André Roncaglia de Carvalho é Doutorando em Economia do Desenvolvimento pelo
IPE-USP, professor de Macroeconomia e Economia Brasileira da FECAP.
A crise na Grécia vai assumindo contornos trágicos. Paralisada por uma incrível
combinação de tristes circunstâncias, a nação que outrora governou o mundo e
nos concedeu os mais influentes escritos filosóficos passa por uma crise
existencial que questiona o seu lugar junto aos vizinhos europeus. Vejamos mais
de perto os detalhes desta novela que se desenrola na mída impressa e digital.
A economia funciona como uma rede. Vários indivíduos se conectam por meio de
trocas comerciais ou de promessas de pagamentos. No caso do comércio,
precisamos dos outros para nos fornecer aquilo que não podemos produzir, ao
mesmo tempo em que os outros necessitam daquilo que nós oferecemos. Assim,
posso ter uma cárie obturada mesmo sem nunca terme detido no estudo da
odontologia.
Portanto, dividimos nossa vida entre trabalho e consumo. Quando não estamos
trabalhando, estamos consumindo e vice-versa. O nosso consumo deixa os donos
dos estabelecimentos contentes com os seus negócios, garantindo o emprego de
todos os seus funcionários e as compras que faz de seus fornecedores. Estes,
por sua vez, sentirão que as vendas estão boas e manterão o emprego de todas as
pessoas que ali trabalham.
Como se vê, a prosperidade é um fenômeno coletivo. Se alguns estão em situação
pior, é mera questão de tempo até que todos venham a sofrer com isso. Se todos
vão bem, o ciclo positivo se reforça e perdura por mais tempo.
Como as riquezas de uma sociedade estão divididas de forma desigual, é bem
comum a transferência temporária de dinheiro entre uns e outros, ao que
chamamos de empréstimos. Às vezes, precisamos pedir dinheiro emprestado para
que possamos consumir bens que não caberiam em nosso orçamento com a renda
atual que recebemos. Ao tomarmos um empréstimo, devemos considerar que o futuro
nos reserva a obrigação de poupar para que paguemos nossas contas. Se o dinheiro
tomado emprestado for utilizado para fazer mais dinheiro, como abrir um negócio
ou investir em desenvolvimento pessoal (curso superior, pós-graduação etc.), lá
na frente teremos mais dinheiro, de maneira que não será necessário poupar
mais. Isto é, o que ganhamos a mais com o investimento é muito maior do que
aquilo que devemos para quem nos emprestou o dinheiro. Porém, isso apenas
ocorrerá se o nosso desejo de fazer mais dinheiro for compartilhado pelo que a
sociedade espera do futuro.
Isto significa que, a meio caminho, aquilo tudo que ia bem passa a enfrentar
visões sombrias. Por medo ou por precaução, alguns começam a rever seus planos,
reduzir mão de obra, gastar menos em consumo e por aí vai. Quando isso
acontece, aquele bom investimento pode se mostrar uma ilusão: quem abriu um
negócio não logra vender e quem investiu em educação pode não conseguir
emprego, mesmo que seja muito qualificado.
Resultado: todo mundo se recolhe do mercado de consumo, buscando proteger suas
contas, poupando para poder quitar suas dívidas. Aquilo que seria bom
olhando-se apenas o indivíduo torna-se uma catástrofe, quando a comunidade
inteira segue o mesmo caminho simultaneamente. É o velho exemplo de um exército
que marchando em sincronia pode derrubar a ponte. Trata-se de um problema de
efeitos acumulados. Traduzindo: salvese quem puder.
À Grécia, então. Os gregos são uma economia pequena, isto é, produzem US$ 300
bilhões de dólares que, comparando, equivale ao valor que o Brasil vende à
China anualmente em soja, e minério de ferro, dentre outras coisas. A Grécia
depende muito dos seus companheiros de União Europeia, uma vez que podem vender
a eles sem quaisquer impedimentos, como barreiras e tarifas, que tornariam o
seu produto mais caro e, portanto, menos desejado pelos consumidores da Europa.
