domingo, 1 de setembro de 2013

Um PIB sem vitamina.

Editorial do ESTADÃO analisa o resultado do PIB brasileiro no segundo trimestre deste 2013.

O Brasil teve um segundo trimestre quase chinês, segundo a comparação do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A exibição de entusiasmo foi breve, mas com alguma base aritmética. A economia chinesa cresceu entre abril e junho em ritmo equivalente a 6,9% ao ano. No mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro aumentou 1,5%. Em quatro trimestres isso resultaria numa taxa acumulada de 6,1%.

Mas a semelhança termina aí. A China cresceu durante anos a taxas próximas de 10%. O impulso diminuiu nos últimos tempos, em parte porque o governo decidiu remodelar a economia e dar mais peso ao mercado interno, mas, a expansão deve continuar acima de 7% em 2013 e em 2014.

Por aqui, o panorama tem sido muitíssimo diferente. Depois de aumentar apenas 2,7% em 2011, a produção brasileira avançou 0,9% no ano passado. Para 2013, o ministro Guido Mantega se absteve de apresentar uma projeção e anunciou um 2014 "mais promissor". O paralelo com a China foi abandonado rapidamente. Mas a fala otimista foi mantida e reforçada com a apologia da política econômica.

O ministro mostrou especial entusiasmo em relação à retomada do investimento. A economia, segundo ele, está crescendo "com qualidade". O valor investido em máquinas, equipamentos, construções e obras de infraestrutura aumentou 3,6% em relação ao primeiro trimestre e foi 9% maior que o de igual período do ano passado. O total dos primeiros seis meses foi 6% superior ao do primeiro semestre de 2012 - um belo resultado -, mas o acumulado em 12 meses cresceu apenas 0,2%.

A recuperação do investimento ocorreu, portanto, sobre uma base muito baixa, até porque o valor investido no ano passado foi 4% menor que o de 2011. Além disso, mesmo com a recuperação, o País investiu no segundo trimestre apenas 18,6% do Produto Interno Bruto. Entre abril e junho do ano passado havia ficado em 17,9%. A maior taxa alcançada num segundo trimestre, nas últimas duas décadas, foi de 19,2%, em 2010. Em economias latino-americanas mais dinâmicas o valor aplicado em capital fixo (máquinas, equipamentos, etc.) tem atingido e até superado 25% do PIB (acima de 27% na Colômbia, por exemplo). Os 24% ou 25% indicados pelo governo como objetivos razoáveis para o Brasil continuam muito distantes.

Quanto a esse aspecto, só com uma dose excepcional de boa vontade se pode falar de crescimento com qualidade. Por enquanto, não há nada além de uma recuperação. Além disso, boa parte das máquinas e equipamentos comprados neste ano foi de caminhões e bens de produção destinados à agricultura. Há um vínculo claro entre esse detalhe e o desempenho do setor rural. No segundo trimestre, a produção da agropecuária cresceu 3,9% em relação ao primeiro e foi 13% superior ao de um ano antes. O resultado do primeiro semestre foi 14,7% maior que o de janeiro a junho de 2012 e a expansão acumulada em 12 meses chegou a 7,4%.

O crescimento industrial no primeiro semestre ficou em 0,8% e a produção em quatro trimestres foi apenas 0,1% maior que a do período anterior. O número do segundo trimestre, 2% maior que o de janeiro a março, pode ser uma boa notícia, mas a atividade industrial continua medíocre em 2013. Em quatro trimestres a indústria de transformação cresceu apenas 0,4%. Os dados de julho da indústria paulista, divulgados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), indicaram um nível de atividade (INA) 1,6% mais baixo que o de junho, descontados os fatores sazonais, e 4% mais alto que o de julho do ano passado. Mas o aumento do INA em 12 meses ficou em 1,7%. O ano está comprometido, disse o diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da entidade, Paulo Francini.

Os números do segundo trimestre mostram o acerto da política econômica, segundo o ministro da Fazenda. Mas nem ele ousa projetar para 2013 um crescimento razoável para o PIB. Essa hesitação contrasta com a apologia das medidas oficiais. Fora do governo talvez seja mais fácil vê-las como são: uma política fracassada.

sábado, 31 de agosto de 2013

Argentina: nas universidades mais Marx, Keynes e Prebisch.

Matéria no ESTADÃO, informa que o ministro da Economia da Argentina, Amado Boudou, e seu vice, Roberto Feletti, defendem que as faculdades federais de economia do país modifiquem a atual grade escolar para dar "mais espaço" para as teorias do alemão Karl Marx, do inglês John Keynes e do argentino Raul Prebisch (fundador da Cepal), segundo confirmou à BBC Brasil o subsecretário de Coordenação Econômica do Ministério da Economia, Alejandro Robba.

"As faculdades argentinas hoje apresentam grades mais ortodoxas e nós apoiamos que elas sejam mais heterodoxas", disse.

"Além de Karl Marx, de Keynes e de Prebisch, o ministro apoia a maior presença de textos do professor (brasileiro) Franklin Serrano e do (polaco Michal) Kalecki, entre outros", disse.

