sábado, 6 de agosto de 2011

O pior dia desde a crise de 2008.

No FINANCIAL TIMES, aqui disponível pelo VALOR ECONÔMICO, uma análise da atual situação econômica.

A perspectiva de nova recessão global, agravada por uma crise sem precedentes na zona do euro, que arrasta Espanha e Itália, arrasou os mercados ontem. As enormes quedas das bolsas, puxadas pelas ações de indústrias e de commodities, lembraram os dias de pânico que marcaram o desenrolar da crise financeira de 2008. A Bolsa de Nova York teve seu maior recuo em dois anos e fechou em baixa de 4,3%. A Bovespa caiu 5,7%, a maior queda desde novembro de 2008, e acumula perda de 23,8% no ano.

As principais bolsas do mundo já estão 10% abaixo de seus picos recentes, uma indicação de mudança significativa de rumo. Vários sinais de perigo iminente que assombraram os mercados ao longo da semana confluíram ontem para compor um quadro assustador. O medo de uma recessão, nutrido pela perda de fôlego da indústria nas principais economias do mundo, moveu as commodities para baixo e, com mais força, o petróleo, que teve a maior queda em cinco meses em Nova York, onde o barril do WTI foi cotado a US$ 86,83. As ações de mineradoras e dos grandes traders de commodities levaram uma surra, embora não tão forte quanto a dos bancos europeus, que estão no olho do furacão.

Temores quanto ao futuro da atividade econômica e custos crescentes provocaram fortes quedas nas ações de companhias mineradoras, petrolíferas e negociantes de commodities. Até mesmo em comparação com a recente crise financeira, a liquidação de ações nas bolsas de valores foi considerável.

Aceleraram a liquidação de ações desta semana o crescente nervosismo diante da crise da dívida na Europa, o risco de um duplo mergulho recessivo nos EUA e a avaliação de que as autoridades econômico-financeiras - incluindo o governo japonês e o Banco Central Europeu (BCE) - não conseguiram sustentar a confiança.

Os papéis mais afetados foram as ações das grandes companhias mundiais que operam com recursos naturais - mineradoras, petrolíferas e companhias que negociam com commodities. Apesar de os preços de muitas das commodities permanecerem próximos de seus picos recentes, os preços das ações correspondentes despencaram, levando as cotações aos níveis mais baixos do ano.A divergência de preços entre as ações de companhias no setor de commodities e os preços das próprias matérias-primas evoca lembranças de meados de 2008, quando investidores em ações foram mais rápidos na previsão da crise financeira mundial.

Será que os investidores em bolsa acertaram novamente? Se assim for, uma forte desaceleração econômica, ou algo pior, pode estar à espreita. Outros setores, como o de bancos, sofreram agudas quedas em suas ações, devido a preocupações com a exposição à crise da dívida soberana na Europa e o risco de mais empréstimos impagáveis.

A lista de ações de companhias no setor de recursos naturais que despencaram inclui a Xstrata, mineradora negociada em Londres, que caiu 8,5%; a Royal Dutch Shell, maior grupo petrolífero na Europa, que caiu 5,2%; e a brasileira Vale, maior produtora de minério de ferro, que caiu 6,3%. A Freeport McMoRan, importante mineradora de cobre, viu suas ações caírem 5,9% e as da Archer Daniels Midland, um das maiores negociantes de commodities alimentícias, baixaram 4,5%.

Após duas semanas de pesadas quedas, o índice FTSE All World Mining e os índices FTSE All World Oil and Gas (petróleo e gás) registram alta de apenas 7,6% e 14,6%, respectivamente, em relação ao ano passado. No mesmo período, o índice de referência Reuters-Jefferies CRB, uma cesta de commodities que inclui petróleo, cobre e trigo registra alta de 22,1%.

A Glencore, maior negociante de commodities do mundo, cujas ações passaram a ser negociadas em bolsa numa oferta US$ 60 bilhões em maio, é uma das mais afetadas. Suas ações caíram 17,9%, até agora, nesta semana. Fecharam ontem a 391 pence, ou mais de 26% abaixo do lançamento.

Os investidores em ações parecem muito mais preocupados com a possibilidade de um renovado mergulho em recessão do que os investidores em commodities, segundo executivos do setor.

Investidores dizem que os preços elevados de petróleo e alimentos estão forçando os BCs dos países emergentes a apertar sua política monetária, freando o crescimento econômico na China, na Índia e em outros grandes consumidores de commodities.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

2008, a crise jamais acabou.

Gosto dos textos do VINICIUS TORRES FREIRE na FOLHA DE S. PAULO. Ele escreve de maneira objetiva e didática. Vide abaixo sobre a atual situação econômica.

Os colapsos em vários mercados financeiros seriam um prenúncio do apocalipse maia de 2012? Da segunda vinda da Grande Recessão?

A resposta é assunto de profeta. O que deve de uma vez por todas ficar claro, porém, é que não se sai sem dor de catástrofe como a de 2008: a bandalha da finança desregulamentada com governos que o dinheiro grosso comprou ("capturou", como diz a economia política).

As euforias do início de 2010 e de 2011 eram apenas isso: festa de investidores que viam os preços dos ativos financeiros se valorizarem rapidamente, dada a oferta colossal de dinheiro barato pelos bancos centrais, em especial o dos EUA.

A economia real estava mesmo na lama: setor imobiliário em depressão, famílias na grande pindaíba (superendividadas), desemprego abissal, salários estagnados ou cadentes, bancos reticentes em emprestar, empresas cheias de caixa, mas reticentes em investir. O caldo engrossou de novo, agora, porque:

1) caiu a ficha de que os EUA não estão crescendo nada: indústria, serviços, consumo e renda estagnaram em julho. Pior, revisões de dados mostraram que a recessão fora mais profunda, e a recuperação, ainda mais pífia do que o sabido;

2) ficou ainda mais claro, depois do acordo de redução do deficit público nos EUA, que não virá estimulo adicional via gastos do governo. Na eurolândia, muito mais quebrada e "ortodoxa" do que os EUA, a hipótese de haver estímulo fiscal (gasto público) é ainda mais improvável. Logo, de onde virá o piparote para a retomada da demanda (consumo), do crescimento?;

3) o "pacote de socorro" para a Grécia, apesar da bajulação da mídia financeira mundial, era pouco e se acabou. O mercado continuou achando que a Grécia vai calotear;

4) mais grave, a perspectiva de crescimento pífio provocou ainda mais descrença na capacidade da Itália de pagar suas dívidas (se o país cresce menos e a poupança do governo não aumenta, aumenta também o peso relativo da dívida);

5) dada a percepção de que Grécia, Portugal e, talvez, Itália, irão para o vinagre, os donos do dinheiro passaram a cobrar retorno ("juros") ainda maiores para deter títulos da dívida desses países, o que pode apressar a quebra deles;

6) dado tal cenário, bancos europeus voltaram a temer o risco de quebra de seus pares: o empréstimo interbancário ficou mais difícil. Passou a faltar oxigênio na praça.

Isto posto, o Banco Central Europeu avisou que vai voltar a comprar títulos da dívida de Portugal e Grécia (indiretamente, os financia), mas não de Itália e Espanha (o que apavorou ainda mais os mercados).

O BCE avisou ainda que vai emprestar dinheiro para bancos com pouco oxigênio (isto é, reconheceu o início de pânico entre bancos).

Por fim, o "governo da Europa" reconheceu que é preciso mais dinheiro para cobrir rombos (na Itália e sabe-se lá onde mais): reconheceu que o caldo entornou.

O resto da história de ontem é "psicologia da manada". Houve fuga em massa para títulos do governo dos EUA e da Alemanha. As curvas de juros da dívida desses países estão ficando "achatadas", em tese prenúncio de recessão.

Mas pode não vir colapso imediato. O mais provável, por ora, é uma lenta saída do lamaçal de 2008. Coisa que pode levar 5, 10 anos.

Interpretação errada dos EUA.