Por outro lado, a Grécia fica amarrada, porque deve algumas satisfações aos
seus parceiros de comunidade. O governo grego deve manter as suas contas em
dia, para que não precise tomar emprestado aos bancos. Governo perdulário é como
um bêbado: pede emprestado para gastar em coisas que apenas aprofundarão a
situação. Nas primeiras vezes, os empréstimos ocorrem, mas começa-se a cobrar
uma taxa de juros cada vez maior, para compensar o risco de o devedor não
honrar a sua dívida.
Ademais, a Grécia não pode utilizar alguns mecanismos que tornariam a sua
economia mais próspera, como baratear os produtos vendidos via taxa de câmbio
(um câmbio desvalorizado faz com que o trabalho do cidadão daquele país fique
mais barato perante o custo do trabalhador do país que compra seus bens) ou
mesmo imprimir moeda para bancar os gastos de seu governo. Feitas essas
observações preliminares, vamos à sinopse da tragédia grega.
A crise de 2008 mostrou que os bancos de todo o mundo fizeram apostas ruins em
montante estratosférico. Como resultado, quando um dominó cai, todos caem na
sequência. Imagine que um dia você vai ao banco e descobre que ele emprestou
dinheiro demais a pessoas que prometeram devolver e não devolveram; enfim: o
banco quebrou e você está sem as suas poupanças. Mais que isso, o seu banco
provavelmente estava endividado com vários outros bancos. Estes percebem que
não receberão o dinheiro e também entram em falência. O corre-corre toma conta
da economia e tudo fica paralisado.
Para evitar isso, os países desenvolvidos (EUA e União Européia) põem em
funcionamento suas máquinas de dinheiro e compram milhões destes pedacinhos de
papel para que os bancos tenham dinheiro e não entrem em colapso. Esta é a
chamada operação de salvamento dos bancos.
O problema é que este dinheiro é contabilizado como gasto do governo. Ou seja,
substituímos a dívida dos bancos pela dívida dos governos. Acontece que alguns
tinham mais caixa que outros. Os governos que não conseguem extrair dinheiro da
sociedade via impostos, fica com as contas no vermelho. Passa a procurar bancos
que lhes emprestem dinheiro para financiar sua gastança. Sabendo do histórico
do cliente, os bancos cobram juros de acordo com o risco de não terem o
dinheiro de volta.
Quanto mais juros, mais dívida. Quanto mais dívida, mais juros. Em certo
momento, a dívida assume um montante tão exagerado que nenhum banco deseja
emprestar mais dinheiro àquele país. Foi exatamente o que ocorreu com a Grécia.
Com efeito, o país fica obrigado a recorrer à União Europeia, a qual exige que
a Grécia corte gastos e aumente os tributos, para honrar suas dívidas. O
governo planeja, então, demissão de 30 mil funcionários públicos, elevação de
impostos, proibição de reajustes salariais e redução de gastos do governo com
assistência social e outras despesas correntes.
Seguem-se os protestos de rua de uma população enfurecida e crescentemente
sem empregos (o desemprego atinge 17% da população) e sem esperança no amanhã.
Com a produção sofrendo redução de 7%, temse menos renda, menos impostos e,
como a dívida do governo cresce diariamente (a taxa de juros cobrada para
emprestar dinheiro à Grécia já passou dos 25% ao ano), e o rombo das contas
públicas gregas apenas cresce. O governo grego declarou esta semana: temos
dinheiro até meados de novembro. O andar da carruagem sugere que isso se prove
equivocado e o dinheiro termine antes.
Enquanto isso, os parceiros europeus discutem demoradamente se salvam ou não o
país-colega, prolongando a agonia do povo grego. A decisão ficou para novembro.
Até lá, a Grécia fica presa num universo paralelo, em animação suspensa, à
espera de um milagre. Que Zeus os acuda!