segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Educação para o Século 21.


Pressionadas pela cobrança de resultados em testes que medem o desempenho de alunos em leitura e matemática, as escolas estão cada vez mais negligenciando outras disciplinas e aspectos da formação igualmente importantes para explicar o sucesso na vida adulta. Essa crítica não é feita por alguém avesso a avaliações. Pelo contrário. O autor é o professor da Universidade de Chicago James Heckman, 67.


Ele ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2000 justamente por sua contribuição na criação de métodos estatísticos que ajudaram a medir com mais precisão o impacto de políticas públicas. Seus estudos mostram que intervenções de qualidade que beneficiam crianças de famílias pobres desde a primeira infância têm impactos duradouros na vida adulta.

Os impactos mais significativos, porém, não são medidos em testes de matemática ou linguagem. São, principalmente, o que chama de habilidades não cognitivas, como motivação, controle emocional, disciplina ou capacidade de interação social.

Essas são características que também devem ser trabalhadas pela escola e que têm impacto significativo em fatores com renda futura, envolvimento em crimes, gravidez precoce e outros apontados em seus estudos.

Alguns deles foram feitos com o economista brasileiro Rodrigo Pinto, doutorando da Universidade de Chicago que participou da entrevista.

Heckman estará em São Paulo na semana que vem para o seminário Educação para o Século 21, promovido pelo Instituto Ayrton Senna. Leia trechos da entrevista feita por telefone à Folha.

Folha - O papel da escola está sendo reduzido a preparar para testes?
James Heckman -
Com certeza. É curioso porque, se pesquisarmos o que diziam os criadores desses testes, hoje aplicados a milhões de estudantes, eles sempre afirmaram que os exames captavam apenas parte do que se esperava da escola. Antes dos testes, a visão tradicional da educação era que as pessoas iam para escola para aprender a ter caráter, persistência, sociabilidade, coisas assim.
Daí surgiram medidas para avaliar outras habilidades. Foi o caso do teste de QI, criado no início do século passado para prever quem ia ser bem sucedido na escola. Um dos primeiros pesquisadores a desenvolver avaliações como essa, o psicólogo francês Alfred Binet, já admitia desde aquela época que outras habilidades importantes para o sucesso na escola não eram medidas por esses testes. O mesmo diziam os criadores do teste de Iowa, que foi uma enorme inovação nos EUA, há 60 anos, ao permitir que respostas fossem marcadas em cartões lidos por máquinas que facilitaram a aplicação de provas em massa. É irônico que o foco da escola tenha sido revertido para ensinar apenas os alunos a ir bem nesses testes. É uma subversão. As escolas nos EUA têm abandonado aulas de música, física ou outros assuntos por entenderem que isso é irrelevante e que o que importa é ir bem em testes de leitura e matemática.
Se eu digo que algum aspecto da sua vida será recompensado e outros não, as pessoas vão naturalmente desenvolver mais a parte que é recompensada. É o que está acontecendo nos EUA. Professores e diretores estão agindo assim não porque estão interessados em desenvolver a criança, mas em prepará-las para testes para que eles sejam vistos como bons professores e diretores.

Mas não é importante também avaliar os estudantes para saber se estão aprendendo o básico em leitura e matemática?
Testes têm o seu lugar, e não estou dizendo que devam ser abolidos. Você pode medir a performance de um professor, mas não deve reduzir essa tarefa a saber se um aluno passou ou não num teste. É importante também avaliar como o estudante encara tarefas que lhe são dadas, se é perseverante, se sabe trabalhar em grupo.
Rodrigo Pinto - Um bom exemplo é o processo seletivo de Harvard. Quando alguém tenta uma vaga, não avaliam apenas o desempenho em testes. Querem saber quais atividades paralelas o candidato tem, que esporte pratica, se já foi representante de classe, como é sua rede de relacionamento social.
Harvard não faz isso só por achar interessante ter um aluno com esse perfil, mas porque sabe que esses aspectos também são importantes para definir que sucesso o estudante terá na vida adulta. Boa parte dos recursos de Harvard vêm da doação de ex-alunos, então é preocupação deles admitir quem tem maior probabilidade de ser bem-sucedido.

Essas habilidades não captadas em testes podem ser ensinadas em escolas, ou é algo que se aprende só em casa?
James Heckman - Famílias têm um papel importante. Pais ensinam aos filhos essas habilidades encorajando-os, estabelecendo limites ou dando exemplos de bom comportamento. Mas há intervenções específicas desenhadas para ensinar crianças pequenas que as ajudam a ter foco na execução de tarefas e a trabalhar com os colegas de modo organizado e disciplinado.
É o caso do programa pré-escolar Perry, iniciado nos anos 60 no Estado de Michigan com alunos pobres de três e quatro anos. As crianças vão para a sala de aula e aprendem a planejar uma tarefa, a desenvolvê-la em grupo e a avaliar o resultado com os colegas. Num trabalho, mostramos que adultos que participaram desse projeto na infância se envolveram menos em crimes, tiveram rendas maiores e ficavam menos tempo desempregados se comparados a pessoas com as mesmas características que não participaram do programa.

Sabe-se que o cuidado nos primeiros anos de vida é muito mais importante do que se pensava para o desenvolvimento humano. Isso significa que crianças pobres que não se beneficiaram de uma intervenção adequada até os seis anos serão casos perdidos?
Seria insano achar que a trajetória de um ser humano vai se resumir ao que foi feito nos primeiros anos de vida. Nunca defendi que as intervenções feitas após esse período da vida são inúteis ou que devemos parar de investir em programas para quem não teve essa oportunidade quando criança. O meu ponto é que uma política adequada para a primeira infância fará todas as intervenções posteriores mais efetivas. O custo-benefício de uma intervenção nos primeiros anos de vida é muito mais vantajoso do que tentar remediar mais tarde. Mas há muito que pode ser feito, especialmente no desenvolvimento de habilidades não cognitivas que terão impactos na vida adulta, mesmo após os dez anos.

Ao enfatizar o cuidado nos primeiros anos de vida, não há risco de sobrecarregarmos ainda mais as mulheres, que dedicam mais horas que os homens para educar os filhos?
Creio que as evidências sobre a importância do cuidado adequado nos primeiros anos e seu impacto na vida adulta valorizam e reconhecem ainda mais o trabalho que hoje, de fato, é feito principalmente pelas mulheres. Mas ninguém está dizendo que elas têm que ficar em casa cuidando dos filhos, até porque há estudos mostrando que o aumento da escolaridade e da participação das mulheres no mercado de trabalho tem impactos positivos no desenvolvimento infantil.

domingo, 16 de outubro de 2011

Armínio Fraga na VEJA.

Experiente economista, Armínio Fraga Neto, fala à VEJA nesta semana: "O quadro é assustador. Os principais blocos econômicos vivem dias dificílimos. Quero crer que a meta de inflação não tenha sido abandonada, embora a redução na taxa de juros tenha sido um passo bastante ousado". 