Para quem acredita na derrota do modelo americano, MOISÉS NAÍM dá uma aula:

De acordo com o comentarista Christopher Hitchens, "a crise financeira dos EUA é o exemplo mais recente da tendência que ameaça colocar esse país no nível de Zimbábue, Venezuela ou Guiné Equatorial". Não, contra-ataca Nicholas Kristof, influente colunista do "New York Times": "É a má distribuição da renda que põe os EUA no mesmo nível de repúblicas de bananas como Nicarágua, Venezuela ou Guiana". Nada disso, afirma Vladimir Putin: "O que acontece é que os Estados Unidos são um parasita que vive à custa da economia global".

Para Mitt Romney, pré-candidato presidencial republicano, o problema é que "os EUA estão a ponto de deixar de ser uma economia de mercado". E Barack Obama lamenta que seu país "não tenha um sistema político AAA, condizente com seu crédito AAA".

Nos últimos dias, vem sendo demasiado fácil concluir que os EUA são um desastre e não poderão continuar a ser o país mais poderoso do mundo. Para quem ainda tinha dúvidas, o vergonhoso processo de negociação sobre o limite da dívida foi a confirmação final: a superpotência se encontra em queda livre.

Essa conclusão, que parece tão óbvia, está errada. Por pelo menos quatro razões.

Primeiro: Wall Street, o Pentágono, Hollywood, o Vale do Silício, as universidades e outras fontes de onde emana o poder americano continuam sólidas.

Haverá cortes orçamentários que afetarão setores como as Forças Armadas. Mesmo assim, a vantagem atual dos EUA nesses setores sobre rivais de outros países é tão enorme que os cortes não o tirarão do primeiro lugar mundial.

Exemplo: só a frota da Guarda Costeira dos EUA tem mais navios que todas as embarcações das 12 maiores Marinhas de guerra do globo. Não é em vão que os EUA gastam mais com a defesa que o resto do mundo. As demais fontes de poder dos EUA enfrentam mais competidores, mas sua vantagem sobre seus rivais também é imensa.

Segundo: o poder absoluto não importa. O que importa é o poder relativo aos rivais. Embora os EUA possam estar se enfraquecendo e declinando em poder absoluto, seus competidores também estão passando por problemas e enfrentam desafios difíceis e ameaças internas e externas, políticas e econômicas.

Terceiro: a demografia. Em quase todos os países ricos, a população está crescendo muito lentamente ou está diminuindo. Nos EUA, está crescendo. Apesar de suas medidas recentes anti-imigrantes, os EUA continuam a ser o mais forte polo de atração de talentos do mundo. Também é país que integra os imigrantes mais rapidamente e os aproveita melhor -especialmente os imigrantes mais bem formados.

Quarto: a influência de ideias radicais e debilitantes será transitória. A ascensão de grupos com ideias radicais que ganham rapidamente influência significativa e dominam o cenário político, para depois sumirem com igual rapidez, é fenômeno recorrente nos EUA. O macartismo e os vários movimentos populistas são exemplos. Ross Perot é outro. E o Tea Party será mais um.

Os EUA enfrentam problemas enormes? Sim. Estão enfraquecidos? Sim. Mais que outros países? Não.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O horizonte perdido de Schwartsman.

Hoje, no Valor Econômico, o doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC Alexandre Schwartsman, escreveu sobre o “horizonte perdido”.

A comunicação das autoridades monetárias no mundo, bem como no Brasil, desenvolveu seus próprios códigos. Há expressões relativamente consagradas nos escritos dos bancos centrais que informam como os responsáveis pela gestão da política monetária veem determinados fenômenos, ou qual é sua postura face aos problemas que possam enfrentar. Dominar esse código, ainda que não seja uma arte esotérica, é tarefa delicada, a que os analistas se dedicam no afã de antecipar os próximos passos das autoridades.

Entretanto, às vezes tão importante quanto o que possa estar escrito é o que deixou de ser dito. Parece paradoxal - afinal de contas, como poderíamos saber o que está ausente? - mas a comparação e a evolução da comunicação pode dar pistas importantes acerca da atitude dos bancos centrais. Obviamente, entro nessa discussão motivado por um exemplo bastante concreto e recente: em sua última ata, o Copom retirou a menção que fazia à convergência tempestiva da inflação para a meta, "tempestiva" no caso tomada como equivalente a trazer a inflação de volta à meta no ano que vem.

Não bastasse isso, em que pesem as afirmações do Copom acerca do "cenário prospectivo para a inflação mostrar sinais mais favoráveis", o próprio comitê admite que, em todos os cenários mencionados na ata, a inflação prevista para 2012 se encontra acima da meta, tendo as projeções se elevado ou, na melhor hipótese, se mantido estáveis desde a última reunião. De fato, as previsões do Banco Central apontam agora convergência para a meta de inflação apenas na primeira metade de 2013, ecoando em certa medida as projeções feitas ao final do ano passado, que então previam reversão à meta em meados de 2012.

Vale notar que, ao final de 2010 o BC não havia explicitado que buscaria a convergência apenas em 2012 (o que só foi reconhecido no começo deste ano), embora suas projeções já sugerissem que essa seria a estratégia adotada. Em face desse histórico, pois, há, para dizer o mínimo, forte suspeita que o horizonte para o retorno da inflação à trajetória de metas teria sido mais uma vez empurrado adiante, uma característica marcante do atual ciclo que, é bom lembrar, começou há mais de ano, em abril de 2010. Se isso for verdade, como desconfio, serão pelo menos três anos com a inflação acima da meta, um desempenho que não engrandece nenhum BC no quadrante alfa da galáxia.

Isto dito, o raro leitor pode se perguntar qual o custo real desse processo. Não se trata, é claro, de descontrole inflacionário, pelo menos não como o que tornou o Brasil tristemente célebre em décadas passadas, mas "apenas" certa dificuldade de atingir a meta. Qual seria, então, o problema?

À parte o descumprimento da tarefa institucional do BC, conforme definida pelo Decreto 3.088/99, o problema se materializa na dinâmica de formação de expectativas, com efeitos precisamente sobre a capacidade do BC manter a inflação próxima à meta.

Há, em primeiro lugar, desconfiança crescente quanto ao real compromisso com a meta. Mais de uma vez integrantes do governo (não do BC, diga-se) se manifestaram favoravelmente no que se refere às perspectivas de uma taxa de inflação acima da meta, desde que contida no (enorme) intervalo de 2 pontos percentuais. Em outras palavras, se a inflação ficar abaixo de 6,5%, não parece haver descontentamento. À luz disso, suspeita-se qual seria a verdadeira meta de inflação.

De fato, se o governo se dá por satisfeito com a inflação igual ou superior à meta, ninguém em sã consciência pode esperar que, em média, a inflação seja próxima à meta e, assim, as expectativas tendem a se cristalizar em patamares superiores. Concretamente, tanto trabalhadores como empresários, no momento de decidirem salários e preços, não levarão em consideração a meta, mas tenderão a reajustá-los de forma mais agressiva, alimentando o processo inflacionário e, portanto, dificultando a tarefa do BC.

Adicionalmente, mesmo que as pessoas de alguma forma se convençam do inquebrantável compromisso com a meta, o retorno lento da inflação, expresso no persistente afastamento do horizonte de convergência, também implica mudanças na formação de expectativas.

Com efeito, num cenário como esse, também não faz sentido que os agentes econômicos adotem a meta de inflação como expectativa. Se desconfiam que a inflação só retornará muito lentamente à meta, provavelmente esperarão um valor entre a inflação observada no período imediatamente anterior e a meta. Em outras palavras, a inflação passada contamina as expectativas.

Para observadores pouco atentos a esse desenvolvimento, trata-se de indexação, que deveria ser proibida por lei (será que mandarão caçar os indexadores no mercado como os bois no pasto na época do Plano Cruzado?). Para quem busca entender o comportamento dos agentes, trata-se, porém, de reação absolutamente racional face à extensão contínua do horizonte de convergência.

