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domingo, 21 de junho de 2009

DA SÉRIE: LEITURA INEVITÁVEL

Como este final de semana está muito complicado, estou quase sem tempo de dedicar-me as minhas postagens semanais. Para não perder o costume, vide abaixo um texto sobre a importância de metas para a inflação, assunto no qual estou a favor, muito embora, diversos outros colegas digam o contrário. Espero que pelo menos eles leiam e entendam o assunto da forma didática que aqui está. E que a eleição de 2010 não traga mais retrocessos ao BRASIL...
Direto da Folha de S. Paulo, com vocês MÁRIO MESQUITA, 43 anos, economista e diretor de Política Econômica do Banco Central do Brasil.

Dez anos de metas para a inflação.

O regime de metas para a inflação foi formalmente adotado pelo Brasil em junho de 1999. A despeito de enfrentar considerável ceticismo em Washington e em Wall Street, que, na época, pareciam ter mais simpatia pelo regime de conversibilidade argentino, e também no país, o regime tem sido bem--sucedido e está consolidado. Sem oferecer uma panaceia econômica - nenhum regime monetário o faz -, o regime de metas para a inflação vem se mostrando inequivocamente superior às alternativas, sejam elas metas cambiais ou para agregados monetários.

Este décimo aniversário é a ocasião propícia para se avaliar o desempenho do regime, reexaminando, à luz dos fatos, algumas das controvérsias, ou mitos, propagadas ao longo da última década, sobre seu desenho e sua implementação.

O primeiro refere-se à ideia de que, ao perseguir metas para a inflação, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) tenderia a punir a atividade econômica. Tal mito parece ser calcado na crença, ultrapassada, de que seria possível elevar a taxa de crescimento sustentado da economia com maior tolerância à inflação. Na verdade, os benefícios da redução da inflação para o crescimento ficam nítidos se considerarmos o importante trabalho, recentemente publicado, do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da Fundação Getulio Vargas.

Segundo esse trabalho, que cobre o período entre janeiro de 1980 e março de 2009, as recessões não se tornaram mais frequentes após a adoção do regime de metas para a inflação. Ao contrário, foi sob esse regime que se verificou a fase de expansão mais prolongada de toda a amostra - 21 trimestres entre o terceiro trimestre de 2003 e o terceiro de 2008 -, e que só foi abortada pela contração econômica mundial, a mais severa desde os anos 30 do século passado.

O segundo mito é o de que o Copom foi excessivamente conservador, ou seja, que praticou política monetária consistentemente mais restritiva do que o necessário para promover a convergência da inflação às metas. Se isso fosse verdade, a inflação deveria se situar consistentemente abaixo da trajetória de metas. Não foi, contudo, o que ocorreu.

Desde a adoção do regime de metas, a inflação tem estado mais tempo acima do que abaixo do valor central para a meta. De fato, desde 1999 a inflação permaneceu 72% do tempo em níveis superiores ao valor central da meta, e 26% acima do limite superior do intervalo de tolerância, mas nunca rompeu o limite inferior. A propósito, cabe ressaltar que foi o suposto conservadorismo do Copom, ao conter os danos, derivados da forte aceleração inflacionária ocorrida no ano passado, sobre as expectativas de inflação, que abriu espaço para ações de política monetária que terão efeitos contracíclicos, contribuindo para a recuperação da atividade econômica em 2009 e em 2010.

Poder-se-ia contra-argumentar que, se não o Copom, draconiano então foi o Conselho Monetário Nacional, ao fixar metas exageradamente ambiciosas para a inflação brasileira. Isso também não corresponde aos fatos. A média das metas centrais para os países emergentes era de 7,2% em 1999, mas se deslocou para 3,6% em 2009 (2,1% para países desenvolvidos), diante do valor de 4,5% vigente no país nos últimos anos. De uma amostra, compilada por pesquisadores do Banco Central, de 25 países que atualmente adotam o sistema de metas para a inflação, 17 dos quais emergentes, em 2009 somente 2 apresentam valores centrais da meta superiores ao do Brasil (Guatemala e Turquia) e 2 o mesmo valor (Indonésia e África do Sul). Além disso, o intervalo de tolerância de 4 pontos percentuais adotado pelo Brasil é o maior da amostra.

Outra crítica ao Copom é que ele não daria a devida importância ao equilíbrio externo na definição da política monetária. Novamente a crítica não encontra respaldo nos dados. Foi exatamente sob a égide do regime de metas para a inflação com flutuação cambial que a economia brasileira superou crônicos problemas de balanço de pagamentos, atingindo o grau de investimento.

E foi sob o regime de metas para a inflação com flutuação cambial que o Banco Central teve acesso, em momento de crise financeira global, a um acordo de "swap" recíproco de moedas com o Federal Reserve, em vez de ter de recorrer ao FMI.

O desempenho do setor externo na economia sob esse regime, que alternou conjunturas externas benignas (como em 2003-2008) e adversas (1999-2002 e mais recentemente), contrasta de forma nitidamente favorável com o que se observou em períodos de câmbio administrado, nos anos 80 e 90 do século passado. A divisão de trabalho, política monetária voltada para o equilíbrio interno, consubstanciado nas metas para a inflação, e câmbio flutuante para atingir o equilíbrio externo, vem se mostrando bastante eficiente, como evidencia o rápido ajuste da conta corrente ocorrido desde o final de 2008.

Os economistas do Banco Central não ignoram o papel da taxa de câmbio no mecanismo de transmissão da política monetária, apenas o colocam em perspectiva - mudanças da taxa de câmbio, assim como de diversas outras variáveis, são analisadas sob o ponto de vista do efeito que poderão ter sobre a trajetória futura da inflação.

Essa posição pode ocasionalmente desagradar a certos setores, mas é a mais adequada do ponto de vista macroeconômico, é a única posição possível sob um verdadeiro regime de metas para a inflação e, em última análise, é a mais apropriada para a sociedade como um todo. Um tema recorrente de controvérsia, que no caso brasileiro tornou-se mais evidente sob o regime de metas, é a questão das defasagens da política monetária. Essas defasagens fazem com que a política monetária deva ser ajustada antes que seus efeitos se tornem evidentes, daí a ênfase atribuída às projeções para a inflação e ao balanço dos riscos em torno do cenário prospectivo central, no processo decisório do Copom.

O regime de metas para a inflação é, em resumo, bastante flexível e, ao enfatizar a transparência, em nosso caso por meio da divulgação das notas das reuniões do Copom, dos Relatórios de Inflação, bem como das frequentes audiências da diretoria do Banco Central no Congresso Nacional, especialmente adaptado à governança democrática. Mas flexibilidade não implica ambiguidade de propósitos: cabe ao Copom calibrar a política monetária de forma a promover a convergência da inflação para a trajetória de metas estabelecida pelo CMN.

Essa calibragem leva em conta um amplo conjunto de informações, como o grau de ociosidade na utilização dos fatores de produção, as expectativas de inflação, a persistência inflacionária e a evolução dos custos das importações, bem como de itens administrados, mas sempre -e quanto a isso não deve haver dúvida na sociedade- com foco no objetivo precípuo da política monetária, que é alinhar a dinâmica dos preços às respectivas metas.

No dia 21 de junho de 1999, o decreto nº 3.088 estabeleceu o sistema de metas para a inflação como diretriz para o regime de política monetária brasileiro.

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