E agora colegas brasileiros?

Ananindeua - Belém - Pará: Falha na gestão pública.

Leio agora na EXAME que a paraense Ananindeua, na Grande Belém, é uma das cidades com o PIOR nível de saneamento no grupo das 100 maiores. Apenas 22,5% das casas têm fornecimento de água e esgoto considerado satisfatório. Em 2004, havia só dois quilômetros de rede de esgoto na cidade. O número está, hoje, perto de 100 quilômetros, ainda irrisório para um município de 500.000 habitantes. A sujeira descontrolada traz outros males consigo. Em 2011, Ananindeua gastou R$ 315.000,00 para cada 100.000 habitantes em internações com diarreia. Franca, em São Paulo, por sua vez, a mais bem avaliada em saneamento no estudo da MACROPLAN, teve gasto de R$ 8.000,00.

E tem mais!

Ananindeua é uma das cidades com PIB per capita mais baixo na pesquisa – e é lá onde mais MORRE gente assassinada entre as maiores cidades brasileiras. Seus 157 homicídios por 100.000 habitantes superam a taxa de Honduras, país onde, proporcionalmente, mais gente é assassinada no mundo. Por que não seguir, pelo menos, o exemplo de Santarém, onde ocorrem 3 homicídios para cada 100.000 habitantes?    

Brasileiro, cearense, paraense por adoção, não podemos aceitar esse tipo de notícia. O Pará é um estado rico e, indiferente do governante de plantão, merece MAIS. Por favor, povo paraense, pense nisso na hora de votar em 2014.  

Lamentável.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O câmbio está avisando.

No VALOR de hoje, uma aula de economia com o professor Delfim Netto. 

Idealmente, numa sociedade com sólidas instituições, em que o Estado é constitucionalmente constrangido a regular, de preferência, a atividade produtiva através da organização de mercados competitivos, que garantam a plena liberdade de escolha individual do emprego e do consumo, a política econômica objetiva dois equilíbrios dinâmicos: o interno e o externo.

O equilíbrio interno tenta atingir o nível da atividade econômica que esgota o fator de produção não transacionável mais escasso. Esse nível depende: 1) do consumo privado, influenciado pelo salário real, pela expectativa de emprego e pelo crédito; 2) do investimento privado, que depende da própria expectativa sobre o nível futuro da atividade, da taxa de juros real e do crédito; 3) das despesas discricionárias do governo no seu consumo, no processo redistributivo e no seu investimento; 4) das exportações, que dependem do nível da demanda externa, da produtividade da economia e, positivamente, da taxa de câmbio real; e 5) das importações necessárias para complementar o consumo, a produção e os investimentos, que dependem do nível da própria atividade e, negativamente, da taxa de câmbio real.

O equilíbrio interno exige, adicionalmente, que ele se realize com uma taxa de inflação relativamente estável e parecida com a dos competidores no mercado internacional.

Finalmente, o equilíbrio externo significa que eventuais déficits em conta corrente devem ser confortavelmente financiáveis e relativamente imunes aos aleatórios movimentos de capitais, que são induzidos pelos diferenciais das taxas de juros reais internas e externas.

Como, no mundo real, se realizam tais equilíbrios? Para os economistas da metodologia do "suponhamos que", é simples. Suponhamos: 1) um governo verdadeiramente crente na "eficiência dos mercados" e que dá a todos quantos existirem, as condições necessárias para a sua plena flexibilidade (de forma que sempre estarão em equilíbrio); 2) que o trabalho é uma mercadoria como qualquer outra e que o salário é determinado num mercado igual ao dos parafusos, que aceitam qualquer rosca, não têm preferências e, principalmente, não votam; 3) que o governo obedeça às restrições orçamentárias e conhece o nível da atividade possível; e 4) que o Banco Central controle a taxa de juros real para manter a oferta global igual à demanda global (para obter a taxa de inflação desejada). Suponhamos, finalmente; 5) que a taxa de câmbio real flutuante mantenha o saldo em conta corrente administrável. Com mercados completos (onipresentes) e oniscientes, o sistema estaria sempre em equilíbrio no nível máximo da atividade.

O grande número de variáveis a serem controladas levou a uma divisão do trabalho entre as autoridades fiscal e monetária, da qual resultou a famosa política econômica canônica resumida no tripé: 1) política fiscal anticíclica (o que mostra que o sistema tem flutuações ínsitas) com superávits primários que levem a dívida pública bruta/PIB a dar espaço para o aumento de gastos do governo quando necessário; 2) meta de inflação estabelecida pelo poder político, que autoriza o banco central autônomo a fixar a taxa de juro real que estabiliza a expectativa da inflação no nível da meta; e 3) câmbio real com flutuação relativamente suja para reduzir a volatilidade sem pretender fixar o seu nível.

Há, seguramente, alguns problemas com o modelo derivado da organização do mercado de trabalho, porque ele nega, de fato, a possibilidade do desemprego e lhe faltam preocupações que reduzam a tendência dos mercados à concentração da renda e estimulem o aumento da igualdade de oportunidades, fundamentais para a estabilidade social.

