Franklin Delano Roosevelt começou a tirar os Estados Unidos da grande recessão
que emergiu após a crise financeira de 1929 com um plano ousado de obras
públicas e intervenção do Estado na produção, nos preços e nos salários. Foi o
"New Deal" (1933-1937). A Europa precisa agora de um plano assim e
tem todas as instituições para fazê-lo.
A sugestão é do economista norte-americano
James Kenneth Galbraith, 59, filho do célebre John Galbraith (1908-2006).
Professor da Universidade do Texas em Austin (EUA), James defende um plano de
três pontos para a Europa sair da crise. Além do "New Deal", ele
propõe a europeização dos bancos e a consolidação das dívidas públicas num
único título a ser emitido pelo Banco Central Europeu.
Mas esse plano não será implantado por razões
políticas, reconhece. Crítico em relação à gestão da crise, Galbraith opina que
a democracia "está acabada" na Europa. Para ele, é crescente a
influência do banco de investimentos norte-americano Goldman Sachs na condução
dos países.
Mario Draghi, novo presidente do banco
Central Europeu, foi vice-presidente do Goldman Sachs para a Europa de 2002 a
2005. Mario Monti, novo chefe do governo italiano, foi seu conselheiro
internacional.
Novo primeiro-ministro grego, Lucas Papademos,
quando foi governador do BC grego, de 1994 a 2002, atuou em operações
controvertidas que envolveram o banco, segundo o jornal "Le Monde",
que classifica a situação como um "governo Sachs" europeu."Dinheiro é poder", lembra
Galbraith.
FOLHA
- O euro vai sobreviver?
JAMES
GALBRAITH - Não há saída fora do euro. Não há caminho legal para
sair do euro sem sair da União Europeia como um todo. Não é uma opção para a
Grécia, Portugal, Espanha, Itália. Não podem ser expulsos por mau
comportamento. Não acho que a Alemanha vá deixar o euro e a união européia e
adotar um novo marco alemão, embora seja possível e existam forças na Alemanha
que gostariam de fazer isso.
Por
que a Alemanha não faria isso?
Basicamente
o euro, que seria a moeda de todos os outros, seria depreciado, e os alemães
teriam desvalorizadas as dívidas que detêm. Seria uma boa solução para o sul da
Europa, mas os alemães ficariam muito tristes. Isso não vai acontecer. O que
vemos são os governos da Grécia e da Itália foram tomados por esses grupos de
financistas.
O
que dizer sobre democracia...
Está
acabada. Na Grécia temos uma pessoa que foi indicada para primeiro-ministro que
nem é membro do parlamento. Na Itália, Mario Monti foi indicado senador
vitalício justo antes de virar primeiro-ministro. O fato é que esses dois
primeiros-ministros foram ditados por Berlim, Bruxelas, Paris. Não foram
escolhidos pelas populações de seus países.
Foram
escolhidos pelas finanças?
Claro.
É óbvio. Temos um grupo de pessoas todas graduadas pelo MIT e todas têm
ligações com Goldman Sachs. Incluindo o novo presidente do BC europeu, Mario
Draghi.
Como
explica esse poder das finanças sobre os governos?
Qual
é a conexão de dinheiro e poder? Dinheiro é poder. É claro que os líderes
políticos estão atuando em nome de seus bancos, do seu setor financeiro. Quando
se pergunta sobre desemprego, manutenção do crescimento, prevenção de colapsos
como na Grécia, declínio da Itália, da Espanha e de Portugal e o sério declínio
da Irlanda, a resposta é que não está na pauta. A liderança européia não está
preocupada com essas coisas.
As
populações dos países vão ficar apenas olhando?
Não
acho. Há muitas greves em andamento. Os europeus estão começando a se dar conta
de que o sistema político não atua em favor de seus interesses. Eles realmente
achavam que o euro e a União Europeia seriam bons. E por muito tempo foi.
Teremos fortes migrações dos países quebrados. Portugueses irão para Paris;
gregos para os EUA, os irlandeses vão voltar para os EUA. É uma tragédia para
esses lugares.
Apesar
dos protestos, a direita vai avançar na Europa? O que esperar da dianteira do
Partido Socialista na França?
Sim,
a direita está ascendente na Europa. Mas poderemos ter surpresas nas eleições,
é difícil prever. Não estou nada seguro de que os socialistas franceses
representem uma alternativa séria. A crise financeira não está nem na pauta de
sua reunião. Não querem falar disso, talvez porque não saibam qual posição
tomar.
Quais
são as soluções técnicas para a crise?
Discutimos
em Austin (EUA) um plano bem articulado de Stuart Holland e Yanis Varoufakis.
Tem três elementos centrais. O primeiro é consolidar as dívidas públicas de
todos os países da eurozona num único título emitido pelo banco central
europeu. O segundo é europeizar o sistema bancário, cujas condições financeiras
estão deliberadamente obscuras pelos reguladores. Os bancos precisam ser
recapitalizados pela autoridade européia, quebrando a ligação entre os bancos e
governos de países, como entre bancos alemães e o governo alemão, quebrando
essa conexão política, que é um problema. O terceiro ponto é restaurar o
crescimento e usar o banco europeu de investimento, que tem muitos projetos
prontos para a implantação, como reconstruir a rede de transporte do leste
europeu. Tudo poderia ser feito dentro da moldura institucional existente: o
Banco Central Europeu trataria dos bônus. O Banco Europeu de Investimento, do
crescimento. O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira poderia ser o regulador
dos bancos.
Seria
um plano como o "New Deal"?
Sim.
O "New Deal" criou novas instituições. Temos já uma instituição para
projetos de investimentos. O problema com o Banco Europeu de Investimento é que
ele requer copagamentos dos países que agora não têm dinheiro para isso e por
isso os projetos estão lá parados. É preciso flexibilizar essa condição de
copagamento e deixar o dinheiro fluir.
Nesse
plano não existiriam mais bancos nacionais, só europeus?
Se
um banco alemão for ainda solvente, ele poderia continuar. Mas todos os bancos
que estão basicamente com problemas por causa da depreciação dos seus ativos
tóxicos dos EUA e dos seus bônus da Grécia, Itália, Espanha, Portugal, Irlanda
etc. seriam absorvidos pela autoridade européia e seriam capitalizados e
controlados por ela.
E
sobre os bancos privados?
Os
bancos nacionais são privados. Mas, se eles não são solventes, não podem
continuar independentes. Não se pode ter um banco que é insolvente funcionando,
pois nessas condições as perdas eventualmente terão que ser cobertas pelos
contribuintes. A regra com os bancos é: se eles estão quebrados, é preciso
resgatá-los. A pergunta é: `Por quem?´.
Por
que não há decisão política para fazer isso?
Porque
os políticos estão preocupados em proteger os seus bancos nacionais e suas
próprias posições.
Como
está a economia nos EUA?
A
situação é desagradável, mas não instável. Há maneiras de o governo estabilizar
as coisas. Há crescimento econômico positivo. Há muito desemprego, mas o país
não está quebrando.
E a
China? Vai desacelerar?
Há
problema no mercado imobiliário em algumas das grandes cidades. Os chineses têm
a capacidade de se ajustar. Não prevejo uma crise política ou financeira na
China nesse momento. Pode haver alguma desaceleração. Mas a China continuará a
ser um mercado forte para commodities, matérias-primas. Não seria ruim uma
desaceleração em algumas construções em Xangai e Pequim. Esses recursos
poderiam ser usados em outros lugares.