Se o objetivo das autoridades é eliminar a persistência inflacionária, é bom que saibam que só o farão quando finalmente encontrarem seu horizonte perdido.

Happy Birthday Mr. President Barack Obama.

KENNETH MAXWELL, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre o 50º aniversário de BARACK OBAMA.

Hoje é o 50º aniversário de Barack Obama. A comemoração foi iniciada na noite de ontem, com concerto, jantar e evento de arrecadação de fundos, no histórico salão Aragon, em Chicago.

O Aragon Ballroom foi construído em 1926, com arquitetura no estilo mourisco. Seu interior lembrava uma aldeia espanhola, e o salão cujo nome celebra uma região da Espanha foi um grande sucesso no início dos anos 1930.

Reza a lenda que túneis secretos o conectavam ao Green Mill Bar, um reduto alcoólico da era da Lei Seca frequentado por Al Capone, o mais famoso gângster de Chicago.

No final dos anos 1960, quando morei em Chicago, o Aragon Ballroom havia-se tornado local dos maiores shows de rock, e era notório pelos frequentadores desordeiros.

Nos anos 1970, sob novos proprietários de etnia latina, a casa passou a promover shows e bailes para hispânicos, bem como ocasionais lutas de boxe.

Para Obama, uma festa de aniversário no Aragon Ballroom representa um retorno às "raízes". Mas a história de Obama em Chicago é, de certa maneira, problemática.

Em larga medida, ignora seus anos de infância passados no Havaí e na Indonésia, o papel de seus avós brancos e seus anos de estudo no Occidental College, em Los Angeles, e na Universidade Columbia, em Nova York.

Mas, então, o que Obama decide enfatizar sobre seu passado tende a ser político. Seus anos de trabalho em Chicago como ativista social e, depois, professor de direito e político, assim como suas atividades na Escola de Direito da Universidade Harvard e o papel de sua mulher e filhas, receberam muito mais ênfase.

Mas a verdade é que a semana não foi boa para Obama.

Seu 50º aniversário vem logo depois de um acordo de último minuto no Congresso para elevar o limite da dívida federal norte-americana, ou seja, o montante máximo de dívida que o governo pode acumular para pagar suas contas.

Mas o acordo surgiu à custa de grandes cortes futuros no deficit e sem aumento concomitante de impostos, e veio com a criação de uma comissão legislativa, formada por membros da Câmara e do Senado, que recomendará novos cortes de gastos antes do final deste ano, que terão de ser votados sem emendas.

Quase todos os pré-candidatos republicanos à Presidência norte-americana se opuseram ao acordo. Mesmo os democratas que votaram a favor acreditam que representa grande derrota para Obama.

Na verdade, o acordo foi uma vitória para os membros da direita mais extrema do movimento Tea Party, que se mostraram completamente indispostos a aceitar compromissos. Não é o mais feliz dos aniversários para Obama.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Os EUA iam acabar em 1861.

Raramente disponibilizo neste espaço artigos com o excelente texto do ELIO GASPARI. Isso não ocorre pela falta de assuntos comentados pelo mesmo, mas por questão de espaço e textos de colegas de economia, principal foco deste blog. Porém, hoje é impossível deixar de ler a defesa que GASPARI faz do império americano. E se utilizo o termo “império americano”, é verdadeiramente por considerar que se trata da atual maior superpotência do mundo. Após uma excelente leitura, vocês observarão que a economia americana sempre será a mais forte do mundo.

Os Estados Unidos iam acabar. Não nesta semana, mas há exatos 150 anos, depois que as tropas do Sul venceram em Manassas a primeira grande batalha da Guerra Civil. Grandes políticos ingleses, bem como "The Economist" e "The Times" (pré-Murdoch), achavam que o presidente Lincoln forçara a mão com o Sul. Quatro anos e 620 mil mortos depois, a União foi preservada e acabou-se a escravidão.

Passou pouco mais de meio século e, de novo, os Estados Unidos iam acabar. A Depressão desempregou 25% de sua mão de obra e contraiu a produção do país em 47%. A crise transformou fascismo e nazismo em poderosas utopias reacionárias. De Henry Ford a Cole Porter, muita gente se encantou com o ditador italiano Benito Mussolini. Dezesseis anos depois, as tropas americanas entraram em Roma, Berlim e Tóquio.

Em 1961, quando os soviéticos mostraram Yuri Gagarin voando em órbita sobre a Terra, voltou-se a pensar que os Estados Unidos iam se acabar. Em 1989, acabou-se o comunismo.

. A decadência americana foi decretada novamente em 1971, quando Richard Nixon desvalorizou o dólar, ou em 1975, quando suas tropas deixaram o Vietnã. O dólar continua sendo a moeda do mundo, inclusive para os vietnamitas.

A última agonia, provocada pela exigência constitucional da aprovação, pelo Congresso, do teto da dívida do país, foi uma crise séria, porém apenas uma crise parlamentar. Para o bem de todos e felicidade geral das nações, não só os Estados Unidos não se acabam, mas o que se acaba são os modelos que se opõem ao seu sistema de organização social e política.

No cenário de hoje, o ocaso americano coincidiria com a alvorada de progresso e eficácia da China. Lá, o teto da dívida jamais será um problema. Basta que o governo decida. Como lá quem decide é o governo, nos últimos cem anos o Império do Meio passou por dois períodos de fome que geraram episódios de antropofagia. Hoje a China não tem os problemas dos Estados Unidos, afinal, nem desastre de trem pode ser discutido pela população.

Guardadas as proporções, o sistema político brasileiro seria melhor que o americano, porque não haveria aqui a crise parlamentar provocada pelo teto da dívida. Se houvesse, o Brasil não teria quebrado nos anos 80 por ter tomado empréstimos dos banqueiros que ajudaram a criar a encrenca que hoje atormenta Washington.

Aquilo que parece uma crise da decadência é uma simples e saudável manifestação do regime democrático. Quando os negros americanos foram para as ruas, marchando em paz ou queimando quarteirões, também temeu-se pelo futuro do país. O que acabou foi a segregação racial.

Se hoje há uma crise nos Estados Unidos, ela não está nas bancadas republicanas ou mesmo na influência parlamentar do movimento Tea Party. Eles defendem o que julgam ser o melhor caminho para o país. A crise está em outro lugar, na negação, por um tipo de conservadorismo extremado, dos valores que fizeram da nação americana o que ela é. Quando o governo Bush sequestrou suspeitos pelo mundo afora, levando-os para centros de tortura, e viu-se obrigado a soltar alguns deles porque não eram o que se pensava, aí sim, os Estados Unidos estavam em perigo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Acordo na beirada.

Ilan Goldfajn, no O Estado de S. Paulo de hoje, comenta sobre a crise americana e a situação brasileira. Uma excelente leitura.

Obama e os republicanos chegaram a um acordo à beira do abismo. O calote estava próximo. No mínimo, será necessário interromper serviços fundamentais da economia americana para pagar o serviço da dívida. A visão predominante é que era tudo desnecessário, fruto de uma política partidária insana. Mas exageros e desfechos dramáticos à parte, não compartilho essa opinião. O debate fiscal nos EUA é legitimo e essencial. Não deve surpreender a falta de consenso sobre profundos cortes de gastos ou a volta dos impostos: tarefa difícil após a mais grave crise financeira internacional e com desemprego ainda recorde. Mas a dívida alta tem de ser recolocada numa trajetória sustentável. Estamos acostumados a assistir a debates fiscais desesperados e emocionantes nos Parlamentos apenas quando forçados por credores já recusando rolar a dívida do governo. O caso da Grécia é o exemplo mais recente desse fenômeno. Nos EUA não há problema com o financiamento da dívida. No fundo, os problemas nos EUA e na Europa são da mesma natureza fiscal, mas em estágios de degradação distintos.