Há mais. Não há nenhuma razão para supor que a taxa de juro real que estabiliza a inflação interna seja compatível com a taxa de câmbio real que mantém o nível da atividade interna. Se o diferencial entre as taxas de juros reais interna e externa estimular a absorção de poupança externa isso levará à valorização da taxa cambial, à destruição da produção interna e, eventualmente, a problemas com o financiamento do balanço em conta corrente.

O exemplo brasileiro é claro. O combate à crise de 2008 levou a medidas que estimularam o aumento do salário nominal muito acima dos aumentos da produtividade e da própria taxa de inflação e a uma valorização oportunística do câmbio nominal para combater a inflação. Como consequência, o câmbio real, que é igual à relação câmbio nominal/salário nominal, sofreu até recentemente uma dramática valorização.

O resultado disso foi uma queda do nosso saldo comercial (a despeito do aumento das relações de troca), de um nível de US$ 25 bilhões na média de 2008-12, para qualquer coisa como US$ 5 bilhões em 2013. A tabela abaixo dá a soma das contas do balanço de conta corrente de 2008 a 2013 (em US$ bilhões). No período, o investimento direto estrangeiro superou o déficit em conta corrente em US$ 10 bilhões.

Não é possível aceitar um déficit em conta corrente de quase US$ 300 bilhões em seis anos, e de quase US$ 80 bilhões em 2013, como "natural", apesar dele ser 3,5% do PIB. Aqui o número conta. As condições do mundo estão mudando e o financiamento pode ficar bem mais difícil. É isso que o ajuste endógeno da taxa de câmbio está sinalizando.

domingo, 25 de agosto de 2013

É possível Guido Mantega ouvir Armínio Fraga?

Na VEJA, Armínio Fraga, manda o seu recado:

"A valorização do dólar não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Dito isso, há, sim, uma queda de confiança na política econômica brasileira. A isso se soma uma revisão para baixo das expectativas de crescimento do PIB. Para reconquistar a credibilidade, o governo deveria reforçar o compromisso como tripé da estabilidade, ou seja, cumprir o superávit fiscal de maneira limpa e transparente, perseguir a meta de inflação de maneira convincente e reforçar a ideia do câmbio flutuante".


Espero que Dilma e Mantega também recebam e leiam a VEJA neste domingo e, segunda-feira, iniciem a semana corrigindo alguns pontos fora da curva. 

sábado, 24 de agosto de 2013

O capitalismo de Roberto Campos em 2013.

A vantagem do capitalismo é que, por ter exemplos de sucesso, admite fracassos e tem mecanismos de correção. Para os socialistas, ao invés, o fracasso é apenas um sucesso mal explicado.

Fui um bom profeta. Pelo menos, melhor que Marx. Ele previra o colapso do capitalismo; eu previ o contrário, o fracasso do socialismo.

Foi precisamente o capitalismo 'selvagem' dos americanos, que fala mais em individualismo que em solidariedade, mais em competição que em compaixão, que se provou o mais 'includente', criando empregos não só para os nativos mas para milhões de 'excluídos' de outros continentes.


A risada do dólar.

Até mestre Sinfrônio, lá no Diário do Nordeste, está rindo do US$. Afinal, é sempre assim: enquanto uns riem, outros choram.


O dólar e a desconfiança.

Editorial do ESTADÃO em 21.08.2013 e a recorrente preocupação com a situação cambial. 

Desejada por muitos industriais como alavanca da exportação e barreira protetora do mercado interno, a desvalorização do real é acima de tudo, neste momento, um fator de incerteza e de agitação financeira. Quando o câmbio se acomodar, ninguém sabe onde, será possível um balanço mais claro dos ganhos e perdas. O País poderá estar um pouco mais competitivo, pelo menos por algum tempo, mas as pressões inflacionárias terão aumentado. Problemas de custos serão mais graves tanto para produtores como para consumidores. Mas a instabilidade cambial ainda poderá durar meses. A insegurança continuará, com intensidade variável, mas sempre com estragos, enquanto se esperam as prometidas alterações na política americana de afrouxamento monetário.

Alguma nova indicação sobre a mudança poderá surgir com a divulgação da ata da última reunião do comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). A emissão de dólares deve ser reduzida quando os dirigentes do Fed julgarem bastante firme a recuperação econômica dos Estados Unidos. Ninguém pode dizer com certeza quando isso ocorrerá.

Enquanto a agitação continua, as autoridades brasileiras tentam, em primeiro lugar, conter a excessiva instabilidade do câmbio e limitar seus efeitos sobre a inflação, ainda muito longe da meta de 4,5%. O governo tenta evitar um novo estouro do limite de tolerância, de 6,5%.

Da perspectiva do Palácio do Planalto, é muito importante conter, em primeiro lugar como estratégia eleitoral, a crise de confiança em relação à política econômica e às perspectivas da economia. A alta de preços é um dos principais fatores de desconfiança dos investidores e o Executivo sabe disso, embora continue pouco disposto a adotar uma política séria de estabilização. Isso envolveria, entre outros pontos, um controle efetivo dos gastos públicos.

