, depois da farra, os especialistas começaram a fazer contas. A revista "The Economist" foi um deles. Um perdão parcial da dívida grega é importante, com certeza, mas será que a Grécia poderá crescer com uma dívida que continua sendo 120% do PIB mesmo depois do calote?

Sem falar dos bancos: eles precisam de 106 bilhões de euros nos próximos meses. Mas que tipo de implicações isso terá na concessão de crédito para a economia real, sobretudo no momento em que ela mais necessita de financiamento?

E, finalmente, o fundo de estabilização. Um trilhão é número assustador, sem dúvida. Mas o que acontece se a Itália precisa de um resgate -uma evidência que cresce a cada dia que passa? Onde estão os 2 trilhões de euros? Aliás, onde está o trilhão prometido por Merkel e Sarkozy?

O entusiasmo começou a esfriar. As Bolsas começaram a despencar. Os líderes europeus começaram a gaguejar: a China, a Índia, talvez o Brasil estejam disponíveis para colaborar.

Não estão, não, disse Dilma. E acrescentou: se os europeus não põem dinheiro no fundo, como podem esperar que outros o façam?

Na Redação do meu jornal, ninguém riu dessa vez. Só eu, bem alto: Dilma captou o problema central da crise europeia.

E o problema central é o estado de alienação em que vivem os líderes. Esse estado de alienação ficou exposto com a decisão do premiê grego de convocar um plebiscito no país para referendar as novas medidas de austeridade. Insensato?

Não direi. Insensato seria Papandreou ignorar o mundo em volta: as ruas de Atenas em chamas; um governo em processo de desagregação; a ocupação efetiva de seu país por burocratas europeus que passarão a governar de fato; e rumores constantes de golpe militar (não foi por acaso que o governo grego decidiu mudar, de forma intempestiva, as chefias militares do país).

Infelizmente, Papandreou não entende a natureza política da União Europeia, que sempre atuou ignorando, ou violentando, a vontade democrática dos europeus.

Como violou agora, ameaçando a Grécia de expulsão do euro e forçando Papandreou a recuar no seu referendo. Papandreou, como um cachorrinho obediente, recuou.

Só espero que, da próxima vez que a "presidenta" cruzar o Atlântico, a Europa conserve, pelo menos, a fachada "democrática" que vai caindo semana após semana. Não se assustam as visitas com os nossos horrores domésticos.

Novo Banco Central Europeu.


Antonio Delfim Netto, hoje no Valor Econômico, escreve sobre o “Novo Banco Central Europeu.”  

A situação da economia mundial tem todos os ingredientes para continuar se agravando. As lideranças políticas não parecem ter a inteligência e a coragem para cortar, de uma vez por todas, o devastador processo de autoestímulos que realimenta a crescente instabilidade do setor financeiro internacional. Esses mecanismos de retroalimentação podem ser vistos, muito simplificados, no quadro abaixo.

A instabilidade do setor financeiro pode ser medida pela sua consequência mais visível, a flutuação da volatilidade do mercado acionário, que tem variado dramaticamente desde a crise de 2008. Depois da liquidação desordenada do Lehman Brothers - que manchará a história econômica como a maior manifestação de miopia e mediocridade das autoridades políticas e monetárias americanas e inglesas -, houve paralisia do crédito interbancário, que voltou a alimentar a instabilidade. A principal repercussão foi o escrutínio e a revelação que a Eurolândia escondia graves comportamentos fraudulentos. O contágio europeu voltou a alimentar a instabilidade, revelada fisicamente na imensa queda das cotações das ações em todo o mundo.

O efeito mais importante dessa queda foi a "destruição" do valor das empresas -que perderam a capacidade de tomar crédito e, no caso dos bancos, de fornecê-lo diante da necessidade de rápida desalavancagem, o que realimentou a instabilidade. Estima-se que, só nos EUA, a queda das Bolsas e a liquidação das hipotecas reduziram em US$ 7 trilhões a riqueza que as famílias supunham ter.

Todas essas retroalimentações sugerem que o sistema hoje roda sobre si mesmo, devido à quebra de confiança de cada agente com relação a todos os outros. Ele só voltará a funcionar quando ela for restabelecida por uma ação decisiva, inteligente, ampla e coordenada das políticas fiscais, monetárias e cambiais de todos os países (talvez no G-20), o que parece pouco provável, ainda.