Nos últimos tempos temos assistido a turbulências nas economias maduras. Parece, mas não é coincidência, que as crises estão ocorrendo em paralelo. Tanto nos EUA como na Europa, os problemas fiscais ficaram mais evidentes depois da crise. O crescimento potencial está sendo reavaliado e a viabilidade de manter a trajetória dos gastos, questionada. A crise mostrou que havia uma percepção mais otimista do futuro do que possível. O estouro da "bolha", visto a posteriori, é um sintoma dessa percepção equivocada. A solução é adaptar-se à realidade. Para evitar promover cortes profundos no meio da recessão é necessário pensar o ajuste no médio e no longo prazos. Alguns países, como Grécia, Portugal e Irlanda (e mesmo Espanha e Itália) não têm mais esse luxo: o seu ajuste de médio e de longo prazos virou de curtíssimo prazo. E mesmo assim, em alguns casos, como o da Grécia, será necessária a reestruturação da dívida. Outros países ainda têm o luxo de ajustes ao longo do tempo, como Alemanha, EUA, França e Japão, mas precisam começar a atuar já nos seus planos.

Nos EUA, o Congresso habitualmente autoriza o aumento do teto da dívida, que cresce sempre nominalmente, mesmo que como proporção do PIB não fosse o caso. Na situação atual, a discussão do teto veio a reboque do problema fiscal. O acordo na 24.ª hora prevê aumento do teto da dívida em US$ 2,1 trilhões (sendo US$ 900 bilhões neste ano e US$ 400 bilhões imediatamente) em troca de cortes de US$ 2,5 trilhões nos próximos dez anos. Mas de que forma ocorrerão esses cortes?

Há um debate legítimo na sociedade sobre como resolver a difícil questão fiscal e o excesso de endividamento. Os democratas querem evitar cortes de programas sociais (preferem aumento de impostos para empresas e para os mais ricos) e os republicanos querem corte de gastos mais profundos, evitando aumento de impostos. No acordo, a composição de cortes de US$ 1 trilhão já está delimitada e envolve gastos militares, entre outros. Os gastos militares voltaram a crescer após os atentados de 11 de setembro de 2001, com a volta do suporte da população às intervenções militares.

O impasse fiscal só parece ter chegado ao fim adiando-se o debate dos cortes de U$ 2,5 trilhões restantes para uma segunda etapa. As elevações adicionais da dívida (US$ 1,2 trilhão) ficam condicionadas a essa negociação. Serão meses e anos difíceis de negociação para decidir onde serão os cortes, inclusive sobre a previdência social e assistência médica aos mais velhos, e sobre uma possível reforma tributária (aumento de impostos).

É claro que questões puramente políticas estavam obscurecendo o debate. Os republicanos tinham interesse em adiar esse debate fiscal (ou antecipar os cortes de gastos) para o ano que vem, no meio das eleições, para prejudicar a imagem de Barack Obama. Era tudo o que ele queria evitar. Enquanto isso, a população mais moderada e independente irritava-se com ambos os partidos, o que, em última instância, os empurrava para a mesa de negociação.

Não obstante o acordo, as agências de classificação de risco ainda podem rebaixar a nota dos EUA por considerarem os cortes de gastos insuficientes. O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) estima que a dívida líquida vá atingir quase 85% do PIB nos próximos anos.

Há duas lições para o Brasil.

Primeiro, é importante perceber a mudança de curso na economia global. As economias maduras deixarão de ter seu dinamismo de outrora no futuro próximo. É um período em que excesso de velocidade (nos gastos públicos, por exemplo) pode levar a derrapagens sérias.

Segundo, temos aqui nosso próprio debate fiscal, que requer atenção, antes de sermos empurrados para o ajuste forçado. A dinâmica da dívida, que em suas épocas era a questão central, hoje dá lugar ao debate sobre os ajustes fiscais necessários para permitir juros menores, câmbio menos apreciado e espaço maior para investimentos público e privado, tão necessários ao desenvolvimento futuro. Temos avançado pouco num projeto fiscal de médio e de longo prazos nessa direção.

Europa de um lado, EUA do outro. É triste constatar que ainda estamos vivendo os tremores financeiros após o "terremoto" da crise financeira de 2008. O legado da crise são décadas de ajuste e redução das dívidas públicas (e privadas). Melhor pensar em formas de ajuste que antecedam o ajuste forçado. Isso vale para o Brasil, que fez um ajuste fiscal no passado quando necessário, mas que precisa projetar um plano de médio e de longo prazos para permitir queda da inflação, dos juros e do câmbio e um crescimento potencial maior. Nos EUA, o timing da crise fiscal foi autoimposto, o que, apesar de tudo, foi melhor que ajustar sob pressão dos credores.

Obama cede na questão da dívida.

PAUL KRUGMAN, no ESTADÃO de hoje.

Além de ser um desastre para Obama e seu partido, o acordo vai prejudicar a economia americana, já fragilizada, e a democracia do país, ao provar que a extorsão funciona.

Um acordo para elevar o teto da dívida federal está sendo trabalhado. Se aprovado, muitos comentaristas dirão que o desastre foi evitado. Mas estarão errados.

Com relação ao acordo em si, em face das informações disponíveis, é um desastre, e não só para o Obama e seu partido. Será prejudicial para uma economia já fragilizada; quanto ao déficit a longo prazo, provavelmente vai piorar. E, o mais importante, provando que a extorsão funciona e não provoca nenhum custo político, ele levará os EUA mais à frente no caminho para se tornar uma república de bananas.

Iniciemos pela economia. Atualmente atravessamos uma fase de economia profundamente deprimida. E a situação será a mesma no próximo ano. Talvez em 2013 também, se não for mais além. Nessas circunstâncias, o pior a fazer é cortar os gastos do governo, já que vai enfraquecer ainda mais a economia.

Quanto aos termos do acordo, equivalem a uma lamentável rendição do presidente. Em primeiro lugar, serão feitos enormes cortes de gastos, sem aumento da receita. Em seguida, uma comissão vai fazer recomendações de reduções futuras do déficit - e se não forem aceitas, novos cortes serão previstos.

Aparentemente, os republicanos têm um incentivo para fazer concessões na próxima rodada de negociação, porque a área da defesa está entre as que sofrerão cortes. Mas certamente sentem-se encorajados pela maneira como Obama cede às suas ameaças. Ele cedeu em dezembro, quando estendeu todos os cortes de impostos do governo Bush; depois capitulou quando ameaçaram fechar o governo; e agora novamente se rende a uma extorsão no caso do teto da dívida. Talvez apenas eu observe que existe um plano nisso tudo.

O presidente tem alguma alternativa desta vez? Sim.

Em primeiro lugar, ele poderia e deveria ter exigido um aumento do teto da dívida em dezembro. Quando indagado por que não fez, respondeu que estava certo de que os republicanos agiriam com responsabilidade. Bela aposta.

E, mesmo agora, o governo poderia recorrer a manobras legais para se esquivar do teto da dívida, usando algumas das várias opções à disposição.

Não se enganem, o que estamos presenciando é uma catástrofe em múltiplos níveis. Uma catástrofe política para os democratas, que há poucas semanas pareciam ter afugentado os republicanos e seus planos de desaparelhar o Medicare; agora Obama desperdiçou tudo. E os danos não vão ficar por aí: novos pontos de estrangulamento surgirão se os republicanos ameaçarem criar uma crise caso ele não ceda, podendo agir com a quase certeza de que ele cederá de novo.

A longo prazo, porém, os democratas não serão os únicos perdedores. O que os republicanos conseguiram foi pôr em dúvida todo o sistema de governo. Afinal, como uma democracia americana pode funcionar se um dos partidos está mais disposto a ser implacável, ameaçar a segurança econômica da nação, chegar até a impor a política para o país?

Talvez a democracia não consiga, esta é a resposta.

Irracionalidade econômica e racionalidade política.