Para reflexão neste início de uma nova semana. 

Economia da toca do coelho.


PAUL KRUGMAN, Nobel de Economia em 2008, direto da FOLHA DE S. PAULO.

Para qualquer pessoa que tenha acompanhado os acontecimentos econômicos nos últimos anos, ler a transcrição do debate republicano da terça-feira sobre a economia é como cair numa toca de coelho. De repente, você se descobre em um mundo de fantasia em que nada se comporta como na vida real. E, como a política econômica tem a ver com o mundo em que vivemos, e não com o mundo de fantasia republicano, a perspectiva de que uma dessas pessoas possa ser nosso próximo presidente é apavorante. 

No mundo real, os acontecimentos recentes foram uma refutação devastadora da ortodoxia de livre-mercado que rege a política americana há três décadas. A longa cruzada contra a regulamentação financeira e o esforço bem-sucedido para desfazer as regras prudentes adotadas após a Grande Depressão, com o argumento de que eram desnecessárias, demonstraram -a um custo imenso para o país- que aquelas regras eram necessárias, sim. Mas, lá no fundo da toca do coelho, nada disso tinha acontecido.

O que os republicanos querem fazer agora, em especial em relação ao desemprego?Bem, eles querem demitir Ben Bernanke, presidente do Fed -não por fazer muito pouco, que é um argumento que poderia ser apresentado, mas por fazer demais. Obviamente, não estão propondo nenhuma ação geradora de empregos que passe pela política monetária.Incidentalmente, durante o debate Mitt Romney citou como um de seus assessores N. Gregory Mankiw, de Harvard. Quantos republicanos saberão que Mankiw pelo menos costumava advogar -corretamente, em minha opinião- a promoção proposital de inflação pelo Fed para resolver nossos problemas?

Logo, nada de alívio monetário. O que mais? Bem, Rick Perry fez uma afirmação pouco plausível: disse que poderia criar 1,2 milhão de empregos no setor energético. Romney, enquanto isso, pediu cortes permanentes nos impostos -basicamente, um replay dos anos Bush. E Herman Cain? Nem vale a pena citar.

Detalhe interessante: alguém mais notou o desaparecimento dos deficits orçamentários como grande preocupação republicana, a partir do momento em que começaram a falar em redução dos impostos cobrados de empresas e dos ricos?

É tudo bastante engraçado. Mas também, como falei, é assustador.A Grande Recessão deveria ter funcionado como um enorme chamado para despertar. Nada assim deveria ser possível no mundo moderno. Todo mundo deveria fazer um exame de consciência sério, indagando quanto do que pensava ser verdade na realidade não o é.

O Partido Republicano reagiu à crise não repensando seu dogma, mas adotando uma versão ainda mais grosseira dele -tornando-se uma caricatura dele mesmo. Durante o debate, os anfitriões exibiram um clipe de Ronald Reagan pedindo aumento de receitas; hoje, nenhum político que tenha esperança de chegar perto do partido de Reagan ousaria dizer algo assim.

Quando um indivíduo perde o domínio sobre a realidade, é terrível. Mas é muito pior quando a mesma coisa acontece com um partido inteiro, que já tem o poder de bloquear qualquer coisa que o presidente proponha -e que, dentro em breve, poderá controlar o governo inteiro.

A instabilidade da desigualdade.


NOURIEL ROUBINI é presidente da Roubini Global Economics, professor da Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York) e coautor do livro "Crisis Economics". Hoje, diretamente da FOLHA DE S. PAULO. 

Este ano foi caracterizado por uma onda mundial de inquietações e instabilidades sociais e políticas, com participação popular maciça em protestos reais e virtuais: a Primavera Árabe; os tumultos em Londres; os protestos da classe média israelense contra o alto preço da habitação e os efeitos adversos da inflação sobre os padrões de vida; os protestos dos estudantes chilenos; a destruição dos carros de luxo dos "marajás" na Alemanha; o movimento contra a corrupção na Índia; a crescente insatisfação com a corrupção e a desigualdade na China; e agora o movimento "Ocupe Wall Street", em Nova York e em outras cidades dos Estados Unidos.


Embora esses protestos não tenham um tema que os unifique, expressam de diferentes maneiras as sérias preocupações da classe média e da classe trabalhadora mundiais diante de suas perspectivas, em vista da crescente concentração de poder nas mãos das elites econômicas, financeiras e políticas.As causas das preocupações são bastante claras: alto desemprego e subemprego nas economias avançadas e emergentes; capacitação profissional e educação inadequadas, entre os jovens e trabalhadores, o que impede que concorram no mundo globalizado; ressentimento contra a corrupção, inclusive em formas legalizadas como lobbies; e a alta acentuada na disparidade de renda e riqueza nas economias avançadas e nas emergentes.


É claro que os problemas que muitas pessoas enfrentam não podem ser reduzidos a um só fator. A desigualdade cada vez maior tem várias causas: o ingresso de 2,3 bilhões de chineses e indianos na força mundial de trabalho (reduz o número de empregos e os salários dos operários de baixa capacitação e dos executivos e de administradores cujas funções sejam exportáveis, nas economias avançadas); mudanças tecnológicas baseadas em diferenciais de capacitação profissional; a emergência inicial de disparidades de renda e riqueza em economias que antes tinham renda baixa e agora apresentam rápido crescimento; e tributação menos progressiva.


As companhias de economias avançadas estão reduzindo seu pessoal, devido à demanda final inadequada, que resulta em excesso de capacidade, e à incerteza quanto à demanda futura. Mas reduzir o número de funcionários resulta em queda ainda maior na demanda final, porque isso reduz a renda dos trabalhadores e amplia a desigualdade. Porque os custos trabalhistas de uma empresa representam a receita profissional das pessoas e com isso a demanda que elas geram, uma decisão que é racional para uma empresa específica pode ser destrutiva em termos agregados.


Resultado: os mercados livres não geram suficiente demanda final. Nos EUA, a redução nos custos trabalhistas diminuiu acentuadamente a participação da renda do trabalho no PIB. Com o crédito exaurido, os efeitos de décadas de redistribuição de renda e riqueza -do trabalho para o capital, dos salários para os lucros, dos pobres para os ricos, e dos domicílios para as empresas- sobre a demanda agregada se tornaram severos, devido à propensão marginalmente inferior a consumir entre as empresas/proprietários de capital/domicílios ricos.


O problema não é novo. Karl Marx exagerou em seus argumentos favoráveis ao socialismo, mas estava certo ao alegar que a globalização, o capitalismo financeiro descontrolado e a redistribuição de renda e riqueza do trabalho para o capital poderiam conduzir à autodestruição do capitalismo. Como ele argumentou, o capitalismo sem regulamentação pode resultar em surtos regulares de excesso de capacidade produtiva, consumo insuficiente e crises destrutivas recorrentes, alimentadas por bolhas de crédito e ciclos de expansão e contração nos preços dos ativos.