Com reservas na vizinhança de US$ 370 bilhões, o Banco Central (BC) tem bom estoque de munição para intervir no mercado, mas, como sempre, com resultado muito incerto. No fim das negociações de 20.08.2013, o dólar comercial era vendido a R$ 2,394. Depois de dois leilões promovidos pelo BC com oferta de US$ 4 bilhões, a cotação havia caído para R$ 2,396, voltado a R$ 2,40 e novamente baixado. No fechamento do dia anterior, a moeda americana havia sido vendida a R$ 2,414. Mesmo com algum recuo, o dólar ainda acumulava ontem uma alta considerável, cerca de 7% em apenas 30 dias.

Apesar da depreciação do real neste ano e mesmo nos últimos 12 meses, as contas externas continuaram em deterioração. De janeiro até a terceira semana de agosto, o País acumulou um déficit de US$ 4,731 bilhões no comércio de mercadorias. As exportações renderam US$ 146,693 bilhões e as importações custaram US$ 151,424 bilhões. Pela média dos dias úteis, 0 valor exportado foi 1,6% menor que o de igual período do ano anterior. O valor importado, 10,4% maior.

O descompasso é indisfarçável. Parte das importações de combustíveis do ano passado só foi contabilizada em 2013 e isso afetou o resultado geral. Mas, se esse valor tivesse entrado nas contas de 2012, o superávit do ano teria sido muito menor, De qualquer forma, a piora do comércio exterior do País estaria bem caracterizada.

Para este ano, especialistas consultados no fim da semana passada pelo BC, em soa pesquisa Focus, projetam saldo comercial de US$ 4,35 bilhões, 77,6% menor que o de 2012. Essa é a mediana das estimativas coletadas pelos pesquisadores. O mesmo levantamento indica a expectativa de um déficit de US$ 77 bilhões na conta corrente do balanço de pagamentos.

A firme deterioração dessas contas é um dos fatores de insegurança dos investidores financeiros e dos empresários industriais. Com a esperada mudança no mercado financeiro - dólares mais escassos e mais caros -, especialistas mostram-se preocupados com o financiamento das contas externas brasileiras. Somem-se a isso a desconfiança em relação às contas públicas e o temor de mais inflação e o quadro torna-se facilmente compreensível A mudança na política do Fed é só um componente a mais de um cenário ruim.

Causas internas da desvalorização do real.

Editorial do "O Globo" em 23.08.2013 e o atual momento da economia brasileira.  

O fato de a desvalorização do real não ser algo isolado, fazer parte de um movimento planetário que atinge economias emergentes, parece álibi perfeito para a reação típica de autoridades de culpar causas externas por problemas domésticos. Mas não é bem assim.

Por trás de tudo, está a proximidade do fim do "relaxamento monetário", instituído pelo banco central americano (Fed) para recuperar a economia, por meio da injeção periódica de bilhões de dólares, via recompra de títulos. Depois de mais de US$ 3 trilhões colocados em circulação, a economia americana firma uma tendência de recuperação. Para não gerar pressões inflacionárias perigosas, o Fed suspenderá essas operações, e o capital financeiro que gira no mundo, diante da perspectiva de alta dos juros americanos, começa a buscar títulos do Tesouro dos EUA. Natural que economias emergentes percam atratividade. Porém, há emergentes mais atingidos que outros. Por fragilidades próprias, caso do Brasil.

No inventário de decisões erradas na condução da economia, que hoje cobram um preço na forma de desvalorização exacerbada da moeda, está a "contabilidade criativa", idealizada para, ingenuamente, tentar camuflar uma política fiscal expansionista enquanto o discurso oficial é o oposto. Relacionado a esta "criatividade", há o uso desregrado do endividamento público para capitalizar BNDES, BB, CEF, aumentando o risco fiscal. Tudo mina a credibilidade do país diante do investidor externo - e interno -, problema amplificado pela leniência demonstrada com a inflação. Há, ainda, o intervencionismo na formatação de leilões de concessão, com o tabelamento de taxas de retorno. Bem como o dirigismo estatal no congelamento de combustíveis, dramático para o caixa da Petrobras, quando a empresa precisa de recursos para ampliar a fronteira de exploração do pré-sal.

Ainda no quesito da formação artificial de preços, há um subsídio na conta de luz, a fim de bancar o corte predefinido de 20% no custo final da energia. Nele, há o risco de se criar no Tesouro um daqueles "esqueletos" fiscais descobertos quando o Plano Real estabilizou a economia.

Há entre os agentes econômicos a correta percepção de que os subsídios apenas reprimem inflação. Formam no subsolo da economia uma tsunami de inflação represada.

Pode ser que o governo já tenha se convencido de alguns desses erros. O mal, porém, no entendimento do mercado, está feito. E como a percepção dos descaminhos na política econômica coincidiram com o início da contagem regressiva do fim da política do Fed de "relaxamento monetário", a fuga de divisas para o mercado americano pune o Brasil mais que outros países, inclusive latino-americanos. Claro que quanto mais cedo os rumos da política econômica forem ajustados, também mais cedo a dose extra de punição será atenuada. O mundo acompanhará com atenção as próximas reuniões do Copom e as licitações de portos, estradas e ferrovias que se aproximam.