ANTONIO DELFIM NETTO, hoje no VALOR ECONÔMICO:

O cabo de guerra que se instalou nos Estados Unidos entre o Executivo (dominado pelos democratas) e o Legislativo (dominado pelos republicanos) para a aprovação do aumento do endividamento público é um jogo político de alto risco, mas com altíssimo prêmio: o resultado da eleição presidencial de 2012. Não parece, entretanto, que o "mercado" da dívida pública americana tenha lhe dado até aqui maior importância, o que não se pode dizer dos mercados mais especulativos que vivem das incertezas que geram volatilidade. Isso se prova pelo fato que, semanalmente, o Tesouro americano vende, em média, qualquer coisa parecida com US$ 80 bilhões de papéis com vencimento de 30 dias (35%), de um ano (25%), e de dois anos (40%). No último leilão semanal, de 26/7, vendeu US$ 73 bilhões com as características apresentadas na tabela abaixo.

A demanda global dos papéis de vencimento em 30 dias, com relação ao nível de corte do Fed, foi de 5,3 vezes (para cada US$ 1 bilhão vendidos apresentaram-se potenciais compradores de US$ 5,3 bilhões). Nas quatro semanas de julho o Fed vendeu US$ 102 bilhões de papéis com vencimento de 30 dias. As demandas sempre foram mais do que 4,5 vezes o montante vendido, com taxa de juro media inferior a 0,06%. No mesmo mês, o Fed colocou mais de US$ 330 bilhões de papéis com vencimentos entre 30 e 720 dias (contra uma demanda superior a US$ 1,2 trilhão) com suas respectivas taxas de juros praticamente inalteradas.

Esses números não parecem revelar qualquer angústia maior do "mercado" da dívida pública com a possibilidade de um "default". Talvez porque esse seria o primeiro da gloriosa história da dívida interna americana desde que Hamilton, inteligentemente, decidiu honrar as dívidas das colônias após a conquista da independência. Não foi sem razão que o dólar transformou-se, depois da Segunda Guerra, na unidade de conta com poder liberatório e reserva de valor universais, e que os papéis do Tesouro dos EUA são a única aplicação com risco nulo. Isso ajuda a explicar porque a economia americana transformou-se no que é.

Essa é a maior demonstração que não se trata de um problema sobre a capacidade ou a eventual incapacidade de os EUA honrarem a sua dívida ou de continuarem a encontrar compradores para seus papéis a taxa de juros praticamente nula (de fato negativas). O Tesouro americano não enfrenta questão de solvência e, por definição (porque emitem a moeda de poder liberatório universal), muito menos de liquidez!

O único problema do Tesouro americano é o estabelecimento de um teto legal de endividamento nominal, que já foi alterado muitas vezes quando preciso. Em condições normais de pressão e temperatura isso tem sido feito sem grande celeuma, uma vez que o teto é corroído pelo próprio processo inflacionário e pelo crescimento do Produto Interno Bruto, o que mostra a irracionalidade institucional.

Irracionalidade? Muito pelo contrário! É apenas mais uma das medidas "racionais" do Congresso americano para controlar o Poder Executivo. O risco é que em condições especiais: 1) quase equilíbrio entre a representação republicana e democrática no Congresso; 2) uma situação de crise econômica muito mal resolvida; 3) uma política econômica fortemente contestada porque protegeu Wall Street à custa da Main Street; e 4) às vésperas de uma eleição presidencial, esse poder - por pura ignorância das consequências - tornar-se uma arma de destruição em massa.

Quando o poder está em jogo, a irracionalidade econômica pode ter racionalidade política e a insensatez tem sua chance! Mas, felizmente, ainda não foi agora que aconteceu.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Ainda sobre a crise americana.

PAUL KRUGMAN, escrevendo em seu blog que SE EU ESTIVESSE NA CÂMARA...

Acho que preciso ser explícito a esta altura: é isso mesmo, eu votaria `não’.

E quanto à catástrofe que resultaria disto? Tenho muito a comentar.

Primeiro, as pessoas que devem ser as mais bem informadas a respeito do assunto me dizem que o Tesouro não vai ficar sem dinheiro amanhã; as reservas ainda durariam mais alguns dias.

Segundo, aqueles que afirmam que coisas terríveis ocorreriam imediatamente no mercado também afirmaram que haveria um grande movimento de recuperação assim que um acordo fosse estabelecido. Não exatamente: o índice Dow apresenta atualmente queda de 121 pontos.

Terceiro, a ideia de que uma interrupção temporária no seu funcionamento danificaria para sempre a credibilidade das instituições americanas parece agora irrelevante; quem ainda não perdeu a fé nas instituições americanas não deve ter prestado atenção nos fatos até o momento.

Quarto, aquelas opções legais ainda estão disponíveis. Obama pode agir agora; e, mesmo que no fim o presidente seja derrotado nos tribunais, isto fará com que ele ganhe tempo.

Não resta dúvida que se trata de uma escolha arriscada. Mas a situação toda é imensamente arriscada, graças ao extremismo e à sede se sangue da direita. Não há opção segura, e a tentativa de não correr riscos quando não existe segurança possível vai nos levar… Ora, ao ponto em que Obama se encontra no momento.

Elevando a inflação.

Carlos Alberto Sardenberg, no “O Estado de S. Paulo” de hoje, comenta sobre “Elevando a inflação”.

Junte as histórias: a presidente Dilma Rousseff afirma que o combate à inflação não pode matar o crescimento econômico. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que, se a inflação do ano ficar abaixo de 6,5%, a meta terá sido cumprida. O Banco Central (BC) deixa de dizer que seu objetivo é levar a inflação para o centro da meta (4,5%) em 2012.

Conclusão: os 4,5% ficaram para 2013.

Ninguém do governo disse isso com todos os números e muitos analistas acham que o compromisso com a meta em 2012 está de pé. Mas o jeitão da coisa parece ter mudado: o governo se encaminha para aceitar uma inflação mais alta por um tempo maior.

Não faz muito tempo que a Fazenda esperava para este ano uma inflação (sempre medida pelo IPCA, índice do IBGE) em torno dos 5%. Aos poucos, foi admitindo algo maior - tudo por culpa dos preços internacionais de alimentos - e, mais recentemente, Mantega disse que até 6,5% estaria tudo bem.

É uma análise tão criativa quanto a contabilidade que turbinou as contas públicas no ano passado. A meta de inflação no Brasil é de 4,5%, com tolerância de dois pontos para baixo (que ninguém conta) ou para cima. Logo, pode ir até 6,5%, mas em circunstâncias excepcionais. Essa margem é colocada justamente para acomodar pressões inesperadas, que estejam em parte ou totalmente fora do controle das autoridades locais.

É justamente o caso da alta internacional de preço de alimentos, causada por aumento de consumo, mas também por quebra de safra e problemas climáticos em diversos países. Essas cotações pressionam os preços locais e a inflação de alimentos contamina o índice ao consumidor. E aí? Uma forte alta de juros, aqui, não altera o clima na Rússia.

Assim, é preciso acomodar essas elevações e combater seus efeitos secundários, utilizando-se, por algum período, da margem de tolerância. Ou seja, não se pode dizer, aqui, que qualquer inflação abaixo de 6,51% ao ano cumpre a meta.

Não cumpre. É um desvio. Transformar esse desvio em regra equivale, simplesmente, a elevar a meta de inflação - e parece ser exatamente essa a intenção do governo.

Nas projeções do Banco Central, divulgadas na última Ata do Comitê de Política Monetária (Copom), a inflação só volta para a meta em meados de 2013, daqui a dois anos, portanto, um tempo muito largo.

Quando os cenários mostram isso, o Banco Central, pela atual política monetária, deve elevar os juros hoje para trazer a inflação para a meta num prazo menor, digamos 12 meses, que era a conversa inicial das autoridades monetárias.

Ficaria assim: em 2010 e 2011, a inflação rodaria na casa dos 6%, mas caindo forte no segundo semestre deste ano para chegar nos 4,5% em 2012.