Qualquer modelo econômico que não considere devidamente a desigualdade terminará por enfrentar uma crise de legitimidade. A menos que os papéis econômicos relativos do mercado e do Estado sejam recolocados em equilíbrio, os protestos de 2011 se tornarão mais severos, e a instabilidade social e política resultante terminará por prejudicar, a longo prazo, o crescimento econômico e o bem-estar social. 

Política Macroeconômica.

Na lista de leituras o "Política Macroeconômica -  A Experiência Brasileira Contemporânea" da autoria de Dionísio Dias Carneiro (falecido em 2010) e Thomas Wu. Uma análise didática da recente história econômica do Brasil.  

Prêmio Nobel de Economia de 2011.

"Thomas Sargent, da Universidade de Nova York e Christopher Sims, de Princenton, mostraram que as propostas de política econômica que garantam o crescimento econômico constante e não inflacionário devem ser baseadas em estimativas e modelos, libertando esse campo da mera especulação", disse John Taylor, economista de Stanford e forte candidato ao Nobel.   

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Lições europeias para o Brasil.


Pedro Ferreira e Renato Fragelli são professores da Escola de Pós-graduação em Economia da FGV e escreveram este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.

Após a Segunda Guerra Mundial, vários países implantaram amplos sistemas de proteção social conhecidos como Estado do Bem Estar Social. Apesar das enormes perdas de vidas humanas, bem como destruição de infraestrutura e instalações industriais, a Europa era herdeira de uma longa tradição industrial, possuía mão de obra qualificada, capacidade gerencial e capital - este parcialmente destruído pela guerra, mas suprido em abundância pelo Plano Marshall.

O sustento do Estado do Bem-Estar Social exigiu uma paulatina elevação da carga tributária, que onerou crescentemente sua indústria. Mas isso ocorreu em uma época em que os produtos industriais valiam mais do que os produtos primários, e a indústria do mundo capitalista concentrava-se na Europa e nos EUA.

Dispondo de tecnologia, mão de obra qualificada e capital, as empresas europeias suportaram a pesada tributação, pois não havia concorrência significativa dos países mais pobres. Importando bens primários dos países em desenvolvimento, enquanto lhes exportava produtos industrializados, o Estado do Bem-Estar Social europeu conseguiu conciliar progresso econômico e tributação crescente.

Mas os preços de produtos industriais relativamente aos primários começaram a mudar nos últimos vinte anos. Na Ásia, países com gigantescas populações abandonaram as fracassadas experiências socialistas e as estratégias de desenvolvimento autárquico, mergulhando na industrialização. Milhões de trabalhadores deixaram a agricultura de subsistência em direção à indústria exportadora, dispostos a trabalhar por salários que seriam considerados aviltantes por um europeu. Essa imensa população passou a importar os bens agrícolas que antes produzia. O resultado tem sido a gradual queda dos preços internacionais de bens industriais, acompanhada da elevação dos preços de bens primários.

Operando em um ambiente internacional de crescente competição, e onerada pela elevada carga tributária, a indústria europeia passou a depender de sua capacidade de manter um significativo diferencial tecnológico em relação à indústria dos países emergentes. Sub-setores de alta tecnologia, nos quais a qualificação da mão de obra é o fator determinante, têm resistido à concorrência estrangeira. Mas os baixíssimos custos de produção dos novos competidores tendem a inviabilizar os setores industriais tradicionais.

Diferentemente do que se observa na Europa, a indústria asiática desenvolve-se sem o ônus de uma pesada tributação, pois naqueles países não se implantou o Estado de Bem Estar Social. Embora o trabalhador asiático ainda tenha uma baixa qualificação média comparativamente ao europeu, os pesados investimentos em educação tendem a reduzir essa diferença. Assim, o contrato social europeu terá que ser reescrito por absoluta falta de alternativas. Isso não significará o abandono das políticas sociais que tanto contribuíram para a redução das desigualdades, mas exigirá uma redução dos benefícios concedidos pelo Estado, adequando-os à nova realidade internacional. A crise das dívidas europeias de 2011 - que decorre da crise bancária de 2008 - está apenas antecipando o inexorável ajuste longamente adiado.

No Brasil, com a Constituição de 1988, a jovem democracia brasileira decidiu implantar um Estado de Bem-Estar Social buscando reduzir a secular desigualdade de renda. O aumento contínuo da carga tributária foi usado para arcar com o custeio dos crescentes gastos sociais. Esses gastos são uma legítima decisão da sociedade brasileira, reafirmada democraticamente a cada nova eleição. Mas é preciso atentar para suas implicações sobre a estrutura econômica do país.

Numa economia aberta, para que um particular setor da economia consiga sobreviver onerado por uma tributação superior à que incide sobre seus concorrentes internacionais, é preciso que seu custo de produção seja suficientemente inferior ao de seus competidores. Isso ocorre com menores salários e/ou maior produtividade. Abençoada com terra, água e sol em abundância, a produtividade da agropecuária brasileira é imbatível. A generosidade divina também protegeu a indústria extrativa mineral e a agroindústria, setor em que a proximidade da matéria prima constitui um fator importante para o baixo custo de produção. Mas a perda de competitividade nos demais sub-setores industriais só será revertida com uma carga tributária menor, com a simplificação da observância regulatória, com a melhoria da qualidade da mão de obra e da infraestrutura de transportes, entre outras medidas destinadas a reduzir os custos de produção.

Mas a redução da carga tributária não pode anteceder a redefinição das obrigações do Estado brasileiro, pois isso traria a inflação de volta. Por esse motivo a reforma tributária permanece empacada. No caso da Previdência Social - a principal fonte de desequilíbrio fiscal -, a paralisia nas discussões parece indicar que o eleitor não está disposto a se sacrificar para preservar a indústria nacional. Prefere gastos públicos elevados, que são sustentáveis apenas por uma alta tributação que levará o país a concentrar-se nos setores em que suas vantagens comparativas são esmagadoras. Nesse contexto, as recentes medidas que protegem alguns setores industriais escolhidos por critérios obscuros apenas darão sobrevida - e bons lucros - para poucos felizardos com boas conexões e um eficiente lobby.

A inflação passada e os juros altos.


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, em artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO. 

Toda decisão do Banco Central de aumentar ou reduzir a taxa de juros envolve interesses setoriais. Não é a toa que a decisão da última reunião gerou uma controvérsia maior do que a usual, pois significou uma ruptura com o comportamento passado. Aqueles que fizeram análise defendendo a redução na taxa de juros foram taxados, pelos "sábios" consultores e economistas de bancos, como se eles não tivessem fundamentos em teoria econômica e nos fatos empíricos. Nada mais longe da verdade. Aqui neste espaço o que apontei no mês passado foi uma mudança, na direção correta, no comportamento do Banco Central, baseado na boa teoria e prática das metas de inflação.