Dólar em alta traz desafios para a política monetária.

Editorial do VALOR ECONÔMICO de 23.08.2013 analisa a atual situação da economia brasileira.

A acelerada desvalorização do real, se não for parcialmente revertida logo, fará estragos nos índices de preços, que há tempos não vão bem. O país estava diante de opções ruins, agora exacerbadas pelo descolamento do câmbio - um ciclo de alta de juros para derrubar a inflação, com efeito contracionista em uma economia que relutava em crescer bem.

O câmbio maltrata países e economistas igualmente. É ainda mais difícil fazer prognósticos em meio a uma mudança dos padrões monetários do porte da que fará o Federal Reserve americano, em meio a turbulências e mercados nervosos. Nessas circunstâncias, "overshootings" são inevitáveis e a moeda brasileira está perto deles, após o uso de cerca de US$ 40 bilhões em swaps e, em dose pequena, linhas de câmbio. Uma parte da sobrevalorização do real já fora descontada com a correção de cerca de 20% realizada em 2012. Com os desequilíbrios já existentes na economia brasileira e outros amplificados pela dinâmica da instabilidade movida pela reversão de fluxos de capital, a cotação do dólar tem, sem dúvida, combustível para subir até onde a irracionalidade permitir, para depois se acomodar. O que interessa é o novo ponto de equilíbrio - um enigma.

Com a cotação de fim de período do mês de julho, de R$ 2,2897 ou pela média do mês, de R$ 2,2522, a moeda brasileira estava bem perto de zerar sua valorização. O índice da taxa efetiva real (com IPCA de deflator) naquele mês foi de 94, já próximo dos 100 de 2005 ou de junho de 1994. Isto é, uma diferença de 6,3%, o que pode sugerir, a grosso modo, que por esse parâmetro uma "boa" cotação estaria na casa dos R$ 2,40 a R$ 2,45. O Fundo Monetário Internacional estimou valorização de 10% a 15% do real em relação à cotação de maio, de R$ 2,03, indicando uma posição de algum equilíbrio com o dólar entre R$ 2,25 e R$ 2,35.

Há outros cálculos mais sofisticados e números para variados gostos. As previsões são feitas sob terrenos movediços, ao suporem que os juros dos títulos do Tesouro americano, que subiram para 2,88%, estacionem aí. O Itaú projeta câmbio a R$ 2,45 no fim do ano, com inflação de 6,1% e o Bradesco, em R$ 2,30 com os preços correndo a 5,9%. Ou seja, parece razoável supor que o câmbio pode momentaneamente escapar bastante dessas duas balizas, mas depois estacionará entre elas.

Os problemas causados por essa correção, porém, são desagradáveis. A correção dos combustíveis parece ser inevitável, como já se convenceu o governo, e só com esse reajuste, dificilmente a inflação será inferior aos 5,8% de 2012, uma meta que o Banco Central vem perseguindo com o ciclo de alta de juros. Ao que tudo indica, o esforço dos juros terá de ser maior para obter esse mesmo resultado. Dólar em alta costuma ser acompanhado por commodities em baixa, mas não foi isso que ocorreu em julho e no trimestre, quando o índice elaborado pelo BC evoluiu 2,27% e 8,32%, respectivamente. Não há disparada à vista, mas há pouca chance de recuos relevantes, que ajudem a conter os índices de preços.

O aumento dos juros busca contrair a demanda em uma economia que tem mostrado pouca disposição para elevar seu ritmo de crescimento. A disparada do dólar trouxe um ingrediente de pessimismo adicional aos já baixos índices de confiança de empresários e consumidores, que provocaram retração da demanda e, até certo ponto, também dos investimentos. Como os fatores negativos, nessas circunstâncias, aparecerão antes que os positivos - aumento das exportações, que tirará a indústria de sua letargia, fim da fogueira de preços no setor de serviços, por exemplo - é possível que a política de aperto terá de sacrificar mais o crescimento do que se previa antes das tempestades nos mercados de moedas.

O rearranjo do dólar e dos juros no mercado internacional, por outro lado, tornou mais difíceis as captações externas e reduziu muito o fluxo de ingressos no país em um momento em que o déficit em conta corrente sobe e a balança comercial arrasta um déficit ao longo do ano. Com isso, ficará mais trabalhoso fechar as contas externas, embora não haja, de novo, desastres à vista.

Na véspera de grandes guinadas na economia global, o Brasil parece estar sempre com a casa desarrumada. Na crise de 2008, o desequilíbrio se exprimia em juros lunares e taxa de câmbio apreciada. Agora, vive-se os efeitos de uma errada política fiscal cíclica e de tolerância com a inflação.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A conta de luz e a baderna fiscal.

Editorial do "O Estado de S. Paulo" e a piora nas contas públicas.  

A redução da conta de luz, um dos truques do governo para maquiar as pressões inflacionárias, poderá custar ao Tesouro Nacional R$ 17 bilhões, segundo cálculo da consultoria PSR, de Mário Veiga, um respeitado especialista em energia.