Os efeitos desse processo sobre a economia brasileira podem ser significativos, mas são de sinal incerto e de mensuração difícil. Há um efeito direto da flutuação das bolsas internacionais sobre a Bovespa, que seguramente "destruiu" valores que a sociedade supunha ter, o que tem algum efeito sobre o consumo e sobre o investimento. Por outro lado, a instabilidade do setor financeiro tende a reduzir o crescimento real da economia mundial, e a paralisia política americana (com uma ajudazinha do Fed) tende a desvalorizar o dólar medido com relação à cesta de moeda dos países que transacionam com os EUA.

A cada desvalorização de 1% do dólar (que valoriza o real), o preço médio das commodities (CRB) tende a cair 3%, o que ameniza a pressão inflacionária. O efeito sobre as commodities pode ainda ser ampliado pela redução do crescimento da China, em consequência do desaquecimento mundial.

As incertezas são tantas que em apenas uma semana "tudo ficou melhor": as Bolsas "explodiram" diante da aparente ação "decisiva" de Merkel e Sarkozy (criação de fundo "virtual" de € 1 trilhão, de origem ainda desconhecida, e a imposição de corte de 50% da dívida grega junto aos bancos); na mesma semana; "tudo ficou pior": as Bolsas "desabaram", quando o primeiro-ministro grego Papandreou, assustado com a reação interna, sugeriu uma "consulta popular", que foi rejeitada. Tem razão Shakespeare, quando nos adverte que a vida é uma viagem perigosa!

Viagem perigosa é a que iniciou, em 1º de novembro, o excelente economista e administrador experimentado, Mario Draghi. Navegador de mar grosso, aos 63 anos é o novo presidente do Banco Central Europeu. Foi diretor do Banco Mundial durante seis anos. Tornou-se famoso nos anos 90, quando salvou a Itália do "default" como ministro do Tesouro, com duro programa de corte das despesas públicas. Fez ampla privatização e desvalorizou a lira para prepará-la para a entrada no euro. Conquistou, com isso, o título de "Super-Mario". Em 2002, foi contratado pela Goldman Sachs como vice-presidente e diretor-executivo, onde ficou até 2005. Assumiu, então, a presidência da Banca d´Italia. É, provavelmente, o economista italiano de maior reputação do mundo.

Draghi não é classificável facilmente. Foi formado por Federico Caffé, renomado e sofisticado keynesiano que desapareceu misteriosamente em 1987. Sob a orientação do célebre Franco Modigliani (Nobel, 1985), foi o primeiro economista italiano a obter um Ph.D. no MIT, onde completou a formação iniciada na Escola Jesuíta de Roma, o que diz alguma coisa.

A definição de quem o conhece bem é a de que "se trata de um economista eclético, com forte formação analítica, pragmática e experimentado no trato político". Com Draghi, o BCE será, certamente, mais arejado do que foi com o sisudo Jean-Claude Trichet. Nele vai ter que internalizar a ideia que o euro não é a moeda alemã. É da Eurolândia e tem de servir aos interesses de todos os seus membros. Já começou bem, baixando os juros...

Dois mitos sobre a poupança nacional.


Yoshiaki Nakano, professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP ,hoje no Valor Econômico, escreve sobre “Dois mitos sobre a poupança nacional.”

Existem muitos mitos sobre a taxa de poupança no Brasil. Vejamos dois desses mitos. Primeiro, a maioria dos economistas quando fala em poupança está pensando em poupança pessoal, das famílias, ignorando a poupança das empresas. Segundo, a maioria dos analistas assume como óbvio que a baixa taxa de poupança é a responsável pela baixa taxa de investimento na economia brasileira. Vamos verificar se esses dois mitos se sustentam diante dos dados e das pesquisas empíricas.

A maioria dos economistas adquire o "estranho hábito" de raciocinar como se a poupança nacional fosse composta apenas da poupança pessoal, isto é, das famílias. E daí deriva um conjunto de diagnósticos incorretos. De fato, nos fundamentos teóricos dos neoclássicos estuda-se a decisão do consumidor, mas a empresa (firma) é identificada apenas por um conjunto de curvas de custos. Nesse mundo teórico, as categorias lucros, dividendos e lucros retidos não existem.

Quando se considera a empresa como uma complexa organização dirigida por executivos, que busca maximizar lucros e distribuir dividendos para os acionistas e interagindo com outras empresas, o equilibrio geral, para o conjunto da economia, fica indeterminado e as conclusões teóricas se desfazem. Daí o "estranho hábito" de identificar o mundo real com os modelos por eles criados e pior, agem como se fossem portadores da verdade. O que os fatos e o mundo real das análises financeiras nos dizem é algo completamente diferente.