Os críticos da decisão do Banco Central apontam que a taxa de inflação medida pelo IPCA estaria aumentando e estão fazendo um estardalhaço com o índice que atingiu 7,31% em setembro e que as previsões para 2011 ultrapassarão o teto. Mas antes de mais nada é preciso lembrar que a redução na taxa de juros, na última reunião do Copom, terá efeitos sobre o nível de demanda agregada e os preços somente nos próximos meses; seus efeitos mais fortes serão sentidos daqui a seis a doze meses.

Portanto, a boa teoria e boa prática recomendam que a taxa de inflação de referência como meta deve sempre ser a inflação prevista para os próximos doze meses, a partir da data da tomada de decisão. Logo, o pré-requisito para implantar um modelo formal de meta de inflação é a existência de algum modelo econométrico transparente e confiável. O que a boa teoria nos diz é que, na ausência desse modelo, é melhor não adotar um modelo formal e rígido de metas - é o que recomenda um dos maiores estudiosos do tema, Lars Svensson, do banco central sueco. Por essas e outras razões, Greenspan também rejeitava a política de metas de inflação.

Assim, utilizar a taxa de inflação dos últimos doze meses é um erro grosseiro do nosso sistema vigente, desde a sua implantação. Quando a inflação está em queda, a inflação passada gera uma inércia longa na taxa de juros, desnecessária e de elevados custos sociais. Quando a inflação sobe, provoca uma reação tardia do banco central, levando na maioria dos casos, a uma elevação da taxa de juros acima do necessário. Pior ainda, inexplicavelmente no nosso sistema, a inflação refere-se ao ano calendário. Levando estritamente ao pé da letra, é como se o Banco Central, nesta próxima reunião de outubro, tivesse que fixar uma taxa de juros capaz ou de reduzir a inflação nos meses de novembro e dezembro, de tal forma a atingir a meta no final de dezembro ou teríamos que fazer a "mágica" da taxa de juros ter efeitos retroativos a janeiro, reescrevendo a trajetória dos preços. Evidentemente, ambas alternativas são inviáveis ou absurdas.

Deixando de lado esse rigor teórico e na ausência de um modelo econométrico confiável de previsão da inflação, para pelo menos os próximos 12 meses, é inevitável que pragmaticamente se utilize a inflação passada para formar a previsão da inflação futura, mas aí existem pelo menos dois critérios alternativos: 1) a taxa média mensal anualizada do período mais recente (por exemplo, ultimo trimestre 4,1% a.a.); e 2) a taxa acumulada da inflação passada (acumulado de 12 meses 7,31%). Qual melhor critério? Quais as implicações de cada critério? No primeiro, temos maior flexibilidade de detectar se existem ou não pressões inflacionarias persistentes; mudanças de patamar; se elas desapareceram e, de tornar a inércia nas taxas de juros menores. No segundo caso, a inércia é mais longa e acelerações desaparecidas, há mais de três trimestres, podem estar afetando a taxa de juros que, de fato, terá efeitos no futuro.

Vamos aos fatos. Analisando a trajetória da inflação medida pelo IPCA nos últimos 12 meses verificamos que até setembro de 2010, a inflação estava sob controle, dentro da meta. A inflação acelerou a partir de outubro de 2010, quando aumentou 0,75%, em relação ao mês anterior, permanecendo nesse patamar até abril de 2010. Nesse período, a taxa media mensal alcançou 0,77% ao mês, o que nos dá uma taxa anualizada de 9,65%, estourando a meta. O que esses dados mostram é que houve uma pressão inflacionária que se manifestou nos índices entre outubro de 2010 e abril de 2011 que levou a taxa de inflação anualizada para um patamar fora da meta. A função do Banco Central é exatamente antecipar essas pressões e tomar medidas para que a inflação fique dentro da meta. É importante lembrar que, em dezembro de 2010, o Banco Central, com defasagem de pelo menos três meses, pois a taxa de inflação de 12 meses tem forte componente inercial, tomou medidas macro-prudenciais restringindo o crédito. O que já sinalizava também mudanças técnicas, com utilização de novos instrumentos que equivalem a uma elevação na taxa de juros.

Em seguida, a taxa de inflação sofreu uma queda de 0,77% em abril, para 0,47% em maio, tendo ficado em junho e julho em 0,15% e 0,16%, voltando a acelerar um pouco em agosto e setembro, sempre em relação ao mês anterior. De qualquer forma, a taxa média mensal de maio a setembro de 2011 passou para 0,34%, o que anualizada nos dá 4,1%, portanto por esse critério de taxa anualizada dentro da meta.

Nada mais correto que o Banco Central reduzir a taxa de inflação no final do mês de agosto, pois desde o mês de maio a inflação passada mais recente já dava sinais de que as pressões de aceleração da inflação haviam desaparecido. Mais justificado ainda se havia já indicadores confiáveis de que o crescimento da economia estava caminhando para um nível abaixo do potencial.

Ocupar Wall Street?


Paul Krugman, do seu blog, especialmente disponível no ESTADÃO.

O website Nieman Watchdog traz um bom artigo de John Hanrahan   sobre a cobertura da imprensa das manifestações com o  slogan Ocupar Wall Street. A cobertura inicialmente foi depreciativa e mínima - e "mea culpa", eu mesmo não dei muito atenção a elas. Mas está cada vez mais claro que alguma coisa importante está sucedendo: finalmente, depois de três anos em que Pessoas Muito Sérias se recusam a exigir que Wall Street preste contas à sociedade, existe uma insurreição popular contra os Mestres do Universo.

Naturalmente, surgirão as costumeiras tentativas para negar todo o movimento, baseadas em trivialidades. Veja como as pessoas estão vestidas de modo estranho! E daí?  É melhor quando banqueiros nos seus ternos sob medida e cujas apostas colocaram a economia mundial de joelhos - e foram socorridos pelos contribuintes - se queixam que o presidente Obama está dizendo coisas um pouco duras sobre eles.

Ou, por que não tentam trabalhar dentro do sistema?  E o que tem ocorrido com aqueles que de fato tentaram? Quando as intrigas palacianas prejudicaram pessoas como Elizabeth Warren mesmo dentro do governo Obama, e os republicanos lançaram seu apoio total aos delinquentes das grandes riquezas, por que os manifestantes não podem agir fora dos canais usuais?

Finalmente, por que não acatar a opinião das pessoas que sabem o que necessita ser feito? Os leitores regulares sabem a resposta: as Pessoas Muito Sérias erraram de modo impressionante e consistente,  antes da crise financeira e depois.  Nada nos recentes fatos políticos sugere que os sagazes homens das finanças merecem algum crédito, absolutamente.

Portanto, bom para os manifestantes. E se as pessoas que cercam Obama tiverem algum instinto de autopreservação,  elas tentarão se reconciliar com as pessoas que decepcionaram tanto.

