Quando a Terra atingiu o sexto bilhão de
seres humanos habitando-a simultaneamente, em 1999, o matemático biológico Joel
E. Cohen,67, guardava um certo otimismo.
Via exagero no fatalismo com que alguns
estudiosos referiam-se ao futuro e achava que a pergunta que dá título a seu
livro mais famoso -quantas pessoas a Terra aguenta?- não era para ser
respondida com um número, mas com políticas públicas e iniciativas sociais.
Entre o sexto e o recém-alcançado sétimo
bilhão, porém, a humanidade -e seus governos- pouco colaboraram para manter o
otimismo do matemático, que chefia o Laboratório de Populações na Universidade
Rockfeller e leciona em Columbia, ambas em Nova York.
Em entrevista à Folha, Cohen falou sobre
controle populacional, educação, investimento em desenvolvimento e o uso da
comida que o mundo produz hoje.
Mas o tom que era de expectativa deu
lugar à premência em um planeta que, a seu ver, tem seguido uma "receita
para o desastre".
Folha - Quando chegamos aos 6 bilhões, o
senhor dizia que a pergunta que dá título ao seu livro era algo em aberto. Aos
7 bilhões, continuamos sem resposta?
Joel E. Cohen - Agora percebemos que a
mudança climática é uma ameaça à produção de comida, à vida das espécies,
incluindo a humana, com mais clareza do que há 12 anos.
O progresso científico trouxe razões
para nos preocuparmos mais.
Hoje também temos o maior número de famintos
em 40 anos, segundo o braço da ONU para agricultura e alimentação: quase 1
bilhão.
Até recentemente, o número de pessoas
cronicamente mal nutridas estava caindo, mas, nos últimos anos o preço dos
alimentos subiu muito, em boa medida devido à competição com biocombustíveis e
outros usos industriais da comida. Com isso, a fome aumentou.
Os biocombustíveis têm um impacto
significativo? Porque a mudança climática também pesa nas colheitas.
Onde há medição, as colheitas diminuíram
por causa da mudança climática. Mas acho que pesam os dois fatores, uso
industrial e clima.
Outra questão é a crescente riqueza em
alguns países em desenvolvimento. A quantidade de carne consumida por pessoa na
Terra subiu, se não me engano, quatro vezes desde 1961. Países antes pobres,
como a China, aumentaram enormemente a demanda, e muito do gado é alimentado
com grãos, cultivados em terra agricultável que podia ser usada para plantar
comida.
Os ricos conseguiram melhorar sua dieta,
o que é bom, mas às custas dos pobres, que não têm como bancar a competição com
os animais.
O que os governos de um mundo
superpopuloso deveriam priorizar?
Em 2009-2010, o mundo cultivou 2,3
bilhões de toneladas métricas de cereais. Do total, 46% foi para a boca de
pessoas, 34% for para animais e 18% foi para máquinas -biocombustível,
plásticos. Nosso sistema econômico não precifica gente que passa fome. A fome é
economicamente invisível. Não é que não possamos alimentar as pessoas -com o
que se planta agora, poderíamos alimentar de 9 bilhões a 11 bilhões. O problema
é que os pobres não têm renda.
O que o sr. sugere?
A primeira coisa é que todas as 215
milhões de mulheres que querem usar métodos anticoncepcionais, mas não têm sua
demanda atendida, deveriam ter apoio financeiro para conseguir
anticoncepcionais moderno.
Isso custaria US$ 6,7 bi ao ano para o
mundo todo. Os EUA, sozinhos, gastaram US$ 6,9 bi para festejar o Halloween há
uma semana [segundo a Federação Nacional de Varejistas]. Devemos dividir a
conta com países ricos e pobres. Mas o mundo pode bancar isso facilmente.
E o que mais?
Assegurar que todos tenham uma educação
de boa qualidade no ensino fundamental e médio, que permita às pessoas ter
renda e ser trabalhadores capacitados.
Isso também melhoraria a velhice, pois
gente bem educada na juventude envelhece com mais saúde. E, quando os jovens
vão à escola, eles se casam mais tarde. Mulheres educadas costumam ter menos
filhos, e seus filhos sobrevivem melhor. As taxas de mortalidade caem.
E a minha terceira recomendação é
garantir nutrição adequada para todas as gestantes, lactantes e crianças de até
cinco anos. Isso é crucial, pois se a criança passa fome antes de chegar à
idade escolar, ela não aprende.
Há problemas de desenvolvimento.
Se você quiser que as crianças tenham
cérebros que funcionam, é preciso assegurar que tenham acesso a boa comida. Não
estamos fazendo isso. Estamos desperdiçando nossas crianças sem ver o custo
econômico.
Há um conceito em economia chamado custo
de oportunidade, que é o que você perde ao não explorá-la. Nosso péssimo
tratamento das crianças é um custo de oportunidade enorme que não é incluído
nos sistemas econômicos nacionais.
O sr. está familiarizado com os
programas de transferência de renda no Brasil?
Li pouco sobre eles, mas sei que existem
programas similares no México. São maravilhosos. O Brasil e o México estão
entre os países mais ricos que levam a questão a sério. Na América Latina como
um todo, o número médio de filhos por mulher passou de 6, nos anos 60, para 2
ou 2,1 hoje. Uma mudança enorme.
O sr. atribui isso a quê?
É uma via de mão dupla. Por um lado, as
mulheres e meninas receberam mais educação, e houve quedas tremendas na taxa de
fertilidade. Por outro, a queda na fertilidade faz com que haja menos crianças
precisando de escola. As duas coisas andam juntas. A educação reduz a
fertilidade, e a fertilidade mais baixa melhora as oportunidades para a
educação, se a sociedade quiser.
Na África subsaariana e no Sul da Ásia,
inclusive parte da Índia, você não vê uma queda tão drástica na fertilidade,
tampouco melhoras na nutrição.
A fertilidade caiu na Europa, e a
população envelheceu. O mesmo tem ocorrido na América como um todo. Mas a
fertilidade ainda é alta em partes do mundo, sobretudo na Ásia, como o sr. diz.
Qual o impacto, para o planeta, de uma população declinante e envelhecida de um
lado e países cada vez mais superpopulosos de outro?
Você tem razão, temos pelo menos dois
regimes demográficos hoje. Há mais de 50 países onde os níveis de fertilidade
caíram abaixo da taxa de reposição. E há outros com crescimento rápido.
Em 1950, havia três vezes mais gente na
Europa do que na África Subsaariana. Em 2010, havia 16% mais gente na África
Subsaariana do que na Europa. Pelas projeções da ONU, em 2100 haverá 5 pessoas
na África Subsaariana para 1 na Europa. De 3 para 1, fomos de 1 para 5 -a
proporção aumentou 15 vezes.
Isso pode significar uma tremenda
pressão pela imigração da África subsaariana para a Europa se a África
continuar pobre. Por outro lado, se os europeus, se a China e se o resto do
mundo ajudarem a África a enriquecer, isso pode significar um mercado enorme
para o maquinário, os produtos e até o estilo que a Europa produz. E pode
significar prosperidade.
O perfil da população mudou, mas a renda
não acompanhou -menos gente tem mais, mais gente tem menos.
É lamentável. É uma situação instável
ecológica, política, econômica e socialmente. É a receita para o desastre.