Se o cálculo estiver correto, o governo terá de gastar com essa política o dobro do estimado no começo do ano, de acordo com reportagem publicada no Estado na sexta-feira passada. Relatório distribuído pela consultoria a seus clientes apontou falhas importantes nas projeções oficiais: faltou acrescentar o custo adicional das térmicas, ligadas mais tempo do que o normal, e o aumento de preço da eletricidade comprada pelas distribuidoras. Esse documento é mais um de uma série de más notícias sobre as condições reais das contas públicas.

Bastaria esse gasto a mais com a política da conta de luz para neutralizar quase toda a economia de R$ 10 bilhões anunciada na última revisão bimestral do Orçamento. A maior parte dessa economia será provavelmente um corte de vento, mas está incluída nas novas estimativas do resultado fiscal.

Essas estimativas já haviam sido prejudicadas, logo depois do anúncio, pela decisão da presidente Dilma Rousseff de liberar R$ 6 bilhões para emendas de senadores e deputados ao Orçamento-Geral da União (OGU).

Essa liberação é parte do costumeiro toma lá dá cá entre o Executivo e a base aliada, uma barganha para obtenção de apoio em votações importantes para o Palácio do Planalto.

Ninguém deveria criminalizar as emendas, disse recentemente secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Mas não se trata de criminalizar. As emendas, geralmente usadas para atender a interesses eleitorais dos parlamentares, independem de objetivos próprios da administração federal Na prática, são uma forma de apropriação de recursos para fins privados.

Apesar da prometida liberação de verbas, a base abandonou o governo em duas questões importantes: a destinação dos royalties do petróleo e a proposta de emenda constitucional para adoção do orçamento impositivo, aprovada há poucos dias na Câmara.

Se esse projeto for sacramentado nas duas Casas do Parlamento, a presidente Dilma Rousseff poderá, como último recurso, tentar derrubá-lo na Justiça, mas enfrentará resistência política e precisará arregimentar mais forças. Se a emenda entrar em vigor, o Tesouro será forçado, provavelmente já no próximo ano, a soltar mais dinheiro para as emendas. Isso resultará em mais pulverização e mais desperdício de verbas e, naturalmente, em piora das contas públicas.

A iniciativa dos parlamentares, nesse caso, é apenas uma contribuição adicional à demolição das contas fiscais. Sem essa ajuda, o Executivo já tem feito mais que o suficiente para bagunçar a política orçamentária e enterrar todo compromisso com a disciplina fiscal.

Democraticamente, a presidente Dilma Rousseff e sua equipe econômica têm procurado abrir espaço para também os governos estaduais e municipais participarem da farra. A ampliação de limites de endividamento é uma eficiente forma de inclusão nessa festa, mas é também uma forma de afrouxar as normas da gestão pública.

Autoridades têm exibido, no entanto, pouca preocupação com essas normas, apesar de alguma encenação, como a proposta, formulada pela presidente, de um pacto de responsabilidade fiscal. Não há como levar a sério essa proposta, quando se considera a prática efetiva.

Até o fim do ano haverá ocasiões para novos golpes contra as finanças públicas. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, anunciou negociações para obter mais dinheiro do Tesouro. Essa ajuda, segundo informação extraoficial, poderá ficar entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões. Para isso, o Tesouro emitirá títulos e aumentará sua dívida.


O mercado anotará o desmando, mas o governo continuará agindo como se nada importante houvesse ocorrido. Em breve, a Lei de Responsabilidade Fiscal será menos seguida que o Código de Hamurabi.

domingo, 18 de agosto de 2013

Brasil: o reino da burocracia.

A GAP é o maior grupo de vestuário dos Estados Unidos e o terceiro do mundo. Fundada em 1969 e presente em 90 países, espera-se que em setembro desembarque em São Paulo.

O Diretor de Alianças Estratégicas da GAP comentou na VEJA que “o mercado brasileiro foi aquele que mais demandou tempo de pesquisa. Foram seis anos ao todo. Há muita regulação e muita tributação no Brasil.”

É ou não é a cara do Brasil?

Quem irá desenvolver o Pará em 2014?

Em recente palestra em Belém do Diretor de Política Econômica do BACEN, utilizando dados do IBGE de 2010 ele informou que o estado do Pará detém o maior percentual do PIB de toda a região Norte: 39%.


Enquanto isso, o estado do Pará apresenta o pior PIB per capita entre os sete estados da região: R$ 10.300,00

Indiferente do governador ou governadora de plantão, o estado do Pará merece MAIS. 


Lira Neto faz a união de Fernando Henrique e Lula.

No segundo volume da excelente trilogia sobre Getúlio Vargas, Lira Neto simplesmente consegue obter o consenso de FHC e Lula para o seu livro.

Fernando Henrique Cardoso:Li quase de um fôlego só o primeiro volume do livro de Lira Neto sobre Getúlio.”

Luiz Inácio Lula da Silva: “Poucas vezes vi alguém descrever tão bem a história de Getúlio Vargas e do povo gaúcho como o Lira Neto na primeira parte da sua trilogia.”