ROBERTO CAMPOS - 10 anos.


Lamentável que os dez anos da morte de ROBERTO CAMPOS, economista e diplomata, conhecido defensor do liberalismo econômico, não estejam devidamente lembrados. É uma pena que o seu excelente “A lanterna na popa” não esteja nas livrarias. É um livro sensacional que li, mas que até hoje fico triste por não ter o exemplar em minha biblioteca. Vide abaixo carta do editor do Livro ao presidente da ABL.

Dr. Marcos Vilaça,

Hoje, enquanto o sr. passeia pela Europa na condição de presidente da Academia Brasileira de Letras, eu estou aqui meditando sobre um pecado seu: o ter capitulado à nomenklatura da ABL e deixado que os dez anos da morte de Roberto Campos passassem em branco nos anais da instituição que ora preside.

Em abril eu alertei a vários acadêmicos, e por duas vezes ao sr., que Roberto Campos merecia ser lembrado numa sessão, ou mesa-redonda, mas a desculpa foi que isso não era possível devido ao fato de que todas as datas já estavam preenchidas.

Mesmo assim a ABL achou espaço em sua agenda para promover vários outros eventos menores, inclusive dedicar uma mesa-redonda ao historiador Nelson Werneck Sodré, que embora mereça homenagem, não pertenceu aos quadros da ABL.

É triste verificar que em 2011 ainda vigora, por parte de intelectuais que se dizem progressistas, veto às ideias de Roberto Campos, e que a ABL, que existe também para lembrar e reverenciar aqueles que deram o prestígio de seu nome à instituição, compactua com isso.

Mais lamentável ainda é que as vozes que se opuseram à realização da merecida homenagem a um ex-confrade não tenham tido a coragem de externar abertamente as suas diferenças com ele, e que o sr., por medo ou delicadeza, não tenha tido ânimo para frear essa ação nada democrática.

Em abril eu afirmei ao sr. que me manteria em silêncio a respeito desse assunto, e assim o fiz na esperança de que, mais cedo ou mais tarde, a sua consciência cristã e os seus brios pernambucanos ganhassem musculatura e lhe dessem força para pôr abaixo o muro de silêncio que se armava na ABL em torno de um dos mais ilustres intelectuais que já passaram pela ABL em toda a sua história.

Mas o sr. nada fez, e chegamos em outubro sem que nem mesmo uma simples menção aos dez anos da morte do dr. Roberto Campos tenha se dado na sessão de quinta-feira.

Na condição de amigo e editor do ilustre liberal, só me resta escrever esse meu lamento aqui.

Afetuosamente,
José Mario Pereira 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Desenvolvimento e ciências humanas.


Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Escreveu este artigo especialmente para o Valor Econômico - 13/10/2011.    
           
O Renascentismo Europeu, ao final do século XIV, inaugurou uma nova fase de entendimentos acerca da natureza do homem e do funcionamento do mundo, o que concedeu às ciências humanas um valor estratégico substancial. Por meio de um conjunto filosófico comum e acompanhado do método de aprendizado fundamentado na razão e evidência empírica, as humanidades terminaram por subverter a perspectiva espiritualista predominante até então no mundo medieval.

Com o desafio estabelecido de compreender a realidade em sua totalidade, floresceram as universidades e a pesquisa comprometidas com o papel central de organização, produção e difusão técnico-científico de caráter universal. Concomitantemente às revoluções industriais dos séculos XVIII e XIX, as ciências, sobretudo as aplicadas, foram incorporadas às exigências do padrão de desenvolvimento urbano-industrial. Ou seja, foram incorporadas à vida nas cidades, uma vida constituída pela materialidade do consumismo decorrente da produção de bens e serviços em escala cada vez mais global.

Para isso, a partilha do conhecimento em múltiplas especializações se fez crescente, gerando fragmentação do ensino e pesquisa compatível com os requisitos de maior produtividade técnico-científica exigidos por distintos setores de atividade econômica. A aplicação recorrente do conhecimento técnico-científico à produção material de bens e serviços modernos tornou possível agregar valor ao processo de acumulação de capital e impor progresso material inimaginável às sociedades urbano-industriais.

A perspectiva de crescente especialização da produção técnico-científica, que até então se encontrava encastelada em contidos centros de pesquisas, possibilitou a emergência de novos laboratórios e investimentos em pesquisa inseridos nos plano de negócios empresariais. Assim, a associação entre diversos centros difusores das ciências humanas - públicos e privados - fortaleceu gradualmente a crença de que a mercantilização do trabalho imaterial deveria atender às exigências do padrão de desenvolvimento urbano-industrial.

Tudo isso, contudo, não deixou de produzir colateralmente o esvaziamento de uma unidade filosófica comum que concedia às ciências humanas o valor estratégico no entendimento totalizante da realidade do mundo e do homem. Certa cegueira situacional passou a acompanhar o desenvolvimento fragmentado das ciências humanas, com inegáveis graus de alienação na produção do conhecimento.

Tanto assim que a partir dos últimos 25 anos do século XX, a produção do conhecimento, anteriormente centrado nas universidades tradicionais, foi sendo substituída pelas chamadas universidades corporativas, responsáveis por funções como a formação de quadros e capacitação permanentes dos trabalhadores nas grandes empresas. Nos dias de hoje, somente as 500 maiores corporações transnacionais respondem por cerca de 4/5 de toda a produção global de investimentos em ciência e tecnologia. Em vários países do mundo, a quantidade de universidades corporativas supera as universidades tradicionais.

A reação radicalizada do sistema universitário tradicional foi o de se comprometer com a maior elevação da produtividade nas ciências, especialmente por meio do aprofundamento das especializações, o que a dispensou de vez de qualquer compromisso com a existência de algum corpo filosófico integrador do entendimento acerca do homem e do mundo. Por conta disso, currículos foram simplificados e esvaziados da identidade comum, enquanto as ciências humanas seguiram aprendizagem desinteressante e descomprometida da referência e aplicação prática na realidade.

No mesmo sentido, as agências públicas de financiamento da pesquisa concentraram-se no fomento setorial e individualizado da produção do conhecimento comprometido fundamentalmente com a perspectiva de elevação da produtividade sistêmica das ciências humanas. Apostaram-se também na competição inter e intrauniversitária movida pelo uso de tecnologias das competências, o que rompeu com a fronteira nacional dos conteúdos curriculares. De caráter cada vez mais internacionalizado, as medidas nacionais de avaliação e monitoramento do ensino e pesquisa subordinam-se à coordenação exógena e descolada dos interesses nacionais. Tanto assim que não tem sido incomum conceder à produção técnico-científica valorização superior com publicação externa e descontextualizada do que aquela comprometida com as exigências da realidade nacional.