Mas a Ata disse umas coisas e deixou de dizer outras, levando analistas a entender que o Banco Central está preparando o ambiente para suspender o ciclo de alta de juros nos atuais 12,5%. Sendo isso mesmo, o conjunto só fecha com a aceitação de inflação maior ao longo de todo o próximo ano e início de 2013.

Ficamos assim: em 2010, o BC parou de elevar juros para não atrapalhar a eleição de Dilma Rousseff e, assim, comprometeu os resultados daquele ano e de parte deste. Agora, o pretexto é não elevar juros para manter o crescimento perto dos 5%. O risco é indexar a inflação num nível perigoso e obter menos crescimento econômico.

Agora, no segundo semestre, ocorrem negociações salariais de categorias importantes e numerosas. O Banco Central alerta: aumentos acima da produtividade são inflacionários.

De fato, são, mas a medida da produtividade não é trivial. E como dizer aos trabalhadores que a inflação está elevada por um bom tempo, a economia veio bem, setores estão com lucros bons, mas os salários têm de ser regulados pela expectativa de inflação menor? Sobretudo quando se sabe que o salário mínimo vai subir 14% em janeiro.

Por que o déficit dos EUA é tão grande?

Martin Feldstein é professor de Economia na Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Ronald Reagan e presidente do Birô Nacional de Pesquisas Econômicas. Copyright: Project Syndicate, 2011. Escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO, sobre Por que o déficit dos EUA é tão grande?

O enorme déficit orçamentário dos EUA é agora menor, percentualmente, em relação à renda nacional, do que na Grécia e no Egito, entre todos os principais países do mundo. Sem dúvida, o déficit atual de 9,1% do PIB se deve em parte aos efeitos automáticos da recessão. Mas, de acordo com as projeções oficiais do Birô de Orçamento do Congresso dos EUA (CBO, na sigla em inglês), mesmo depois que a economia retornar ao pleno emprego, o déficit continuará a ser tão grande que a proporção da dívida americana em relação ao PIB persistirá em alta pelo resto desta década e além.

Compreender como realizar uma consolidação orçamentária nos EUA exige entender por que projeções indicam que o déficit orçamentário deverá manter-se tão alto. Antes de examinar os déficits projetados para o futuro, consideremos o que aconteceu nos dois primeiros anos de governo do presidente Barack Obama para fazer o déficit subir de 3,2% do PIB em 2008 para 8,9% do PIB em 2010 (o que, por sua vez, elevou de 40% para 62% a dívida nacional em relação ao PIB).

O aumento de 5,7% do PIB no déficit orçamentário refletiu uma queda de 2,6% do PIB em receitas tributárias (de 17,5% para 14,9% do PIB) e um crescimento de 3,1% do PIB em gastos (de 20,7% para 23,8 % do PIB). De acordo com o CBO, menos de metade do aumento de 5,7% do PIB no déficit orçamentário foi resultado da desaceleração econômica, pois os estabilizadores automáticos adicionaram 2,5% do PIB ao aumento do déficit entre 2008 e 2010.

A análise do CBO refere-se às mudanças no déficit orçamentário induzidas por condições cíclicas como "estabilizadores automáticos" no contexto da teoria de que o declínio de receitas e aumento das despesas (principalmente com benefício desemprego e outras transferências) causadas por uma desaceleração econômica contribuem para a demanda agregada e, portanto, ajudam a estabilizar a economia.

A perspectiva orçamentária para as décadas subsequentes é dominada pelos crescentes custos dos benefícios da Seguridade Social e Medicare, que, segundo projeções, elevarão a proporção da dívida sobre o PIB de 90% em 2020 para 190% em 2035

Em outras palavras, mesmo sem os estabilizadores automáticos, isto é, se a economia estivesse em nível de pleno emprego em 2008-2010, o déficit orçamentário americano ainda teria crescido 3,2% do PIB. A diminuição da receita e o aumento dos gastos respondem, cada um, por cerca de metade desse aumento do déficit "a pleno emprego".

Olhando para o futuro, o CBO projeta que uma aprovação do orçamento proposto pelo governo Obama em fevereiro acrescentaria US$ 3,8 trilhões à dívida nacional entre 2010 e 2020, fazendo com que a proporção da dívida em relação ao PIB subisse de 62% para 90%. Esse aumento de US$ 3,8 trilhões na dívida líquida reflete aumento em torno de US$ 5 trilhões no déficit, devido a maiores gastos e menores receitas dos contribuintes de média e baixa rendas, compensados em parte por US$ 1,3 trilhão em aumentos de impostos, principalmente sobre pessoas de alta renda.

Até mesmo esse enorme crescimento projetado para os déficits e o endividamento subestima os impactos negativos que o orçamento fiscal do governo Obama, se aprovado, infligiria. O orçamento proposto assume que gastos "opcionais" não relacionados com a defesa (que exigem aprovação do Congresso, ao contrário dos chamados gastos "obrigatórios", como benefícios pagos aos pensionistas garantidos pela Seguridade Social, continuarão a crescer, a menos que o Congresso modifique os benefícios) aumentarão num total de apenas 5% na década de 2010 a 2020, o que implica uma queda em termos reais e nenhum espaço para novos programas.

Projeções sugerem que o nível anual de gastos com defesa diminuirão em cerca de US$ 50 bilhões em cada ano após 2012 uma visão muito otimista das necessidades militares dos EUA na próxima década. Uma redução do déficit do orçamento americano para prevenir um novo aumento da proporção da dívida em relação ao PIB a partir de seu nível atual exigirá redução de gastos e aumento das receitas. Esse aumento na receita pode ser obtido sem aumento das taxas de imposto marginais, ou seja, limitando o montante de redução de impostos que as pessoas físicas e as empresas podem conseguir com as várias "deduções tributárias" que constituem uma parte importante da legislação tributária americana. Mas isso é assunto para outra coluna.

Do lado das despesas, porém, a perspectiva de que a dívida nacional possa dobrar durante a próxima década é apenas o começo do problema fiscal que os EUA agora têm pela frente. As perspectivas orçamentárias para as décadas subseqentes é dominada pelos crescentes custos dos benefícios da Seguridade Social e Medicare, que, segundo projeções, elevarão a proporção da dívida sobre o PIB de 90% em 2020 para 190% em 2035. Uma reforma fundamental desses programas é o principal desafio para as finanças públicas americanas e, portanto, para a saúde de longo prazo da economia dos EUA.

Pensando na economia americana...

VINICIUS MOTA, na FOLHA DE S. PAULO de hoje, escreve sobre “o impensável”.

O ano que vem marcará o 50º aniversário do episódio mais tenso da Guerra Fria. Em outubro de 1962, soviéticos e americanos flertaram com o embate direto, a partir da resposta dos EUA à instalação, em Cuba, de bases de mísseis de ataque da URSS.

A ameaça de escaramuça desafiou a sociedade a especular sobre o que restaria em caso de colapso daquela ordem bipolar. A abstenção do combate frontal entre americanos e soviéticos, afinal, era um requisito que conferia estabilidade e previsibilidade às relações e aos conflitos internacionais.

A guerra aberta inauguraria um período de prolongada incerteza.

E o que ocorreria hoje se o dólar e os títulos do Tesouro dos Estados Unidos deixassem de ser o esteio das finanças globais? Como no caso dos mísseis, a ameaça de calote americano questiona fundamentos da organização do mundo como ele é -ou parece ser.

A resposta é impensável nos termos atuais. Não há moeda para a qual fugir; não há governo com poder econômico e credibilidade comparáveis; não há arquitetura financeira para absorver o colosso de riqueza denominada em dólares.

E entretanto faz 30 anos que os Estados Unidos estão afundando no vermelho. Para sustentar o consumo, o governo faz dívida com seus cidadãos, as famílias penduram sua renda futura em bancos e cartões de crédito, e o país inteiro toma emprestado do exterior.

Com a produção estagnada no nível de 2007 -e a probabilidade de resultados ruins até 2012-, os EUA rolam a conta na base da maquininha de imprimir dólares e papéis do Tesouro. Apesar dos resmungos, o mundo todo aceita o jogo, pois treme de pensar na desordem profunda que o fim dessa ilusão monetária acarretaria.