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Mudanças.

Leio na FOLHA de S. PAULO, o otimismo de Delfim Netto, embora não acredite em tudo que o mestre escreveu.  

Na última semana, alguma coisa se moveu. No campo político, assistimos à redução de dois estresses institucionais que devem trabalhar na direção de diminuir a angústia depressiva que se apropriou da sociedade.

Primeiro, a presidente tomou a iniciativa do diálogo e diminuiu a tensão entre o Executivo e o Legislativo, que ameaçava tornar-se um cabo de guerra na apreciação de cada projeto e de seus vetos. Segundo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que pode eventualmente condenar membros do Legislativo, mas que a cassação do mandato obtido na urna deve ser feita pelo Congresso.
Dois movimentos no sentido do mútuo respeito à independência harmônica dos Poderes da República e, portanto, no sentido da consolidação institucional.

No campo econômico externo algumas notícias como a aceleração das exportações chinesas e coreanas, e o aumento dos indicadores de compras industriais nos EUA e Europa, parecem dar alento a uma recuperação ainda que lenta da produção. No interno, tem havido uma mudança no comportamento do governo em relação à cooptação do setor privado para competir nas obras de infraestrutura cuja eficácia será testada nos próximos leilões de concessões de rodovias, ferrovias, portos e energia.

Talvez nada indique melhor a confusão que está levando os agentes econômicos a cultivarem um desânimo devastador do que a sua reação à situação externa mencionada acima. Em resposta ao que pode ser um movimento pontual aleatório das exportações chinesas, a Bovespa subiu 3,12%. Até a ação da OGX-ON subiu 9,25% (infelizmente para R$ 0,50!).

Isso revela que boa parte do pessimismo é, seguramente, exagerado. É claro que nossa situação não é confortável: crescimento medíocre por falta de investimento público e dificuldade de cooptar o do setor privado; taxa de inflação no teto superior da "meta" e um déficit em conta corrente de mais de 75 bilhões de dólares. Mas deve ser claro, também, que não há qualquer ameaça à estabilidade de nossa economia.

Recentes mudanças na política econômica: 1º) a melhoria da interlocução do governo e o reconhecimento de que ele deve melhorar a qualidade dos leilões nas concessões; 2º) o reconhecimento de que não há mais espaço para a política fiscal e que empréstimo interno do Tesouro não é recurso, a não ser quando financiado com superavit fiscal; 3º) a nova disposição do Banco Central de buscar a "meta" da inflação num prazo adequado, mas não indefinidamente prorrogável e 4º) Tudo isso e mais a flutuação da taxa de câmbio, que deverá aliviar a indústria, sugerem que estamos nos preparando para melhorar.


PIB prévia 2º trimestre de 2013: 0,89%.

Conforme o BACEN através do IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central), uma prévia do PIB, a economia brasileira cresceu 1,13% em junho em comparação com maio, o que resulta numa alta do PIB de 0,89% neste 2º trimestre de 2013, na comparação com o 1º trimestre.

O pessimismo neste 2013 continua em alta... 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Mansueto Almeida no Brasil Econômico.

O colega economista e blogueiro Mansueto Almeida não está para brincadeira. Em longa entrevista ao BRASIL ECONÔMICO ele é um duro crítico da atual política econômica. Abaixo uma prévia do que ele afirma.

O senhor comunga da ideia de que o governo abandonou o tripé macroeconômico de câmbio flutuante, meta de inflação e superávit primário?
Não diria que abandonou, mas tenho convicção de que a gestão do tripé macroeconômico piorou bastante, especialmente na questão fiscal e nas metas de inflação. Nos últimos cinco anos, com exceção de 2009, a inflação vem ficando próxima a 6% ao ano. Antes, quando a inflação esperada para o ano seguinte se distanciava da meta, o Banco Central (BC) tomava medidas para aproximar a taxa para o centro.

Nos últimos anos, isso não ocorreu. Ninguém acreditava que o BC iria tomar as medidas necessárias para trazer a inflação para o centro da meta. E quando isso ocorre num mercado de trabalho aquecido, você causa um problema, porque as pessoas vão demandar reajustes salariais baseados não no centro da meta, mas numa taxa de 6%. O custo disso é muito alto.

O último dado de inflação (variação do IPCA em apenas 0,03% em julho), que é muito bom, eu diria que é um ponto fora da curva. Os preços livres nos últimos meses estão rodando a 8% ao ano. O que trouxe a inflação para baixo foi o preço administrado. Combustível, tarifa de transporte urbano. São coisas que conseguem segurar por algum tempo, mas não por muito tempo.


A última vez que teve aumento de tarifa de transportes em São Paulo foi em 2011. Ano passado não teve, este ano não teve, próximo ano é eleitoral, provavelmente não terá. Mas em algum momento vai ter que reajustar, ou vai causar um prejuízo brutal para o setor privado. Você tem hoje um fato novo que é a desvalorização do real. E isso também contribui para aumentar um pouco a inflação.

A inflação de julho foi um ponto fora da curva.