Esse modelo internalizado nos países não-desenvolvidos não reduziu o fosso que separa a produção técnico-científica das exigências associadas ao setor produtivo. Da mesma forma, o movimento de internacionalização do parque produtivo tornou mais interessante a importação da tecnologia dominante na mesma medida em que empresas multinacionais realizam concentradamente em suas matrizes os maiores esforços de desenvolvimento da pesquisa em ciência e tecnologia. É isso que faz com que somente 10% dos 11 mil doutores formados anualmente no Brasil possam se estabelecer nos centros de pesquisa vinculados ao setor produtivo, bem ao contrário de outros países.

A recuperação da unidade filosófica comum nas ciências humanas e o seu engajamento no entendimento do mundo e do homem atual constituem peças fundamentais de uma estratégia de superação do atraso subdesenvolvimentista. Do contrário, produção do conhecimento e exigências do padrão de desenvolvimento poderão continuar a andar em sentido distinto.

Quanto vale a Europa?


Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP, hoje, especialmente para o ESTADÃO.
           
"Sem o euro não existe Europa", constatou Angela Merkel, no mesmo discurso em que assegurou que não haverá uma "união da dívida". As afirmações, contraditórias entre si, refletem imperativos diferentes. A primeira é uma homenagem prestada à História - ou seja, ao projeto supranacional da União Europeia. A segunda expressa a vontade dos eleitores alemães - ou seja, a existência do Estado-nação. Agora, diante da iminente falência grega e do espectro de um colapso bancário em série, a chanceler alemã deve escolher entre uma e outra, pois não pode ter as duas.

História, no caso da Europa, significa uma catástrofe única, que devastou o sistema moderno de Estados erguido na Paz da Westfalia, em 1648, e reconstruído no Congresso de Viena, em 1815. A União Europeia, um fruto da catástrofe, é filha de Stalin e de Hitler.

Stalin: o projeto europeu emanou das circunstâncias da guerra fria, na forma de uma aliança entre a França e a Alemanha, antigas rivais separadas pelos ressentimentos acumulados em três guerras sucessivas. O ato inicial da Europa foi o Plano Schuman, de criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca), em maio de 1950, meses depois da fundação da Alemanha Ocidental e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). À sombra ameaçadora da URSS, a unidade da Europa Ocidental era o complemento necessário para a aliança transatlântica com os EUA.

Hitler: o projeto europeu emanou das ruínas fumegantes da 2.ª Guerra Mundial, o testemunho do colapso de um sistema baseado na soberania absoluta dos Estados. A ideia genial do francês Jean Monnet, de compartilhamento de soberanias, representou a solução para uma civilização destruída pelo nacionalismo sem freios. O ingresso da Alemanha Ocidental na Otan implicava o rearmamento alemão, apenas cinco anos depois da libertação de Paris. A Ceca foi o intercâmbio que o propiciou: no altar da aliança com a França, a Alemanha sacrificou sua supremacia nacional na indústria siderúrgica, a fonte do aço e das armas.

Numa prova de que a paternidade de Hitler é mais forte que a de Stalin, o encerramento da guerra fria não provocou a dissolução do projeto europeu, mas o seu avanço para um novo patamar. A reunificação alemã, em 1990, reativou as assombrações de um passado perene. Então, o espírito de Monnet inspirou François Mitterrand e Helmut Kohl a formularem uma segunda grande barganha, coagulada no Tratado de Maastricht, de 1992: "Toda a Alemanha para Kohl, metade do marco alemão para Mitterrand", na síntese proporcionada por uma ironia realista. A introdução do euro representou um novo sacrifício alemão, desta vez da supremacia nacional monetária, no altar da unidade europeia. O compromisso reafirmado de uma "Alemanha europeia" deveria afastar para sempre os temores estrangeiros e as tentações nacionais sobre a "Europa alemã".

"Estados Unidos da Europa" - a ousada fórmula de Monnet para um mundo pós-nacional ganhou uma materialidade mais prosaica na Comunidade Europeia, inaugurada em 1957. O gesto fundador deu-se em Roma, cercado por um simbolismo elétrico. Roma é a metáfora do Império, isto é, o oposto perfeito da nação. O Estado-nação é o poder de uma entidade política singular e homogênea, que exerce sua soberania num sistema internacional de Estados soberanos. O Império é o poder universal de um soberano, que se exerce sobre uma miríade heterogênea de povos. O mito da restauração de Roma, a memória abstrata de um tempo de unidade, pairava sobre os estadistas que fundaram a Comunidade Europeia.

A força foi a ferramenta das diversas tentativas medievais e modernas de reinvenção de Roma. Tratava-se, mais de meio século atrás, de restaurá-la pelo instrumento do consenso. Mas, mesmo depois de Maastricht, a realidade nunca se confundiu com o mito. A Europa que se veste com as roupagens do Império é uma comunidade de Estados nacionais. Além da esfera de soberanias compartilhadas, subsistem as nações, com seus sistemas políticos próprios, suas leis singulares e seus governos particulares. Quando a tempestade ameaça varrer o euro e toda a herança de Monnet, os holofotes iluminam os encontros entre os chefes de governo da Alemanha e da França, não a Comissão Europeia ou os burocratas que ninguém elegeu instalados na ilha europeia de Bruxelas.

Há duas décadas, Kohl invocou a promessa sagrada da unidade alemã para convencer os eleitores de que os alemães orientais eram concidadãos e, por isso, valia a pena subsidiar a troca de marcos orientais na equivalência artificial de um para um. Angela Merkel carece do argumento de Kohl, quando se trata de gregos, portugueses, irlandeses espanhóis ou italianos. Uma coluna da revista britânica The Economist registra que a palavra alemã Schulden, que significa "dívida", deriva de Schuld, cujo significado é "culpa". A tradição luterana se mescla à vívida memória da hiperinflação da República de Weimar para formar um denso caldo de resistência às propostas de resgate europeu dos países endividados. A ideia de união fiscal, contrapartida aparentemente indispensável à união monetária, assumiria a forma imediata de uma "união da dívida", pela emissão de títulos europeus ou por um aumento dramático nos recursos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Mas é precisamente isso que Angela Merkel qualificou como inaceitável.

Quanto vale a Europa? Sondagens de opinião entre os alemães revelam uma rejeição majoritária a novos pacotes de salvamento dos países que rondam o precipício. Simetricamente, entre os gregos, uma sólida maioria recusa a transferência da soberania popular sobre a economia nacional para Berlim e Bruxelas, condição quase explícita do plano de resgate em curso. Angela Merkel tem dias, talvez semanas, para começar a falar sobre Stalin e Hitler. O valor da Europa depende do eco que, tanto tempo depois, ainda puder gerar a menção desses nomes sinistros.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Indignados americanos.

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA, é editor da revista "Política Externa" e autor, entre outros livros, de "Correspondente Internacional" (Editora Contexto). Escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO.

Em 1963, meses após o lançamento do primeiro satélite de comunicação, o Telstar 1, que fazia ligações telefônicas experimentais não acessíveis ao consumidor comum, realizou-se em Washington a maior manifestação pública que os EUA jamais viram.