Os dados do IBGE nos mostram que 88,4% da poupança bruta total no Brasil foi gerada pelas empresas, representando, em relação ao PIB, 17,1%, em 2006, último dado disponível. A poupança das famílias representou 26,8% da poupança total, o que representa 5,2% em relação ao PIB no mesmo período. O problema está localizado na Administração Pública, que tem uma despoupança de -15,9% da poupança bruta total, representando -3,1% do PIB. Logo, o setor privado poupou 22,3% do PIB e, se o governo tivesse consumido menos e poupasse o equivalente aos seus investimentos, a taxa de poupança teria atingido 25,4% do PIB.

Na verdade, estes dados apenas ratificam muitos estudos empíricos anteriores. Por exemplo, R. Bebczuk em pesquisas empíricas relatadas no seu livro texto sobre finanças ("Asynmetric Information in Financial Markets", Cambridge University Press, 2003) mostra que na América Latina, em média, 80,6% dos investimentos produtivos em firmas não financeiras eram financiados pelos lucros retidos no periodo 1990-1996. No Brasil esse percentual era pouco menor - 76,1% - dado certamente à elevada participação do BNDES. Nos países desenvolvidos, os lucros retidos financiavam, em média, 71,1% dos investimentos produtivos, tendo em vista a participação de 9,9% de ações.

Outra informação relevante é que nos países menos desenvolvidos a poupança das famílias é pouco expressiva e na America Latina representa apenas 13,6% da poupança privada total, enquanto que nos países desenvolvidos chega a representar, em média, cerca de 50%. No Brasil, a poupança das famílias representou 27,8% da poupança privada total e tenderá a aumentar com o crescimento, aumento da renda per capita e envelhecimento da população.

Portanto, o problema da poupança nacional está localizado no setor público que absorveu 15,9% da poupança do setor privado para financiar suas despesas, e investindo muito pouco produtivamente. Na realidade, o Governo apropria e reduz a poupança privada utilizando-se de dois instrumentos: 1) mantém taxas de juros num patamar recordista mundial; e 2) impõe carga tributária de mais de 36% do PIB.

O segundo mito advém do hábito de imputar a fatores exógenos ao sistema econômico os seus males. Nessa forma de pensar, a taxa de poupança é um dado exógeno, um dado não explicado pelo modelo. Assim, as elevadas taxas de juros, excesso de investimento em relação à poupança e o baixo crescimento seriam explicados por esse dado exógeno. Da mesma forma, é a baixa taxa de poupança doméstica que explica a taxa real de câmbio apreciada e o déficit em transacões correntes.

Na verdade, a taxa de poupança, depende dos lucros e este é endógeno e resultado da operação do sistema econômico: lucro não depende da decisão da empresa, depende do volume de vendas (demanda agregada) e seus preços, que resultam da negociação da taxa de salário com os trabalhadores e da competição e interação com as demais empresas. Em economias abertas, o lucro ou a margem de lucro tem uma relação com a taxa de câmbio, se ela for competitiva tendem a ser maiores, mas a relação é complexa e certamente não linear.

A poupança total, nas economias emergentes, ao depender fundamentalmente dos lucros retidos, e o fato dos trabalhadores (salários) pouparem menos do que os capitalistas (dividendos), fazem com ela seja variável e resultado final da operação e do desempenho do sistema econômico. Assim, quanto maior forem o volume de investimentos produtivos, este sim objeto de decisão das empresas, e o crescimento da economia, maior será a poupança nacional.

O que os dados do IBGE mostram é que não há excesso de investimento sobre a poupança de forma que esta última seja a restrição ao crescimento, ao contrário. Tanto as empresas como as famílias têm um excesso de poupança em relação aos investimentos produtivos, particularmente, nos anos recentes em que houve uma aceleração do crescimento. As empresas não financeiras pouparam 12,1% a mais do que a formação brutal de capital, isto é, os lucros retidos excessivos foram emprestados ou fizeram aplicações financeiras, em 2006, segundo os dados do IBGE. A baixa taxa de investimento sim é a causa da baixa taxa de crescimento da economia brasileira e ela é baixa porque a taxa de juros e a carga tributária são elevadas, assim como a taxa de câmbio está excessivamente apreciada.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...