Graças ao nosso CORECON PA, quem esteve ontem em Belém foi Carlos Hamilton, diretor de política econômica do BACEN.

Segundo o VALOR, quando questionado sobre os comentários de que membros do governo viram esse dado com um sinal de que o BC poderia relaxar a condução da política monetária, Hamilton disse que “não fala sobre esse tipo de comentário”.


E completou afirmando que “Acho que a inflação de julho foi de fato baixa, bastante baixa, mas é um ponto fora da curva. Inflação próxima de zero é exceção, não regra”, enfatizou durante entrevista após a divulgação do Boletim Regional do BC, completando que em agosto e nos próximos meses as taxas mensais serão mais elevadas.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

13 de Agosto - Dia do Economista: Parabéns.


Olhem o balanço de pagamentos.

Fabio Giambiagi, especialista em Finanças Públicas, hoje no O GLOBO.

Lester Thurow, antigo professor do MIT, dizia que "as sociedades têm uma tendência a cometer erros fundamentais a intervalos de 60 anos, uma vez que todo mundo com idade bastante para se lembrar do engano anterior a essa altura já está morto ou senil". Já nosso Ivan Lessa disse a mesma coisa, mas com outra métrica, quando escreveu que "de 15 em 15 anos, o Brasil se esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos".

Independentemente do intervalo de tempo em que as sociedades esquecem o passado, é natural que aqueles que vivenciamos as agruras dele observemos o presente com olhos diferentes daqueles que só conhecem o passado pelos livros de História. E, nesse sentido, para os mais velhos, a trajetória recente do nosso balanço de pagamentos é bastante preocupante.

É verdade que o funcionamento da economia em um regime de câmbio flutuante é muito diferente da forma em que uma economia opera com câmbio fixo ou rígido. Basicamente, com câmbio flutuante, na presença de uma desvalorização entram em jogo estabilizadores automáticos que não estão presentes quando a política cambial é rígida. Primeiro, pela mudança da paridade cambial em si, que altera os preços relativos de exportações e importações e modifica com o passar do tempo o resultado da balança comercial. E, segundo, porque enquanto que numa economia com câmbio fixo ou semifixo, há um certo valor em US$ de diversos itens da despesa, com câmbio flutuante tal valor é uma função da própria cotação cambial. Um exemplo simples ajuda a entender isso: se há R$ 30 bilhões a serem remetidos por conta de lucros e dividendos a uma cotação de R$ 2 por dólar, a remessa dessa rubrica será de US$ 15 bilhões, mas, se a cotação pular, só como hipótese de raciocínio, para R$ 3, o mesmo valor na moeda local, se medido em dólares, passa a ser de US$ 10 bilhões.

De qualquer forma, qualquer que seja a política cambial, desequilíbrios elevados na conta corrente de um país submetem este a um risco importante: o de o financiamento externo "secar". Nesse caso, o país terá que se ajustar, tão rapidamente quanto for a intensidade do movimento da conta de capitais.

O que nos mostram os números? Vejamos a trajetória do déficit em conta corrente do país. Até 2007, tinhamos um pequeno superávit. Em 2008, tivemos um déficit de US$ 28 bilhões, contido no ano seguinte para US$ 24 bilhões por conta da crise. Depois, ele só fez aumentar, chegando a US$ 54 bilhões em 2012, com perspectiva de chegar perto de US$ 80 bilhões em 2013.

Esses números, que em épocas anteriores teriam ligado o sinal vermelho da política econômica, são vistos com tranqüilidade tanto pelos gabinetes oficiais como por analistas privados, com dois argumentos. Um, de que haveria financiamento externo disponível. E o segundo, de que em termos relativos seria da ordem de 3% do PIB - percentual considerado aceitável. O problema é que ambos argumentos têm sua dose de vulnerabilidade. O financiamento externo existe até que deixa de existir - e, muitas vezes, isso ocorre subitamente. E o percentual do déficit é ele mesmo função da taxa de câmbio: se a fonte externa de recursos secar e o câmbio se desvalorizar, o valor do PIB em US$ cai e 3% do PIB podem virar 4% do PIB em pouco tempo - entrando em terreno mais delicado. Além disso, o déficit em dólares continua aumentando.

O país, que fez um ótimo ajuste externo na década passada, a ponto de ter eliminado a dívida externa líquida, parece ter se deixado seduzir pelo "canto de sereia" do financiamento externo. Tomás Eloy Martinez, autor de "La novela de Perón", coloca em boca deste a frase que ele teria dito ao afirmar que "a História é uma piranha", pois "sempre fica com quem paga mais". E quem paga mais é sempre o último, porque o relato que conta na História é sempre o derradeiro. Desde 2004, a demanda doméstica avançou na frente da produção, "festa" essa financiada pelo resto do mundo. Se essa relação não for revertida, cedo ou tarde teremos uma crise. O Governo precisa tomar cuidado: se o financiamento externo "secar", a história das gestões Lula-Dilma acabará sendo reescrita - e, se tanta gente foi para a rua mesmo com desemprego baixo, dá para imaginar o tamanho da confusão se tivermos uma crise para valer. 


A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...