A "Marcha sobre Washington por Empregos e Liberdade" reuniu 200 mil na capital dos EUA em 28/8, apesar da oposição de todo o establishment político, inclusive o governo Kennedy, e da pequena boa vontade do establishment jornalístico, que só passou a lhe dar atenção quando o sucesso já parecia certo.

Em dois meses, uma pequena equipe comandada por Bayard Rustin, negro homossexual (quando sexo entre homens era crime e a maior parte dos EUA vivia sob leis de apartheid racial), organizou a logística para a realização do evento.

Foram 2.000 ônibus, 21 trens especiais, dez voos fretados, dezenas de milhares de automóveis, mais a articulação de uma rede de voluntários na região de Washington para hospedar pessoas e orientar, alimentar e dar segurança à multidão.

Em 17 de setembro de 2011, teve início em Nova York a série de protestos sob o título de Ocupe Wall Street, com participação majoritária de jovens brancos de classe média, que foram ignorados pela mídia até o fim de semana retrasado, quando a prisão de 700 pessoas que ocupavam a ponte do Brooklyn os colocou na pauta da imprensa nacional e mundial.

Nada impede que Ocupe Wall Street se transforme em um fenômeno maior e mais relevante do que a Marcha de 1963, que ajudou a cimentar a aprovação da Lei dos Direitos Civis e deixou à humanidade uma das suas mais importantes peças de oratória, o "Eu Tenho um Sonho", de Martin Luther King Jr.

Mas, embora a comparação seja complicada por todos os motivos, ela possibilita pensar sobre algumas hipóteses que tentam se afirmar como verdades, como a de que tecnologias de comunicação e redes sociais são quem garante o êxito de movimentos sociais, como os da Primavera Árabe ou dos indignados na Espanha.

Não. Os meios de comunicação, como seu nome indica, são apenas meios. Por mais que possam facilitar a organização de manifestações, não determinam sucesso ou fracasso.

Diversos outros fatores são mais relevantes para isso, entre eles especialmente a "justeza" da causa defendida, a qualidade dos líderes e inspiradores, o sentido de urgência das reivindicações.

Ocupe Wall Street está crescendo e deve crescer mais ainda. Mas ainda precisa dizer melhor a que veio.

Nobel Prize 2011.

American Economists Share Nobel Prize - NYT


The Nobel prize in economic science was awarded Monday to Thomas J. Sargent at New York University and Christopher A. Sims at Princeton University for their research looking at the cause-and-effect relationship between economic policy and the broader economy.

The Nobel laureates Christopher A. Sims, left, a professor at Princeton University, and Thomas J. Sargent, a professor at New York University.

Their work uses statistical analysis to disentangle the question of whether a policy change that happened in the past affected the economy or whether it was made in anticipation of events that policymakers thought would happen later. This research has also helped economists better understand how people’s expectations for policy affect the economy.

Dr. Sims said Monday that his research was relevant for helping countries decide how to respond to the economic stagnation and decimated budgets left by the financial crisis.

“The methods that I’ve used and that Tom has developed are central for finding our way out of this mess,” he said. But asked for specific policy conclusions of his research, he responded, “If I had a simple answer, I would have been spreading it around the world.”

Dr. Sims, 68, who is president-elect of the American Economic Association, has primarily looked at temporary policy changes, such as a surprise in government finances or a change in the interest rate. For example, his methods have been used to determine whether a central bank’s decision to raise the interest rate affected inflation or whether bank officials raised the interest rate precisely because they expected that inflation change later on.

The prize committee at the Royal Swedish Academy of Sciences said in a statement that his research has tried to develop a systemic way for distinguishing between unexpected shocks to the economy, such as a change in oil prices or government finances, and expected changes.

His methodology, developed in the 1970s, has been tremendously influential in subsequent decades among all flavors of economists. It helped lend credence to New Keynesianism, the theory that says that the economy can go into recession because there is not enough demand, and has been the basis of important papers by Ben S. Bernanke, the Federal Reserve chairman, and Olivier Blanchard, the chief economist at the International Monetary Fund.

Dr. Sargent, 68, on the other hand, has focused on longer-term structural changes in the economy, such as setting a new inflation target. His research has analyzed historical data to better understand how these types of policy changes affect the economy over time. He has also conducted experiments in a sort of laboratory setting to examine how new policies might affect the economy.

The two economists were awarded for work that they did independently of each other but that the prize committee said was complementary. Both were expected to speak at Princeton later on Monday.

“Today, the methods developed by Sargent and Sims are essential tools in macroeconomic analysis,” the citation said.

The Bank of Sweden Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel is not one of the original Nobel prizes. It was created in 1968 and is awarded annually “according to the same principles as for the Nobel Prizes,” first begun in 1901.

NOBEL 2011 - lista de premiados.

O Prêmio Nobel de Economia deste ano foi atribuído nesta segunda-feira aos norte-americanos Thomas J. Sargent e Christopher A. Sims.

Os dois economistas foram escolhidos por "sua pesquisa empírica sobre as causas e os efeitos na macroeconomia", afirma o comunicado do comitê Nobel.

Os laureados "desenvolveram métodos para as numerosas perguntas sobre as relações de causalidade entre a política econômica e diferentes variáveis macroeconômicas como o PIB (Produto Interno Bruto), a inflação, o emprego e os investidores", completa o comunicado.

Thomas J. Sargent, nascido em 1943, em Pasadena, Califórnia, é professor na Universidade de Nova York. Christopher A. Sims nasceu em 1942 em Washington e é professor na Universidade Princeton.

O Nobel de Economia, cujo nome oficial é Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, foi criado em 1968. Ele não é parte do grupo original de prêmios criado pela vontade de Nobel, magnata da dinamite, em 1895.

