Recebi através do Grupo de Economia Política, o direto editorial do ESTADÃO publicado em 28.10.2012. Triste, porém a mais pura verdade. Basta apenas você olhar ao ser redor, independente se você mora em determinadas grandes capitais, quanto no interior sem lei.
O aumento da renda nos
últimos dez anos proporcionou uma notável melhora no padrão de vida da maioria
das famílias brasileiras, aproximando-o de indicadores de países desenvolvidos,
se o que se leva em conta é a aquisição de bens de consumo. No entanto, como
mostrou o jornal Valor (21/10), se o critério for o fornecimento de serviços
públicos básicos, pelos quais o Estado é diretamente responsável, uma boa parte
desses mesmos cidadãos ainda convive com situações típicas dos países mais
pobres do mundo. Ou seja: quando depende da renda das famílias, o avanço dos
brasileiros na direção do mundo do conforto é significativo; no entanto, quando
há necessidade de investimentos estatais, as demandas mais óbvias de grande
parte da população ainda estão muito longe de serem satisfeitas.
O Brasil é hoje o oitavo
maior mercado consumidor do mundo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Desde
2001, saltou de 85,1% para 96,3% o total de domicílios que dispõem de geladeiras.
No caso dos televisores, o índice passou de 89% para 97,2%, e no de máquinas de
lavar, de 33,6% para 51,6%. Quase 100% das casas agora têm fogão, e o número de
residência com computador ligado à internet quadruplicou, chegando a 37,1%.
Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esses dados têm relação
direta com a redução da desigualdade de renda verificada no período. Houve
expansão de 16% do rendimento médio real do trabalho entre 2001 e 2011, e esse
crescimento foi mais acentuado entre os 50% mais pobres da população. Estudo da
Fundação Getúlio Vargas indica que o ganho nessa faixa foi de 68% acima da
inflação. Além disso, o total de trabalhadores com carteira assinada cresceu
48,1% entre 2003 e 2011.
Ao mesmo tempo, a oferta de
crédito, capitaneada por bancos oficiais, passou de 25% para 51% do Produto
Interno Bruto (PIB) entre 2002 e agosto passado, o que, ao lado do abatimento
de impostos para reduzir os preços, também ajuda a explicar o aumento
substancial da aquisição de bens duráveis. Com relativa estabilidade de emprego
e de ganhos salariais, aliada ao crédito fácil e aos incentivos estatais, os
brasileiros foram às compras.
No entanto, muitos desses
consumidores da "nova classe média", que passaram a assistir a seus
programas favoritos em modernas TVs de tela plana, são os mesmos que topam com
lixo na porta de casa, que enfrentam esgoto a céu aberto e que não têm escola
com qualidade ao menos razoável para seus filhos.
O IBGE mostra que cerca de
40% das residências brasileiras não dispõem de abastecimento de água e coleta
de esgoto. A comparação com os países ricos é dramática: nos Estados Unidos,
segundo o Valor, apenas 0,6% das casas não tinham água encanada e vaso
sanitário com descarga em 2011. Ainda segundo o IBGE, 11% das casas brasileiras
não têm nenhum tipo de saneamento básico e 5% convivem com lixo acumulado. E
40% dos logradouros não têm nenhuma identificação, de modo que seus habitantes
não sabem dizer exatamente onde moram. O quadro é igualmente sombrio na
educação. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de 2011 mostra que, no
ensino médio, a maioria dos alunos não sabe ir além das quatro operações
aritméticas nem consegue ler e escrever de modo satisfatório.
Tudo isso se reflete na
capacidade do Brasil de competir por mercados. O último ranking do Fórum
Econômico Mundial sobre o tema indica que o País, embora tenha subido cinco
posições, para o 48.º lugar, ainda marca passo em indicadores-chave. No item
"saúde e educação básica", por exemplo, o Brasil figura em 88.º lugar
entre 144 países, perdendo 9 posições desde 2009.
Como se observa, lentamente
estamos deixando de ser a "Belíndia", à qual se referiu o economista
Edmar Bacha, em 1974, para designar a concentração de renda que gerou o abismo
entre o minúsculo Brasil rico, isto é, a "Bélgica", e o enorme Brasil
pobre, a "Índia". Agora, o País está mais para um "Engana",
apelido dado recentemente pelo ex-ministro Delfim Netto para designar esse
festejado Brasil que tem renda da Inglaterra (England), mas que ainda dispõe de
serviços públicos de Gana.