Ainda assim, tal como ruiu a ordem bipolar, que parecia inabalável, a supremacia do dólar não vai durar para sempre. Chegou a hora de desafiar o impensável.

O governo ideal.

A competência de um governo se revela em sua quase invisibilidade ideológica.

LUIZ FELIPE PONDÉ, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escrevendo sobre os Anões bolivarianos, foi direto na ferida.

O colonialismo cultural de Bresser-Pereira.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, em artigo na FOLHA DE S. PAULO de hoje, questiona sobre “o colonialismo cultural” do economista. O assunto é provocativo, polêmico e merece ser discutido entre nós, sempre com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino e da pesquisa econômica. Será que podemos entender como mais uma espécie de “cota” que o governo deve dispor para as nossas publicações?

De que tipo de economistas o Brasil precisa? De economistas que pensem de acordo com os problemas e interesses nacionais ou conforme a agenda e os interesses dos ricos?

Faço essa pergunta ao verificar que hoje o padrão de qualidade do ensino e da pesquisa aceito pela "comunidade acadêmica" é definido pelas revistas estrangeiras.

Ao fazermos isso, estamos formando professores e pesquisadores alienados dos interesses nacionais, estamos praticando uma violência contra a nação brasileira.

Para que uma nação seja forte, precisa dominar a ciência e a tecnologia, o que permitiu que os primeiros países que se industrializaram se tornassem ricos e poderosos. Para isso, países como o Brasil, cuja revolução capitalista foi retardatária, precisam contar com universidades capazes de absorver a ciência e a tecnologia estrangeiras.

Não é, porém, com esse tipo de argumentação que se pode explicar o fato de que no Qualis - o sistema de qualificação de periódicos da Capes que serve para avaliar a produção acadêmica - não haja sequer uma revista nacional de economia classificada como A.

Se a teoria econômica fosse uma ciência natural e exata como é a física, não haveria problema aí. Mas a economia é uma ciência social, é uma ciência que busca compreender como as sociedades modernas produzem e distribuem riqueza.

É uma ciência imprecisa porque os homens não são autômatos previsíveis e é sempre marcada pela ideologia, pois os interesses que envolve são muito grandes. Pretender transformá-la em uma ciência matemática é pura arrogância, o que leva à desregulamentação dos mercados e abre espaço para baixo crescimento e crises.

A economia é uma ciência que sempre refletiu interesses nacionais. E os países ricos sempre a usaram para "empurrar a escada" dos retardatários, ou seja, para convencê-los a adotar políticas que consultam seus interesses nacionais.

Não obstante isso, os artigos publicados por pesquisadores em revistas brasileiras obtêm uma pontuação nas avaliações da Capes muito menor do que os publicados em revistas estrangeiras.

A participação das revistas nacionais na classe A é zero. O que estamos dizendo aos jovens brasileiros com essa política?

Que pautem suas pesquisas e sua forma de pensar pelos padrões dos países ricos nossos concorrentes. "Mas é mais difícil publicar em uma revista estrangeira", dizem-nos.

Claro que é em algumas revistas, mas não é esse o critério. Ao Brasil, o que interessa são economistas que saibam analisar e propor soluções para os problemas brasileiros.

Quando revelo à Capes minha indignação com o colonialismo cultural, dizem-me que estão traduzindo a visão da comunidade acadêmica.

Mas quem "consagra" tal monstruosidade é o Estado brasileiro, que existe não para traduzir, mas para afirmar valores.

Para resolver esse problema, a Capes deveria estabelecer para as ciências humanas um porcentual mínimo de periódicos nacionais A.

Não precisa ser um percentual alto como o da história. Um número em torno de 20% como é o caso da antropologia é aceitável. Inaceitável é o que ocorre na economia.

domingo, 31 de julho de 2011

EUA perdem o AAA na política.

Clovis Rossi, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre o drama que passa a economia americana e, pela grandiosidade, a mundial.

O presidente Barack Obama, em seu enésimo apelo ao bom-senso, lembrou na sexta-feira que os Estados Unidos correm o risco de perder, pela primeira vez na história, o melhor "rating" não porque não tenham a capacidade de pagar as contas, "mas porque não temos um sistema político AAA que corresponda ao nosso rating de crédito AAA".

É inacreditável, mas é isso mesmo. A dívida norte-americana é de fato colossal, na altura de US$ 14,3 trilhões, o que corresponde, grosso modo, a sete vezes o que o Brasil produz por ano de bens e serviços.

Mas, enquanto o mundo estiver disposto a financiá-la -e continua disposto- não haveria risco de "default", mesmo que parcial, e, por extensão, não haveria risco de degradação da nota de crédito da maior economia do mundo, única superpotência remanescente -fatores que tornam a situação alucinante.

Ao assumir que o sistema político norte-americano não merece nota 10, Obama está concordando explicitamente com a análise recorrente a respeito da crise, análise que fica de pé, aconteça o que acontecer hoje ainda ou amanhã. Há uma enxurrada de comentários dizendo que o sistema político norte-americano tornou-se disfuncional.

Minha opinião: a generalização, como quase toda generalização, é injusta. A disfuncionalidade não é de todo o sistema. Deriva da introdução nele, a partir do ano passado, do fundamentalismo hidrófobo do Tea Party, o movimento ultraconservador que não é majoritário nem entre os republicanos, mas cuja virulência sequestrou a agenda do país e, de certo modo, do mundo.

Basta ler comentário, também de sexta-feira, do "Financial Times", publicação que compartilha com o Tea Party a ojeriza a um Estado grande, mas é séria e responsável o suficiente para dizer: "Esta anabolizada facção populista-conservadora combina um zeloso e intransigente desejo de reduzir o governo com um desprezo cego pelas consequências do default. O desejo é legítimo, a irresponsabilidade é imperdoável".

A irresponsabilidade se torna ainda mais imperdoável quando se sabe que o que está em jogo agora não é aumentar a dívida para o futuro, mas simplesmente para pagar as dívidas já contratadas e devidamente autorizadas pelo Congresso em momentos anteriores.

Portanto, é injusta também a generalização feita pela presidente Dilma Rousseff, na cúpula de quinta-feira da Unasul, ao dizer, referindo-se a Estados Unidos e União Europeia que "a insensatez é a regra".

Em geral, quando se diz que todos são igualmente culpados, acaba-se aceitando que ninguém seja responsabilizado, o que, pelo menos neste caso, é um erro grave.

Se o presidente Obama tem alguma culpa é a de ter sido demasiadamente conciliador, o que o levou a abandonar a sua fórmula preferida -e de elementar sentido comum- de que o ajuste fiscal deveria ser composto por aumento de receita e corte de gastos, na proporção de 20% para 80%.

Agora, com ou sem "default", virão só cortes de gastos, o que o sentido comum diz que não é o mais sadio, num momento em que a economia patina, como mostra o pífio crescimento do segundo trimestre.

Revista Estudos Econômicos.

Mensagem de Delfim Netto na Revista Estudos Econômicos:

Foi com imensa honra e enorme gratidão que recebi o convite para ser patrono da nossa revista “Estudos Econômicos”, que completa o seu 41º ano. É sucessora de publicação mais antiga, a Revista de Teoria e Pesquisa Econômica.Este é um momento particularmente interessante para a nossa profissão. A crise de 2007/09 que atingiu o sistema financeiro, interrompeu o “circuito econômico” e já custou mais de 5% do PIB mundial e deixou desempregados mais de 30 milhões de honestos trabalhadores. Ela mostrou as limitações dos nossos conhecimentos de como funciona, de fato, o sistema econômico. Mostrou mais: a precariedade do que parecia uma revolução científica, a Economia Financeira, construída por pequenos economistas, supostos grandes matemáticos!