Leia a seguir os vencedores do prêmio desde 1979 e onde atuam.
2010 - Christopher Pissarides (Chipre) e Peter Diamond e Dale T. Mortensen (ambos dos EUA)
2009 - Elinor Ostrom e Oliver Williamson (EUA)
2008 - Paul Krugman (EUA)
2007 - Leonid Hurwicz, Eric S. Maskin e Roger B. Myerson (EUA)
2006 - Edmund S. Phelps (EUA)
2005 - Robert J. Aumann (Israel e EUA) e Thomas C. Schelling (EUA)
2004 - Finn E. Kydland (Noruega) e Edward C. Prescott (EUA)
2003 - Robert F. Engle 3º (EUA) e Clive W.J. Granger (Reino Unido)
2002 - Daniel Kahneman (EUA e Israel) e Vernon L. Smith (EUA)
2001 - George A. Akerlof, A. Michael Spence e Joseph E. Stiglitz (EUA)
2000 - James J. Heckman e Daniel L. McFadden (EUA)
1999 - Robert A. Mundell (Canadá)
1998 - Amartya Sen (Índia)
1997 - Robert C. Merton e Myron S. Scholes (EUA)
1996 - James A. Mirrlees (Reino Unido) e William Vickrey (EUA)
1995 - Robert E. Lucas Jr. (EUA)
1994 - John C. Harsanyi (EUA), John F. Nash Jr. (EUA) e Reinhard Selten (Alemanha)
1993 - Robert W. Fogel e Douglass C. North (EUA)
1992 - Gary S. Becker (EUA)
1991 - Ronald H. Coase (Reino Unido)
1990 - Harry M. Markowitz, Merton H. Miller e William F. Sharpe (EUA)
1989 - Trygve Haavelmo (Noruega)
1988 - Maurice Allais (França)
1987 - Robert M. Solow (EUA)
1986 - James M. Buchanan Jr. (EUA)
1985 - Franco Modigliani (EUA)
1984 - Richard Stone (Reino Unido)
1983 - Gerard Debreu (EUA)
1982 - George J. Stigler (EUA)
1981 - James Tobin (EUA)
1980 - Lawrence R. Klein (EUA)
1979 - Theodore W. Schultz (EUA) e Sir Arthur Lewis (Reino Unido)

domingo, 9 de outubro de 2011

O fim da ilusão dos Brics.

MARCELO COUTINHO, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Iuperj, escreveU este artigo especialmente para O GLOBO.

Em 1499, Américo Vespúcio passou próximo à costa norte da América do Sul, a caminho das Índias Ocidentais, como então era chamado o continente americano. Só anos depois, quando o navegador florentino regressava de uma viagem ao Brasil, concluiu que não podíamos ser um prolongamento da Ásia. 

Mesmo após tal descoberta, o termo Índias Ocidentais continuou a ser utilizado pela Companhia Holandesa, entre outras. Responsável pela ocupação do Nordeste brasileiro no século XVII, essa empresa desenvolveu uma organização mais capitalista no comércio internacional, cuja origem antiga remonta às redes fenícias de cidades mercantes, centenas de anos antes de Cristo.

Os Países Baixos apenas iniciariam a transição do mercantilismo para os mercados modernos. Estes se globalizaram, se desglobalizaram e se globalizaram novamente. Mas nunca estiveram tão perto de ver a Ásia predominar. Estamos entrando na Era do Dragão. E talvez em um neomercantilismo.

Países como China e Índia se distanciaram muito daquelas antigas fontes de bens primários e bugingangas. A Chíndia exporta também em massa produtos e serviços de alta qualidade. Não há nenhum outro país ou região comparável. O acrônimo Bric equivale à confusão criada com as Índias Ocidentais na geografia comercial.

O Brasil voltou a ser confundido com a Ásia. Ninguém acredita que somos a costa oriental do Sudeste Asiático como na época de Vespúcio, mas de alguma forma nos igualamos a partir de uma invenção do sistema financeiro. Sonhamos em ser um dos grandes emergentes que dominarão a economia no mundo. É o nosso excepcionalismo.

Quanto mais cedo despertarmos, melhor. Em comum com a Chíndia, o Brasil tem apenas o tamanho. Nos últimos três anos, crescemos em média 1/3 do que cresceram as potências orientais. Por outro lado, quando o Ocidente entrou em recessão em 2008, acompanhamos a queda, ainda que numa intensidade menor (-0,6%). O mesmo ambiente de forte desaceleração parece acontecer agora no fim de 2011.

Em matéria de dinamismo econômico, o Brasil é um país dividido. Seus setores industriais mais avançados seguem padrões ocidentais de derretimento. Já os setores tradicionais ligados às commodities ancoram-se na demanda do Oriente. O resultado é um crescimento intermediário entre os dois grupos, porém mais próximo dos baixos níveis dos países já desenvolvidos.

A pauta do que exportamos se concentra nos itens básicos. Somos menos diversificados do que éramos há dez anos. A substituição dos EUA pela China não trouxe vantagens. A indústria nacional desenvolveu dependência estrutural das importações, de modo que mudanças abruptas no câmbio não ajudam, mesmo quanto ocorre desvalorização.

O peso do Brasil no comércio é residual e vem caindo. O Brasil responde por 1% do fluxo comercial global, ou seja, bem menos do que há 50 anos, e um décimo hoje da Chíndia, com seus 2,5 bilhões de pessoas. Por sua vez, a importância brasileira no PIB do mundo em PPP representará em 2011 só 1/6 da participação chinesa e 40% da indiana. O mero ranqueamento que nos coloca entre as maiores economias gera, como se percebe, falsas impressões.

Se o critério utilizado para o acrônimo da Goldman Sachs é político, a situação fica ainda mais complicada. China e Índia têm armas nucleares, a primeira é autoritária e a segunda tem indicadores sociais piores que os do Maranhão. A China não apoia nosso assento fixo na ONU. A Índia encontrou sozinha aprovação dos EUA. As visões na OMC tampouco coincidem. Isso tudo sem falar da Rússia.

O fim da ilusão chamada Bric não deve estimular, todavia, comportamentos orientalófobos. O novo protecionismo pune os consumidores sem gerar compensações à altura em empregos locais. Mal ou bem, os asiáticos são agora atores imprescindíveis. Constatar que não somos a extensão deles é o início para nos inserirmos conscientes das novas rotas do comércio, da nossa menor importância relativa e dos desequilíbrios na condição de global players. Não somos China nem Índia ocidentais.

Steve Jobs na Time.


Ele está em todas as capas das revistas semanais pelo mundo. Ele fez por merecer.

Círio 2011 - Belém-PA.

Quem conhece o Círio de Nazaré em Belém do Pará, não esquece nunca.

Por isso, o ESTADÃO cita que: "Nunca vi coisa igual no mundo. Já estive em Fátima, em Portugal, e em Lourdes, na França, acompanhando peregrinações católicas. Também conheço a peregrinação muçulmana à Meca, mas nada se iguala ao mar de gente que encontrei no Círio de Nazaré. A fé do povo paraense contagia e emociona qualquer um", declarou o empresário catarinense Romeu Tadeshi, de 67 anos. Ele estava no meio da multidão, distribuindo água aos peregrinos.

O ex-governador de São Paulo, José Serra, que veio a Belém pela segunda vez para acompanhar o Círio a convite do governador paraense Simão Jatene, disse que estava "muito emocionado". Para ele, não há nada parecido. "É um grande ato de fé, que à distância a gente não tem ideia de como é. Milhões de pessoas na rua que se organizam sem precisar de muita organização", resumiu o político. 

Este blog na Troppo.

Hoje, no O LIBERAL, na coluna Troppo da Rejane Barros, notícias deste blog.

Nobel de Economia 2011.

Amanhã é dia do anúncio do Nobel de Economia 2011.

A day before the announcement of the prestigious 10 million kronor ($1.5 million) award, Americans Robert Barro and Paul Romer stand out as favorites for the prize for their research on growth, leading experts say.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...