O economista é um cientista social que tenta entender como funciona o mundo real (e não impor-lhe o que gostaria que ele fosse), que tenta encontrar algumas regularidades e organizar estórias plausíveis sobre elas. O resultado do seu trabalho deve ajudar a lubrificar o funcionamento das instituições que levam ao desenvolvimento sustentável com justiça social. Nem toda atividade social é de interesse da economia, mas toda atividade econômica é de interesse social. O agente econômico é um animal mais complicado do que supúnhamos: aprende com uma racionalidade limitada inserido num universo de incertezas.

O individualismo metodológico e os agentes representativos, que estão na base das nossas construções teóricas são insuficientes para entender o fenômeno social das redes que dominam o universo social, da tendência à imitação dos agentes e da segurança que a norma dá ao cidadão. Este, seguramente, movese por estímulos e interesses, mas se move num espaço social, numa rede da qual é só um elemento, mas condiciona as suas escolhas.

A pobre discussão, que envolveu a ideia de “Estado Mínimo” era apenas uma ação diversionista. Na verdade, não existe “mercado” sem um Estado capaz de garantir as condições de seu funcionamento. Numa larga medida a forma de organização do sistema produtivo é ditada pelos que detém o poder político e formula a política econômica que serve aos seus interesses. A sua justificativa teórica e a formalização para justificá-la é um produto ideológico. Para entender isso basta ver como a tomada do poder pelas finanças nos EUA levou a uma política econômica que lentamente erodiu a legislação que regulava suas atividades e fora produzida após a Grande Depressão. Muito rapidamente os “cientistas” produziram a “ciência” que justificava a total desregulamentação da atividade financeira em nome da “eficiência” e da descoberta de “inovações” capazes de medir os “riscos” de forma que nunca mais se voltaria a 1929!

É preciso incorporar no DNA dos economistas a autonomia do político. Nas situações de conflitos irreconciliáveis, só o poder político pode arbitrar. Ainda que possamos ter, por exemplo, sugestões interessantes sobre a flexibilidade do mercado de trabalho (o que não é muito seguro do ponto de vista empírico), elas são, claramente, propostas “normativas” que produzem, inevitavelmente, “vencedores” e “perdedores”. É um pouco ridículo sugerir aos últimos que devem sacrificar-se em nome de um “valor maior” construído sobre bases teóricas discutíveis.

A minha esperança é que “Estudos Econômicos” continue a abrigar contribuições de todos os matizes, teóricos e ideológicos, porque aqui, como

na biologia, só a diversidade é fértil. Essa, aliás, é uma velha tradição da FEA/USP. Apenas para dar um exemplo. Nos idos de 1947, o ilustre Prof.Paul Hugon nos ensinava – na cadeira de Economia Política – que a moeda era “qualquer coisa” aceita pela sociedade com as qualidades de ser uma unidade de conta,de resgatar compromissos e capaz de ser reserva de valor. Era apenas um véu que escondia a economia real. Logo em seguida, o não menos ilustre Prof. Heraldo Barbuy – na cadeira de Sociologia – vinha nos “enriquecer” inspirado em George Simmel, que não era tão simples: a moeda era produto de uma convenção social que tinha profunda influência no comportamento humano, como a cupidez, a avareza e a prodigalidade e exercia profunda influência sobre a economia real.

Estamos diante de um novo e excitante momento. Sinto não ser mais jovem para aproveitar as oportunidades que se abrem à nossa profissão para prosseguir no trabalho de oferecer instrumentos para a boa governança dos Estados.

Boa sorte a todos.

Antonio Delfim Netto

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Cartoon da Time.

Direto da TIME, eu escrevo: nunca substitua seu livro por um tablet.

Para que serve a UNE?

Lendo no GLOBO excelente texto do genial NELSON MOTTA, pergunto: para que serve a UNE?

Se o futuro do Brasil está nas mãos dos estudantes e quem os representa é a UNE, então é bom começar a pensar em um plano B. Em artigo no GLOBO, o novo presidente, Daniel Iliescu, nem tão novo assim, porque tem 26 anos e já poderia estar formado e trabalhando, nega ser chapa-branca argumentando que a UNE é preta, vermelha, amarela, de todas as cores. Que fofura! Igualzinha ao comercial do agrobusiness com Lima Duarte na televisão.

O companheiro Iliescu afirma o pluralismo da entidade, que tem filiados de todos os partidos, embora seja um braço do PCdoB governista há mais de nove anos. Para ele a presença de 10 mil estudantes no congresso de Goiânia "é indicativo de uma juventude corajosa, generosa e mobilizada". Que coragem ! Que generosidade ir a uma boca-livre oferecida pela Petrobras. Mas ao menos ele reconhece que a grande maioria dos estudantes não se interessa pelos partidos nem pela UNE. Melhor assim. A UNE está cada vez mais parecida com um sindicato lulista.

A pérola de seu artigo é a justificativa do patrocínio oficial à UNE comparando-a aos principais veículos da imprensa brasileira, "que recebem milhões de reais em verbas publicitárias e não têm sua independência e seu senso critico questionados". A grande midia pode ser independente porque não vive só de anuncios oficiais, como os "blogueiros progressistas". A Petrobras precisa anunciar para vender mais óleo e gasolina e não para comprar opiniões. Talvez nem seja o caso de estudar mais, bastaria ler jornais e revistas.

O pior é tentar fugir da chapa-branca alegando que "as principais bandeiras da UNE têm pontos de dissenso com o governo federal", tipo o governo quer dar 7% do PIB ao Plano Nacional de Educação e a UNE quer 10%. Mas hoje o que mais falta para a educação não é dinheiro, é bom uso dos recursos, menos roubo e melhor qualidade do ensino.

A UNE também é "radicalmente contra as abusivas taxas de juros do Banco Central e a favor de mais investimentos e desenvolvimento", mas quem não é? Resta aos caras-pintadas ir para as ruas com coragem, generosidade e mobilização, e derrubar os juros.

Barulho em excesso,

Leio no GLOBO uma entrevista com o especialista em câmbio e sócio da Tendências Consultoria, Nathan Blanche. Ele diz que as medidas anunciadas no câmbio não mudam a trajetória do real. Ele teme a insegurança gerada pela intervenção e diz que especuladores são minoria nos mercados futuros.

Qual a avaliação do senhor sobre as medidas no câmbio?

NATHAN BLANCHE: Houve muito barulho e pouca eficiência. O governo tenta mais uma vez que controlar algo que é incontrolável. Por trás da queda do dólar, existe uma realidade de crise em mercados relevantes, com o americano e europeu, onde as moedas estão desvalorizadas. E a economia brasileira precisa da poupança externa para financiar seu forte crescimento, o que implica nesse fluxo de entrada de capitais. Eu não vejo como o Banco Central e o Ministério da Fazenda podem evitar a queda do dólar sem provocar um grande desastre, uma intervenção irresponsável, que levaria a uma quebra no crédito ao Brasil. E, nesse caso, o câmbio subiria para algo como R$3, R$4.

Mas o governo defende que a medida é para conter especuladores...

BLANCHE: Eu tenho um ditado que diz que quem chama os agentes dos mercados de derivativos e futuros de especuladores é porque não tem nenhuma noção da importância da segurança que esse mercado oferece. Pode ser o mercado de banana, laranja, café ou dólar. Tem, é verdade, sempre alguém que especula sobre os preços para ganhar dinheiro. Mas esse especulador é uma minoria. A maior parte dos agentes é responsável e quer apenas garantir a segurança de sua operação de crédito, de financiamento.

O Conselho Monetário Nacional passa a poder mexer nas regras de derivativos. Preocupa?

BLANCHE: É o que me deixa apreensivo. A legislação do mercado cambial brasileiro tem fragilidades que permitem esse tipo de intervenção do governo. Houve uma consolidação do regime de câmbio flutuante dos anos 90 para cá, mas em termos de lei ainda causa insegurança. Mas nada de muito dramático aconteceu até agora e o mercado tem encontrado caminhos para trazer dólares.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...